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Base Leste (Pesquisa avançada de regeneração celular e de tecidos)


Tum.Tum.Tum. Ele estava sendo arrastado. Sangue manchava o caminho pelo qual seu corpo passou. O cheiro era insuportável. Tum. Tum. Saltos passavam por ele e tiros, tiros. Sentia-se gelado naquele lugar. Não conseguia movimentar sua mão. Sua boca estava rígida. Jogaram outra pessoa ao seu lado. Sangue saia do local onde devia estar seus olhos. TumTumTumTum. Ele queria fugir, mas nada respondia seus comandos. Um som saiu da sua boca entre aberta. Um som de agonia e dor. O som ecoou pelos corredores brancos e gelados. O som de um monstro ganhando a dádiva da vida.

—Ainda não é a hora de acordar, senhorio. –O homem rapidamente administrou um sedativo nele. O grito tornou-se fraco com passar dos segundos. –Bom garoto.

Ele olhou para a tela e verificou a diminuição dos batimentos cárdicos. Ainda não era hora. Uma moça entrou na sala com o olhar de preocupação. Seus olhos focaram seu colega e foram para a criatura sentada em uma cama hospitalar motorizada.

—Isso foi ele? – Falou com um sorriso contido no rosto.

—Sim, foi! Deve ter sido um sonho muito conturbado. –Falou olhando para ele. – Vamos ter que retornar a dose antiga de sedativo.

—Eu imaginei. – Ela olhou para o cérebro da criatura a amostra. –Sem hemorragia pelo jeito. –Ele confirmou com um movimento da cabeça. –Quando ouvi o grito dele me senti como Franksteween.

—Sua analogia foi bem feita. –falou caminhando para a sua mesa. Ele ficou com a pior parte do trabalho. Detalhar a pesquisa.

Ela caminhou até o ser, colocando a máscara cirúrgica. Dois drenos estavam em sua cabeça evitando o acumulo de qualquer liquido naquela região. Dispositivos semelhantes a agulhas estavam fincados nas regiões com nervos, enviando e recebendo informações. Ela sorriu.

—A regeneração está quase completa. Não vamos precisar mais desses drenos. –Olhou para o rosto relaxado do ser. Ele era um homem belo. –Você vai mudar milhões de vidas.

—Na verdade, nós iremos. –Ela olhou para o seu colega de trabalho. Os olhos verdes dele estavam vidrados na imagem da célula em regeneração na tela do computador. Ele tinha mais ou menos cinquenta e oito anos, com uma barba loira bem aparada, um cabelo loiro curto e um sotaque estranho. –Não fiquei esse tempo todo aqui para um cadáver levar o crédito.

—Ser um pouco menos arrogante seria bom. –Um sorriso arrogante apareceu no rosto dele e ele voltou sua atenção para ela.

—É querer muito, um pouco de reconhecimento?

—Então, porque não deixa o mundo saber seu nome? –Ele suspirou e o ar de arrogância o deixou.

—Isso é diferente. –Ele falou serio. –Minha carreira sempre foi importante para mim e não vou deixar alguma pesquisa a destruir. E enquanto a possibilidade de isso acontecer existir, eu sou Tom e ninguém mais. –Ele coçou a mão. –Você é jovem, mas um dia vai entender.

—Que possibilidade é essa? –O olhar dela era vago.

—Me diga você, Dora. Você parou a pesquisa por causa da nossa cobaia. – Ele olhou para câmera na parede rapidamente. – Ninguém fala qual é o seu trabalho, salas fechadas. Há segredos aqui e você sabe disso.

Ele estava certo. Ele sempre estava certo. Ela caminhou até sua mesa de trabalho. Ela abriu seu notebook e uma musica soou na sala. Uma música clássica. Uma coisa que aprendeu sobre Tom era sua adoração ao ouvir musicas favoritas de outras pessoas. Ele sorriu e continuou seu trabalho. Ela sentou na cadeira e começou a arrumar sua mesa.

—Toque é uma doença que deve ter acompanhamento. –Falou seu ultimo colega entrando na sala com um sanduiche pela metade na mão.

—Eu não tenho toque e se você não notou a placa em cima do batente da porta, olhe de novo. –Ele olhou para trás e focalizou a placa. “Proibido comer na sala. Risco nível I.”

—Se esses filhos da puta trabalhassem aqui, eles logo a arrancariam ela dali. –Ele ergueu seu lanche para a câmera ver e mordeu com gosto. – E você tem toque sim. Arrumar uma mesa quatro vezes por dia não é normal. –falou com a boca ainda cheia.

—Já pensou que posso apenas lidar com a minha ansiedade desse jeito. –Até comendo o seu colega era bonito. Ele tinha um olhar inocente e muito sexy. Ele deu de ombros. –Nathan, para de fazer show e come logo isso. –Ele jogou o ultimo pedaço para a boca pegar. Quando pegou, olhou para ela e pisco. Ela se forçou para não corar.

Ele era alto, forte, seus cabelos eram pretos, olhos azuis bem escuros, algumas sardas no rosto, um cavanhaque bem feito e um olhar penetrante. Ele fez um movimento no ritmo da musica. Ela tentou deixar de olha-lo. Ele olhou todos os dados nas telas. Ainda dançando. Ela não conseguiu segurar o riso. Inacreditável.

—Como você pode brincar com ele assim?

—Se você estivesse no lugar dele não iria gostar de acordar comigo rebolando? –Ele falou com um sorriso gentil e encantador. –É melhor do que acordar em um laboratório de experimentos com gentes frias e feias. E, Tom é melhor você sair. -Tom riu, mas não perdeu a concentração. Ela relaxou um pouco.

—Eu achei que você fosse ficar o dia fora?

—Eu iria, mas um som monstruoso se propagou até o refeitório. Eu juro que eu vi o cara bem apanhado do segundo andar tremer. Pena que eu não tinha uma câmera. –falou rindo lembrando-se da cena. – Depois daquilo fui meio que obrigado a voltar. –falou digitando algo em um tablet que pegou. – Obrigado Morfeus, por apagar esse cara. – falou para Tom. –Assim vocês atrapalham o gênio de trabalhar.

—Na próxima vez, eu arrumo um grupo só com mulheres. É testosterona demais para mim. –Ela comentou baixinho.

—Eu vou me aposentar, isso sim. Estou velho demais para ouvir isso de um stripper. – Tom falou alto.

—Dora, não esperava isso de você. –Falou Nathan voltando seu olhar de decepcionado para ela. Ela apenas riu.

Os olhos dela focalizaram a mão dele pegar um bisturi. Ele olhou um minuto para a cobaia por um segundo. Com sua mão direita pressionou a lâmina no dedo do ser. Ele forçou, sangue começou a sair.

—O que esta fazendo?- O corte ficou mais profundo. Ela caminhou até ele rapidamente.

—Ele não vai se importar com um dedo a mais ou a menos. –As duas mãos do ser tremeu e ele ficou ali olhando esperando os olhos do ser se abrirem. Mas, não abriram. Ela puxou a mão dele, tirando o bisturi do machucado. –Que foi? Estava testando. Ele sente dor e isso significa que a regeneração está em bom andamento.

—Você não precisava fazer isso com ele?- Ela guiou a mão dele até o lixo ao lado. –Solta! –Ele soltou o bisturi. Ele olhou para ela com raiva.

—Você sabe o que significa a palavra cobaia? Pois, eu sei. – Ele se soltou e caminhou para a saída da sala. – Essa musica é uma merda. – Saiu de lá.

Ela colocou as luvas e fez um curativo rápido no dedo. Ela olhou o ser.

—Desculpa por ele. –Nenhuma reação. –Você deveria ter sido lindo antes do assalto. –Falou caminhando para um dispositivo que controlava a entrada de remédio no corpo dele. –Vou colocar a anestesia também para os membros inferiores, vai se sentir melhor. –Só quando terminou observou a que a musica havia parado.

—Ele estava certo. Ele é apenas uma cobaia. –disse Tom da mesa dela. Ela olhou para ele. – Ele é apenas alguém para comprovar nossa teoria e quando acabarmos ele vai voltar a ser um cadáver. Não se ligue demais a ele.

Ela caminhou até ele. Arrumou o papel que foi movimentado por Tom na sua mesa. Pegou seu crachá.

—Vou tirar umas horas para descansar. Se ele continuar desse jeito, amanhã à noite eu o levo para a cirurgia para darmos procedência com a nossa pesquisa.

Ela caminhou para saída. Tom queria pará-la, mas, com todos seus anos de vida, ele sabe quando uma pessoa precisa de um tempo para pensar. Ele sorriu. Ele realmente precisava se aposentar.

Ela respirou fundo e olhou para os dois lados do corredor. Não havia ninguém como sempre. O corredor era branco e as portas sempre estavam fechadas. Os sistemas de porta eram automáticas só podiam entrar quem estava autorizado. Ela começou a caminhar para o elevador. O som do seu salto em contato com o chão ecoou pelo local. Ela se concentrou apenas nesse som. Aquele lugar era deprimente. Quando passou por uma entrada que levava para o corredor paralelo ao dela. Ela parou. Sons de passos eram fortes e com muita frequência. Eles estavam com pressa. Um homem com um lindo terno passou primeiro seguido por dois seres vestidos de brancos. Ouviu saltos. Um deles era mulher.

Ela olhou para os lados. Ninguém. Seu corpo foi arrastado pela sua curiosidade. Ela andou de vagar para não fazer barulho com os saltos. Parou na entrada para o outro corredor. Ela um dia iria se perder naquele lugar, todos os corredores eram iguais. Tudo era igual e muito branco. O homem com o terno conversava baixo com o doutor. Ele estava irritado. A porta se abriu e uma mulher e um homem saíram de lá. Suas roupas cirúrgicas estavam com mancha de sangue fresco. O homem possuía um olhar vazio e não prestou atenção em nenhum momento na conversa. Ele encostou-se na parede e deslizou até se sentar no chão. O sangue manchou a parede. Outro homem vestido de preto saiu da sala. O homem de terno falou algo para ele apontando para o doutor sentado. O homem de preto puxou o doutor do chão e começou a leva-lo corredor a abaixo. O homem não mudou o seu estado em nenhum momento, ele perdeu a realidade.

—Ele vai ficar bem! –A mulher de branco quase gritou.

O homem de terno pareceu mais irritado. Ele puxou o braço da mulher com força e jogou ela na parede. O corpo da moça tremeu com o impacto. Ele chegou perto dela e falou algo baixo demais. A mulher ficou transtornada. Dora podia ver uma lágrima descer pelo rosto da mulher. Ele a puxou de novo, mas para dentro da sala e foi seguido pelo outra pessoa de branco. Ela conseguiu ouvir um barulho baixo vindo da sala. Algo muito grande se quebrou lá dentro. A porta se abriu novamente e uma maca com um corpo coberto por um pano banhado em sangue saiu da sala empurrada por outro cara de preto. Ele foi corredor a baixo. Momentos depois, o homem de terno saiu da sala e seguiu o mesmo caminho do outro homem. Ela respirou fundo pela primeira vez.

—Você precisa sair daqui!- Sussurrou para ela mesma, mas não causou nenhum efeito nela.

A porta se abriu novamente. Outro homem de preto saiu. Ele olhou para o caminho seguido por todos e olhou para dentro da sala novamente. E depois para seus olhos.

Seu coração parou. Ela ficou ali parada olhando para os olhos daquele homem. Tum. Seu coração bateu em seu peito a fazendo a acordar. Ela virou rapidamente e correu para seu corredor. Ela cometeu um erro, um grande erro. Seus saltos faziam barulhos altíssimos em sua corrida para fora dali. Passou pelo refeitório e pegou uma garrafa de bebida em cima do balcão, vodka ou uísque. Olhou para o corredor do elevador, sem ninguém. Ela precisava sair dali. Ela precisava de ar puro. Ela precisava sumir por algumas horas.

Tudo ficou em câmera lenta. O homem do corredor saiu do outro corredor e parou na frente do elevador. Ele sorria para ela, um sorriso meigo e sarcástico. Ela parou. Aqueles olhos a faziam temer a realidade. Eram negros.

—Quem não gosta de sair para beber? Eu com certeza amo. –Ele era alto, forte e com cabelos negros.

—Eu... Eu não tenho autorização de sair dessa área.

—Claro que não, mas você é esperta. Você é observadora e percebeu uma pequena brecha. Um curto período de tempo sem nenhum guarda. –Ele caminhou até ela. Ele não era um guarda comum. –Mas, seu problema é se achar esperta demais. –A sua voz era sedutora e perigosa. –Mas, que tal você subir comigo e beber um pouco?-Ela acordou.

—Não, obrigada. Estava indo para meu quarto beber sozinha. Acabei me perdendo um pouco, mas já me encontrei. – Ela virou no sentido do qual veio, mas não conseguiu correr a tempo. Uma mão agarrou seu braço com força.

—Onde está meu cavalheirismo, eu te acompanho. –Um sorriso galante, mas sacarmos. -Só assim para você não se perder nos corredores. –Ela já havia visto esse sorriso.

Ele começou a caminhar e manteve-a ao seu lado, sem aliviar nenhum momento a pressão da mão dele no seu braço.

—Então você é minha babá? - Para sorte dela, estavam indo para seu quarto.

—Eu sou o que eles pedem para ser. Meu trabalho é manter a integridade de nossos funcionários, Dora. – Ela queria correr, mas ali em baixo estava perdida e a única passagem para cima ficou para trás. – Como está o cadáver?

—Ele está bem. –Ela sorriu para ele. – Você sabe muito sobre mim, mas nada sobre você.

—Eu gosto de motos e velocidade, mas, depois de um acidente e ficar paraplégico, meus gostos mudaram.

—Então você é um cadáver também. – A voz de Nathan soou atrás deles. Ele sorriu e virou, ela segui-o.

—Todos nós somos cadáveres aqui, Nathan. – Os olhos deles se encontravam. –Leve a doutora para seus aposentos por mim. –Ele virou para ela. – Cuidado com o que fala.

Ele soltou seu braço e começou a caminhar pelo caminho pelo que vieram. Quando ele sumiu na imensidão branca, ela conseguiu respirar.

—O que foi que você fez? – Nathan tentou manter a calma, mas seus olhar era de pura raiva.

—Eu meio que bisbilhotei e ele me viu.

—Ele te viu? Em cada centímetros dessa merda tem um câmera e só ele te viu. – Ele estava certo. – Use seu cérebro boneca.

—Nunca me chame assim! Não se esqueça quem é o chefe aqui. – Um sorriso sínico estampou em seu rosto. – Eu cometi um erro, admito. – Ela balançou a cabeça. – Dá onde eu conheço ele?

—Foi ele que trouxe o nosso cadáver, chefe. –A voz dele soou venenosa. – Você viu a roupa dele?

-Não. Eu congelei. O que tinha nela?

—Sangue na manga esquerda e sangue fresco em cima do sapato bem ilustrado.

—Obrigada. –Ele pegou a bebida na mão dela e bebeu um gole grande e devolveu a ela

—Durma! – Ele caminhou para a porta do seu quarto a alguns metros dali e entrou.

Ela fez o mesmo. Entrou na sala. Tum. As paredes eram de um tom marrom terra. Havia uma TV de 50 polegadas e varias prateleiras com seus livros favoritos. Deixou a garrafa no chão. Entrou no banheiro. Pegou um frasco de relaxante muscular e engoliu o comprimido a seco. Tirou o jaleco e jogou no cesto. Tirou a camiseta. Onde esteve a mão do homem estava roxo, muito roxo. Pegou uma camiseta azul para dormir. Tirou os saltos e foi para sua cama. Ela deitou e ficou. Ficou olhando para a única parede marrom do quarto. Ela não apagou a luz. Ela tinha medo da escuridão. Tum. Tum. Ela olhou para a garrafa. Levantou, a pegou e bebeu quase toda de uma vez.

A cabeça rodou. O estomago se contraiu. A garganta ardeu. Ela depositou a garrafa no chão. Se jogou na cama e adormeceu tentando esquecer o que viu. Nada importava além de seu trabalho.