Nos três dias que se passaram, não houveram mortes. Restam apenas cinco de nós aqui. Três garotas e dois rapazes. Frieda, Anne e Sophia; Lorne e eu. Apesar do ambiente estar pacato, a audiência diminui aos poucos, a meu ver, mas os boatos da nossa história de amor, Anne e eu, devem ajudar na estabilização da audiência do reality. Não se falam noutra coisa a não ser isso. Tampouco falam da Terceira Guerra que arrasa todo o mundo.

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E nesses três dias, a tosse de Sophia aumenta a cada dia que passa. Eu comecei a suspeitar que ela tivesse alguma doença. E nem chegamos a sair da caverna, a não ser para tomarmos um ar fresco da manhã e da noite. Afinal, o que estariam Frieda e Lorne fazendo?

Sophia tossia muito. Tem vezes que ela ficava bem corada ao tossir. Eu bem que me preocupei com ela, mas ela sempre termina com um não foi nada, foi só uma tossezinha de nada.

Hoje de manhã, ela acordou bem pior que antes: a tosse aumentara tanto, que até chegou a sair sangue. Sophia se assustou, que chegou a gritar de susto. Eu me sobressaltei. Tentei ao máximo ampará-la, mas nada está adiantando. Gritei por Anne, que dormia. Ela me sugeriu alguma coisa.

– Leve-a para tomar um ar fresco da manhã.

Mas foi pelo sangue, do qual surgiu com a tosse da Sophia, que eu temi que fosse tuberculose. Essa doença, assim como as outras, contagiosas, matavam constantemente os judeus nos campos de concentração na primeira fase do Nazismo. Na segunda, os demais inferiores, que vivem em campos de concentração, a porcentagem está aumentando aos poucos.

Logo que saímos da caverna, Sophia continua tossindo, até ficar vermelha. Quase choro de pena, mas ela é minha amiga. Tento auxiliá-la o máximo que posso.

– Tente respirar aos poucos. - disse, colocando a mão em seu peito, pressionando-o não muito forte. - Assim...

Ela respirava, mas com dificuldade. Afinal, o que ela teria feito para pegar uma tosse contagiosa?

– Obrigada. - a sua voz parecia um pouco rouca e inaudível. E ofegante, é claro. - Não era engasgo, como você temia, mas também não pode ser uma doença.

– Tomara que não seja uma. - falei, por fim. Anne apareceu atrás de nós.

– E aí, como você está? - ela perguntou. Sophia respondeu:

– Estou bem, obrigada.

Do nada, Sophia retirou do bolso, um mirtilo, só que tinha umas pequenas manchas vermelhas. Eu nunca vi essa espécie de mirtilo em toda minha vida. Ela o jogou para o alto e este quase cai em sua boca, não que tenha errado o cálculo, mas que a Anne o pegou na hora. Sophia ficou intrigada com o ato.

– O QUE É ISSO? - ela parecia desconfiada.

Anne examinava o bago de mirtilo, preocupada aos extremos.

– Ah, meu Deus! - ela sussurrava. Eu congelei.

***

Saímos em disparada da caverna e vasculhamos a Floresta toda, a procura de mudas de mirtilos, daqueles manchados de vermelho. Aquela preocupação da Anne me deixou muito tenso, fazendo com que eu me preocupasse ainda mais com Sophia.

– Onde você encontrou esse tipo de mirtilo? - perguntei à Sophia.

– Na crista de uma colina. - ela responde. - Não muito longe daqui. - ela tosse mais uma vez.

O sol brilhava forte. Castigava demais os nossos olhos, corava os nossos rostos. Por outro lado, bem melhor que encontrar o dueto de Berlim. Mas para piorar, Sophia parou mais uma vez para tossir, se apoiando sobre o sabre. Tentei ajudá-la, fazendo com que respirasse aos poucos, mas cada vez que tossia, respirava com muito esforço. Até que a tal crista da colina, a qual Sophia falou, não era tão longe assim, porque a colina estava encoberta de mudas de mirtilos manchados. Ou devo dizer, enferrujados.

Anne se acocorou e pegou um dos bagos da fruta. A meu ver, o seu semblante mudou do preocupado com o lívido. Nem me arrisquei em perguntar, não quero causar nenhuma dor em nós, não mais. Tampouco quero perder mais um amigo.

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– Heinrich... - Anne murmurava, trêmula. - Sophia...

Mas tive que me arriscar de qualquer maneira. Afinal, só quero o melhor para todos nós. Mas, mesmo assim, estou prejudicando.

– Esses mirtilos... - balbuciou. - p-possuem umas substâncias nocivas à saúde. A mancha vermelha possui uma toxina que, ao ingerida, não provoca nenhum sintoma, nos primeiros dias.

Ela está me deixando aflito com o seu semblante. Sophia desconfia.

– Mas, com o passar do tempo, - continua. - um dos primeiros sintomas é a tosse... - como se não bastasse, eu também comecei a desconfiar que a Sophia tenha razão: não era um engasgo, mas sim, a tosse que Anne acabara de mencionar. Mas foi neste exato momento que a Anne descobriu que a tosse era um dos sintomas de uma doença conhecida. - Como a tosse vai se intensificando aos poucos, com o passar dos dias, é semelhante a uma tuberculose.

– Tuberculose? - Sophia se aturdiu. Anne assentiu.

– Pode parecer, mas não é.

– Por quê? - indaguei.

– Porque a toxina já entra na corrente sangüínea. - Anne responde, ainda mais trêmula e aflita. - Mas, ainda bem que eu a impedi de comer esses mirtilos. - terminou, só que aparentemente aliviada.

Sophia começou a ter palpitações pelo corpo. Eu tentei ao máximo ajudá-la. Anne tentava entender o porquê da sua aflição, mas o que ela acabou de dizer, não era como nós pensamos. Pelo contrário, era bem pior do que temíamos.

– EU COMI DESSES MIRTILOS!! - ela gritou, só que bem mais rouca e perdendo a voz. - EU OS COMI NO TERCEIRO DIA! E eu pensava que eram qualquer um deles.

Uma lágrima brotou dos seus olhos. Anne e eu nos afligimos com o seu estado. Aquela garota do sabre, corada e corajosa, cedeu o lugar a uma garota pálida e doentia. Mais acesso de tosse com catarro de sangue a devastava quase que completamente. Só não devastou a sua marca.

Anne e eu fizemos de tudo para salvá-la mas, uma única tosse veio, entretanto veio bem forçada. Foi nessa última tosse, que eu pude ver que não havia mais esperança para Sophia. Pra que viver com sofrimento lhe acompanhando? Pra que sofrer? Eu sei muito bem o que é sofrimento. Sofrimento não é só aquele inimigo que chega de repente e faz da sua vida um inferno, mas sim, aquela angústia natural que você sente, que você vivencia. Você é a prova daquele sofrimento, assim como eu e o resto de nós, tanto do maldito reality, como lá fora. Afinal, Sophia estava sofrendo.

Ela estava morrendo. Não havia mais esperança de cura.

Pusemos Sophia de barriga para cima, cujos olhos castanhos dilatados cravavam o olhar em mim. Ela estava muito fraca e ofegante para falar. Sua voz estava inaudível.

– Se eu morrer hoje - falou, arfando. - quero muito que vocês ganhem. E se fizerem uma turnê por Bonn, ao verem a minha família aos prantos com a minha perda, me prometam uma coisa: O amanhã é muito misterioso, pode trazer muitas surpresas. Agora repitam o que falei.

– O amanhã é muito misterioso, pode trazer muitas surpresas. - repeti. Anne fez o mesmo.

– Guardem bem a oração. Ela pode lhes acender, assim como o medo, se vocês estiverem em perigo. E falem isso quando discursarem na hora, tá bom?

Anne e eu assentimos. Subitamente comecei a chorar. Anne só deixou uma lágrima correr pelo rosto. Ao menos tentei fazer com que ela vivesse e que ganhasse, se a Anne morrer ou eu morrer. Mas a verdade é que eu nunca esperava de que esse tipo de mirtilo fosse venenoso. Mas ainda bem que Frieda e Lorne não vieram para nos caçar.

Por fim, Sophia me pediu uma coisa:

– Richie - até ela me chamou de Richie. - Você sabe cantar?

Infelizmente, eu nunca cantei na minha vida, mas confesso que essa é uma boa hora para cantar, porque eu deduzo que ela queira que cante para descansar em paz. Mas assenti com a cabeça.

– Cante para mim.

Comecei, respirando profundamente. Só me lembro de uma, a única que cantei para a Elise, quando ela era bem pequenininha.

Alguns viram o sol

Alguns viram a fumaça

Alguns ouviram a arma

Alguns dobraram o arco

Às vezes o fio

Deve estar esticado pela nota

Pegos no fogo, diga ho

Estamos prestes a explodir

Carregar seu mundo

Eu vou carregar seu mundo

Carregar seu mundo

Eu vou carregar seu mundo

Alguns estão longe

Alguns procuram por ouro

Algum dragão para matar

O Céu, esperamos, está logo ali na estrada

Me mostre o caminho, Senhor

Porque estou prestes a explodir

Carregar o seu mundo

Eu vou carregar o seu mundo

Carregar o seu mundo

Vou carregar seu mundo

Carregar o seu mundo e toda sua dor

Logo que acabei de cantar, Sophia fechou os olhos devagar e expirou profundamente. Serena. Senti um impulso em chorar, enquanto a Anne também chorava. Pelo menos, o último suspiro não teve esforços.

Foi Anne quem teve a ideia de enfeitar o corpo de Sophia, mas eu optei por deixar o sabre entre suas mãos. Ela concordou com a minha opção e o pusemos com o cabo para cima, em relação ao corpo. Sophia jazia pronta para o seu envio e, posteriormente, enterro. Mas ainda vou chorar a esta noite.

Por outro lado, ela está salva.