Meia hora depois, os carros em fileira percorriam Berlim inteira. Desmond entusiasmou. Anne estava na dela. Um pouco constrangida, mas não é grande coisa. Já eu, admirava a cidade, por onde quer que passássemos. Estava toda iluminada, uma beleza de se ver. Pensei em amanhã. Como vai ser? Com o Lorne me caçando durante o programa, Anne se virando por aí... Será que eu vou conseguir uma aliança? Ou vou conseguir me virar sozinho? A menos que eu prefira morrer, mas não quero morrer. Não quero morrer por causa da Elise e dos meus pais e amigos, em especial Edith e Moe.

Mais de uma hora de desfile, os sete carros pararam em frente ao Palácio de Reichstag, onde feixes de luz dos holofotes dançavam pela fachada. Vários repórteres e paparazis tentavam invadir os carros para falarem com os participantes.

– Será que esses histéricos não vão parar de nos assediar? - perguntou Anne, furiosa com a situação.

– Não enquanto os guardas atirarem para o alto! - Margot respondeu, antes de um guarda nazista apertar o gatilho para o alto, assustando todo mundo.

A algazarra cessou com uma apresentadora de cabelos lilazes ondulados e extravagantes, entrando no ar na fachada. Dava para ver Hitler II na varanda do primeiro andar do prédio. Ele, todo altivo e aparentemente mal-humorado, com aquele bigode, era o destaque da noite.

– Boa noite, Alemanha! - ela começou a falar no microfone. - Estão ansiosos para a 64ª edição do Survival Game?

Todos responderam "SIM!". Eu estava ansioso de tensão e palpitação.

– Muito bem, assim como vocês ao vivo e aí em casa que está assistindo, todos parecem apreensivos e ansiosos para ver a euforia, assim como eu. - falou, apontando para si mesma.

Todos fizeram "HUMMM...", de modo que cada um demonstrasse satisafação para o amanhã. No meu caso, era insatisfação.

– Direto ao assunto, vou lhes apresentar os vinte participantes desta edição que vai ao ar amanhã. Com vocês, senhoras e senhores, apresentando o dueto de Berlim!

Todos aplaudiram. Lorne e Frieda pareciam deslumbrantes. Ela com um vestido de plumas e paetês prateados e Lorne de terno e gravata prateados.

– Muito brega, esse figurino... - criticou Desmond.

Isso me fez rir e me assustar simultaneamente. É o programa da Marni Gaertner, a apresentadora que está entrevistando o dueto de Berlim. Enquanto ela perguntava, Lorne virou para mim:

– Eu o pegaria de surpresa! - declarou para a Alemanha toda. Hitler riu. A platéia toda riu.

Fiquei pálido com isso. Me pegar de surpresa? Pensei. Só de pensar nisso, me deu calafrios na espinha. Todos aplaudiram.

– Palmas para o dueto de Berlim! - ela levantou o braço de Frieda para o ar, que fez a mesma coisa com o de Lorne.

Não se preocupe, Elise. Eu vou me esforçar para ficar vivo. Pode crer. Comecei a me lembrar do sonho que eu tive. Eu, todo ferido e com o sangue escorrendo a partir do corte profundo no meu pulso direito, corria pela floresta em chamas. Apenas quero saber onde é que eu me cortei. Será que foi uma faca que passou cravando no meu pulso? Ou pode ter sido uma pessoa tentando me matar. Percebi que o meu sonho era apenas uma prévia da realidade no programa. Só pode ser isso!

Sem perceber, fechei os olhos. Subitamente, estou de volta na cozinha com a Elise fazendo os brigadeiros.

– Richie, - disse ela, depois que deixou uma bola de brigadeiro cair no chão. - pode me dar uma mãozinha, que eu estou fazendo brigadeiros para a festa de Nanette.

Nanette era uma das amigas de Elise. Sempre que ela vinha nos visitar, ela assobiava uma canção. Elas sempre passavam o dia juntas, brincando na rua. Nanette até quis me namorar, para ser sincero. Mas eu daria para ser um irmão para ela, por causa do afeto que ela tem por mim. Durante o inverno, ela, Elise e mais duas meninas, todas da mesma idade que as duas, brincavam, fazendo boneco de neve e traçando bolinhas de neve umas nas outras. Tudo bem, aquilo não era o Survival Game, mas um Survival Game do bem, em que não objetivava matar uns aos outros, mas sim, se divertirem.

– Deixa comigo! - falei, arregaçando as mangas da camisa e pondo a mão na massa. - Por onde eu começo?

– Você vai fazendo as bolas, enquanto eu faço a outra metade do chocolate.

– É a minha especialidade!

Enquanto eu fazia as bolas e as polvilhava no chocolate granulado, Elise fazia a mesma coisa com a metade do chocolate, pondo-o no prato de alumínio.

– Que tal colocar uns confetes de coração? - sugeri.

– Vale! - Elise aceitou na hora.

Enquanto nós fizemos o trabalho, apesar de bem feito, nós nos lambuzamos de chocolate e granulados. Essa foi a melhor parte do trabalho. Foi desde então, que senti uma leve cutucada.

– E aí, o que você achou, está toda lambusada de chocolate e granulados! - ri, mas com a segunda cutucada, acordei.

– Heinrich! - Margot falou. - É a vez de vocês.

Causei um constrangimento geral. Tive que sair do carro com os outros dois e me desculpar pela distração.

Entrei no palco, pedindo desculpas por estar distraído e pelo constrangimento que causei em todos. Recebi como resposta uma salva de palmas e ovações.

– Isso mesmo, palmas para o trio de Munique! - Marni se adiantou. Voltou sua atenção para nós. - Me digam uma coisa, o que vocês estão achando da preparação para o reality?

– Até que a recepção por parte dos funcionários do hotel foi muito generosa, imagina para os que vão entrar no jogo, esperando para me pegar de surpresa que não aceita um simples pedido de desculpa por eu ter, acidentalmente, acertado uma faca no braço de raspão! - falei isso, olhando para Lorne e Frieda, que estavam na parte mais alta da escadaria, com os outros cinco trios. - Posso, pelo menos uma vez não vida, pedir desculpas?

– Pode, não! - ele respondeu, balançando o dedo indicador.

O público fez um "Ahhhh..." de descontentamento.

– Ah, tudo bem! - respondi, deixando o papo morrer. - Mas quero que saiba de que foi um simples acidente. - e me virei para o público. - Qual é, um simples arranhão não vai desmanchar o corpo todo.

A platéia desabou em uma gargalhada ensurdecedora, até Hitler riu. Marni também. Eu daria para ser um comediante, se não fosse judeu.

– Que triste, não é? - perguntou Marni, como se estivesse mostrando a situação, o que de fato, estava mostrando. - Mas voltando ao assunto, o que cada um de vocês esperam para entrar no reality?

Anne respondeu.

– Espero conseguir proteger os meus aliados e salvá-los dos inimigos.

Aliados. Era isso que eu deveria procurar. Mas isso vai ser difícil, quanto menos imagino ser fácil.

– Espero encontrar aliados e matar inimigos. - Desmond respondeu de imediato. De imediato! Como se fosse óbvio.

Dei a minha resposta.

– Olha, pra ser sincero, - fui interrompido por uma garota da platéia, que acabava de berrar lindão! para mim. Retribui com o sorriso, mas continuei com o discurso. - pra ser sincero, espero encontrar aliados durante o programa, mas quero ao mesmo tempo protegê-lo, isso se não me matarem.

– Hummm, muito bem! Uma salva de palmas para o trio de Munique! - Marni falou. O público aplaudiu, acompanhado de gritos ovações.

Nós três erguemos os braços para o ar, aumentando a intensidade da salva.

– Agora, - Marni fez um gesto com as mãos para que todos parassem de aplaudir. - Veremos os resultados do Teste de Simulação. - e virou-se para o editor de som e de vídeo. - Solta aí, por favor!

O som se reproduziu. Primeiro, a bandeira da Alemanha Nazista, a insígnia do Nazismo, a imagem de Hitler (um saco!) e as nossas imagens. Frieda apareceu primeiro: 20. Foi a pontuação dela. Frieda demonstrou euforia emocionante. Depois foi Lorne: 20. E assim por diante até aparecer a gente. Desmond: 15; Anne: 19; e eu, Heinrich: 20.

Fiquei de olhos esbugalhados de tanta supresa, que até Anne e Desmond se surpreenderam. Frieda e Lorne me olharam, incrédulos com o meu resultado.

Com a euforia geral, Marni determinou que todos nós déssemos as mãos e as erguêssemos no ar, enquanto ela falou ao público:

– APLAUSOS PARA OS PARTICIPANTES DA 64ª EDIÇÃO DE SURVIVAL GAME!