Surreal - Art and Insanity

Capítulo 78 - Outra Alice


Peguei um táxi num ponto não muito longe do prédio que acabara de sair, não perderia tempo. Ensaiei minhas falas como uma atriz dedicada e imaginei toda a situação, é claro que nem tudo seria como eu imaginei, mas precisava que pelo menos metade desse certo.

Assim que cheguei numa rua próxima da que eu precisava chegar pedi para o taxista parar e o paguei saindo do carro e seguindo andando até parar em frete a uma enorme casa, uma grama bem cuidada e algumas flores... Tudo ainda continuava a mesma coisa.

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Apertei a campainha e fui atendida pela mãe da Alice, assim como a filha ela também tinha aqueles olhos que ficam assustadoramente fixos nas em quem estiver a sua frente.

—Anne! Quanto tempo!

—Sim, faz realmente muito tempo, eu posso falar com a Alice?— Ela reparou na minha pressa e não iniciou algum assunto.

—Claro, ela está no quarto é só subir.— Falou apontando para as escadas.

Passei pelos quadros com fotos da família e segui pelo corredor até chegar a porta que estava entreaberta, a abri o suficiente para que eu pudesse passar e quando já estava dentro a fechei. Alice estava olhando pela janela e com fones nos ouvidos, aproveitei sua distração para colocar minha bolsa do lado da cama.

Não passei muito tempo olhando a minha volta, não tinha nada de muito interessante ali, pelo menos nada de interessante que estivesse a mostra. Caminhei lentamente pelo canto do quarto, onde seria mais difícil dela me ver, até ter meio metro distancia entre nós; foi nesse momento em que ela virou o rosto e se assustou com minha presença.

—Sou eu, Anne. Ainda se lembra de mim?— Indaguei com minha mão tampando sua boca para que o som do seu grito não fosse alto.

Ela demorou um pouco para dar algum sinal depois que me apresentei, devia estar bem surpresa com a situação... Eu também estaria se estivesse em seu lugar.

—O que está fazendo aqui? E quem te deixou entrar?

Alice foi se virando em minha direção e se afastando ao mesmo tempo, um tanto quanto desconfortável. Aproveitei para me sentar onde ela estava e encara-la.

—Sua mãe me deixou entrar, vim só pra conversar com você.—E não era mentira, tinha ido para conversar.

—Não tenho o que conversar com você desde quando começou a ficar estranha desse jeito. Agora pode sair.

Não tive como não sorrir vendo o desprezo com o qual se referia a mim, e sua cara franzida me olhando de cima a baixo. Mas sabia o que ela queria dizer com "desde quando começou a ficar estranha", fomos amigas quando eramos crianças, antes de eu descobrir algumas coisas e sofrer algumas mudanças. Enfim, história longa e dramática, não vale a pena ser contada.

—Você sabe o que aconteceu com o Adam naquela noite, e sabe que o Sebastian não o matou.—Fui direta, e vi sua reação; seus olhos que já eram grandes ficaram ainda maiores e pensei que eles poderiam cair a qualquer momento.

—Se está dizendo que fui eu...

—Não estou dizendo.—Interromper já estava se tornando um hábito— Eu só sei que você gostava dele e que sem pre que tinha chance estava perto dele.

Ela me observou por alguns segundos, sabia que eu não estava acusando-a e muito menos julgando. Eu sou a que menos pode julgar alguém nessa história.

—E ele nunca gostou de mim. Sim, eu sempre soube que ele não gostava de mim, não é preciso muita inteligência para isso, todos percebiam.—Ela parou e olhou pela janela, se não fosse Alice na minha frente talvez eu sentisse pena.— Mas nada disso me fez parar, e essa é a pior parte.—Seus olhos marejaram.

Eu tive a impressão que Alice sabia mais do que eu o que aconteceu naquela noite.

—Você ainda pensa nisso?

—Não, minha vida continuaria sendo a mesma se nada daquilo tivesse acontecido, então não faz diferença.

Por isso não tenho pena da Alice.

—Mas a morte do Adam não fez diferença? Vocês me pareceram bem próximos naquela festa.

—Todos pareciam muito próximos naquela festa, inclusive você e o Sebastian.

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—Estávamos juntos.— Falei como se não fosse nada importante e a vi voltar a me encarar, com certeza não esperava que eu dissesse isso.—Não tenho porquê negar

—E por que não quis depor?

—Eu estava abalada, e por sugestões médicas não depus.

Depois de mais alguns segundos de silencio nos quais observei seus livros que estavam empilhados no criado mudo e o quadro decorado, no qual havia uma foto. Não consegui reconhecer a o rapaz que estava junto com ela na foto e também não me importei muito com isso, mas aparentemente meu olhar sobre a foto incomodou Alice, que se mexeu desconfortavelmente e tentou chamar minha atenção.

—É seu namorado?

—Muito tempo passou—Disse encolhendo os ombros—Eu não ia ficar minha vida toda correndo atrás do Sebastian—Sorriu achando graça de tudo aquilo.

Eu não achei graça, pra mim não havia passado tanto tempo assim; ainda conseguia lembrar de tudo que houve naquele dia... Tudo ainda estava muito presente.

—O que você conversou com o Adam naquela noite?—Perguntei já sem tanta calma em minha voz— Quando Sebastian e eu estávamos sentados na grama, perto do lago vimos que vocês estavam discutindo.

—Estávamos embriagados, quando se está embriagado qualquer coisa pode ser um bom motivo para iniciar uma discussão.

A forma como ela se mexia enquanto falava e como tentava sorrir... Ela sabia.

—Alice, fale a verdade— Sussurrei como se falasse com uja criança— Eu preciso saber o que aconteceu, você pode contar, nada de ruim vai acontecer... Você sabe que pode contar comigo.

Ela me observou com o rosto serio, suas sobrancelhas se juntaram formando uma marca de expressão bem no centro delas, depois de abanar a cabeça, olhar para os cantos vazios do quarto, ela voltou a me olhar nos olhos.

—Adam me pediu para manter o Seb distante por algum tempo, isso não seria um grande esforço para mim, eu sempre estava atrás dele de qualquer forma.—Sorriu triste, suspirou e prosseguiu— Ele estava um pouco alterado, e dessa vez não era só o o álcool, mas não me preocupei com isso.

—Você sabia que ele iria atrás de mim?—Minha pergunta soou baixa e ameaçadora.

—Eu imaginei, mas não...Não achei que ele fosse longe demais.— Ela já não me olhava nos olhos enquanto falava.

—Mas foi, fomos todos longe demais. Entretanto, isso não responde minha pergunta, eu quero saber o motivo de estar com tanta raiva dele.

—Você não sente raiva por eu ter deixado ele...

—Isso não interessa, apenas me responda!

—Ele...

—Ele quem?—Precisava de nomes e ela estava nervosa demais para não fazer o que eu estava a coagindo.

—O Adam, me mandou colocar aquele pozinho na sua bebida, mas eu não quis—Ela parou para recuperar o ar e tentar limpar seu rosto cheio de lágrimas— Eu não quis e ele... Ele segurou meus braços com força e, eu disse que faria, pois estava com medo. Mas eu não fiz, não fiz..

É... Ela sabia mais do que eu sobre o que houve naquela festa, e mais uma vez soube que só podia confiar em minha intuição.

—Você quis mata-lo? Quis matar o Adam quando ele te ameaçou?

Ela sacudiu a cabeça algumas vezes, visivelmente perturbada e por fim concordou fechando os olhos a tempo de uma lágrima escorrer.

—Me responda—Sussurrei, precisava que ela falasse.

—Sim... Eu quis mata-lo, ele não podia fazer aquilo comigo! Eu sempre estive do lado dele encobrindo todas as merdas que ele fazia.

Aquela sim era a Alice da vida real! Seu choro tinha um quê de ódio e suas mãos retorcidas só evidenciavam ainda mais sua loucura. Se eu não estivesse tao concentrada naquela imagem teria batido palmas.

—Obrigada, por me dizer a verdade.—Sussurrei em seu ouvido enquanto a abraçava. Me distanciei um pouco e vi a descrença em seu rosto; era um belo rosto avermelhado pelo choro.—Eu te perdoo,—Sorri de leve olhando-a de perto e selei nossos lábios.— mas não ouso pedir seu perdão.

Alice estava completamente perdida obviamente não sabia o simbolismo de tudo aquilo, e seria melhor assim. Peguei minha bolsa e sai da casa, e durante minha caminhada lenta pela calçada tirei meu celular da bolça, salvei a gravação e comecei a ouvir torcendo para estar tudo audível. Assim que terminei de ouvir mandei o áudio para meu pai com a mensagem "temos um novo suspeito", depois de alguns minutos recebi sua ligação e não tive como não sorrir, ele não é do tipo que gosta de se expressar por mensagens, ele prefere que as pessoas ouçam sua voz autoritária.

—Oi pai.

—Onde está?

—Eu...

—Não importa, venha ao meu escritório agora.

—Não precisava ligar para isso, eu já estou indo, só queria que soubesse o motivo de minha visita.

Ele não esperou para desligar, e já podia imagina-lo andando de um lado para o outro dentro de seu belo escritório, com sua mente trabalhando sem parar. Hoje conhecendo meu pai biológico e o meu adotivo, não posso negar que minha criação fala muito mais alto que a genética.

Depois de algum tempo andando cheguei ao prédio no qual passei algumas tardes na minha infância quando a baba não podia ficar comigo, por incrível que pareça, não eram tardes tediosas o prédio é enorme e quando era criança me parecia ainda maior. Mesmo estando sempre cheio de advogados, estagiários e secretárias, eu sempre consegui encontrar lugares mais vazios para eu vasculhar e fugir de todas aquelas testas franzidas.

Sr. Dominic Andreiko, além de ser um dos mais importantes advogados do país tinha um grupo de advogados que junto com ele administravam essa advocacia, é claro que o que impulsionava a empresa era o nome do meu pai, dos Andreiko.

Passei acenando para a secretária que sempre foi a mesma senhora e entrei no escritório do meu pai. E lá estava ele com sua testa franzida, sua bela camisa que foi passada pela manhã... Tudo parecia tão igual a quando eu era criança, o ambiente acolhedor a foto do meu avô num quadro na estante; não havia nada muito moderno e o escritório não deixava de ser bonito por isso.

—Venha aqui, sente e me conte o que fez—Ele fala apontando para a cadeira em frente a sua mesa, me senti como se fosse uma criança que quebrou uma janela, mas fiz o que ele dizia.

—Eu salvei o seu caso, não será dessa vez que Dominic Andreiko perderá um caso.—Falei sorrindo, mas ele não sorriu comigo.—Certo, o Senhor quer que eu fique parada e deixe que resolva tudo, mas eu quero ajudar, eu sei como ajudar e eu já estou ajudando, então agradeceria se pelo menos me ouvisse.

—Eu quero te ouvir, mas você só fala o que lhe convém. Eu sou seu pai e quero saber até onde está metida nisso.

Estaria mentindo se não dissesse que fiquei tocada pela preocupação daqueles olhos , mas não estava disposta a falar sobre meus problemas com ninguém.

—Hoje eu só quero falar com o advogado Dominic Andreiko, não com o meu pai.

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—Se só precisa de um advogado pode sair do meu escritório e ir procurar um advogado, nesse prédio tem vários!— Eu não esperava por isso.—Eu estou cansado de você se comportando como uma adolescente rebelde! Olhe pra você, já é uma mulher e não para com isso, se comporta como se eu estivesse contra você—Ele parou e bateu na mesa me fazendo levar um susto.—E eu não estou contra você, aceitei esse caso por sua culpa, por saber que esse garoto maluco é importante pra você! Eu levei em consideração o que uma adolescente rebelde e muito, mas muito chata sentia.

Parou novamente para respirar fundo e passar as mãos pelos cabelos, ele estava muito irritado e nunca o vi assim, sem saber se expressar sem gesticular tanto e o pior gritando. Eu estava perplexa, mas estava atenta a tudo que fazia e dizia, ele nunca foi do tipo de se descontrolar, sempre esteve sob controle e sempre me pareceu isento de opiniões sobre meu comportamento, para ser mais direta; eu achei que ele não se importasse.

—Sua mãe e eu nos adaptamos a você, eu com mais dificuldade por nunca ter vontade de ter filhos, mas me adaptei e esperávamos que se adaptasse também, esperamos isso até hoje Anne.

Quando ele terminou de falar eu não sabia se sorria ou se chorava, meus olhos estavam cheios de lágrimas que eu tentava conter e meus lábios repuxavam em um sorriso. Merda, eu amoleci.

A unica coisa que eu consegui dizer quando me acalmei foi um "Obrigada", mas foi o bastante pra ele se levantar e me tirar da cadeira para me abraçar. Nunca esperei que um dia haveria uma cena tão dramática vinda de Dominic Andreiko, mas aproveitei o abraço.