1996

O casal Benson, apesar das costumeiras dificuldades, nunca foi tão feliz em sua existência, tudo isso graças à presença do pequeno Freddie.

Esconder o segredo dos outros foi relativamente fácil. Bastou Marissa sumir por alguns meses, alegando estar descansando para finalmente ter um filho, depois de três tentativas frustradas. Ninguém se atreveu a visitá-la, após Jonathan alertar a todos que sua mulher não estava muito bem e que seria melhor não incomodá-la. Quando finalmente Freddie foi apresentado aos amigos do casal, ninguém desconfiava que ele não era filho verdadeiro deles. E, a bem da verdade, eles o amavam tal qual quaisquer pais dedicados fariam.

A despeito do temor constante do casal em Freddie se tornar diferente das demais crianças, o menino vem se desenvolvendo normalmente. À exceção de que, para alívio da Sra. Benson, Freddie era saudável como nenhuma outra criança. Desde seu ‘descobrimento’, a criança jamais ficara doente; outro ponto que o diferia das outras crianças era a enorme facilidade para memorizar fatos e dados.

Por costume, Jonathan lia todas as noites histórias para o filho.

Em uma noite não muito diferente das outras, Jonathan entra no quarto do filho e se depara com ele, sentado à cama, com o livro aberto em suas mãos, tal qual como se estivesse lendo-o.

“Pelo visto meu garoto não precisa mais que eu leia pra ele...”, o homem diz em tom de brincadeira, esperando que o filho lhe desse o livro.

“Não, papai! Eu gosto quando o senhor lê pra mim! Toma! Parei na página 27, logo depois que a Chapeuzinho Vermelho vai pela floresta pra casa da Vovozinha!”

Estupefato, Jonathan pega o livro e tenta não transparecer seu espanto, lendo a história até que Freddie adormeça. Ainda não recuperado do choque, ele vai à cozinha, onde Marissa está lavando a louça da noite, e pergunta:

“Querida, por acaso... você andou ensinando o Freddie a ler?”

“Ler? Com dois anos e meio? Só se eu fosse uma tonta ou ele um gênio.”

“Marissa, eu não sei como explicar... mas ele acabou de ler o livro da Chapeuzinho Vermelho...”

“Como? Andou bebendo, homem?”

“É sério, ele me entregou o livro, disse a parte em que estava...”

“Ele deve ter brincado com você, você sabe que ele tem boa memória.”

“Como ele ia saber que na página 27 a Chapeuzinho está indo pra casa da Vovó?”

“É... meio estranho isso.”

“Bem, enquanto ele só for diferente na memória e inteligência, tudo bem. Só espero que ele não fique azul ou verde quando ficar mais velho...”

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1999

Freddie está com cinco anos e é uma criança muito ativa. Seu pai estava correto, ele havia aprendido a ler sozinho com menos de três anos, e sua mente a cada dia se desenvolvia a uma velocidade espantosa.

Em um dos seus raros dias de folga, Jonathan e Marissa estão brincando no campo com a pequena criança, com um disco de frisbee, que eles atiram um para o outro, enquanto Freddie vai correndo tentando pegar o objeto. Em um momento, Jonathan calcula mal a força empregada e atira o disco muito longe do alcance de Marissa.

Um barulho alto é ouvido pelo casal, juntamente com o voo de folhas mortas caídas ao chão e um vulto passando em tremenda velocidade em direção ao frisbee.

“Paiê, Manhê, vocês viram que legal!!! Consegui pegar!” Freddie gritava, vários metros longe deles. Ele tinha percorrido o trajeto em menos de um segundo.

“O quê, como? Como você... Marissa, você viu isso?”

“Amor, eu nem vi o Freddie passar por mim!”

“Marissa, acho que é hora de ter uma conversa com o Freddie...”

Naquela noite, quando Freddie já estava na cama, Jonathan se senta em sua cama, dá um afago no cabelo do filho, suspira e diz:

“Filho, preciso ter uma conversa séria com você. Mesmo sendo tão pequenininho, espero que você entenda.”

“É sobre o que eu fiz hoje? Foi errado, vou ficar de castigo?”

“Não, filho, não vai. Mas tem a ver com o que você fez hoje, sim.”

“Não tem nenhum amiguinho meu que faz algumas coisas que eu faço, papai...”

“Eu sei. É hora de te falar a verdade, Freddie... eu e sua mãe não somos seus pais de verdade.”

“Não?”, o menino começa a ficar com os olhos cheios de lágrimas.

“Não fique triste, filho. Sua mãe e eu te amamos do mesmo jeito, e sempre vamos te amar. Só que você precisa entender... você não é igual aos seus amiguinhos.”

“De onde eu vim, papai?”, Freddie está chorando.

“Eu... não sei, filho. Mas o que eu sei é que você é uma bênção pra mim e pra sua mãe, não temos nada mais precioso. Eu preciso te pedir uma coisa, Freddie...”, Jonathan diz, enquanto olha diretamente nos olhos do filho.

“O quê, papai?”

“Você precisa esconder essas coisas que você faz que seus amigos não conseguem. Ou então alguém muito ruim vai vir aqui e te levar pra bem longe da sua mãe e eu.”

“Eu não quero vocês longe!” Ele diz, enquanto abraça fortemente seu pai.

“Nem eu, filho... mas você precisa fazer isso, ou vão tirar você da gente.”

“Tá bom, pai. Eu prometo.”

“Mesmo? Vamos fazer o pacto do cuspe?” o pai cospe na mão.

“Tá bom!” o garoto faz o mesmo, e eles se cumprimentam.

“Agora vai dormir, garoto.” Jonathan dá um beijo no filho.

O homem fecha a porta e para na frente dela... os velhos temores de que seu filho seja muito diferente das outras pessoas parecem estar se confirmando. Ele imagina o que mais seu filho poderá fazer.