Sozinhos, mas juntos

Terceira parte


Mikoto andou um pouco pela chácara. Era uma área rural, então tinha muito, mas muito chão para ser caminhado. Pensou em se dirigir para o centro, mas percebeu que não sabia onde estava, exatamente. Procurou algumas informações no celular, e conseguiu se localizar melhor.

Estava triste. Não sabia se era bem isso, mas certamente estava decepcionada. Saiki era difícil, é verdade, mas ela não podia tolerar ser tratada com tamanha indulgência; ela queria que ele a levasse a sério, que realmente fizesse algum esforço para estar naquele relacionamento. Se ele não podia fazer isso, ela estava jogando tempo fora.

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Queria tanto quebrar suas próprias regras e olhar o futuro para ver se as coisas poderiam dar certo entre os dois, mas não. Não iria se rebaixar a isso.

Ela fechou os olhos, irritada, por um instante. Quando os abriu, quase trombou com Saiki, que surgiu logo à sua frente.

— O que está fazendo?! — Ela exclamou, sobressaltada.

Ele olhou para baixo, e depois para ela.

“Vim pedir desculpas. Vamos voltar para casa”.

— Não. Você quer que eu volte correndo porque sua avó ficou furiosa.

Ele não respondeu num primeiro momento.

“Yare, yare”.

Mikoto deu alguns passos para dar a volta nele e seguir seu passeio forçado em direção ao centro, mas Saiki veio andando logo atrás. Ela fingiu que não estava percebendo, mas era óbvio que ele já havia lido os pensamentos dela e sabia muito bem que ela estava fingindo.

“Eu não sei o que estou fazendo”.

Mikoto ficou intrigada com aquele comentário, mas decidiu que não iria parar para olhá-lo. Quem sabe isso até ajudasse.

“Não sei como funcionam essas coisas. É estranho o que sinto por você. Acho que é um sentimento que pode prejudicar alguns... objetivos que são maiores do que o que eu quero. Não posso permitir que ninguém me faça ter medo de que algo ruim aconteça comigo. Não posso me distrair. Preciso me concentrar”.

Devagar, Mikoto parou sua caminhada, e Saiki fez o mesmo. Eventualmente, ela decidiu se virar para olhá-lo. A expressão dele não estava nada diferente. De fato, ele raramente mudava aquela cara plácida e neutra, mas o tom que Saiki usava para falar daquele assunto parecia... diferente. Era algo sutil, mas demonstrava preocupação da parte dele.

— O que quer dizer?

“Ao me apegar a alguém, eu me coloco numa situação vulnerável. Eu vivo por um propósito que vai além dos meus próprios interesses. E se eu aceito o que sinto por você, posso prejudicar meu discernimento”.

Mikoto não conseguiu responder, porque não conseguia sequer fazer ideia do que ele estava falando. Parecia algo grandioso, além da compreensão humana, mas afinal, Mikoto não era apenas uma humana qualquer. Ela era muito mais do que isso.

E ela também estava aliviada pela revelação de Saiki que, finalmente, admitia o que estava realmente sentindo, em vez de mascarar seus sentimentos com indiferença. Ele não precisava fazer isso. Era injusto, e cruel.

Diante da afirmação de Saiki, Mikoto deu um passo a frente, na direção dele. Saiki pareceu hesitar, mas não se mexeu. Mikoto pegou nas mãos dele, levantou-as e apertou-as contra os seios. Não houve maldade naquilo. Ela só queria mostrar que estava junto com ele, não importava o que.

Saiki ficou olhando para as próprias mãos, depois para Mikoto. Depois para as mãos, de novo. E para Mikoto.

— Não importa o que seja, eu quero te ajudar.

“Ninguém pode me ajudar” — Saiki foi direto.

— Não preciso te ajudar de forma literal, mas posso pelo menos estar ao seu lado.

Saiki suspirou. Ela nunca entenderia. Ele vivia um dilema muito maior do que aceitar um irrelevante apoio moral da mulher que ele... amava?

“Vamos, a minha avó está preocupada”.

— Antes de irmos, eu quero que me responda uma coisa.

Saiki ficou em silêncio, o que Mikoto interpretou como uma concordância.

— Você realmente está interessado nesse namoro? Caso não esteja, eu prometo que te deixo em paz. Apenas me diga.

Saiki encarou os olhos amarelos, meio esverdeados de Mikoto. A pele bronzeada artificialmente, os cabelos tingidos, e toda aquela loucura fashionista. Ela era estonteante. Saiki nem sabia que uma mulher podia ser tão interessante até conhecê-la. Aliás, ele não sabia que alguma pessoa podia ser tão interessante até descobrir Aiura Mikoto. Ela não era uma bishoujo, como Teruhashi, nem delicada, nem nada daquilo que parecia ser o ideal de beleza de todos. Saiki até fez um esforço para se encantar pelo mesmo que o mundo parecia entender como bonito. Mas, não importava o que fizesse, seu olhar se dirigia à garota que parecia intimidar os colegas, e afastar os mais comuns, por ser tão diferente.

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Sim, ele estava interessado no namoro. Só não sabia o que fazer com as eventuais consequências daquilo.

“Eu estou interessado em namorar você, Aiura. Mas para isso, você tem que estar interessada no que isso significa”.

Mikoto sentiu o rosto esquentar e, de imediato, levou as mãos às bochechas, um sorriso surgindo na expressão.

— Sim! — Exclamou ela, mal contendo a alegria dentro de si.

Ele acenou com a cabeça e, de repente, Mikoto mudou sua postura.

— Espere. Você não está me enganando de novo, está?

“Acho que te dei motivos para pensar isso” — Saiki pensou mais consigo mesmo do que para Mikoto ouvir, mas estava ainda compartilhando seus pensamentos com ela. “Não estou te enganando. Estou falando a verdade. Namorar comigo não será apenas... bom, o que você acredita que namoros são”.

Ela fez um biquinho interessado.

— Parece divertido.

“Muito bem” — Saiki estendeu a mão para ela. “Então, você vai namorar comigo”?

Ela sorriu de novo. O coração pulando no peito. O corpo se enchendo de alegria e animação. Mikoto pegou na mão de Saiki.

— Sim.

Quando ela aceitou, sentiu o corpo sendo projetado ao se teletransportar com ele. Saiki a levou de volta para casa.

Por um momento, Mikoto temeu ter sido enganada mais uma vez, mas nada aconteceu. Ele apenas fez um carinho sutil nos dedos dela e se afastou. Em seguida, saiu do cômodo. Mikoto ouviu a voz de Kumi, a avó de Saiki, perguntando pela menina. Decidiu aparecer para acalmá-la. Kumi rapidamente foi abraçá-la, com um tom de voz preocupado.

— Oh, minha filha, fiquei com medo que você se perdesse por aí.

— Ah... — Mikoto ficou sem jeito, retribuindo o abraço da mulher. — Me desculpe, eu fui passear no terreno e acabei me perdendo.

— Tudo bem, mas não saia por aí sem o Kuu-chan da próxima vez.

— Pode deixar — Mikoto fez um gesto divertido para acalmar a amiga.

— Aliás, o Kusuke-kun está te procurando.

Mikoto trocou um olhar com Saiki.

Já?! — Mikoto exclamou quando encontrou com Kusuke, que segurava o bloqueador em mãos. Apenas algumas horas haviam passado!

— Não me chamam de gênio à toa.

Hmm, não lembrava de alguém tê-lo chamado de gênio, mas aceitou.

Mikoto se aproximou para olhar o bloqueador e ficou surpresa ao notar que era uma fivela com o símbolo do signo de leão. A fivela que usava era do signo dela mesma, de virgem.

Leão era o signo de Saiki. Ela se apaixonou de imediato.

— Que coisa mais linda!

— Obrigado! — Ele pareceu feliz com o elogio. — Para ativá-lo, basta espetar.

Mikoto ficou preocupada no início, mas nem sentiu colocar o dispositivo.

Não sentiu que nada mudou, a princípio, mas sabia que o efeito só iria atingir uma única pessoa. Decidiu tirá-lo da cabeça para conversar com Saiki nos termos dele, antes de passar a usar o dispositivo de vez.

— Ué, ficou ruim? — Kusuke pareceu curioso.

— Não, só quero mostrar para o Saiki antes.

— Tudo bem. Não esqueça do nosso acordo! — Ele deu um sorriso inocente, mas depois da confusão com Saiki, Mikoto já olhava para ele de forma diferente.

— Não se preocupe. Muito obrigado, nii-san — Mikoto usou um tom tão inocente quanto o de Kusuke.

Ele ficou intrigado com a forma que ela decidiu usar para se referir a ele, mas não pareceu ofendido. Pelo contrário, Kusuke cruzou os braços e deu um sorriso satisfeito. Mikoto conseguiu concluir que ele estava orgulhoso daquela disputa silenciosa. Devia se divertir muito com isso.

Ela saiu da garagem e voltou para dentro da casa, com a fivela em mãos. Kumi a interpelou para avisar que o almoço iria sair logo, agora que eles estavam seguros em casa. Mikoto agradeceu gentilmente e foi procurar Saiki, que estava de volta no kotatsu, com um mangá na mão. No entanto, daquela vez, ele imediatamente largou o que estava fazendo para dar atenção a ela quando chegou. Mikoto ficou satisfeita, mas em silêncio. Claro que ele já devia saber.

— Aqui está — Mikoto se ajoelhou ao lado dele, e mostrou o dispositivo cancelador de telepatia.

Saiki olhou com curiosidade. Era do signo de leão. Sagaz.

“Por que ainda não está usando”? — Saiki falou através dos pensamentos.

— Porque achei que seria justo conversar com você uma última vez, nos seus termos. Na verdade, pensei até mesmo em deixar para usar apenas quando voltarmos para casa.

Saiki não respondeu, porque ficou confuso com a informação. Por que ela não iria querer colocar o dispositivo logo de uma vez? Assim podiam fazer como ela queria. Mas também ficou lisonjeado com a consideração dela. Não esperava que Mikoto pensasse daquela forma.

“Entendo” — ele falou com ela num primeiro momento. “Faremos como você preferir”.

— Tem certeza? Porque aí só eu e seu irmão não ouviremos você na família, e poderia ser... sabe, estranho.

“Yare, yare” — Saiki meneou a cabeça. “Quando voltarmos para a escola, a situação será a mesma. Não esqueça disso”.

— Ok então. — Mikoto olhou para o dispositivo, ou melhor, a fivela. Era melhor chamar assim. — Vou colocar.

“Tudo bem”.

— É a última vez que vai ouvir meus pensamentos.

“Sem problemas”.

— Não está preocupado que não vai mais conseguir controlar a situação?

“Não”.

— Nem ouvir o que eu estou pensando, ou se preparar para o que eu vou fazer?

“Não”.

— Estou convencida.

Mikoto espetou o dispositivo na cabeça numa posição adequada para a fivela de cabelo e olhou para Saiki. O silêncio que se instalou entre eles estava pesado. Ela ficou desconfortável num primeiro momento, e se sentiu estranha por saber que Saiki não poderia mais... detectar a estranheza dela. Ou entendê-la, sem que ela falasse. Era uma dinâmica totalmente nova para eles. Saiki não disse nada, apenas ficou encarando Mikoto por um tempo.

— Como fiquei? — Ela decidiu quebrar o silêncio.

Saiki não respondeu, talvez por hábito, e ficou encarando o rosto de Mikoto por longos segundos. Ela até ficou constrangida, e precisava de muito para isso.

— Está ótima — disse ele. A voz saindo da boca, pela primeira vez.

Mikoto sorriu. Sorriu tanto que não se conteve e puxou Saiki para um beijo.

Depois do que fez é que ela percebeu que poderia ter sido arremessada contra a parede por fazer um movimento tão brusco, mas Saiki não recuou. Não se assustou, nem se defendeu. Ele aceitou o beijo. Não era de língua, nem nada, foi apenas um impulso. Ele a tocou no braço, com delicadeza, e retribuiu o carinho. Quando se afastaram, Mikoto abriu os olhos e o encarou, e Saiki estava até um pouco coradinho.

— Acho que isso vai dar muito certo — concluiu ela.

Ele deu um pequeno sorriso, quase imperceptível, mostrando que concordava.

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Ainda assim, ele sabia que aquilo era apenas o começo. Agora que ela não podia ouvir mais os pensamentos de Saiki, e nem ele detectar os dela, eles teriam muito o que conversar. E não era apenas assuntos de namorados.

Mais tarde, depois do almoço, Saiki se esquivou das conversas casuais que a família estava tendo para ir abordar Kusuke na saída do banheiro.

— Ora, que desagradável, Kusuo.

“Não se faça de coitado” — Kusuo falou em sua mente.

— De forma nenhuma! — Kusuke agitou as mãos no ar. — Do que está falando?

“Se você manipulou o dispositivo da Aiura de alguma forma...”

— Você vai fazer o quê?!

Eles se encararam momentaneamente. Saiki não sentiu necessidade de responder, porque Kusuke sabia muito bem o que ele estava falando. Ele não deveria nem se atrever a mexer com a mente de Mikoto achando que não sofreria consequências caso o fizesse.

— Não fiz nada disso que está pensando, Kusuo. A Aiura-chan é muito honesta sobre o que sente por você, e ela me pediu ajuda. Eu não seria capaz de usar isso para prejudicá-la. Eu ainda tenho um pouco de humanidade, sabia? Além do mais, a vovó me mataria se eu fizesse algo contra ela.

Saiki estreitou os olhos para encarar o irmão. Não conseguia ler a mente dele, mas pelo que conhecia de Kusuke, ele parecia estar sendo honesto. E ele falava sério sobre Kumi, ela com certeza ficaria enfurecida se ele machucasse ou prejudicasse Mikoto de qualquer forma, já que, diferente de Saiki, ela não tinha como se defender dele.

Decidiu que daria o benefício da dúvida ao irmão e relaxou um pouco.

“Muito bem” — disse ele. “Vou acreditar em você, mas não se acostume”.

— Não preciso fazer nada para que você mesmo arruíne sua chance de namorar alguém maravilhosa, Kusuo.

Kusuke encolheu os ombros, de forma despretensiosa, e passou por Saiki para voltar à sala de estar. Saiki ficou genuinamente chocado com aquela afirmação, tanto que nem se mexeu do lugar.

Saiki sabia que o irmão estava certo, e exatamente por isso, precisava provar que ele estava errado.