Sons of Theolen

Drico - Perdido


Drico abriu os olhos e olhou em volta, tudo estava escuro. Ele começou a se mover lentamente, levantando-se do degrau da escada em que passara as ultimas horas desmaiado. O meio-elfo esforçou seus braços magros e com alguma dificuldade conseguiu ficar em pé.

Começou a tatear sua perna, até encontrar seu clarinete pendurado em sua cintura por um fio de couro gasto. Ele pegou o instrumento musical e o levou à boca, fazendo com que um pouco de água escorresse dele. Tocou quatro notas em uma sequencia que há muito conhecia e em alguns instantes uma luz não muito forte começou a envolver o clarinete, fazendo-o brilhar branco e iluminar um raio a sua volta. Com essa luz Drico pôde enxergar o que estava a sua frente.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Viu na parede do corredor em que estava, inscrições rústicas de uma língua que não compreendia, o idioma dos anões, além dos degraus de pedra da escada em forma de caracol que seguiam alguns para baixo e muitos outros para cima.

O jovem bardo mirou seus olhos cansados para o topo com muito receio. Seu rosto jovem e amigável de traços finos estava ferido e marcado. Ele deu um passo para os degraus de cima e então sentiu uma dor terrível no tronco. Levantou a leve armadura de couro que vestia sobre sua blusa ocre, ainda úmida como o resto de suas roupas, e viu em sua pele uma grande mancha roxa na região das costelas.

Alguns flashes de memória começaram a retornar à sua mente. A ponte. A Aparição. Uma queda. Água. Dor. Algumas imagens de partes do corpo de um monstro marinho. Desespero. Terra firme e por fim, as escadas em que acordara.

— Ahhrg... – gemeu ao tocar no ferimento das costelas – Essa não – sussurrou para si notando que havia quebrado algum osso.

Drico levou seu clarinete novamente à boca. Com certa dificuldade começou a tocar uma melodia curta com notas longas e suaves e logo um brilho azulado começou a cobrir seus ferimentos. Ele sentiu duas de suas costelas se moverem para o lugar onde deveriam estar enquanto parte de seus hematomas sumiam. Ao terminar sua música o bardo soltou os braços, cansado por gastar tanta energia fazendo a magia, e olhou novamente para o ferimento. O roxo havia diminuído e ao tocar nas costelas ele viu que, ainda que doloridas, elas estavam inteiras novamente. Ele suspirou sentindo-se pouco melhor, então avançou para o topo da escada.

Ao chegar lá em cima, o meio-elfo prendeu metade de seus cabelos cor de mel num elástico que estava em seu pulso e olhou em volta. Tudo estava escuro, como numa noite sem lua ou estrelas. Ele estendeu seu clarinete que ainda brilhava com sua magia de luz, e com isso conseguiu ver alguns metros à sua frente, enxergando o chão de terra cinzenta coberto por uma fina e constante neblina.

"Será que eu cheguei ao outro lado? Onde será que estão Richie e Hansen?" pensou consigo, então começou a caminhar se esforçando ao máximo para reconhecer o local. Procurou pela ponte que estava atravessando com seus aliados antes de cair pela fenda, mas não a reencontrou, ao invés disso viu alguns esqueletos caídos no chão empoeirado. Preocupado começou a andar mais rápido por aquelas terras frias, à procura de algum lugar familiar ou que parecesse remotamente seguro.

Drico andou por cerca de três horas e em seu caminho encontrou sempre o mesmo cenário desolado. Começou a duvidar se realmente havia voltado para a superfície já que ele não via a Floresta da Ninfa, a fenda com a ponte, a Planície Vermelha ou a Roxa. Talvez estivesse andando em círculos por horas, não teria como saber. Ele apenas seguia em frente esperançoso, tentando encontrar alguém que o pudesse ajudar. Até que ouviu um barulho.

— Olá? Tem alguém aí? – perguntou o bardo assustado, mas ninguém o respondeu.

Ele procurou a fonte do barulho com os olhos esverdeados acompanhados de olheiras. Ainda estava muito ferido e cansado, sem condições de enfrentar mais monstros, e considerando que talvez fossem mesmo inimigos, ele continuou andando, tentando evitar conflitos.

Apenas cinco passos dados ele ouviu o barulho de novo. Um estalo, como se dois objetos duros estivessem se batendo. Em seguida ouviu gemidos, passos. Seu coração começou a acelerar e ele decidiu avançar ainda mais rápido. O bardo estava ficando realmente assustado, então puxou seu sabre da bainha de couro bege que carregava no cinto por precaução, e continuou caminhando, atento para o que vinha atrás. Os barulhos estavam aumentando e sua quantidade também. Talvez por esse motivo, não tenha visto o que estava bem à sua frente.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ahhh! – gritou o meio-elfo assustado ao se deparar com um esqueleto vivo.

A criatura humanoide, porém mais baixa do que ele, ergueu os braços e arqueou os dedos para atacar sua vítima, mas Drico ergueu seu sabre e bateu contra uma das mãos, o que não impediu que a outra passasse por seu tronco, arranhando sua armadura. Com o pouco treinamento em combate que possuía, o jovem movimentou sua lâmina para estocar o inimigo, mas ao bater contra a ossada dele, não teve força o suficiente para quebrá-la e deixá-lo vulnerável. Logo, a terrível criatura emitiu um grunhido rouco e mexeu os braços violentamente mirando o rosto do bardo e acertando sua bochecha, fazendo um corte nela.

O meio-elfo gemeu de dor e deu um passo para trás, então ouviu o som de outros passos e o bater de ossos ficando cada vez mais alto. Ele sabia que não poderia lutar contra mais de um inimigo, devido ao seu físico desgastado. Então deu alguns passos para trás, se distanciando das criaturas e correu para longe.

Conseguiu ouvir os mortos-vivos correndo atrás de si e sem saber para onde estada indo resolveu parar por um instante. "Se eu botar esses bichos para dormir vou ganhar tempo pra tentar achar uma saída desse lugar", pensou enquanto guardava o sabre e puxava seu clarinete da cintura.

Ele aguardou por alguns instantes então começou a tocar uma música de ninar, claro que ele não estava apenas tocando uma música, mas sim conjurando uma de suas magias mais úteis, a magia de sono. Esse encantamento acabava por tirar o bardo de várias situações de risco, pois quando conjurado, fazia com que suas vítimas caíssem em um sono pesado logo de imediato, deixando-o livre para sair do combate. Essa era a melhor chance dele derrotar os mortos-vivos, mas quando ele os viu se aproximando mesmo ao som de sua melodia mágica, Drico soube que não poderia fazer nada contra eles.

Ele guardou o clarinete e com pressa e desespero começou a procurar abrigo, felizmente ele avistou o que parecia ser uma pequena casa de pedra há alguns metros dali. O meio-elfo sorriu momentaneamente e logo se dispôs a correr o máximo que conseguia em direção à pequena casa.

No caminho ele viu outros esqueletos se vagando pelo local enquanto outros começaram a sair do chão, como numa verdadeira história de terror. Para piorar a situação ao chegar perto da casa ele notou que não era uma construção qualquer, mas sim um mausoléu. Ele estava no meio de um antigo cemitério. "Não pode ser, não pode ser...", pensava aflito.

Drico colocou a mão na cabeça e a passou sobre os cabelos caramelados enquanto seus olhos arregalados procuravam por uma solução, mas quanto mais tempo ele perdia parado, mais esqueletos se aproximavam. Ele começou a puxar e empurrar a porta do mausoléu, mas ela era extremamente pesada e parecia estar emperrada. O meio-elfo apertou os olhos e encostou a cabeça na porta de pedra cinzenta por alguns instantes. "Por quê? Por que isso está acontecendo?", pensou até ouvir os mortos já praticamente ao seu lado.

Drico virou rapidamente e puxou seu sabre da bainha. Sua arma tremia em sua mão, mas por mais medo que ele sentisse o bardo do reino de Theolen não iria desistir de sua vida sem uma luta. Ao ver o primeiro vislumbre de ossos se movendo ele atacou ferozmente, batendo lateralmente com seu sabre e derrubando duas costelas do esqueleto que se aproximava. A criatura logo retribuiu arranhando o braço do jovem que segurou o gemido de dor e bateu novamente contra o esqueleto, derrubando seu braço direito enquanto outros três se aproximavam.

O meio-elfo olhou para seus oponentes, viu que um deles segurava uma espada em mãos e vestia o que um dia teria sido uma armadura de cota de malha. Apesar de achar estranho ele não atentou a esse detalhe, mas sim ao de que aquele esqueleto era uma ameaça maior. Por isso estendeu seu sabre e golpeou contra ele, que se defendeu com a espada e respondeu ao ataque do bardo com um corte preciso em sua coxa.

Drico gritou de dor e segurou sua perna sangrando enquanto se afastava e aos poucos via-se cercado pelos esqueletos de estatura baixa. "Eu não consigo mais lutar, eu não consigo...", pensou. "Por que eu tive que vir pra cá? Por que eu tive que vir pra esse maldito lugar?", apertou fortemente os olhos para não ver o que viria a seguir.

Mas para a felicidade do bardo, algo inesperado aconteceu. Ele ouviu um grito vindo de cima, um grito de guerra soado por uma voz grossa, e do topo do mausoléu pulou um homem com uma espada enorme numa mão e um escudo metálico na outra. Ele caiu entre Drico e os esqueletos e começou a lutar. Ergueu sua espada e acertou uma ossada, cortando-a ao meio em um único golpe, em seguida aproveitou o movimento do braço e decapitou o desmorto que segurava uma espada. Os mortos se agitaram e partiram com suas garras para cima dele, mas o sujeito era extremamente habilidoso em combate e não levou um arranhão sequer sempre protegendo-se com o escudo e a armadura segmentada que usava.

— Está tudo bem aí, garoto? – perguntou o homem que não conseguiu resposta do meio-elfo apavorado – Vamos lá, levante-se. Você não está mais sozinho – continuou ele enquanto partia mais dois esqueletos ao meio com sua espada de cabo dourado.

Drico sabia que no estado em que estava, pouco podia fazer contra aquelas criaturas, mas por algum motivo sentiu sua coragem voltar ao ver o homem, sentiu que deveria fazer algo, pois agora ele não estava mais só e poderia ter uma chance de sair de lá.

O bardo levantou do chão e empunhou seu sabre bravamente. Por algum tempo os dois lutaram lado a lado contra os esqueletos, derrotando cerca de quinze deles. Ao final do combate Drico estava totalmente exaurido, já o homem parecia estar bem, então foi até o mausoléu de onde havia saltado e empurrou a porta com força, abrindo-a e fazendo assim um abrigo contra as criaturas que pudessem aparecer.

Os dois entraram na tumba e fecharam a porta. O homem usou sua espada para quebrar as pequenas janelas que ficavam no alto do túmulo e fez uma pequena fogueira lá dentro. Drico cansado, caído em um dos cantos do local, segurava seus machucados com força quando o homem começou a falar:

— Isso parece meio ruim – disse se referindo a um corte na perna do bardo.

— É... – concordou Drico fazendo cara de dor – Dói bastante.

— Posso te ajudar com isso se quiser.

Drico fez que sim com a cabeça. Apesar de parecer algo perigoso confiar em um desconhecido daquele local , o meio-elfo notou que o homem não parecia ter más intenções e naquela situação, ele também não tinha muita opção... O homem então se aproximou e tocou em seu ombro, sua mão emitiu um brilho azulado e logo todos os ferimentos do meio-elfo se fecharam e ele reconheceu o efeito, como sendo o mesmo que sua magia de cura fazia.

— Uou... Obrigado – agradeceu o bardo impressionado, reparando que o homem não havia conjurado a magia com palavras, gestos ou música como normalmente se era feito, e sim apenas com o as próprias mãos – Como fez isso?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— É uma habilidade que possuo – respondeu de forma tranquila.

— Ah... Entendi. Bom, a gente meio que não teve tempo pra apresentações, mas... Sou Drico – disse esticando a mão.

— Steve – falou o homem – Steve Leon, de Theolen – falou dando um firme aperto de mão no meio-elfo.

Steve era um humano alto e forte. Tinha os cabelos louros divididos ao meio que batiam pouco depois de seus ombros e caiam sobre suas costas, enquanto duas mechas na frente se estendiam até sua clavícula. Ele tinha a pele clara e seu rosto quadrado possuía um par de olhos azuis e uma barba que cobria de uma bochecha a outra. Não era muito comprida, mas ainda assim preenchia a face. Ele aparentava ter mais de trinta anos, talvez quarenta, tinha algumas marcas de idade no rosto, mas para alguém que já não era mais tão jovem, ele lutava com vivacidade. Vestia uma armadura segmentada que protegia seu tronco e ombros e uma malha de metal para os braços. Carregava um escudo com o desenho de um T na frente e em sua bainha levava sua espada-bastarda.

— Então, Steve... – falou Drico – Obrigado pela ajuda lá fora, eu achei que fosse morrer.

— Não foi nada. Só estava fazendo meu trabalho – disse acomodando-se no chão do mausoléu.

"Trabalho?", pensou o meio-elfo confuso.

— De qualquer forma eu te devo essa... – continuou amigavelmente – Agora, me deixa perguntar: você sabe onde estamos exatamente?

— Bom, no momento em uma tumba em uma das ultimas camadas subterrâneas da Planície Roxa – disse Steve encostando-se na parede.

— Que droga... Achei que já estávamos na superfície, eu andei por horas hoje! – falou insatisfeito.

— Esse lugar pode confundir as pessoas, é tão grande que muitas vezes não notamos que tem um teto ou paredes, mas posso garantir que estamos embaixo da terra.

— Mas tem como sair daqui, né? – perguntou depois de esfregar o rosto cansado com uma das mãos.

— Sim, estamos bem longe da saída, mas é possível – confirmou Steve.

— Ótimo, não vejo a hora de ir deixar esse lugar terrível para trás. Maldito seja o Guardião da Ponte por me jogar aqui embaixo... – falou Drico soltando um suspiro – Aliás, você caiu aqui pela fenda também?

— Não, eu atravessei a fenda pela ponte e desci até aqui depois – respondeu Steve.

— Por que alguém viria pra um lugar como esse de propósito? Quero dizer, você parece ser um ótimo guerreiro que sabe alguns truques mágicos, mas ainda assim... – perguntou curioso.

— Fui mandado para essas terras – respondeu Steve e Drico pôde perceber um tom um tanto insatisfeito em sua voz – Estou em uma missão pelo reino de Theolen.

— Ah, e o que você tem que fazer exatamente?

— Devo destruir todo o mal do norte, acabar com os mortos-vivos daqui.

"O que? Ele está falando sério?" pensou Drico se ajeitando no chão e franzindo o cenho. Ele considerou que pela quantidade que vira de esqueletos naquele dia, poderia haver muito mais deles espalhados por aquele local, o que tornaria a missão de Steve não apenas difícil, mas bem improvável e talvez impossível. "Será que esse cara é maluco...?" considerou.

— E você? – perguntou Steve – O que faz por essas terras malditas? Pelo que vejo você é algum tipo de músico, certo? – deduziu pela armadura simples e o clarinete do meio-elfo.

— Sim, sou um bardo e às vezes um contador de histórias. E quanto a como eu vim parar aqui... Bem, isso é uma longa história envolvendo um emprego frustrado, um acidente bizarro e a promessa de muitos tesouros. Posso te contar depois de dormir um pouco, eu realmente estou exausto.

— Sem problemas – disse Steve concordando com a cabeça – Estaremos seguros aqui dentro, então acho que vou dormir também.

Drico assentiu com a cabeça então se aconchegou no chão frio e duro feito de pedra. Antes de começar sua meditação, que o revigorava tanto quanto o sono comum de outras raças de criaturas, porém em menos tempo, ele olhou para o guerreiro à sua frente. Considerou que seria boa ideia esperar que ele dormisse primeiro, mas acabou não resistindo ao cansaço.

Nas horas que se seguiram, ele sonhou com sua antiga casa fora da capital e com os dias felizes que havia tido ao se mudar para a cidade de Theolen. Sonhos agradáveis e esperançosos, para um dia terrível num lugar amaldiçoado.