Eileen estava absolutamente atônita. Pensava que Thomas só voltaria a aparecer horas depois, mas talvez algum empregado o tivesse avisado sobre a aparição de Caleb ali. Ela não sabia realmente o que tinha acontecido, mas consideraria qualquer possibilidade naquele momento.

O homem tinha um sorriso de escárnio e continuava a bater palmas, se aproximando de maneira lente até os dois irmãos. Caleb logo passou para a frente de Eileen, como se quisesse protegê-la daquele ser.

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Thomas soltou uma risada seca, fitando o rapaz.

— Parece que você tem se metido no que não lhe diz respeito — disse Thomas, cruzando os braços, mas não estava sério e seu rosto não expressava raiva alguma.

— Então não nega? — vociferou Caleb, estreitando os olhos. — Você está acabando com a vida de várias pessoas contrabandeando isso! E tudo apenas por causa de dinheiro?

— Alguns súditos precisam cair para que o rei triunfe.

O rapaz foi até Thomas, com os olhos azuis indignados.

— Como pode uma pessoa ser tão desprezível a esse ponto? — Caleb segurava com força a camisa do homem, que estava encostado na parede.

Em resposta, Thomas soltou uma risada anasalada e levou uma das mãos para trás do corpo. Eileen não soube como, mas sabia o que viria a seguir. Tentou se mexer, gritar para que Caleb saísse dali, mas foi em vão, seu corpo parecia ter sido paralisado.

No momento seguinte ouviu-se um disparo e a mão de Caleb relaxou, deixando o homem livre. Eileen viu seu irmão virar o corpo e tentar caminhar até seu encontro, logo sentindo a barreira que a prendia dissipar-se. Ela não demorou a ir até ele, segurando-o enquanto ambos iam ao chão.

— Caleb? — Eileen sentiu a voz tremer ao chamá-lo. Ela estava sentada sobre as panturrilhas, com a cabeça do irmão sobre as coxas. — Caleb, fale comigo!

Quando Eileen notou, sua mão já estava suja de sangue, bem como sua roupa. O rapaz tentou tossir, mas somente sangue saía de sua boca. Sua mão ainda segurava firme a mão da irmã. Ao abrir a boca novamente, arriscando-se a falar algo, Eileen desesperou-se ainda mais.

— Não fale, Caleb, não fale. — Ela se amaldiçoou naquela hora. Sempre havia sido o elo mais forte da família, mas ali, com a pessoa que mais amava quase morta, ela sentia-se completamente inútil. Os olhos percorreram o corpo dele, e ela tinha quase certeza de que a bala tinha acertado o pulmão. — Você vai para o hospital e tudo vai ficar bem.

Suas palavras saíram tremidas, de maneira que nem mesmo ela própria pôde acreditar nelas.

— Essa é a primeira vez que te vejo chorar — Caleb insistiu em comentar, tossindo novamente instantes depois. Ele fez um sinal vagaroso com a cabeça, como se quisesse que ela se aproximasse. Quando assim foi feito, ele voltou a falar, dessa vez mais fraco. — Você precisa... precisa fugir enquanto há tempo.

Foi, então, que Eileen notou que lágrimas escorriam por seu rosto. Era bem verdade que não era uma pessoa muito sentimental, sempre procurando guardar as coisas dentro de si do que compartilhar com os demais.

— Eu não vou te deixar — ela disse, limpando as bochechas, mas logo notou que a força que ele exercia com a mão dele com a dela foi afrouxada.

Quando voltou a olhá-lo, Caleb já estava imóvel, os olhos semicerrados e o peito não mais subia e descia. Eileen sentiu o próprio ar escapando do seu peito e começou a soluçar. As mãos, que passaram a tremer ainda mais, foram ao cabelo dourado dele, tirando alguns fios da testa, e acabando por deslizar para o resto do rosto, terminando de fechar seus olhos.

— Caleb, não me deixe... — ela sussurrou, jogando seu corpo por cima do dele e deixando com que o resto das lágrimas voltassem a escorrer. — Não me deixe...

Ele está morto, seus pensamentos insistiam em dizer, mas ela se recusava a acreditar naquilo. Era seu irmão, seu único e tão querido irmão, por quem havia prometido voltar um dia. Era uma sensação sufocante aquela que a invadia. Não, não, não, era o que repetia incessantemente.

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Não soube quanto tempo se passou, mas voltou a ouvir as palmas que outrora ecoaram pelo recinto. Ela sequer havia lembrado-se de que Thomas ainda estava no local. Era, realmente, muita audácia daquele ser; matar uma pessoa e nem ao menos se comover com aquilo. Eileen não conseguia entender o que se passava na mente dele.

— Menos um problema na minha vida. — Ele assoprou a fumaça que ainda saía da arma e logo em seguida colocou o objeto sobre uma mesinha de vidro. — Belo presente de aniversário, não concorda?

Eileen se levantou, tremendo, tamanha era a raiva que sentia, e com as roupas ensopadas de sangue.

— Você acaba de assinar sua sentença de morte, seu maldito — ela sussurrou, mas ainda assim ele pôde ouvir. Foi se aproximando a passos lentos dele.

— Sentença de morte? Ora, não brinque comigo, garota. — Ele mantinha um sorriso maquiavélico no rosto. — Fraca e pequena como é, duvido que consiga sequer matar uma mosca.

Eileen sabia que ele realmente a achava tão inútil como dizia, mas era nesses momentos que ela se lembrava das palavras de sua mãe. “Nunca subestime uma pessoa, minha querida, você não sabe qual é o potencial máximo de alguém.” Kalel nunca dissera palavras tão sábias antes.

Foi com coragem e sem arrependimentos que Eileen conseguiu alcançar a arma esquecida na mesa e atirou naquele que tinha tirado a vida de seu irmão.

Sabia que sua vida nunca mais seria a mesma a partir daquele momento, mas ela não se importou. Nunca antes tinha imaginado como seria tirar a vida de alguém. Segundos antes de puxar o gatilho, ela tinha certeza de que o remorso iria aparecer na mesma hora. Tudo o que sentiu, porém, foi um alívio imediato acometer seu corpo ao ver Thomas agonizando no chão, com o olhar cheio de fúria e desespero, sem ao menos conseguir pronunciar alguma palavra. Ela tentou sorrir para ele da mesma forma que ele havia feito quando tinha atirado em Caleb, mas não conseguiu, os músculos de sua face pareciam congelados.

Eileen teve certeza de que nunca mais conseguiria sorrir novamente.

. . .

Ethan se manteve em silêncio durante todo o caminho percorrido pela carruagem. Quando os outros dois faziam perguntas sobre qual lugar eles estariam indo, tudo o que ele respondia era que não queria criar falsas esperanças neles, uma vez que não tinha certeza de que Aaron realmente estaria lá.

Após cerca de vinte minutos, quando a carruagem enfim parou, os três desceram. Eileen e Joshua com olhares arregalados diante do lugar que estavam.

— O museu de Bough! — Joshua deixou escapar. — Não sabia que ele já existia nessa época.

— A Rainha Victória o inaugurou em 1886, ainda é recente — comentou Ethan.

O museu de Bough, com dois níveis, era um dos mais renomado da época, com vários prédios e torres de formato octogonal, todo em cinza, e o teto central era sustentado por enormes pilastras. A pintura ainda era nova e imperfeição alguma podia ser vista ali. Era um lugar enorme e poderia facilmente ser confundido com um dos castelos da Idade Média.

No século vinte e um, apesar de tal museu ainda capturar a atenção de vários turistas, a pintura não era mais a mesma e as paredes continham diversas lascas.

Eileen e Joshua poderiam passar um dia inteiro a observar aquela imponente construção, não fosse a voz de Ethan tê-los despertado. Ao chegar na entrada, porém, dois guardas impediram a passagem, alegando que naquele dia o lugar estava fechado para limpeza, fazendo-os dar meia-volta.

— Aposto que você não previu isso — disse Eileen, inconformada com a ideia de ter que voltar para a calçada. Ela julgou que eles poderiam entrar facilmente ali, julgando que estavam em maior número, mas talvez um combate tão direto atraísse mais atenção do que a desejada. — Tem alguma outra ideia? Talvez você possa apresentar aquela identificação novamente.

— Não há tantos privilégios assim para a Scotland Yard como você pensa. — Ethan passou a caminhar para o lado de trás da construção. — Há uma outra entrada, mas ela provavelmente estará protegida por outra pessoa.

Eileen revirou os olhos, impaciente.

— Esperem aqui ao lado, os dois — ela ordenou, arrumando o vestido e os cabelos da melhor maneira que podia.

Ethan iria contestar, mas ela tinha sido mais rápido e deu-lhe as costas antes que ele falasse qualquer coisa. Sem mais nada a fazer a não ser confiar na mulher, ele recostou-se na parede com os braços cruzados, ao lado do cientista.

— Por que acha que ele estará aqui? — perguntou Joshua, com os olhos fechados, como se apreciasse a brisa fria da manhã.

Ethan demorou algum tempo para responder, soltando um suspiro cansado antes.

— Aaron não é uma pessoa simples. Ele está na carreira de jornalista porque a arte não estava rendendo bons frutos — ele começou a explicar de maneira séria, enquanto a imagem do outro vinha em mente. — Ele sempre me fazia um pedido. “Quando eu morrer”, ele dizia, “compre aquele quadro de que tanto gosto e o enterre junto ao meu corpo”. O quadro em questão é propriedade desse museu e ele e a irmã vinham ao menos uma vez por semana apreciá-lo. Foi nesse lugar que eu o conheci.

— Sinto muito — disse o cientista, sem saber como lidar com aquela situação. Não era acostumado a reconfortar pessoas, tendo pouco tato para lidar com elas.

— Não sinta.

. . .

Não demorou mais que alguns minutos para que vissem Eileen novamente, fazendo um baixo Psiu! para ambos. Ao dirigirem-se para a entrada dos fundos, um pouco mais escondida que a da frente, eles puderem ver um homem de uniforme sentado em uma cadeira, com a cabeça erguia e encostada na parede; o chapéu escuro que usava servia perfeitamente para tampar os olhos. A portão da grade estava aberto.

Joshua não se mostrou surpreso com a cena; sabia do que aquela moça era capaz. Ethan, por outro lado, não conseguiu esconder a curiosidade e olhou de maneira questionadora para Eileen.

— Alguns homens fazem qualquer coisa por uma mulher bonita e elegante, caso você não saiba disso — ironizou ela, já entrando no museu.

— E você o desacordou? — Ethan foi o último a passar pelo portão, fechando a fechadura novamente e retirando a chave ao final.

— Você fez a mesma coisa comigo.

Ele ficou calado para aquele argumentou irrefutável. Os três seguiram por um corredor escuro, que ficou claro somente no instante em que alcançaram o salão principal. Era um lugar imenso e de base quadrada, com vários quadros expostos nas paredes e um teto de óculo. A luminosidade que o local possuía provinha das enormes janelas, que eram abundantes ali. O piso era escorregadio e Eileen desejou poder tirar os sapatos na mesma hora, temendo escorregar a qualquer momento.

A assassina nunca antes entrara em um museu, não por falta de oportunidade, mas porque não via graça alguma naquilo. Lugares como aquele faziam com que ela se lembrasse de seu passado, coisa que ela lutou por muito tempo para conseguir esquecer.

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Quando se aproximaram de uma das bordas, perto das escadas, eles visualizaram a imagem de mais um guarda, dessa vez deitado no chão. Ethan acelerou o passo, chegando até o homem antes dos outros e colocando ambos os dedos indicador e médio no pescoço, fazendo o mesmo no pulso logo em seguida.

— Está morto.

Logo após ouvir a confirmação vir dele, Eileen notou uma mancha de um sangue vivo espalhando-se pelo chão progressivamente. Ela viu que o lugar atingido tinha sido justamente no coração e logo soube que tinham perfurado uma artéria. O líquido rubro iria espalhar-se cada vez mais rápido.

Ela levantou a cabeça imediatamente, vendo o cientista mais afastado e tampando o nariz. Ao olhar para Ethan, ela viu uma expressão nada amigável no rosto dele.

— Vamos subir — ele disse, apenas.

A escada era circular e larga, com o corrimão de ambos os lados. A ansiedade para subir rapidamente era grande, mas eles tinham em mente que o menor sinal de barulho denunciaria suas presenças.

Ethan foi o primeiro a chegar aos últimos degraus, e ao notar que não havia ninguém ali, terminou de subir, alcançando o nível superior. Quando os outros dois subiram, foi com surpresa que ele escutou passos ecoarem pelo recinto e virou-se para o outro lado.

Aaron Lawrence andava calma e distraidamente em sua direção, como se fosse um dia qualquer, uma ocasião onde eles se encontravam apenas para conversar sobre as atualidades da semana ou algo do tipo. Ele passou a mão pelos fios loiros e soltou um sorriso amigável.

— Que surpresa você por aqui, meu amigo — disse ele, cessando os passos. Ao ver que Ethan estava acompanhado por outras duas pessoas, porém, ele mudou a expressão para uma mais defensiva. — E vejo que trouxe amigos.

Ethan não seria flexível. Não fazia o tipo que enrolava para chegar ao ponto chave da questão, sempre indo direto ao ponto. Dessa vez, não via motivo para ser diferente. Doía aquilo, era óbvio, ver o amigo que sempre confiou, o único por quem mantinha certo apreço, envolvido naqueles casos de assassinato que assombravam a cidade.

— O fato de você estar aqui só comprova, infelizmente, que eu estava certo. O que raios você tem na cabeça? — Ele cuspia as palavras, encarando fixamente o outro. — Você matou todos aqueles casais... E os homens no primeiro andar também!

— Mas eu não matei ninguém, meu amigo. — Aaron fez uma feição de vítima, como se não entendesse o que se passava ali. — Quem tirou a vida de todas essas pessoas foi, saiba você, minha irmã.

Ethan não conseguiu conter a surpresa ao ouvir tais palavras. Não conhecia Anslee tão bem quanto o irmão dela, mas sabia que era uma moça de personalidade calma e que muito se assemelhava a ele. Aaron fazia várias brincadeiras, dizendo que ambos formariam um belo par e estaria esperando ansiosamente pelo pedido de casamento vindo do amigo.

— Ela não seria capaz de fazer coisas como essas — Ethan disse, mas como se a vida estivesse brincando com sua mente, ele viu a irmã de Aaron sair de uma das pilastras. — Srta. Lawrence?

Eileen estreitou os olhos e crispou os lábios ao ver a mulher. Era uma cópia exata de Aaron, mas os cabelos loiros chegavam até a metade das costas e suas feições eram mais delicadas. Pareceria uma boneca, não fosse pelas manchas de sangue nos vestidos e nas mãos. Ela tinha uma expressão gélida no rosto.

Naquele momento, o cientista já mantinha-se afastado daquele grupo, escondido por detrás de outra pilastra. Ele já tinha passado por uma experiência de quase morte e aquela única tinha sido o suficiente.

Ao ver o sangue espalhado pela mulher, Ethan não pôde negar que ela estava realmente envolvida naquilo. Não tinha certeza de que era ela quem tinha mesmo cometido todos os assassinatos, mas talvez Aaron estivesse mesmo falando a verdade. Ela tinha uma adaga manchada de vermelho.

— Por quê? — a pergunta foi para Anslee, que não alterou a expressão em momento algum, por mais tensa que fosse a situação.

— Porque meu irmão pediu. — A voz dela era calma e fina ao falar, como se estivessem conversando sobre banalidades. — É tudo por ele.

Apesar de a situação não ser propícia, Eileen sentiu vontade de gargalhar. Aquela era, definitivamente, a mulher mais submissa que já encontrara em toda a vida. Mas ao pensar melhor, analisou que talvez ela pudesse ter sofrido alguma lavagem cerebral e, agora, vivia unicamente para o irmão. Era um plano bom, ela pensava, pedir para outra pessoa cometer os crimes no seu lugar. Mas se assim o fosse, por que Aaron permanecia ali, sendo acusado?

— Então você é do tipo que guarda mágoas, não é? — Eileen tomou a frente da situação. — Quis matar todos eles apenas porque você e sua querida irmã foram devolvidos para o orfanato? — Ela soltou um sorriso torto. — Você não passa de um louco, e sua irmã, de uma fanática obcecada por você.

Após as palavras dela, tudo o que Aaron tinha nos olhos era uma expressão colérica. Ele sentiu os batimentos cardíacos acelerarem e foi para perto de Anslee.

— Eles brincaram com nossas vidas! — O grito dele ecoou por todo o local. — E agora finalmente pagaram pelos crimes!

Cansada de ouvir as baboseiras daquele homem, Eileen se aproximou dos dois irmãos, passando na frente de Ethan, que mais do que prontamente segurou o braço dela, fazendo-a cessar os passos.

— Parece que agora chegou a sua hora de pagar pelos seus crimes também — disse ela, divertindo-se com a reação violenta que havia causado em Aaron. Duvidava muito que ele estivesse em plena sanidade mental.

— Não deixarei que encoste um dedo sequer no meu irmão — ameaçou Anslee, falando subitamente e segurando de forma ameaçadora a adaga, como se fosse atacar a qualquer momento. — Nem que para isso eu tenha que tirar sua vida também.

Eileen não demorou a pegar a lâmina que ainda mantinha consigo, soltando-se de Ethan. Odiava receber ameaças, não importava de quem viesse.

Antes, porém, que qualquer uma das duas assassinas fizessem qualquer movimento, Aaron foi mais rápido. Ele tinha retirado uma faca de trás de seu corpo e, no instante seguinte, perfurou um coração com força, ouvindo um gemido pasmo e surpreso vindo da vítima.

A surpresa dos que estavam presentes no local foi unânime.