Sobreviver

Capítulo 3


POV Peeta

Estava no trem novamente. Quando foi a última vez que estive aqui? Acho que foi para o Massacre Quaternário. Minha mente ainda está um pouco confusa e me prega algumas peças. As vezes luto pra entender o que foi real ou não. “Estou voltando para o Distrito 12. Estou voltando para casa”. Isso parece mais uma das alucinações que tenho de tão surreal que soa. Mas não é, pois as minhas visões são coisas ruins, tristes, que me dão medo e não que me trazem paz e até uma certa ansiedade.

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Como estariam as coisas no Distrito?”. Sei que ele foi bombardeado por Snow. Sei também que muitas pessoas morreram. Meus pais, meus irmãos e muitos amigos se foram no ataque. É estranho pensar na minha casa sem ter meus irmãos me pentelhando por conta dos meus bolos. Eles pegavam no meu pé pelo meu jeito com desenhos, ficavam fazendo piadas o tempo todo, mas eu sei que era brincadeira e que, no fundo, sentiam orgulho de mim. Já o meu pai era o meu grande companheiro, meu conselheiro e meu melhor amigo. Até mesmo minha mãe, apesar do jeito durão e brigar muito comigo, ela era minha mãe e eu a amava. Isso vai fazer falta, mesmo que já não morasse com eles desde que venci os Jogos. “Bom, se minha cabeça não estiver me pregando peças mais uma vez, foi isso o que aconteceu.”

Faz tanto tempo que não ponho meus pés no Doze, nem sei ao certo. O que eu conto é o tempo que não a vejo. Fazem quase quatro meses que não vejo Katniss. A minha pequena, a minha menina, porque é assim que a vejo. Para praticamente toda a população de Panem ela é o Tordo, a líder da Revolução. Para outros poucos ela é alguém ruim e egoísta. Mas pra mim ela sempre vai ser aquela garotinha que cantou a Canção do Vale no primeiro dia de aula. Sim, eu me lembro perfeitamente, embora haja confusão, ela só vem quando tenho meus flashbacks, e a essas memórias boas que me apego pra voltar a realidade. Estou com tanta saudade dela, da minha Garota em Chamas. Se sobrevivi a tudo isso foi pra voltar pra ela.

Estou em meu quarto no trem e isso me traz novas lembranças. Vem a memória a noite em que ouvi os gritos de Katniss por causa dos pesadelos. Acho que nunca me senti tão impotente quanto naquela hora, ela estava tão frágil, tinha tanta dor e medo nos seus olhos que tudo o que eu queria era protege-la e levá-la para longe de tudo aquilo. Lembro de dormirmos abraçados, “mas isso foi real?” Devera ser porque não são imagens confusas, muito pelo contrário, são calmas e me faziam bem.

Como ela está?”, é a pergunta que me faço várias vezes ao dia. Nesses meses não me deram notícias dela. Apenas soube que voltou ao distrito e estava aos cuidados de Haymitch. Até parece engraçado, ele cuidar de alguém, não é muito a sua cara. As últimas coisas que me contaram foi que a mãe da Katniss estava no Distrito Quatro, com Annie. Fiquei me questionando qual foi sua reação ao saber que a mãe estaria longe dela. Assim como eu, ela não tem família pra quem voltar. E digo que não tem família, porque nem mesmo Gale está com ela. Ele foi para o Distrito Dois e trabalha, agora, para o exército de Panem. No fundo eu temia que ele voltasse para o Doze e tentasse conquistá-la. Foram muitos dias longe e, se ele quisesse viver com ela, se eles se casassem eu, sinceramente não sei o que faria . Por um lado ficaria feliz em vê-la feliz, mas por outro estaria despedaçado por dentro.

Sofri torturas na Capital, perdi as contas de quantas surras levei. Choques e o veneno. Aquele maldito veneno das teleguiadas que me fez odiar a minha Katniss. Mas nem todo o veneno e todas as mentiras que me contaram foram capazes de me fazer esquecê-la. Eu a odiava e, ao mesmo tempo, me odiava por sentir isso. Tinha medo de machucá-la, mesmo minha mente gritando para matar ela. Eu a amava. E é o tipo de amor que por mais que tentaram me afastar dela, é difícil esquecer.

Estou ansioso de mais pra chegar em casa, mas não vou conseguir dormir. Decido ir dar uma volta pelo trem. Me dirijo até a cozinha, quem sabe conseguiria algumas dicas de tempero, com sorte até algumas receitas novas. Converso com o cheff e ele parece feliz em ver meu interesse por gastronomia.

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– Eu cresci ajudando meu pai na padaria – contei.

– Que bom, eu soube que era padeiro. Mas pretende abrir seu próprio negócio? - pergunta ele, sendo simpático.

– Quem sabe! Quero me estabelecer primeiro, ver como vai ficar a minha vida e talvez eu pense nisso – respondo.

– Ah, sim! Vai rever sua esposa, então?! - me falou e notei certa malícia em sua voz. Só então lembrei que pra Panem somos casados.

– É... claro! Quero rever Katniss, afinal estamos há um bom tempo longe. - ri sem jeito e envergonhado pela situação.

Depois desse comentário voltei ao meu quarto tentar dormir, ainda teria algumas horas para desembarcar. Tranquei a porta, tirei os sapatos e me deitei. Estava muito agitado, mas ainda assim, fechei os olhos e tentei relaxar. Aos poucos a inconsciência foi me tomando.

Acordei assustado, temendo ter passado do meu ponto de descida. Olhei o relógio e constatei que adormeci por duas horas. “Falta pouco”. Em cerca de meia hora chegaria ao Distrito Doze. Estaria em casa. A ansiedade parece triplicar cada vez que me aproximo. Me arrumo, confirmo se tenho tudo comigo e me encaminho para a saída.

Quando as portas do trem se abrem, solto um suspiro de alívio. Saio carregando minhas malas e fico procurando se vieram me buscar. Avisei Haymitch que estava voltando, ele pareceu surpreso e feliz ao saber da novidade.

Avisto Haymitch um pouco afastado me esperando. Ele continuava com sus cabelos loiros, agora estava mais magro e vestindo um terno azul escuro. Estava bem arrumado até. Ele sorriu ao me ver e veio ao meu encontro me dando um abraço.

– Oi, garoto! Que bom que voltou. E como está? - perguntou meu ex-mentor.

– Estou bem, dentro do possível. Alguns remédios me ajudam bastante. Mas e você como está?

– Estou vivendo, garoto! Dentro do possível a gente vai melhorando. - ele me dá um sorriso sem graça – Mas venha, deve estar cansado da viagem, acredito que queira descasar. - disse já pegando minha mala

– Sim, vamos, na verdade não estou cansado. Mas vejo que veio sozinho, e Katniss, como ela está? - não consigo conter a ansiedade em vê-la. Não sei como será esse encontro, mas espero há tempos por ele.

– Está em casa – é tudo o que ele diz. Percebo que ficou muito calado e sem jeito. “Será que há algo errado?”. Sim, há.

Durante o caminho pra Aldeia dos Vitoriosos conversamos bastante. Ele me mostrou como vai a reconstrução do Distrito, as novas casas, lojas, mercados e até mesmo um hospital que estão sendo construídos. Haymitch disse que muitas pessoas já voltaram ao Doze e moradores de outros distritos também vieram começar uma nova vida por aqui. Fiquei muito feliz em ver todos se reerguendo e seguindo suas vidas apesar de todas as perdas e a dor pela falta dos entes queridos. No trajeto muitas pessoas me reconhecem e vem me cumprimentas, perguntam por Katniss, algo que me deixa intrigado, ainda mais depois de Haymitch ter sido tão evasivo quando perguntei por ela.

– Greasy Sae arrumou tudo e deixou almoço pronto pra você. - diz Haymitch assim que chegamos na minha casa.

– Ah, que bom! Obrigado. Mas primeiro quero tomar um banho pra descansar. Almoça comigo? - pergunto. Ele parece exitar um pouco, mas por fim concorda.

– Está bem. Vou deixar você se ajeitar e daqui a pouco eu volto. - disse e saiu.

Respirei fundo e olhei em volta, tudo parecia igual a como deixei antes da última colheita. Pego minhas malas, subo para o meu quarto e coloco a banheira pra encher. Ocupo esse tempo organizando minhas roupas no armário. Quando a banheira está pronta, tiro a roupa e aproveito pra relaxar. Fico tanto tempo ali que meus dedos chegam a ficar enrugados. Saio e me enrolo na toalha. Me seco no quarto e coloco uma roupa mais confortável. Paro na janela e fico observando a casa da frente. Está tudo tão calmo, até parece que não tem ninguém lá. “Será que ela está na floresta? Ela deve caçar ainda, não deve?” A imagem de uma Katniss com arco e flecha matando animais aparece em minha mente. Rapidamente tento afastá-las, não quero um ataque agora. Nem agora, nem nunca mais.

Chego na cozinha e arrumo a mesa pra duas pessoas. Greasy preparou um ensopado com verduras e está com cheiro bom. Logo Haymitch chega e vamos almoçar.

– E o tratamento, como anda? - pergunta ele.

– Está indo bem. Ainda tomo remédios pra controlar os ataques, mas faz tempo que não tenho um. A maioria das memórias voltaram. Esse tempo na Capital me fez bem. Até que o Dr. Aurélius me libertou pra voltar. - respondo.

– Confesso que fiquei surpreso quando me ligou, não pensei que voltaria pra cá, afinal não restou nada aqui.

– Aqui é a minha casa. Além do mais, tem você e Katniss aqui. - tudo o que ouço em resposta é um longo suspiro.

O almoço segue em silêncio. Quando terminamos coloco os pratos na pia e vamos para a sala.

– Vai me dizer como ela está? Por que parece que você está me escondendo algo. - falo assim que sentamos. Aquilo já estava me incomodando muito.

– Olha, garoto! - ele parece triste – Ela não está nada bem. Desde que voltamos não saiu de casa. Dorme na sala, quase não come ou toma banho. E agora, - ele está indeciso entre continuar ou não, mas conclui – fazem semanas que não fala com ninguém.

– Mas por quê? - é só o que consigo dizer.

– Ela não quer mais viver! - isso me choca. Katniss sempre foi uma guerreira. Sempre lutou pra sobreviver. “Por que desistiria de tudo agora?”, penso.

– E porque ela não fala? Deve ter acontecido alguma coisa. - outro suspiro de Haymitch.

– Eu disse umas verdades, apenas isso. Ela ficou brava e não falou mais.

– O que você disse?

– Que ela sentia sua falta. - aquilo me pegou de surpresa – E a atitude dela só provou que eu estou certo. Depois disso ela não falou com mais ninguém. Só sai do sofá pra comer, quando o faz. Ah! - ele parece lembrar de algo – Greasy disse que ela se tranca no quarto todas as manhãs. Não sabemos o que ela faz, mas sempre que volta não parece tão triste. Alguma coisa em seu olhar brilha. Mas não sei o que acontece lá dentro.