Mel.

Isso é tudo? – pergunto encarando a lista à minha frente.

Estou com a lista em mãos. É bastante coisa mesmo. Sorte que o Mateo tem braços fortes. Não que eu tenha reparado nisso, mas sim porque Julia repara, e quando Julia repara, ela não consegue parar de falar. Acho que ela tem uma queda por ele. E isso é uma ótima desculpa, uma ótima desculpa para mim. A que eu venho usando desde que meu avô resolveu dar uma de cupido.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Quando nós eramos mais novos Mateo sempre era muito atencioso com nós duas. Comigo isso não mudou, com Julia também não. Porém eu continuo achando que ela gosta dele não como uma amiga gosta de um amigo, mas como algo a mais. Já peguei vários olhares. Mas, quando eu pergunto ela não assume. Ela fica envergonhada. Eles dariam um ótimo casal. Eu apenas espero que Mateo perceba isso. Um dia.

Já no meu caso, eu sempre vi Mateo como um irmão. E eu não beijaria meu irmão. Tudo bem que eu já havia beijado, mas isso foi há cinco anos. Eu não faria de novo. Ele é bonito. Ele é um pouco mais velho que eu, dois anos para ser mais exata. Não tem como negar. Tem cabelos escuros, a pele morena bronzeada por conta do seu trabalho, um bom porte, gentil. Um verdadeiro cavalheiro.

Ás vezes penso que meu avô o empurra tanto para mim porque ele deve achar que não tem muitas opções por aqui. Nisso eu tenho que concordar. Realmente não tem. Ele não quer que eu fique sozinha, ele quer que eu tenha alguém, para quando ele não estiver mais aqui. Meu avô é meio paranoico com o futuro.

— Acha que dá conta? – pergunta meu avô me fitando com expectativa.

Não sei por que ele diz isso. Eu sou a encarregada dessa parte. Eu faço isso todos os meses.

— Você sabe que sim.

— Eu sei. - Ele sorri para mim. Um de seus sorrisos orgulhosos.

Eu e meu avô sempre tivemos uma relação muito boa. De pai e filha mesmo. Nós podemos nos comunicar apenas com um olhar, um movimento, um sorriso. É como se fosse o nosso código secreto.

— Bom dia Sr. Guillén – diz Mateo acenando com a cabeça enquanto entra pela porta.

— Bom dia Mateo meu menino. Obrigado por ajudar Mel hoje. - Diz meu avô indo cumprimentá-lo com um aperto de mão.

— É um prazer – ele diz baixinho.

Mateo é meio tímido, entretanto isso é agora. Em época de escola quando eu era nova demais para chamar sua atenção, ele vivia rodeado de garotas, e parecia gostar disso. No entanto, ele estava sempre de olho em mim, como um irmão mais velho. Ao contrário de mim, que vivia com os olhos nele, e também suspirando pelos cantos.

Qual é!

Eu sei bem que isso é meio clichê! Mas vamos ser sinceros! A adolescência é um clichê. Toda garota já se apaixonou por um cara mais velho. Até que um dia ele me notou. Mas ao contrário do que eu imaginava eu não me senti em êxtase, em nenhum momento enquanto seus lábios cobriam os meus.

— Bom dia Mel. - Mateo tem um sorriso lindo. Dentes bem enfileirados, de um branco impecável. É a sua melhor arma.

— Bom dia Mateo. - O cumprimento de volta. - Podemos ir logo? Não quero chegar tarde.

— Claro, vamos! - Ele diz meio abobalhado enquanto procura as chaves do carro nos bolsos.

— Juízo crianças. – Diz meu avô sorrindo de uma forma cúmplice. Me seguro para não revirar os olhos.

Mateo tem uma caminhonete, e todas às vezes que ando nela, ele sempre faz questão de abrir a porta para mim. Acho fofo. Mateo é um fofo.

Nós nunca nos distanciamos. É uma amizade que eu prezo. Ele sempre está ao meu lado.

O caminho até a fábrica é por uma estrada de barro. Eu disse que aqui havia muito verde, certo? Tipo verde para caramba. Eu mencionei o barro? Bom, tem barro para caramba também. A estrada é esburacada o que me faz chacoalhar como um chocalho no banco do passageiro.
— Obrigada por me trazer Mateo. – Me sinto na obrigação de agradecer. Às vezes meu avô explora um pouco o sentimento que ele tem por mim. O que me deixa muito desconfortável.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Não tem o quê agradecer Mel. Eu estava em casa sem fazer nada. Hoje é sábado. Gosto de andar por aqui. Gosto de ver os campos. E gosto de estar com você. - Sua voz soa alegre como se ele realmente estivesse feliz.

Sinto seus olhos em mim.

Ele já foi mais sutil!

Acho que meu rosto deve estar como um tomate agora.

A parte ruim de ser muito pálida é não ter para onde correr quando está com vergonha. Você é denunciada por você mesma.

Ele sorri.

— Adoro quando fica vermelha. - Diz me provocando, me mirando de esguelha.

— Eu não fico vermelha. – Protesto emburrada.

— Claro que fica. - Sua risada se torna rouca. Como se meu protesto fosse engraçado. -- Quando está com vergonha. Quando fica muito irritada. E principalmente quando está prestes a pular no pescoço de alguém. - Ele cita uma pequena lista.

Ele me conhece bem. Tenho que admitir. Afinal, são muitos anos de convivência.

— Lembra quando você tinha uns oito anos, e acabou pegando uma briga com a Ruth no meio da praça? Você ficou tão vermelha que eu achei que você ia explodir. Quase se conseguia ver a fumaça saindo da sua cabeça.

— Você lembra disso? – pergunto boquiaberta. Isso tem tanto tempo.

— Eu nunca me esqueço de nada sobre você. Sabe disso – diz meio triste. E isso parte o meu coração.

Eu já tentei gostar dele, mas não deu muito certo. Eu não senti aquilo. Aquilo que eu leio nos livros. Que é forte, avassalador, que te faz perder o ar, perder o chão. Não senti nada disso com ele. Não é para ser. O alguém certo para mim deve estar por ai. Ele só não apareceu ainda.

Esse não é o clima que eu quero que se forme agora entre nós dois.

Vamos o resto do caminho em silêncio, a não ser pelos comentários que fazemos sobre às maquinas enormes que estão vindo dos Estados Unidos para os campos. De dentro do carro eu consigo avistar umas cinco. Eu nunca tinha visto isso por aqui antes. Estão todos curiosos para saber do que se trata. Devo admitir que eu também.

— Ouvi meu pai dizer hoje cedo que uma empresa muito rica de Nova Iorque está interessada nas terras perto do lago. Ainda não sei o que pretendem fazer lá. - Diz Mateo de repente.

— Por que comprariam alguma coisa por aqui? – pergunto intrigada. – Aqui não tem nada. De certo que não vão querer fazer um shopping por aqui. - Digo o óbvio.

Eu fui a um shopping com Julia umas duas vezes, durante às férias escolares que passamos em Madri. Tudo parece muito legal em filmes, mas sinceramente não achei nada de mais. Muitas pessoas aglomeradas. Isso meio que me causa aflição. – Iria falir com toda a certeza. – Ele diz rindo sem tirar os olhos da estrada.

— Com toda certeza. Não são muito chegados em lojas por aqui.

— Verdade. - Ele murmura.

Assim que chegamos à fabrica o senhorzinho simpático que me atende todo mês já está a minha espera.

Meu avô sempre encomenda as mesmas coisas. O restaurante funciona em três turnos – Café da manhã, almoço e jantar. – Meu avô gosta de variar nos pratos, o que significa muitos ingredientes. O que significa mais trabalho braçal para mim e Mateo.

Assim que arrumamos as caixas na parte de trás da caminhonete partimos de volta.

— Quando ando por aqui mal vejo o tempo passar. – Diz Mateo pensativo.

De primeira seu comentário me deixa intrigada. Depois percebo que eu também não vejo o tempo passar. Já são quatro horas da tarde. Nossa!

É como se eu me perdesse ao longe, na paisagem. É tudo tão bonito. Tudo exala paz. Como um céu particular.

— Como vão os estudos? – diz Mateo quebrando o gelo.

Graças a deus. Já estava constrangedor. Foi em um momento destes que ele tentou me beijar da outra vez, e eu com toda a educação tive que negar. Ainda aperta o meu coração lembrar de seu rosto desolado.

— Vão bem. – Digo mexendo na barra do meu vestido.

Ele sabe que quero fazer faculdade, eu ainda não decidi o quê.

— Se você conseguir entrar em alguma. Você pretende ir embora daqui? – pergunta engolindo em seco. Tentando soar desinteressado. Mas pelo modo como suas mãos agarram o volante com força, eu sei que ele está tudo menos desinteressado.

— Sabe que não. - Asseguro para ele. - Aqui é minha casa. Você sabe daquela universidade na cidade vizinha. Eu vou poder voltar para casa todo final de semana. Não quero deixar meu avô sozinho.

Ele parece aliviado.

Mesmo parecendo excitante a ideia de conhecer novos lugares, novas pessoas, há uma coisa que sempre me prende e me faz pensar duas vezes. Meu avô.

— Ainda bem. - Ele sorri contente.

Decido não comentar nada. Qualquer coisa que eu fale pode ser interpretado de modo errado.

[...]

— Tudo pronto vovô! – digo enquanto Mateo me ajuda a descer da caminhonete. Não que eu precise. Mas ele insiste.

— Obrigada vocês dois. - Diz meu avô se apriximando.

— De nada senhor. É um prazer ajudar – diz Mateo educado.

Deve ser por isso que meu avô gosta tanto dele. Ele sempre o trata muito bem.

— Aproveitaram a paisagem? – pergunta meu avô.

Desta vez não contenho, e tenho que revirar os olhos para isso.

Ele podia pelo menos disfarçar.

Mateo parece encabulado. Saio seu resgate.

— Na verdade os grandes tratores eram bem românticos. – digo de modo petulante. No qual eu sou especialista.

— Tratores? – pergunta meu avô confuso.

— É – diz Mateo claramente aliviado por estar entrando em um terreno seguro. – Estão nas terras perto do lago. O senhor sabe o que eles procuram por aqui?

— Ouvi dizer que são minérios. Não tenho certeza. Não sei se vão encontrar naquela área.

— Espero que não encontrem. Gosto muito do lago.

Gosto muito de tudo por aqui. Não gostaria de ver nada destruído. Todas as minhas memorias estão aqui.

— Espero. – Diz Mateo.

— Bom, gostaria de ficar para um café? - Diz meu avô animado.

Ele olha para mim e praticamente grita com os olhos:

Vamos! Convide o garoto!

Não vou fazer parte desse joguinho.

— Bem que eu gostaria, mas eu preciso mesmo ir embora. Meu pai pode estar precisando de mim. – Ele parece sincero. E isso me faz respirar aliviada. Faz eu me sentir menos culpada.

Depois que Mateo vai embora eu chego a conclusão de que tenho que ter uma conversinha com o meu avô.

— Não é muito adulto da sua parte ficar me empurrando para cima do Mateo Vovô. – O encaro de braços cruzados.

— Eu só acho que vocês precisam de um empurrãozinho, ou vocês nunca vão à lugar nenhum. – Ele tenta arranjar uma desculpa para seus atos.

— Eu não preciso de empurrão nenhum – digo enquanto guardo as latas de molho de tomate dentro do armário. – Eu não gosto dele dessa forma. Você sabe.

— O amor chega com o tempo Mel. Eu e sua avó éramos melhores amigos antes do casamento. E olha só, ficamos casados por um pouco mais de cinquenta anos. Bom, ela achava que éramos apenas amigos. Eu já era apaixonado. Me apaixonei à primeira vista. – Ele parece meio sonhador, e essa imagem faz um sorriso brotar em meu rosto.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

A história de amor deles é linda, apaixonante, tudo o que esperaria para mim.

— Vocês deram sorte – digo indiferente.

— Mas ele é um garoto tão bom, e de família. Ele daria um ótimo marido para você. Você vai acabar ficando pra titia.

— Não vou não. Eu só não gosto do Mateo. Não desse jeito. E eu realmente não penso em me casar agora. Eu não tenho nem vinte anos. Tem muita coisa que eu quero fazer ainda. – Como conhecer pessoas novas, me apaixonar, me apaixonar...

— Tudo bem, cabeça dura. Não está mais aqui quem falou.

— Vai me dar uma folga disso? Porque você sabe, ele não é idiota. Ele percebe o que você, o que a Ana tentam fazer, e isso acaba dando esperanças para ele. Eu não quero magoa-lo. - Digo séria. Isso é a ultima coisa que eu quero.

Ele tem um coração muito bom, e eu odiaria magoa-lo.

— Tudo bem. – Ele se dá por vencido. Porém pelo o que eu conheço dele isso não vai durar muito tempo.

— Tudo bem mesmo? – pergunto com a sobrancelha arqueada.

— Sim. - Ele bufa.

— Ótimo. Vou ajudar Ana com o jantar.

Ana está cantarolando uma música antiga enquanto mistura os temperos. Ela nem percebe que eu estou aqui. Quando eu e Julia éramos mais novas, com uns nove anos, nós sempre aproveitávamos quando ela estava entretida no jantar para entrar na cozinha de mansinho, e pegar todos os biscoitos de chocolate do pote.

— O cheiro está bom – digo me esgueirando por seus ombros para espiar a panela. – Quer ajuda?

— Acho melhor você ir lá para fora. Eu já estou acabando aqui. Daqui a pouco vão chegar algumas pessoas. E tem que ter alguém para atender. – Ela diz carinhosa.

— Tudo bem. – Digo já indo para o restaurante, mas paro em meu caminho. – Não se esqueça de guardar a sobremesa que sobrar. Sabe que eu bato cartão aqui de madrugada.

— Pode deixar! – Diz Ana rindo.

Afinal, costumes são costumes.

O restaurante dos meus avós abriu a mais de vinte e cinco anos, o que torna o lugar bem antigo. Mesas de madeira, arranjos sobre às mesas, toalhas brancas, janelas que mostram a paisagem. No momento tudo o quê se pode ver são os vagalumes do lado de fora que apenas deixam o ambiente mais agradável. Eu adoro este lugar. Adoro o cheiro, adoro as coisas velhas. Adoro tudo. É o meu lar!

[...]

Depois das sete depois do sol se pôr, o lugar começa a ganhar vida e a ficar movimentado. Julia está encarregada de receber os pedidos. Eu estou no balcão no caixa. Adoro quando eu fico no caixa, é bem mais sossegado. Resolvo aproveitar. Não é sempre que tenho esse privilégio.
— Isso aqui está uma loucura. – Diz Julia enquanto tira um tempo para conversar.

— Final de semana – dou de ombros – sem muitas opções.

— A opção mais próxima fica na outra cidade. – Resmunga Julia.

— Acho que é por isso que meu avô gosta tanto daqui. Dinheiro fácil. – Pisco para ela.

Nós duas rimos.

— Julia!! – Alguém a está chamando.

— Lá vou eu!

Estou contando as notas para facilitar na hora da contagem final. O quanto mais rápido eu conseguir fechar tudo aqui embaixo, mais rápido eu posso voltar para os meus livros.
Separo todas as notas cédulas por cédulas.

— Mel. – Julia cutuca meu braço.

— O que foi? – pergunto franzindo o cenho.

— Preciso de ajuda. Arranho muito pouco no inglês.

— Eu sei. O quê você precisa? – Pergunto confusa.

— Preciso que você vá falar com aqueles dois caras bem ali. – Diz ela apontando para a porta.

Sigo com o olhar para onde seu dedo está apontando, e realmente tem dois caras parados no meio do restaurante.

Eles não parecem ser daqui. Um é alto tem os cabelos pretos, os olhos estão cobertos por uma armação de óculos – porque diabos alguém usa óculos de sol à noite?

O outro é mais alto, tem um corpo bonito, os cabelos são mais cumpridos penteados para trás, os fios são de um castanho claro, a barba rala. Ele parece um James Dean atual. Um tipo de badboy. Ele exala encrenca. Sua roupa é casual – camiseta branca, calça jeans surrada - e isso apenas o deixa mais atrante. Sua postura revela que ele sabe disso. Ele não parece nem um pouco intimidado pelas pessoas ao seu redor. As mãos enfiadas no bolso, o pé esquerdo batendo ritmicamente no chão, e os olhos vidrados em mim.

Opa!

Vidrados em mim?

— Quem são eles? – pergunto meio nervosa. Ainda atordoada pela visão à minha frente.

Eles são o tipo de caras difíceis de não se notar!

— Acho que são americanos. Por isso preciso de ajuda com o inglês. Tem muito tempo, não lembro muito bem. E sinceramente a única coisa que entendi foi o Hello! Não me dou muito bem com a conversação. Você sempre foi melhor que eu! Acho que eu deveria voltar a treinar.

Tenho que conter o riso.

— Eu vou até lá.

Sinto seus olhos me seguindo. Eles ainda estão vidrados em mim, e isso, meio que me deixa nervosa. É uma energia diferente. Minha pulsação acelera. Não gosto que me encarem. Não gosto que reparem em mim. Pelo menos não gosto de perceber, mas nesse caso é impossível.

Ele deve estar desesperado por alguém que fale a língua dele. Deve ser isso.

Parece até que eu sou a única pessoa presente no momento.

Enquanto ando entre às mesas seus olhos não desgrudam. Continuam a me seguir.