Morrigan e Serana iniciaram sua jornada a pé porque a vampira chamaria muita atenção caso entrassem em alguma cidade em busca de uma carruagem. A nórdica achava a situação péssima, mas Serana argumentou inúmeras vezes que era uma coisa boa porque assim Morrigan poderia dormir enquanto a vampira se alimentava. Os argumentos não ajudavam muito e logo desistiram de conversar. Na segunda noite de viagem, quando já estavam nas terras congeladas do Norte de Skyrim á cerca de meio dia de caminhada de seu objetivo, decidiram acampar perto de Snow Veil Sanctrum. Uma espécie de cripta que ficava no alto de uma montanha com vista para o mar, bem a norte de Windhelm.

Morrigan se jogou pesadamente no tronco partido perto da fogueira precária que serviria para aquecê-las a noite. A nórdica tirou de sua sacola um coelho semi-limpo e com muita dificuldade tentou enfiá-lo em um graveto para assar.

Serana assistiu com desgosto os vários minutos de tentativas frustradas, graças a tremedeira da nórdica, até o objetivo ser alcançado.

— Você parece estar congelando. Talvez seja melhor entrarmos nessa... anh, do que você chamou mesmo?

Morrigan se enrolou na capa, jogou o capuz na cabeça e se aproximou do fogo.

— É uma espécie de cripta, vários esqueletos em jazigos estranhos. - ela observava a garrafa de vinho ao lado do fogo enquanto falava, torcendo para que o liquido esquentasse logo - Não podemos entrar porque esses esqueletos, chamados de Draugr, são uma espécie de mortos-vivos e eliminar todos apenas para nos aquecer gastaria mais energia e tempo do que vale a pena.

— Eles são assim tão fortes?

— Não, nem todos. - a nórdica fez um som de descaso com a boca - Mas alguns são realmente um pé na bunda com aqueles gritos idiotas.

Serana sorriu, tinha conhecimento suficiente sobre os gritos mágicos para saber do que a nórdica falava.

— Mas você também tem magia, certo?

Morrigan deu de ombros.

— Eu tenho potencial para magia, mas sem o treinamento adequado não vale muito. - ela olhou para o sudeste, na direção das poucas árvores e a enorme extensa de neve que levava até Winterhold - Eu comecei o treinamento no colégio de magia em Winterhold, mas ainda não tive tempo de completar o estudo. Preciso ler alguns livros e pergaminhos antes de praticar, eu pensei que teria tempo agora mas...- ela suspirou com um sorriso indulgente ao prosseguir:- Enfim, só posso fazer algumas coisas básicas. Como isso.

Um gesto de suas mãos e as chamas no fogo se agitaram, tremeluzindo e então se fortalecendo a temperatura fazer surgir leves gotas de suor em sua testa e o cheiro de carne assada alcançar suas narinas. Serana estava deslumbrada.

— Isso já é bastante, com um pouco de prática e seu domínio vai ser impecável.

O sorriso da nórdica aumentou e ela assentiu:

— Também preciso melhorar minha resistência, usar magia suga muita energia.

Serana balançou a cabeça em concordância e observou a nórdica atacar o coelho recém-assado. Não queria dizer em voz alta, mas era notório o suficiente os feitos que aquela garota tinha alcançado sendo tão jovem e apenas uma humana. Era de se esperar que com o perigo que enfrentavam mandassem mais reforço com elas, mas Serana sabia que com aquela mulher a ao seu lado reforços seriam um obstáculo.

*

— Que Skyrim tenha piedade de nós, essa cidade é péssima! - Serana reclamou assim que atravessaram os limites de Winterhold.

— O que? Ar com fumaça das minas e neve? Estudantes de magia passando pra lá e para cá em uma cidade pequena? Não é tão ruim.

Serana ignorou o sarcasmo e puxou mais seu capuz sobre os olhos. Passava bastante do meio-dia e apesar da enorme quantidade de neve que caia sobre aquela cidade, o sol ainda conseguia ser muito incômodo.

— Podemos apenas sair do sol? Odeio toda essa claridade.

— Vamos para uma estalagem. - Morrigan falou, o tom casual para evitar chamar a atenção dos guardas que passaram perto delas e acenaram - Você pode ver que os guardas aqui não usam escudos e ainda não nos pararam para perguntar quem somos, isso é porquê o Jarl é muito clemente. Deveríamos ir direto ao Colégio, mas vamos ficar na estalagem e esperar que alguns membros apareçam a noite e então, talvez, possamos tomar uma cerveja com eles. Casualmente, claro, eles podem nos dar informações sem atrair muita atenção para você.

Serana agradeceu por ter a maior parte do rosto tampada, odiaria que a nórdica visse a surpresa estampada ali.

— Como você tem tanta certeza de que eu não vou ser descoberta?

— Conheço bem essa cidade e essas pessoas, estamos sendo cuidadosas. - seu tom era convincente o suficiente, mas seu sorriso arrogante foi arrasador - Além do mais, o Thane da cidade precisa ser confiante.

Um título nobre. Serana inspirou suavemente, uma declaração de aceitação e seguiu Morrigan para uma estalagem chamada The Frozen Hearth.

A estalagem Coração Congelado não tinha nada que desse uma indicação do que inspirou seu nome; aconchegante, com a decoração típica de uma hospedaria: mesas e cadeiras nos cantos, uma enorme lareira central, uma espécie de balcão com queijos, pães, frutas e cerveja e várias portas que davam em prováveis quartos alugaveis. O próprio estalajadeiro, um nórdico loiro e de porte médio, parecia alguém fácil de se gostar. O lugar poderia muito bem ser chamado de Coração Aquecido.

— Morrigan! - gritou o estalajadeiro ao sair de trás do balcão e avançar na direção das mulheres - Finalmente decidiu terminar os estudos?

— Você me conhece, nunca é cedo demais para procastinar. - Morrigan falou antes de ser envolvida num abraço apertado. - Bom ver você, Dagur.

— Bom ver você também, garota! - o homem exibiu um enorme sorriso. Sua calorosa recepção se transformou em curiosidade nítida quando olhou para Serana - Quem é sua amiga?

Serana ficou tensa sob a capa. Sabia que era estranho estar tão agasalhada, nem seus olhos apareciam sob o capuz.

— Ah, é a Sarah. - Morrigan explicou com pouco caso - Ela está viajando comigo em uma missão para encontrar um velho amigo, ela passou muito tempo nas províncias, não está acostumada ao clima frio.

Morrigan deu de ombros e Dagur pareceu engolir sua história.

— Claro, é preciso ganhar algum ouro de vez em quando, certo? - o homem riu e pegou uma tocha suspensa e a acendeu na lareira, em seguida começou a puxar Morrigan para o lado esquerdo da estalagem, na direção de uma série de portas. - O quarto dos fundos continua livre para você, tem duas camas e alguns armários, tomem um banho e venham cear conosco daqui a pouco.

— Isso seria ótimo. - Morrigan suspirou - Preciso mesmo de um banho.

— Eu não ia dizer, mas você está fedendo pra valer. - Dagur fingiu estremecer e a nórdica deu um tapa nele. O homem abriu uma porta no extremo esquerdo da estalagem e entregou a tocha para Morrigan - Acenda as velas, vou mandar trazerem algumas frutas, hidromel e água quente para vocês.

— Obrigada, Dagur - Morrigan agradeceu - Ficaremos bem.

Assim que o homem se afastou, Serana fechou a porta quarto e encostou a cabeça na parede.

— Me sinto uma fugitiva.

Morrigan acendeu as velas com cuidado e colocou a tocha em um suporte para mantê-las aquecidas.

— De certa forma você é.

Serana só tinha vontade de dizer que na luz bruxuleante das chamas o humor da nórdica ficava mais sombrio.
A vampira não queria pensar como aquela frase era verdadeira, de certa forma ela realmente era uma fugitiva. Traidora do próprio sangue.

— Oh-oh, alerta de más vibrações de vampiro em alta! - Morrigan tentou amenizar o clima que se instalou no quarto, Serana apenas baixou o capuz e se jogou em uma das camas. - Certo, vou tomar banho e te dar algum tempo para pensar.

*

Cerca de uma hora mais tarde as duas mulheres voltaram para o salão da estalagem para a ceia. Morrigan liderou Serana calmamente até uma mesa disposta entre a mesa com comidas e outra mesa no fundo, sentaram-se uma de frente para outra e se serviram da cerveja que Dagur deixava em cima das mesas. Serana evitava olhar muito ao redor pois temia chamar atenção, ao seu ver suas roupas em tons vinhos e pretos já era uma contraste com todo o azul e amarelo que as pessoas dali usavam, deixava em evidência que ela era estrangeira. Claro que o capuz fazendo sombras em seu rosto não ajudava.

— Não se preocupe tanto. - Morrigan comentou enquanto mastigava uma maçã o sumo escorrendo por seu queixo, ela sorriu - Desculpe por isso. Enfim, relaxe. Eu não sabia que vampiros podiam se estressar tanto, cadê a frieza que tanto prometeram? Que mentirada.

Serana sentiu os dentes afiados arranharem seu lábio inferior quando rosnou para a humana petulante sentada a sua frente.

— Continue falando e eu posso te mostrar do que vampiros são capazes.

Os olhos de Morrigan brilharam e ela colocou os cotovelos sob a mesa e se curvou para falar com o tom baixo:

— Então você pode ser provocada...- Serana não entendeu o que ela quis dizer com isso e nem entenderia porquê a expressão da nórdica se iluminou e um brilho absurdamente inocente alcançou seus olhos quando ela ergueu um braço e gritou:- Toldfir! Drevis! Aqui!

Serana seguiu o olhar dela e encontrou dois homens com robes de Mago na porta da estalagem, eles olhavam ao redor em busca de uma mesa vazia. Ao avistarem as duas fizeram expressões idênticas de surpresa e curiosidade antes de caminharam até elas.

— Aqui está uma jovem que eu não vejo com a frequência que gostaria. - o mais velho falou com um sorriso gentil e então ao olhar para Serana ofegou levemente - Ora essa... Quem é sua amiga?

O elfo negro que o acompanhava também avaliou Serana e franziu a testa para Morrigan.

— Veja só, se você está interessada em arriscar a vida posso ajudar. Tenho esse feitiço novo que precisa ser testado e...

Morrigan que sorria de uma forma muito estranha, Serana percebeu, balançou a cabeça como uma pessoa semi-embriagada.

— Não é nada disso, senhores. Esta é Sarah, uma amiga, claro. - ela piscou para eles - Ela é diferente, sim, mas não é nenhuma ameaça. Na verdade, ela é até muito tímida. É que as vezes fica solitário na estrada, entendem?

O mais velho ergueu as sobrancelhas ainda aparentando descrença, mas o elfo negro parecia totalmente convencido de que Serana era amante de Morrigan. A vampira chutou a perna da nórdica por baixo da mesa e esta engasgou. Os homens não perceberam.

— É um prazer conhecê-la, Sarah. Eu sou Toldfir, um dos instrutores do Colégio de Winterhold e este é Drevis, outro de nossos instrutores. - o mais velho sorriu e então olhou para Morrigan novamente - Minha cara, você pode buscar algumas bebidas para nós? Sentaremos com vocês por algum tempo, daqui a pouco Faralda se juntará a nós e sabe como é, é preciso estar preparado para esse evento.

— Faralda, arg. - Morrigan revirou os olhos ainda com a expressão alegre e então olhou para Serana - Sarah, querida, me ajude com isso, está bem?

Serana se levantou e seguiu a nórdica até a mesa de alimentos e bebidas, passaram pelos dois homens que tocavam flauta e alaúde animadamente. Mas a vampira não queria apreciar música, ela queria esganar a mulher ao seu lado.

— Você disse que eles não perceberiam o que eu sou! - sussurrou.

Morrigan olhava para os queijos com interesse real e soava totalmente controlada e sóbria quando respondeu.

— Se eles soubessem o que você é, nós duas estaríamos mortas. A magia só dá uma leve percepção de que você é diferente.- ela suspirou ao empilhar pães e queijos em um prato - Sério, precisa começar a confiar em mim.

Serana mordeu o lábio. As vezes era difícil acompanhar o raciocínio daquela mulher.

— Por que você está fingindo estar bêbada? Você mal bebeu um copo da cerveja.

Morrigan demorou alguns minutos para responder, minutos esses que ela usou empilhando doces e petiscos em outro prato e então colocando garrafas de hidromel e cerveja nos braços de Serana. Quando pegou seus pratos e ergueu o rosto para encarar a vampira o azul de seus olhos brilhavam como os de um felino prestes a dar o bote.

— Bom, se eu não estiver bêbada eles não vão confiar em mim. - ela deu um daqueles sorrisos arrasadores - Vai chegar o momento, Serana, em que você vai precisar me carregar para o quarto, está bem? Seja gentil.

Empilhando três pratos e mastigando um doce puxa-puxa a nórdica se afastou, deixando uma vampira com uma sensação desconhecida na boca do estômago.