Passamos horas no hospital. Falei que Evan reagiu a um assalto, o que em partes era verdade, eu apenas ocultei a parte do pai dele. Falando em pais, os meus ficaram em silêncio durante toda a cirurgia para remover os cacos de vidro. Não me perguntaram nada, estavam tão em choque quanto eu. Foi realmente tenso. O pior foi ter que ouvir do médico que apenas familiares poderiam ficar por perto. Coisa que foi resolvida com um pouco de dinheiro da minha mãe, mas que ainda assim era bem triste.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Algumas horas depois e o Evan acordou. Não estava muito bem, mas já conseguia falar de novo, mesmo com todo aquele equipamento cirúrgico preso nele, deitado naquela maca.

— Cadê o meu pai? — Foi a primeira coisa que ele perguntou.

Eu evitei dizer, justamente para não chamar a atenção dos meus pais que ainda não sabiam o que aconteceu de verdade. Então eu disse que estava por aí. Os médicos nos deixaram a sós e foi quando eu percebi que eu deveria dizer a verdade. Não dava para deixar o Evan sozinho. E então eu contei, contei tudo. O meu pai foi o primeiro a ficar irritado. Eu achei que ele fosse gritar comigo pelo empurrão que eu dei no senhor Anderson, mas a irritação foi pelo fato do senhor Anderson ainda estar nas ruas sem punição. A minha mãe respirou fundo e se sentou na cadeira ao lado.

— Evan, você tem familiares por perto?

— A minha mãe morreu de câncer e os meus tios mais próximos moram no Texas e são um pouco piores que o meu pai.

— Que ótimo... — Cochichou com sarcasmo. — Não dá para deixar você voltar para a sua casa. Sinto muito.

— E para aonde eu vou?

— Vai morar com a gente.

— Como é?! — Falei em coro com ele.

— Vou conversar com os médicos para te liberarem. E nós vamos para a casa.

— Eu vou passar na casa do pai dele para buscar as coisas dele. — Falou o meu pai bastante sério.

— Espera, eu não posso morar com vocês!

— É mãe! Ele não pode morar com a gente. — Falei cerrando os dentes, piscando os olhos. Era meio óbvio que eu queria dizer algo sobre os poderes.

Não havia como Evan viver numa casa como a nossa sem saber quem nós realmente somos. Isso seria impossível.

— Eu não vejo problema nisso, e sei bem do que você está falando.

Evan continuou a discordar e eu também, mas a verdade é que todos nós sabíamos que não tinha muito a ser feito. Foi uma longa conversa até convencer a todos nós, e quando finalmente nos convenceu, o médico voltou para a sala. A minha mãe conseguiu liberar o Evan, e com uma certa dificuldade o levamos até o carro. A minha mãe falou que não seria necessário o meu pai ir até a casa antiga do Evan, isso geraria mais conflitos, e ela estava certa. O problema é que eu teria que emprestar as minhas roupas para ele. Evan não parecia tão irritado quanto eu, o que me fez pensar, talvez eu estivesse sendo egoísta demais. Ele quase foi morto, e nem ele queria ir para a minha casa, mas não tinha jeito.

O caminho todo foi em silêncio, até que finalmente chegamos em casa. Ajudei ele a sair do carro. A senhora Johnson nos aguardava do lado de fora. Passamos por ela e finalmente entramos.

— Eu sabia que você era rico, e ainda assim consegui ficar surpreso. — Falou olhando por todos os cantos da casa.

Era bom saber que ele já podia fazer piadas, estava começando a melhorar. Evan ficou impressionado com os lustres, tapetes vermelhos, estátuas e quadros. Disse algo sobre as janelas serem grandes demais. Eu o ajudei a subir as escadas, sabendo exatamente aonde seria o seu novo quarto. Literalmente de frente com o meu. Abri a porta e o coloquei na cama.

— Esse quarto é maior que a minha casa. — Brincou.

— Nem é tão grande assim.

— Levando em consideração que eu moro num trailer. — Riu.

— Não. — A minha mãe corrigiu surgindo na porta. — Você mora numa mansão com a gente agora. E eu quero que você descanse, amanhã você tem aula.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Na realidade, mãe, ele foi expulso da escola por conta do pai dele. — Falei.

— Eu dou um jeito nisso. Agora descanse, Evan. E você vem comigo, mocinho. Vamos conversar sobre você estar numa conveniência durante o horário de aula.

Eu já tinha até me esquecido. E com certeza estava bem encrencado. Acompanhei a minha mãe até a cozinha para termos aquela conversa. O meu estomago estava revirando de nervoso. Essa seria a primeira vez que eu faço algo do tipo e sou penalizado por isso. E o pior é que eu não conseguia imaginar que tipo de esporro eu levaria. Sentei-me em frente a ela e esperei pelas longas broncas.

— Que falta de responsabilidade, não acha, garoto? — Estava claramente desapontada. — Gazeando aula... o que você estava pensando?

— Eu não queria ficar naquela sala com várias pessoas me julgando por causa do que aconteceu comigo com o pai e com o senhor Anderson.

A minha mãe fez aquele bico que eu gosto de chamar de “bico pensativo”. Ela sempre fazia aquela cara quando repensava sobre o que estava dizendo.

— Eles estão comentando?

— Bastante!

Ela se aconchegou melhor naquela cadeira e pediu um copo de suco para a senhora Johnson.

— Toby, eu sei que é chato para você, ser o centro das atenções, isso incomoda, eu compreendo. — Falou. — No entanto, todos precisam aprender a lidar com essas coisas. Esses problemas... eu e o seu pai já passamos muito por eles. Bom, não exatamente o seu pai passou por isso, ele até que gostava, mas eu não. E hoje eu sou dona da InoTec. Precisamos superar alguns medos para atingir os nossos objetivos.

— Eu entendo, mãe... — Desabafei. — Mas é meio complicado.

— Eu sei que é complicado, mas vai passar...

Ela acariciou os meus cabelos por um instante. Me tranquilizando um pouco, e evitando um belo esporro. Pelo menos foi o que eu pensei...

— Isso é cheiro de cigarro?! — Ela surtou na mesma hora em que sentiu. — Toby, você tá fumando?!

— O quê? Não! Não sou eu! Foi outra pessoa! — Gritei em desespero.

— Quem?!

Eu não ia entregar a Kimberly. O meu medo não era o de pensar no que os tios dela fariam com ela, mas sim do que ela faria comigo. Eu estava preso ali, e precisava pensar em algo.

— Fui eu. — Disse Evan, descendo as escadas. — Me desculpa.

Ela novamente fez o bico pensativo, mas é claro que não aceitaria fumantes na casa dela. Só de pensar que teria de viver com aquele cheiro por todos os cantos, isso a incomodava mais que tudo. Lembro-me do dia em que um senhor baforou, sem querer, no rosto da minha mãe. Nós paramos na delegacia, porque o salto da minha mãe misteriosamente voou nas partes baixas do senhor. Foi um dia e tanto. Uma das primeiras vezes em que eu apareci em uma capa de revista, numa foto que alguém tirou. Eu apareci no fundo de boca aberta segurando uma casquinha de sorvete de chocolate, enquanto a minha mãe estava com o foco, furiosa.

— Olha, Evan. Eu entendo que isso talvez seja um vício, e eu não vou julgar. — Me pareceu bem mais paciente, e nunca iria me dizer aquilo. — Mas aqui nós não aceitamos cigarros. Então eu vou pedir para você abrir mão deles.

— Não tem problemas, posso garantir que foi o último. — Estampou um sorriso no rosto.

Eu agradeci no fundo da minha alma por ele ter me livrado daquela. Ao mesmo tempo eu me perguntava o motivo dele ter feito aquilo.

Evan pediu um copo de água e a senhora Johnson o trouxe, junto com o suco da minha mãe. Nem dava para acreditar. O menino que eu bati dias atrás virou o meu irmão. Eu sabia que seria estranho nos primeiros dias, mas que eu também teria que me acostumar. Talvez não fosse tão ruim assim, tirando as nossas diferenças. E confesso que senti um pouco de inveja, pensando que talvez os meus pais pudessem tratar ele como “o filho favorito”.

Em instantes o jantar seria servido. Eu já sentia o cheiro delicioso daquele macarrão. A senhora Johnson não parava de falar como estava com orgulho daquela comida toda. Eu com certeza me sentiria do mesmo jeito se eu tivesse feito aquele banquete. Ela chegou com os pratos e foi montando a mesa. Muitas verduras, carnes de diferentes tipos, o adorável macarrão e muitos temperos. Evan nem conseguiu esconder o quão impressionado ficou com a culinária, e nem eu. O meu pai se sentou ao meu lado. Ainda usava a mesma blusa branca social que usou no hospital, mas estava mais amaçada, assim como seus cabelos e calça.

— Bom, estamos todos aqui. — Comentou. — Por que não se junta conosco? — Apontou os olhares para a senhora Johnson.

— Acho que tem um assunto em pauta que precisa ser debatido. E é melhor eu ficar de fora...

Ela falou num ar misterioso. Demorou um pouco para eu entender do que ela estava falando, mas a ficha caiu. Ela se despediu e foi embora, cumprindo o seu horário do dia. O meu pai trocou olhares com a minha mãe. Evan me encarava com vergonha e curiosidade, tentando entender do que a senhora Johnson estava falando. Ninguém ali queria dar início naquele assunto, mas era necessário.

— Evan, tem algumas coisas que você precisa saber, caso vá morar com a gente... — A minha mãe tentou ser delicada.

— Por que você falou como se fizesse parte de uma seita secreta? — Ele brincou.

A minha mãe degustou um pouco do seu vinho. Empinou o nariz, disfarçando como ela não conseguia concluir o assunto. Olhou para o meu pai o forçando a continuar.

— Nós não somos uma família “normal”. — O meu pai tentou.

— Bom, o meu pai me bate e a minha mãe está morta. Além disso, eu tenho um bando de tios que levam armas como religião. — Comentou. — Eu sei bem o que é ter uma família anormal.

— Eu entendo, mas nós somos um pouco diferentes... — O meu pai colocou um sorriso no rosto, tentando não parecer assustador.

— Diferentes como?

— Talvez alguns de nós... possuem habilidades especiais, como voar, super força e telecinese...

Evan parou de falar. Olhou para todos nós com um sorriso forçado no rosto. Deu para ver que ele não acreditou, estava estampado naquele sorriso falso. O silêncio tomou conta da cozinha, e alguém precisa fazer alguma coisa.

— Você já deve ter ouvido falar nos Patriotas. O grupo de super-heróis que atuou anos atrás. — Meu pai quebrou o gelo. — Viper, Firefall, Exohand e Wander. Conhece esses nomes?

— Espera um pouco. — Falou um pouco nervoso.

Evan estava começando a juntar as peças. Ainda assim ele precisava de uma prova de confirmação, ou acharia que todos nós somos loucos. Eu acharia que todos somos loucos se estivesse no lugar dele.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— A muito tempo atrás, eu era conhecido como Wander.

Finalmente falou, mas é óbvio que não funcionou. Evan não só não aceitou como ficou desconfiado de nós. Se levantou da cadeira com um pouco de receio, nos achando loucos. Recuou alguns passos, enquanto o meu pai tentava justificar. Ele falou muitas coisas, e a minha mãe também, mas nada funcionou.

— Não é possível. O Wander era loiro, eu li sobre isso. — Afirmou com toda certeza. — Olha senhor o’Tony, eu agradeço muito pelo que você e a sua família fizeram por mim, mas eu acho que agora eu preciso ir.

Vendo que não tinha muito a se fazer, o meu pai tomou uma decisão. Ergueu a ponta de seus dedos e então a garrafa de vinho começou a levitar. Evan esbugalhou e coçou os olhos imediatamente. Não acreditou no que viu. Mesmo com aquela prova, o meu pai se levantou da sua cadeira, deu um pequeno pulo e começou a levitar no ar. Evan agora tinha certeza de que nós estávamos falando a verdade, e não sabia como reagir. O medo e a curiosidade eram grandes. Mesmo sabendo que o Wander era um herói, ele ainda tinha um receio de se aproximar. Ao mesmo tempo, seu rosto não negava como ele ficou maravilhado ao descobrir tal fato.

— Você é ele! — Sua voz mal saía da boca.

Estava apontando seu dedo de boca aberta. Eu me controlei para não rir, eu sei que seria um tanto quanto idiota da minha parte, mas a situação estava engraçada.

— Espera! — Ele olhou diretamente para mim. — Quer dizer que você é o filho do Wander?

— Sim, mas aqui a gente não usa esse nome. Ninguém mais usa essas identidades, nós queremos viver uma vida normal. Então, eu vou pedir para você não espalhar esse segredo.

— Certo, eu entendo. Mas por que me contaram?

— Porque volta e meia, você vai ouvir o Toby gritando que quebrou uma cama. E não, ele não quebra camas transando, quebra camas levitando enquanto dorme. Além disso, nós temos outros amigos que são assim, e não queremos esconder isso de você. — O meu pai justificou.

— Os outros heróis... — Ele completou.

— Sim, e os filhos deles também. Você até já conheceu alguns. — Falou a minha mãe.

— Kimberly, a filha do Dash. E a Lena, filha da Viper e do Firefall. — Falei.

— Eu tentei ficar com a filha da Viper e do Firefall?! Poderia ter me avisado do perigo que eu estava correndo, ou pelo menos dado uma pista.

— Você em um filho de um alienígena com a força semelhante a do Superman. Acho que você está se preocupando com a questão errada.

Ele fez o mesmo bico que a minha mãe vive fazendo e acabou concordando. Por fim voltou a mesa e se sentou. O jantar continuou com muitas perguntas e surpresas. Evan ficou surpreso ao saber de Travis, e contou que desconfiava que Troy tinha alguma coisa. Segundo ele, Troy tem um ar sério e misterioso. Fez sentido. A conversa continuou, e eu começava a pensar em como eu falaria para os outros sobre o Evan. Incluir ele no grupo seria um pouco difícil. Apesar disso, ele agora era da família e tinha que ser incluído.

— Bom, amanhã eu tenho trabalhos para fazer. — Falou a minha mãe se levantando da cadeira após terminar o jantar. — Preciso pegar a sua papelada, e fazer toda a burocracia da adoção. Isso vai levar um tempo, então vou precisar descansar bastante. Por isso, vou indo. Boa noite, durmam bem.

Ela nos deixou na mesa e subiu as escadas. Seus cabelos escuros saltitavam com a pressa que ela subia.

— Diz aí, ela é perfeita, não é? — Falou o meu pai maravilhado.