Sinal Positivo

Capítulo XXX


Na manhã após a minha saída do hospital, Mikoto e eu fomos as primeiras da casa a levantar. Nem poderíamos dizer que acordamos, ambas desistimos de tentar dormir depois de uma noite em claro pelos mesmos motivos: Mei e Sasuke. Mamãe também não teve uma noite tranquila, Aidou estava doente e ela não dormia medindo sua temperatura, o vigiando, acordando a cada gemido que escutasse.

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Mikoto estava tão familiarizada com a casa que tinha liberdade de preparar o café-da-manhã, sabendo onde cada coisa era guardada. Me perguntava se eu me sentiria assim, tão à vontade, se um dia eu fosse morar na casa dela. Provavelmente, não.

— Sasuke ainda não chegou nem deu notícias — comentou com o semblante preocupado enquanto passava o café.

— Ele chegou por volta das três ou quarto da manhã — informei de forma banal, distribuindo bolinhas uniformes de massa de pão de queijo numa forma.

— Não o vi no quarto — disse com estranhamento, voltando-se para mim.

— Ele dormiu no meu — respondi e ela me olhou com o cenho franzido — Chegou bêbado, acho que se tentasse subir as escadas, cairia.

— Ele a perturbou, querida? Se ele a perturbou, eu mato ele! Você está de resguardo!

— Não! — exclamei — Ele nem ficou acordado por muito tempo. Falou algumas besteiras e capotou.

— Que besteiras? — indagou desconfiada.

— Besteiras, ora — respondi automaticamente, sem pensar, afinal, como eu diria à Mikoto que seu filho tinha me pedido indiretamente em casamento e que ofereceu a casa dela para eu morar? — Estava falando sobre se casar e parar de fumar — dei os ombros reformulando a minha resposta, afinal Mikoto ficou paralisada esperando uma explicação clara.

— Isso não é besteira, Sakura — ela nem disfarçava a alegria, estava conseguindo aos poucos tudo o que queria. Primeiro conseguiu uma neta, agora queria uma nora.

— Aposto que ele nem se lembra do que falou. Acredite em mim, ele estava muito bêbado! — exagerei um pouquinho. Se bem que a desculpa de não se lembrar de nada porque estava bêbado não colava mais, afinal, no Dia das Bruxas ele estava saturado de drogas e não se esqueceu que eu era namorada do amigo dele, não se esqueceu de me foder e não se esqueceu de como foi, o que é pior.

— Mas você quer isso?

— Isso o quê?

— Ficar com o Sasuke.

A pergunta de Mikoto me fez parar de organizar as fileiras de pão de queijo cru. Não havia atividade no mundo que me distraísse daquela conversa. Eu queria? Essa era uma indagação que vinha me fazendo desde que a proposta de eu morar com ela foi lançada. Eu não tinha a resposta para aquela pergunta.

— Não tenho certeza — respondi sinceramente.

Mikoto suspirou e terminou de fazer o café e eu coloquei a bandeja de pão de queijo para assar. Iria fugir quando ela puxou uma cadeira e mandou eu me sentar.

— Sakura, você gosta do Sasuke? — Olhei para o lado. Aquela era a pergunta que mais corrompia meu orgulho.

Não poderia nem cogitar em mentir, pois o próprio Sasuke já sabia, o problema era que admitir para a Mikoto o mesmo que admiti para o filho dela me parecia bem mais humilhante, afinal eu jurei pelos deuses que não me apaixonaria pelo Uchiha e seus encantos, porque eu rejeitava o colar de família que ela me deu com certeza de que eu seria a próxima Uchiha. Eu havia perdido uma aposta que havia feito comigo mesma, Mikoto pagou para ver no que tudo ia dar e acabou lucrando. Assumir que o filho dela havia me conquistado (como, eu me perguntaria até o fim dos meus dias) era como levantar uma bandeira branca de derrota.

— Sakura — começou ao perceber que eu relutava para respondê-la —, apesar da rebeldia, o Sasuke é um bom rapaz, e não digo isso por ser uma mãe coruja — segurou minha mão — Você sabe que eu adoraria tê-la como nora, já a vejo como uma filha — sorriu daquela forma meiga — Seria uma alegria tê-la na minha casa e essa criança será a graça da minha vida. Estou te dizendo isso porque Sasuke já conversou com o seu pai, ele tem o consentimento tanto dele quando da sua mãe, agora eu estou te dando o meu e o de toda a família Uchiha que você conheceu ontem. A única pessoa faltando para tomar uma posição é você, querida.

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Suspirei olhando para a janela. O sol brilhava tão forte que iluminava toda a cozinha e parte da sala. Eu ponderava se deveria ser sincera ou dar qualquer desculpa, mas eu já estava farta, não tinha nada a perder me expressando livremente.

— Mikoto — Me olhou com ternura — Confesso que eu gosto do Sasuke. Gosto muito. Entretanto acho que esse não é o momento de pensar em nós. Digo, estamos atropelando as coisas, Mei acabou de nascer e já me sinto pressionada em relação a moradia e ao Sasuke, isso me incomoda muito. Eu sei que ele está mais do que disposto a cuidar de mim e da criança, mas desconfio que morar junto com ele ou até mesmo com você possa não ser uma experiência pela qual eu precise passar agora. De qualquer forma, Papai ficará nessa cidade até o ano que vem, se houver alguma mudança, será quando eu estiver na sua cidade. Enfim, acho que esse não é o momento. Pelo menos eu não vejo urgência.

— Entendo perfeitamente — meneou a cabeça —, acho que, por você ser menor de idade, deveria ficar mais um tempo com seus pais. Contudo, sobre o Sasuke...

— O quê que tem eu? — Falando no diabo...

Ambas fomos surpreendidas com uma versão zumbi do Sasuke, os cabelos mais desgrenhados do que nunca, a cara amassada, os olhos apertados e um cheiro forte de bebida e suor.

— Vá tomar uma ducha e desça para tomar café.

— Eu vou fumar um cigarro...

— Você vai subir, tomar um banho e vir diretamente para cozinha — Sibilou a mãe autoritária. Sasuke mudou sua rota no mesmo instante, subindo as escadas resmungando como uma criança. Quando ele já havia sumido das nossas vistas, não consegui segurar a risada.

— Meu Deus! O que foi isso? — Mikoto deu sua risadinha elegante e orgulhosa — Nunca vi uma mãe com tanto poder sobre o filho rebelde.

— Não carreguei esse moleque no meu útero nove meses para ele crescer e se esquecer quem é que manda — piscou para mim — A natureza maleável de Sasuke também me deu um bônus. Se você persistir, um dia dirá para ele “Sasuke, tire essa camiseta ridícula agora e coloque um terno” e ele colocará. Vai xingar meio mundo, vai fazer careta, vai sair pisando fundo, mas vai fazer o que você pediu.

— Como uma criança — fitei as escadas pela qual ele subiu.

— Igualzinho uma criança — sorriu.

Quando percebi, minha quedinha pelo Sasuke parecia ter me levado à um penhasco. Estava rezando para que fossem hormônios, estava rezando para que passasse logo. Seria lindo se, depois de desperta do feitiço do Uchiha, ele viesse todo pomposo me pedir para morar com ele, então eu diria de uma forma banal, quase desdenhosa “Não estou mais a fim, gato”. Seria épico!

Sasuke voltou mais apresentável para a mesa, sentou-se para o desjejum, assim como o restante da casa que acordou posteriormente. A mesa não tinha espaço para um palito sequer de tanta gente e tanta comida. Mamãe, Papai, Reira, Aidou, Mikoto, Sasuke, a pequena Mei no carrinho e eu ao seu lado. Conversávamos sobre a neném, sobre a volta à cidade, planejávamos como seria o aniversário de Aidou que estava próximo, até mesmo o Natal foi mencionado. Papai anunciou que provavelmente passaríamos o Natal na nossa antiga casa, o que alegrou meu dia de uma maneira dúbia.

Todos felizes, falando, rindo, comendo... Eu gostava daquilo, me sentia parte de uma família de verdade, pois imaginava uma família assim, reunida no café-da-manhã, mesmo que fosse o café-da-manhã de uma quarta-feira insignificante, mesmo que saindo dali Papai iria trabalhar e Reira voltaria para o internato, mesmo que aquilo durasse pouco, eu me sentia feliz naquele momento.

Num instante daquele frenesi, Sasuke e eu nos olhamos, eu parei de respirar e ele sorriu apontando para o carrinho. Mei contorcia, ficando toda vermelha, estava com fome e abriria o berreiro se eu não a alimentasse naquele momento. A peguei no colo soltando um grande suspiro, afinal, ela havia estragado o momento mágico, e fui para o quarto amamentá-la. Pouco depois Sasuke aparece no quarto com um bolo inteiro de laranja e sua xícara de café.

— Sua mãe viu você pegando o bolo inteiro da mesa? — ele negou com a boca cheia — Dá licença, vou amamentar a Mei.

— Fique à vontade, ora essa! — sentou-se no carpete com as pernas cruzadas apoiando o bolo em cima.

— Sasuke, cai fora — falei séria. Mei já estava chorando para que eu lhe desse leite logo.

— Pensa que eu nunca vi seus mamilos rosas? — fiquei vermelha, roxa, verde e azul em segundos — Acostume-se com isso — bebericou o café fumegante.

Simplesmente virei as costas para ele, afastei o sutiã e ajudei Mei a encaixar a boquinha na auréola. Diferente do que eu imaginava, não é tão fácil amamentar, às vezes chega a ser doloroso, quando acumula leite é um Deus nos acuda, por isso de tempos em tempos eu tinha que tirar com um bombinha e guardar para doar ao hospital, pois Mei não tomava muito. A única parte boa disso era que meus seios estavam parecidos com os de uma Angel da Victoria Secrets, coisa que eu não tinha antes de engravidar.

Me distraía observando Mei. Ela era minúscula. Os médicos disseram que ela era grande, cinquenta e dois centímetros, mais de três quilos, ainda assim, Sasuke conseguia apoiá-la na palma da sua mão de tão pequena que ela era.

Senti um segundo peso na cama e isso me tirou completamente dos meus devaneios. Sasuke sentara-se do meu lado, segurando a mãozinha da neném. O sorriso dele para a filha era um sorriso desconhecido, diferente daquele debochado ou daquele cheio de gabolice, era o sorriso de alguém conquistado. Eu tentei olhar para Mei e sorrir daquela forma, mas não parecia verdadeiro. Mei era minha filha, eu queria cuidar dela, protegê-la, só que mesmo com esse sentimento de aceitação me renovando, eu sabia que ainda não sentia aquela coisa incondicional que eu via nos olhos de Sasuke.

Sasuke amava aquela garota desde o momento em que a pegou no colo, estava estampado em seu olhar, em seu sorriso, na leveza que ele passava quando estava no mesmo cômodo que ela. Senti inveja, pois queria ter aquela mesma sensação. Parecia tão bom. Me perguntei se com o tempo eu olharia para aquele pedaço de gente e me sentiria abençoada.

Já satisfeita, Mei soltou o bico do meu peito, seus olhos já estavam fechados. Rapidamente puxei meu sutiã e a coloquei na vertical, apoiando sua cabeça no meu ombro e dando leves tapinhas em suas costas para ela arrotar.

Sasuke aproximou-se do rostinho dela e depositou um beijo em seu nariz.

— Deixa eu fazer isso?

— Você sabe?

— Não parece ser tão difícil.

Entreguei-lhe a bebê e observei seus cuidados. Ele tinha jeito para pegar criança, o que eu achei estranho por ele ser o filho caçula. O orientei para dar leves batidas nas costas da Mei para que ela arrotasse e pudesse dormir sem o risco de gorfar, assim que Sasuke ouviu o ruído caiu na gargalhada e me passou a criança. Era um idiota, tinha o dom de estragar os momentos bonitos. Coloquei Mei no berço e ia voltar para a cozinha, mas Sasuke segurou o meu braço.

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— Vou terminar de tomar meu café, Sasuke.

— Aqui tem bolo de laranja e o café da minha xícara.

— O que você quer? — perguntei de uma vez, se eu ficasse cheia de rodeios acabaria nos estressando e garantindo mais algumas semanas sem um olhar para a cara do outro.

— Conversar.

— Conversar o quê?

— Que assunto temos pendente? — Eu sabia perfeitamente do que ele falava, mas preferi me fazer de desentendida e desinteressada.

— Seja lá o que for, pode esperar eu tomar meu café-da-manhã — eu ia saindo e ele fechou a porta, se colocando na minha frente, me fitando com o queixo quase encostado no tórax tamanha era nossa diferença de estatura.

— Quero conversar agora.

— Ah, mudou? Agora é assim, você faz o que quer, na hora que quer e que se foda a Sakura.

— Eu quero conversar, não quero brigar.

— Começou do jeito errado.

— Aff, Sakura, não pesa na minha — suspirou impaciente.

— Da última vez que fiz o que você queria, na hora que você queria, você me largou no estacionamento de um motel para jogar cartas na conveniência do posto de gasolina. Da última vez que fui atrás de você para conversar, você mandou eu dar meia volta para casa. Por que eu devo te dar moral para agir assim comigo?

— Porque essa conversa é para benefício de nós dois.

— Desde quando você me beneficia em algo, Sasuke?

Enfiou os dedos ossudos na cabeleira desgrenhada e puxou os fios com brutalidade, tentando aplacar sua raiva de mim. Eu precisava ser rude, eu precisava me posicionar, do contrário, ele faria o que bem quisesse comigo e as coisas não seriam assim tão fáceis. Sabia exatamente que tipo de conversa teríamos, se eu permitisse. Confesso que, assim como ele, via necessidade de lavarmos as roupas sujas de uma vez por todas, mas eu estava desarmada e não queria que o Sasuke usasse deliberadamente minha vulnerabilidade para me persuadir.

— Por que você tem que ser tão complicada? — rosnou num sussurro para não acordar a bebê e não chamar a atenção do pessoal na cozinha — Porra, Sakura! Por que você tem que ser tão difícil? — socou a cama.

Assim que notou meu olhar assustado, se recompôs, sentando-se no carpete. Apoiou os punhos nos joelhos flexionados e se pôs-se a fitar o rodapé com uma expressão frustrada. O encarei por uns instantes, até que tomei coragem para me aproximar, ficando em pé de fronte a ele com as costas seguras pela parede que ele fitava. Não poderia me agachar por causa dos pontos.

Sasuke suspirou e olhou Mei no berço dormindo tranquilamente.

— Você estava falando sério, não é?

— Sobre o quê?

— Você sabe.

Fiquei em silêncio ponderando o que dizer. Sasuke procurava qualquer coisa para focar seus olhos longe de mim. Eu havia mesmo o tirado do sério?

Fiz que sim com a cabeça e refugiei meu olhar nos meus próprios pés, era vergonhoso fazer novamente o papel de adolescente com paixão platônica. Sasuke me observou, mas não expressou nada. Passou as mãos nos bolsos, devia estar procurando os cigarros que não estavam lá.

— Eu também — Ergui os olhos para observá-lo, confusa — Eu também me sinto daquele jeito — confessou numa fala enrolada, com o olhar baixo e as bochechas avermelhadas. Praguejou alguns palavrões e continuou — Achei que um filho agora fosse estragar minha vida, mas estou feliz, Danone — riu sem graça — Estou feliz e aliviado por você não ter feito o aborto quando eu te dei o dinheiro para fazer.

Naquele mesmo instante, meu coração deu um salto e meus olhos se encharcaram com a lembrança do Sasuke despejando o dinheiro na minha cama e eu indo de patins à casa da clandestina fétida nos limites da cidade. O cheiro de iodo era forte, as revistas com círculos redondos de café, o sofá gasto... Tudo permanecia fresco na minha mente.

Pressionei minha mão na boca para que abafasse o som do meu choro. Não dava para segurar. Só de olhar para o berço e imaginar-me com as pernas erguidas numa maca desconfortável para que a mulher pudesse arrancar Mei de dentro de mim com uma agulha de crochê... Os pelos do meu corpo eriçavam, um desconforto terrível se apoderava do meu corpo e aquele sentimento de alívio, aquele que invadia o Sasuke, era o mesmo que eu sentia naquele momento, não precisei sentir inveja dele quanto a isso.

Mei ainda me assustava de maneiras dúbias. Era sua segunda manhã de vida e ela deveria se sentir vitoriosa por estar viva depois de meses de rejeição. Eu me sentia mais aliviada por não ter feito o aborto do que culpada por tê-lo cogitado, juntamente ao Sasuke. Não havia mais espaço para culpa. Minha filha estava ali, minha filha, nossa filha. Ela era pequenina, se não fosse seu peito subindo e descendo com a respiração, poderia ser confundida com uma boneca. Um anjo de fios dourados.

Sasuke se levantou e colocou seus braços ao meu redor, fazendo um casulo ao redor do meu corpo. Pediu perdão inúmeras vezes, fez carícias no meu cabelo até eu me acalmar e em seguida me ajudou a sentar na cama com ele. Era extremamente doloroso, eu precisava sentar em almofadas com um buraco no meio.

— Vamos passar uma borracha nisso — continuou me acariciando — Agora é a hora de curtirmos nossa filha, deixar o passado no passado e seguir em frente.

Aquelas palavras eram tão bonitas quanto utópicas. Seguir em frente não era tão fácil, esquecer do passado era praticamente impossível, o que dava para fazer era ignorar todo o resto e concentrar no principal, que é a Mei.

— O que você quis dizer com “eu também me sinto daquele jeito”? — perguntei saindo do conforto perigoso dos seus braços.

— Lembro das coisas que me disse quando foi na minha casa aquele dia com a Hinata, sabe? — fitou o teto — Estava surpreso demais para te dar uma resposta a altura, mas agora eu posso falar — voltou-se para mim — No começo eu te via de longe na escola com aquele cabelo rosa esquisito e imaginava como seria comer uma garota de cabelo rosa. Não me olhe com essa cara! É verdade! Naruto fez amizade com você num dia e no outro apresentou você como sua namorada, foi tudo rápido demais. Eu não poderia chegar no Naruto e dizer “Hey, cara, eu tava de olho nela primeiro”. Não seria justo, mesmo que fosse verdade. Ele havia sido mais rápido, o prêmio era dele e eu tinha que aceitar isso.

— Você está dizendo que gostava de mim antes do Naruto?

— Não, estou dizendo que te vi primeiro, mas como não me manifestei, ele deu o bote. Parabéns para ele — Ri e ele continuou — Pensei que meu desejo ia acabar assim que vocês engataram o namoro, que eu achei que não fosse durar uma semana. Quando passou um mês e nada de um dar o pé na bunda do outro, eu comecei a me preocupar porque... — suspirou — Porque já fazia um tempo que eu comia as meninas de olhos fechados, imaginando seu rosto e seu cabelo no corpo delas.

Aquela declaração foi mais escrota do que romântica, mas o rubor na minha pele entregou o quão significativo aquilo soou. Sasuke dizia aquilo por impulsos que só Deus conhecia, seu maxilar estava travado e sua fala era rápida e nervosa.

— Não era justo com o Naruto e não era justo comigo também. Sempre fomos melhores amigos, passamos por dilemas malucos, mas nada se compara ao dilema “Danone”. Todos os meus amigos sabiam disso e apostavam para ver como o rolo todo iria terminar. Não houve vencedores, ninguém apostou que terminasse assim — apontou para o berço — Acontece que, naquela noite de Halloween, parte do que eu fiz não foi sem querer, Sakura, foi delibera. O ato, digo. Esse seu olhar não é pior do que eu esperava receber todos esses meses, mas acredite que me sinto agradecido por pelo menos deixar eu falar.

— Para um pouco, me deixe pensar — apoiei meus dedos nas têmporas e fechei os olhos com força. Quem sabe, se eu me esforçasse, poderia apagar da minha memória aquelas revelações.

— Sakura, preciso falar tudo agora. Aí se for para você me odiar, que seja por tudo o que eu fiz, não só por um pouquinho que você sabe.

— Por quê? Tem mais? — Sasuke suspirou irritado, rolando os olhos e respirando fundo para continuar.

— Me arrependo de ter traído meu melhor amigo, mas não me arrependo de ter dormido com você, não mais — segurou minha mão, mas a retirei de seu enlace de um só vez.

— Me deixa pensar, Sasuke — pedi me afastando com dificuldade.

— Eu gosto de você, Sakura. Eu sou um idiota, canalha, mentiroso, e eu gosto de você — o fitei com os olhos incrédulos, não acreditava que ele dizia a verdade, devia estar brincando comigo por eu estar emocionalmente frágil — Eu sei que é recíproco então não faço questão que me diga nada, apenas me escute — segurou meu rosto — Você é a menina mais chata, a que mais me tira do sério, a que mais me provoca, a que mais me causa problemas, mas é a única. A única.

A esse ponto, nem preciso dizer que chorava como uma criancinha, era muita coisa para a minha cabeça, mas para o Sasuke não parecia o suficiente. Parecia que ele tinha acumulado tudo o que queria dizer nos inúmeros momentos de silêncio constrangedor para descarregar de uma vez só em mim.

— E o que você espera que eu faça? — sussurrei de forma quase inaudível, sem desviar meu olhar do dele.

— Espero que você deixe de ser orgulhosa e vá morar comigo — respondeu calmamente.

— Você está me dizendo tudo isso porque quer que eu vá morar com você? — indaguei.

— Estou dizendo isso por conta de diversas coisas, inclusive pelo que você falou, porém principalmente porque eu quero que você fique comigo, não literalmente na minha casa, mas do meu lado, tipo Jack e Sally, tá ligada?

— Diga-me sinceramente por que você está falando essas coisas. Por que só agora? Por que não antes?

— Porque eu estava irado! Desde o dia em que você foi parar no hospital. Sakura, você me conhece bem o suficiente para saber que eu jamais iria falar coisas assim se não estivessem entaladas na minha garganta.

— Desculpa, Sasuke, mas eu só tenho a impressão de que você está forçando as coisas — ele franziu o cenho — Mei acabou de nascer e você me aparece falando tudo isso... Você mesmo que deixou claro para os meus pais e eu, no primeiro dia em que pisou nessa casa, que não se casaria sob circunstância nenhuma.

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— E realmente eu estou pouco me fodendo para casamento! Eu só quero ficar com você! Qual parte você não entendeu, Sakura?

— A parte que você gosta de mim de verdade — respondi com lágrimas nos olhos — Eu sinto muito, mas agora não me soa verdadeiro, Sasuke. Eu não quero pense que eu sou sua obrigação, que seu dever é ficar do meu lado só por causa da Mei. Eu não quero que fique comigo por pena, forçado por qualquer impulso que não seja espontâneo. Não preciso disso.

— Eu acho que estou falando grego, não é possível! — puxou os cabelos novamente — Quer que eu desenhe que gosto de você, porra?

— Eu também gosto de você, Sasuke, isso não é novidade — respondi enxugando as lágrimas. Sasuke mexia nos cabelos e passava a mão no rosto de forma frenética, estava irritadíssimo —, mas somos muito jovens para decidirmos viver juntos. Vamos evitar arrependimentos e seguir com o que planejamos.

— Com o que planejamos?! — levantou-se e me encarou — Eu não vou ver minha filha uma vez por semana!

— Então vá para minha casa todos os dias!

— Sakura — me pegou pelos pulsos — Eu quero que minha filha tenha uma família — dizia com a voz controlada — Eu arranjo uma casa pra gente com um quarto só seu, já que não quer adiantar as coisas. Eu espero, mas não posso ficar longe da minha filha. Temos que ficar juntos.

Fiquei um longo tempo em silêncio, pensando sobre tudo o que tinha ouvido, tentando medir o peso que teria na minha vida “sim” que eu dissesse na hora errada para a coisa errada.

Eu queria que Mei fosse feliz, que tivesse uma família estruturada, diferente da minha. Eu queria o melhor para ela, sabia que desde que ela nasceu, deveria ser minha prioridade, mas não há uma regra que diga que Mei só será feliz morando com o Sasuke, nada garante que ela será feliz se Sasuke e eu formos um casal. Independente disso, somos pai e mãe, não há como mudar o diminuir a importância desse fato. Essa relação estranha que eu tenho com o Sasuke deveria ser tratada como algo a parte.

Mais de três minutos sem ninguém dizer nada. Aparentemente Sasuke havia encontrado uma resposta no meu silêncio. Soltou meus pulsos e caminhou até a porta, irado, magoado, pude ver em seu olhar antes dele virar as costas para mim. Sabia que se deixasse ele sair do quarto com todos aqueles sentimentos, não o teria de volta tão cedo.

— Sasuke! — o chamei puxando sua camiseta antes que ele saísse.

Ele me olhou com mágoa, um olhar que me machucou profundamente. Afrouxei o aperto na sua camisa e dei um passo para trás, ainda o encarando, imaginando se as consequências da minha recusa seriam permanentes no orgulho ferido do Uchiha. Estranhamente ele não me virou as costas de novo. Entrou no quarto, fechou a porta atrás de si e me encarou alguns minutos antes de avançar na minha direção e me beijar. Foi um susto, tanto que não correspondi de imediato, fiquei estática com os olhos arregalados e os membros trêmulos. Sasuke estava me beijando como se fosse dependesse disso.

Ele se afastou por alguns segundos, fitando meu rosto assustado. Seus lábios estavam vermelhos e entreabertos, as mãos ásperas tiravam os cabelos do meu rosto e ao mesmo tempo me acariciava. Eu não raciocinava direito, só consegui pensar “Sasuke está me beijando, Sasuke está me beijando” e praticamente não reagia. Com o polegar ele puxou meu lábio inferior para baixo e me beijou ali, forçando-me a acompanhá-lo, e foi assim que começou.

Levei minhas mãos para sua nuca, os dedos vibrando, acariciando e memorizando a textura da pele alva. Ele aprofundou mais o beijou segurando-me pelos cabelos da nuca e com a mão livre, apertava minha cintura. Ofegava, parava e me olhava, voltava a me beijar, na boca, no rosto, no pescoço, para ele não tinha regra, Sasuke parecia desesperado por aquilo. Tinha quase certeza de que se eu não estivesse de resguardo, ele me deitaria naquela cama e tentaria reproduzir o episódio de quase um ano atrás. Ele tinha essa audácia e eu me deixaria levar muito fácil, assim como me entreguei para o beijo.

De repente a porta abriu. Nos afastamos na hora. Era Mikoto querendo saber como Mei e eu estávamos, acabou sabendo mais do que deveria. Flagrar um beijo entre nós dois faria suas esperanças voarem alto.

Limpei a boca com a costa da mão e fitei um ponto qualquer, longe me Sasuke e sua mãe, já sentia meu rosto queimar de vergonha.

— Está tudo bem, estamos conversando, mãe.

— Eu vi — a mais velha disse num tom mais divertido e eu podia jurar que o vermelho do meu rosto já tinha se tornado roxo.

Assim que Mikoto fechou a porta do quarto, não tive tempo nem para respirar, Sasuke avançou em mim novamente, me beijando sem pudor. Da forma mais gentil que consegui, coloquei ambas as mãos em seu peito e fui o afastando aos poucos.

— Que foi? — sua boca estava toda vermelha, desvantagens de ser tão branco.

— Calma — respondi ofegante — Por que está fazendo isso? — perguntei assim que recuperei um pouco do meu fôlego.

— Porque sim — falou como se fosse o óbvio — Agora você acredita quando eu digo que gosto de você?

— Um pouco — Ele revirou os olhos e eu ri — Vai com calma, tá? — minha respiração ainda não estava estabilizada.

Fazia tempo que eu não beijava assim, na verdade, não me lembrava de ter tido nada parecido com o Naruto com exceção da noite de natal, quando ele me levou para o meio do mato e tentou transar comigo. Se bem que, o beijo do Naruto era muito diferente do beijo do Sasuke, era brando, apesar do momento, Sasuke já me beijara com desespero, um desejo sublinhado em seus lábios, ele me queria, e não hesitava em mostrar.

Ele arrumou a camisa amassada e me olhou com um meio sorriso.

— Eu vou esperar, só não fuja de mim, okay? — disse no pé do meu ouvido, eriçando todos os pelos do meu corpo.

Assenti. Ele me deu um beijo na testa e saiu. Não o vi pelo resto do dia.

Fiquei fugindo da Mikoto, qualquer ajuda que eu precisasse com Mei, gritava para Mamãe vir, deixava Mikoto bordando as inúmeras toalhinhas com o nome da neta e flores em ponto russo. Reira voltara para o internato e Papai para suas cargas de cidade em cidade, de estado em estado.

Sasuke e Mikoto ficaram em casa até o domingo da mesma semana, depois voltaram para seu lar, Mikoto chorando, Sasuke com uma careta engraçada. Ambos queriam sua casa, sua cama, mas ao mesmo tempo queriam ficar com Mei. Prometeram voltar todos os finais de semana até que decidíssemos nos mudar para lá de vez.

Nos dias que se seguiram, algumas coisas haviam mudado entre Sasuke e eu. Nos cumprimentávamos com selinho e às vezes ele me roubava um beijo, eu me afastava rapidamente, estranhava todas essas atitudes afetuosas do Sasuke comigo. Há pouco tempo ele me xingava, não conseguia falar “Sasuke” e “carinhoso” na mesma frase com a impressão rude que ele me passava antes.

Ele estava cada vez mais viciado na bebê e, surpreendentemente, até com Aidou. Os carrinhos pendurados na arara do berço ele havia retirado e presenteado meu irmão.

Aidou já estava com dois anos, sabia contar, falava tudo, muitas vezes repetindo coisas que ouvia, e já demonstrava um amor dúbio por carros, o que fez Sasuke se aproximar mais dele. Inevitavelmente, o caçula paparicado estava ficando um pouco de lado pela nova atração da casa ser a sua sobrinha. Às vezes ele fazia birra para chamar atenção, mas nada exagerado. Reconhecia que até mesmo eu, a irmã que o adorava, estava o esquecendo pelos cantos, coisa que eu tentava reverter assim que Mei dormia para dar atenção ao irmão que eu tanto amava.

O tempo foi passando, fui me tornando cada vez mais independente do auxílio de Mamãe e Mikoto. Mei crescia como se o leite do meu peito tivesse fermento, seus traços de recém-nascida se modificavam e nos revelava características singulares. O formato do seu rosto era como o meu, a cor dourada dos cabelos também era uma característica minha, contudo o resto era uma xérox do Sasuke e eu desconfiava que a medida que o tempo passasse, ela se pareceria mais com o pai. Os olhos de Mei eram expressivos como os de Sasuke, castanhos e serenos.

Era setembro. Um mês antes Papai havia anunciado que voltaríamos para a outra cidade assim que chegasse da sua viagem, que terminaria em duas semanas. Mamãe pagara suas antigas vizinhas para limpar a casa, pois logo eles chegariam. Muitos móveis e objetos já estavam em caixas no quintal, esperando somente o caminhão de mudança levá-los. Nossa família era tão experiente em mudanças que sabíamos exatamente o que empacotar duas semanas antes com a certeza de que não usaríamos nada dali.

Aquelas duas semanas se passaram lentamente, tamanha era nossa ansiedade de voltar. A cidade onde atualmente estávamos era acolhedora, a vizinhança nos recebeu bem e tudo mais, mas nada se comparava à antiga cidade. A única pessoa infeliz com a notícia era Hinata e, em partes eu também estava infeliz com isso porque perderia a única amiga que tive.

Desde que Mei nasceu, Hinata não passa uma semana sem parecer em casa, sempre trás um doce para comermos à tarde ou um mimo para a neném. Hinata foi fundamental para que eu não enlouquecesse. As primeiras semanas foram difíceis, eu não dormia direito, eu não comia direito, tudo era Mei, Mei e Mei. Enquanto Sasuke me distraía nos sábados e domingo, Hinata era meu entretenimento ao longo da semana, ambos impedindo que eu surtasse.

Nos despedimos da casa de madeira que nos abrigou por quase um ano na primeira sexta-feira de outubro. Mikoto veio para nos ajudar com as malas restantes. Fui no carro dela, Mei e eu atrás, enquanto minha família foi toda no carro do Papai. Chegamos cerca de duas horas depois, uma longa viagem que eu não via a hora de acabar. Assim que entrei na minha casa, vi os móveis grandes colocados em seus antigos lugares, algumas caixas ainda para serem abertas, minha árvore de natal num canto embaixo da escada... Meus olhos encheram de lágrimas.

— Estamos de volta — sussurrei para minha filha, beijando seus cabelos de ouro.

Levou alguns dias para que desempacotássemos tudo e recolocasse tudo no lugar, isso devido a falta de tempo, afinal só poderíamos mexer com essas coisas quando Mei e Aidou estivessem dormindo ou quando tinha alguém para cuidar deles além de Mamãe e eu.

Por falar em Mamãe, ela mal esperou dar uma hora que meu pai saíra para uma nova viagem e já chamou o leiteiro para matar a saudade dela na lavanderia. Os peguei sem querer, mas não me importei. Mei estava tendo uma tosse que me preocupava mais do que as canalhices da minha mãe. Só rezava para meu pai um dia a pegar em flagrante, porque eu já abria mão disso.

Sasuke vinha em casa todos os dias depois da escola e ficava até anoitecer, às vezes até dormia. Mei tinha um apego irracional por ele que me deixava enciumada. Eu passava noites em claro com ela, a amamentava, a trocava, a ninava, e ela só abria aquele sorriso desdentado para o pai, que também se transformava num bobo com a filha nos braços.

Um dia ele a levou na porta da escola para mostrar para seus professores e amigos, mostrou como se fosse um troféu, como se fosse a melhor coisa do mundo, e de fato era.

Minato, Kushina e até mesmo Naruto chegaram anos visitar. Os homens simpáticos, entrosados com a bebê e tudo mais, Kushina se limitava a sorrisos meigos e acenos de cabeça quando algo era lhe perguntado. Faria quase três meses que a Mei, filha deles, havia falecido. A conheci como um belíssima mulher, contudo, a que eu via na minha frente parecia ter envelhecido dez anos em meses. O que eu achava lindo era a devoção de Minato pela sua esposa, desde que chegaram, ele não havia soltado a mão dela um minuto sequer.

Não havia muito assunto com o Naruto, trocávamos breves olhares, apenas. Era estranha aquela situação, considerando que há um ano atrás ele era meu namorado e meu melhor amigos. Sabia que jamais voltaríamos a ser o que éramos, sabia que dificilmente voltaria a sentar com ele na calçada em frente a sua casa e começar a falar sobre tudo e nada. Ou talvez eu estivesse errada. Sasuke havia me dito que a amizade dele com Naruto não mudou, ambos continuam sendo amigos e rivais. Imaginei que aquilo era amizade de verdade, porque o que aconteceu entre nós três não deveria ser tratado como uma coisa banal, particularmente se Hinata fizesse comigo o que o Sasuke fez com o Naruto, eu não voltaria a olhar para a cara dela nunca mais.

Então o Natal chegou, mais imponente do que no ano anterior. Absolutamente todas as casas da cidade, os estabelecimentos e locais abertos estavam enfeitados com luzes, viscos e diversos outros objetos de decoração. Falo isso com certeza porque Sasuke deu uma volta comigo e com a Mei pela cidade a fim de encontrar um único lugar que não estivesse caracterizado para tacarmos ovos e filtros de cigarro na grama. Uma atividade perversa para uma quarta-feira a noite, mas isso era tão culpa minha quanto de Sasuke, pois eu não tinha criatividade para sugerir um programa mais normal.

O natal chegou junto ao dilema de em que lugar passar a noite de ceia. Poderia fazer como no ano passado, revezar entre minha casa, a casa do Naruto e o estádio, onde soltariam os fogos de artifício. Nesse ano fui intimada por Mikoto a passar o natal na casa dela, junto com meus pais e qualquer parente deles que aparecesse para comemorar. Acabou ficando por isso mesmo, natal na casa da Mikoto.

Ajudei Mamãe a assar um peru e preparar uma salada de maionese para levar (ela estava me ensinando a me virar na cozinha, pois contava que em breve eu me escafedesse de sua casa). Comprei um vestido azul claro para vestir sobre meias grossas e com um cardigã de lã; Mei usava uma vestido jeans de mangas longas que Hinata havia lhe presenteado, também a agasalhei com meias quentes e a cobri com um manto. Fomos para a casa de Mikoto à pé, era muito perto da nossa, chegamos todos unidos, Papai-corno, Mamãe-safada, Reira-Minha-Irmã-Feia, Aidou-O-Mais-Amado, Mei e eu.

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Fomos recebidos pela anfitriã, sempre sorridente, nos cumprimentava como se não nos encontrássemos todos os dias. Sua casa estava cheia, mas diferente das festas de família que eu costumava frequentar, as pessoas não eram tão agitadas e aglomeradas, conversavam em um canto num tom baixo, risadas discretas, um petisco ou uma taça na mão. Ricos, pensei. Às vezes eu me pegava indagando por que Mikoto se entrosar tão facilmente com uma família como a minha, sendo tão elegante e claramente acostumada com outro tipo de gente. Admirei-a mais por ser tão humilde.

Uma moça belíssima, na faixa dos trinta anos, me cedeu seu lugar no sofá e sentou-se no braço do mesmo, observando a Mei dormir por uma fresta da manta. Logo um círculo se formou ao meu redor. As perguntas eram as mesmas.

“Quantos anos você tem?”

“Ela está com quantos meses?”

“Qual o nome que escolheram?”

“Sasuke te ajuda a cuidar dela?”

“Está tendo muito trabalho?”

“Já soube que pintar o cabelo de rosa na amamentação pode transferir resíduos químicos para o leite materno?”

Respondia de forma breve, sempre sorrindo e ninando Mei. Meu braço já estava doendo, agradeci por uma das tias do Sasuke se oferecer para segurá-la, aproveitei e fui buscar algo para comer, por sorte encontrei Mikoto na cozinha para me ajudar.

— Oi, querida, está com fome?

— Para falar a verdade, estou sim.

— Ótimo! Vou montar o seu prato. Me faça um favor?

— Sim.

— Leva o prato do Sasuke para ele lá em cima? Ele não vai descer para comer — balançou a cabeça para os lados em negação — Não se mistura muito com a família.

— O pai dele está aqui? — perguntei enquanto ela preparava minha janta e a do Sasuke com diversas receitas, lentilha, tomates cozidos, peito de peru assado, ovo de codorna e verduras.

— Ainda não, mas chegará em breve.

Assim que terminou, colocou os pratos na bandeja e me entregou.

— O quarto dele é o primeiro à esquerda — já tinha rompido para a sala — à propósito, Sakura — me virei para ouvi-la — Fico feliz que esteja usando o colar da família — sorriu.

Os olhos de Mikoto entregavam a esperança tangível que ela tinha num romance entre eu e seu filho caçula. O pior era admitir que ela estava quase certa sobre isso, pois eu estava determinada a afrouxar as rédeas, me dar uma chance.

A cada degrau que eu subia, a preocupação era dobrada: tomar cuidado para não derrubar os prato; pensar no que dizer.

Bati na porta dele com a cabeça, minhas mãos estavam ocupadas, quando ele abriu, pouco depois, me olhou dos pés a cabeça e tirou a bandeja de mim.

— Tá fazendo o que aqui?

— Sua mãe pediu para eu lhe trazer a janta.

Nossa janta, né? — me olhou daquele jeito convencido, aquele olhar de quem sabia que era bonito e sabia que deixava qualquer garotinha encabulada — Cadê minha filha? — perguntou colocando a bandeja no carpete e me convidando para sentar-me ao lado dele.

— A deixei no colo de uma de suas tias, mas minha mãe está de olho nela — Sasuke revirou os olhos e explicou que suas tias eram muito fúteis, que não gostava de se misturar muito com esse povo por isso.

Ficamos conversando sobre família, inconveniências do Natal e sobre música. Sasuke já tinha aberto um vinho antes de eu chegar, aproveitou minha presença, preencheu novamente sua taça e estreou a minha. Mesmo eu não gostando de vinho (e não podendo tomar), aceitei. Depois de duas taças eu podia sentir minhas bochechas coradas e o Sasuke mais leve. Num momento eu estava falando sobre bandas inglesas de indie rock e no outro Sasuke estava me beijando com sua boca com gosto de bebida.

Poderia dizer que tinha me acostumado com essa péssima mania do Sasuke de me beijar quando tem vontade, de repente, sem avisos. Não precisa rolar um clima, não precisa estamos bem um com o outro, ele simplesmente me olha como um usuário de droga tentando largar o seu vício e acaba cedendo. Eu também não era uma mulher difícil de levar, eu estava apaixonada, bastava ele me dirigir a palavra ou apenas me tocar que eu já era dele, estava perdida. Não sabia o que tínhamos exatamente, ninguém sabia. Meu objetivo naquela noite de natal era colocar tudo em seu devido lugar. Se fosse para ser, ótimo, senão seria bom que parássemos com essa brincadeirinha de se pegar quando dá vontade.

Me afastei dele e virei o rosto. Ele percebeu meu constrangimento e minha mágoa e perguntou o que eu tinha. Foi a pior coisa que ele fez, mas foi exatamente o que eu precisava para tomar impulso de dizer.

— O que nós somos, Sasuke?

A pergunta o surpreendeu, ele nem disfarçava. Bebericou seu vinho e se virou para mim sem resposta.

— Sinceramente, eu não sei — confessou.

— Deveríamos parar com isso — declarei.

— Por quê?

— Porque não é certo — respondi o óbvio — Perdi as contas de quantas vezes começamos a conversar e acabamos assim. Em partes é minha culpa, por te dar liberdade, mas você não deveria brincar comigo desse jeito.

— Não é fácil me controlar, Sakura — sorriu, falando aquilo como se fosse a coisa mais compreensível do mundo e eu era uma insensível por não entendê-lo.

— Há dezenas de garotas por aí.

— Não quero nenhuma garota! — exclamou — Eu gosto de te beijar, qual o problema? — passou as mãos nos bolsos atrás dos cigarros, mas não os encontrou. Sasuke estava parando de fumar aos poucos — Se você não gostasse, já teria me dado uns tapas na cara pela minha ousadia — riu pelo nariz — Mas você gosta, não é?

— Você sabe bem o porquê — respondi com a expressão séria, Sasuke apenas lançou mais um dos seus sorriso galanteadores e fitou a janela à sua frente — Não quero mais ficar assim, Sasuke.

— Assim como?

—Assim! — gesticulei nós dois — Sei que se isso continuar, eu sairei magoada, prefiro deixar tudo como era antes, para não confundir as coisas — Sasuke me olhou com o cenho franzido — Voltamos a ser bons colegas, pais da Mei, e acaba por aí.

Não, não era drama. Eu realmente preferia isso do que viver na incerteza, a ilusão tóxica que cada beijo que o Sasuke me roubava causava. Também não podia me enganar, Sasuke era bonito demais, inteligente demais e ator demais para manter o teatrinho por muito tempo, logo uma segunda garota apareceria e eu sairia machucada dessa história toda.

Ele riu, afastou as coisas e avançou na minha direção, mas esquivei.

— Você já abusou demais da minha boa vontade.

— O que está dizendo? — perguntei.

— Em um dia só eu cheguei a dizer mais de três vezes que gostava de você e a senhorita ignorou isso, passei todo esse tempo deixando claro que te quero e nem assim você muda essa cabeça de abóbora e aceita o meu pedido.

— Que pedido?

— Pode se fazer de boba, sei que só está a fim de escutar de novo, de se certificar de que eu ainda gosto de você para assim você fazer mais jogo de cintura. Eu te conheço, Sakura, você precisa constantemente de atenção, de segurança e conforto. Mas pode ficar tranquila, eu ainda gosto de você, da mesma maneira que gostava quando pedi para que morasse comigo.

— Mei já ocupa bastante o meu tempo, não quero mais uma preocupação para a minha cabeça.

— Eu serei preocupação?

— Se continuar desse jeito, sim, você será.

— De que jeito? Tomando atitude para ver se as coisas andam com você? Não dá para te entender, Sakura, deve ser por isso que eu estou tão bobo, nunca conheci uma garota tão problemática.

— Eu vou descer.

— Não vai, não.

Me levantei do carpete arrumando o vestido amarrotado e caminhei em direção a porta, de repente Sasuke me puxou com uma força incrível e me jogou na cama, ficando em cima de mim, prendendo meus punhos e tornozelos.

— Oh, menininha teimosa! — murmurou fitando meus lábios com o desejo no olhar — Você quer ouvir de novo? Quer? — Virava o rosto para todos os lados, envergonhada, sussurrando para ele me deixar sair, com medo de alguém abrir a porta, preocupada porque havia me afastado de Mei por tempo demais — Só me diga o que quer ouvir, aí eu te libero — sorriu de forma travessa.

— Me deixe sair, Sasuke, por favor, Mei está na sala, deve estar com fome.

— Você só sai daqui sendo minha mulher ou sendo apenas mãe da Mei — declarou e eu parei de respirar, o olhei nos olhos, buscando sinceridade naquele aviso. Sasuke não voltaria atrás de sua palavra — Você me pediu para parar, eu irei parar, é o certo, mas você tem que ter certeza do quer antes de me pedir algo, Sakura. Se bem que, você está usando o colar da família, o que me passa a impressão de que você deseja sim ser uma Uchiha, só está fazendo charme.

— E se eu estiver? — me atrevi — Eu te amo, isso não é notícia fresca, mas ainda me sinto insegura... E se não der certo?

— A gente tenta de novo.

— Sasuke, não tenta me fazer acreditar que você será uma pessoa que você não é! Brigamos como cão e gato, que garantia você me dá de que as coisas irão funcionar?

— Infelizmente, eu não tenho nenhuma garantia, mas eu quero que funcione e vou me empenhar para isso, assim como me dediquei durante toda a sua gravidez. Eu vou me esforçar, eu mudo, se for para nossa melhor convivência, eu só preciso que me diga que sim, que diga que quer isso tanto quanto eu.

Minha resposta foi um beijo tão suave quanto um sopro. Ficamos nos olhando, nos acariciando, nos conhecendo pelo contato. Seria ele o homem da minha vida? Seria a eu a mulher da sua vida? Como saber? Não dava. Meu coração batia desenfreado, chegava a doer o peito. As lágrimas escorriam pelo canto dos olhos e o Sasuke as capturava com o polegar. Esperava pacientemente um raio de luz, uma resposta que mudaria o rumo das nossas vidas a partir do momento em que eu pisasse para fora do quarto. Fui capaz apenas de perguntar:

— Quando nos mudamos?

.o0o.

Mais de um ano e minha cabeça parecia ter sido trocada com a de uma pessoa melhor. Melhor não, melhor é a palavra errada. Eu me sentia maior. Foi mais de um ano tentando engolir todas as mudança, parecia que alguém havia amassado o roteiro da minha vida e colocado na minha boca. “Engole”, e empurrava aquele bolo de papel pela minha garganta abaixo. Foi difícil, foi angustiante, foi necessário. Com o tempo eu entendia o incondicional, aquela coisa que o Sasuke tinha que eu invejava.

Ser mãe foi a melhor pior coisa que aconteceu na minha vida.

Eu acordava e já a procurava ao redor, deitada na cama de casal entre Sasuke e eu ou no berço encostado na parede. Ela era o meu primeiro e meu último pensamento do dia. Mei era a base de tudo. Há meses que não faço muitas coisas das quais eu achava não poder passar um dia sem fazer. Percebi isso quando notei o teclado do computador empoeirado e meus cabelos tão embaraçados que precisei lavá-los para conseguir pentear. Pequenas coisas que eram prioridades na vida antes de ter um bebê em casa. Contudo, tenho que dizer com toda a sinceridade que eu poderia expressar em uma só frase: não sinto falta das pequenas coisas. Tenho uma garotinha linda dormindo no peito do pai, que era o cara que eu amava, o que mais eu poderia querer?

Eu olhava para meus pulsos e imaginava se eu tivesse pegado a veia certa, eu teria a oportunidade de sentir isso, que era a melhor e mais assustadora sensação do mundo, não saber o que fazer da sua vida sem alguém.

Percebi que, o sentido da vida é o que você faz com ela. Os caminhos tortuosos que segui me levaram para uma oportunidade, uma chance de um recomeço. Na época eu não tinha uma visão positiva em relação às conspirações do universo para comigo, por isso me mortificava, jogava as mãos para o alto e perguntava aos céus “Por que comigo?”. Porque eu precisava, porque eu tinha que passar por isso. Não porque era meu destino, não porque eu merecia, mas porque eu precisava. Eu precisava sentir amor, o amor de verdade, o amor na sua forma mais pura, o amor de mãe e o amor de filha. Quando ela pega meu rosto com as mãos minúsculas e me dá um sorriso desdentado, é impagável, parece que todos os problemas que pudessem me afligir fossem dissipados.

As pessoas, sendo sempre pessoas, apontavam e falavam, uma criança no colo de uma criança, que mundo é esse? Até mesmo eu pensava assim. Mas acontece que na vida nem sempre tudo é escolha, nem sempre é do jeito que a gente quer, e no meu caso foi tudo, menos o que eu imaginava e no fim acabou dando tudo certo.

Para Mei, que ainda não tem noção de muita coisa, o mundo é apenas o espaço à sua volta, as pessoas para quem ela sorri, os objetos que ela segura, a comida que ela come. Nós, jovens, adultos e velhos, temos noção de que o mundo é mais do que isso, que não passamos de um pontinho do universo e mesmo assim agimos como se fossemos nobres e eternos.

A minha gravidez não foi o fim do mundo, muito pelo contrário, foi o começo de um mundo, o mundo de Mei, um mundo que ela vai construir, um mundo que ela vai compartilhar.

Ainda imagino como seria minha vida se não houvessem cortes, bebidas, Naruto, Sasuke e minha filha. Eu imagino e vejo um vazio, por isso, me sinto feliz pelo sinal positivo que o destino me deu.

Na minha última terapia em grupo, eu percebi minha evolução. Shizune, exatamente como da primeira vez em que eu pisei naquele consultório, perguntou-me quem eu gostaria de ser.

Não pensei duas vezes ao responder:

— Não gostaria de ser ninguém além de mim mesma.

Fim