Shiver
Cool Hearts, and Hands, and Aptitude
Acordou pela manhã sentindo um frio açoitador e uma grande vontade de ficar na cama para sempre.
Rolava entre lençóis como se procurasse a coragem escondida por baixo das cobertas. A luz do sol entrava sem forças em seu recinto, e após estar completamente desperta, levantou-se para ver o dia que se criava.
Uma espreguiçada demorada afrouxou as juntas entre os ossos e aumentou um pouco seu humor ascendente.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Abriu as cortinas, mas se arrependeu logo em seguida, pois o movimento do pano espalhou ainda mais o ar frio dentro de seu quarto.
Arrastou o corpo para o banheiro, nem se preocupando em fechar a porta atrás de si. As escolhas não eram fartas; ou um chuveiro ou uma banheira.
Pela primeira vez desde que havia se mudado, Miku escolheu a banheira. Nem sabia se funcionava, mas no momento, preferia ficar apenas deitada sobre a água enquanto sua mente se ocupava com absolutamente nada.
Após se despir, a água quente beijou sua pele com doçura, e um arrepio delicioso percorreu seu corpo freando em sua nuca, fazendo-a fechar os olhos.
Enquanto suas pernas se divertiam emergindo e submergindo entre as bolhas da banheira, suas mãos foram para seu pescoço. Mais especificamente seu medalhão.
Como quando havia o ganho, o analisou novamente. Reviu os desenhos do urso, da águia, do homem. Olhou as trincas, passando os dedos devagar sobre o fecho. Da primeira vez, não havia conseguido êxito em abri-lo.
Posicionando as unhas grandes entre as partes paralelas, forçou cada uma para um lado. Um barulho de ferro se chocando ecoou baixo em seus ouvidos e ela sentiu que os hemisférios não estavam tão mais colados assim.
Vendo que havia conseguido abrir o medalhão acobreado, olhou o que havia dentro. Do lado esquerdo, algo que se assemelhava com runas velhas e mal escritas. Do outro, o esboço de um lobo de perfil, em posição de uivo.
Perguntou-se como não havia conseguido imaginar algo mais clichê.
Fechou o medalhão e saiu do banho, enrolando-se com a toalha. Limpou o vidro embaçado de seu espelho com o antebraço e se checou. Parecia mais saudável, mais disposta. A cicatriz ainda estava sobre seu ombro, mas não era assustadora ou agressiva. As dos arranhões em suas costas praticamente haviam sumido.
Vestiu algo extremamente casual e foi para o jardim de trás. Lá, Luka se encontrava vestida com algo de ginasta e se alongava usando o corrimão das escadas como apoio.
– O que está fazendo? – apoiou-se na mureta de madeira, debruçando o busto e encurvando o corpo para frente.
– Vou correr. Quer vir?
– Correr? – Miku arqueou as sobrancelhas, com pouca fé. – Você não corre.
– Não como humana. – ela piscou um dos olhos azuis para a irmã e riu.
– E o que é tudo isso? – apontou para as roupas extravagantes para uma corrida no meio de árvores e terra.
– Pura fachada. Quer vir ou não?
– Só um minuto, tenho que ver se ainda tenho alguma roupa para correr que possa ser rasgada.
☸
Era mais divertido do que parecia.
Apreciava uma boa corrida sozinha, mas acompanhada era ainda melhor. Tinha um tom de brincadeira e pouca vergonha, e a sincronia que as irmãs tinham era assombrosa. Pulavam, corriam, abaixavam e desviavam. O sol já havia passado do centro do céu quando pararam para recuperar o ar perto de um afluente.
Luka não se preocupou em molhar os pelos em busca de se refrescar, chegando até a rolar sobre a rala água.
Já Miku preferiu manter-se seca, deitada calmamente embaixo de um pinho grande. No momento se perguntava se havia algo negativo em viver apenas como lobo.
Nenhuma resposta foi concluída.
Um rosnado indiscreto e barulhos entre arbustos denunciaram outra presença ali. Ambas se puseram em uma postura agressiva, arqueando as costas e mostrando os dentes para o que quer que estivesse as emboscando.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Dois outros lobos saíram dentre os arbustivos. Um era grande, de um castanho acinzentado forte, presas grandes e olhos bicolores. O outro era um pouco menor e parecia mais acanhado, com o pelo de um marrom alaranjado que cobria a parte superior de seu corpo, como um Husky.
Por algum motivo, Miku sentiu que seu lobo havia deduzido que esses eram da outra alcateia, a de Atlanta. Não sabia o que havia o feito pensar isso, mas era uma conclusão difícil de negar.
Mesmo que confiasse em seu lobo e acreditasse que fosse forte o bastante para dar conta deles, não confiava que Luka conseguiria também. A irmã era consideravelmente menor e franzina, e nunca havia a visto lutar com outro lobo antes. Não poderia comprometê-la agora.
Um olhar para ela foi o suficiente para que ambas começassem a correr. Os outros lobos não tardaram em acompanhá-las.
Miku percebeu o quão mais rápida era. Tinha que desacelerar para não deixar a irmã para trás, ao mesmo tempo em que tinha que manter o passo para que não fosse alcançada.
Um golpe de surpresa a atingiu em cheio e ela perdeu o controle de seu corpo quando percebeu que o maior lobo havia saltado sobre ela e a atirado no chão.
Tudo que podia fazer agora era assistir seu lobo tomar conta da situação.
Luka e o outro lobo menor desapareceram entre as árvores, e a briga agora era entre ela e quem quer que estivesse na sua frente.
Como em um ringue de luta, ambos se encaravam enquanto andavam em círculos, vendo quem atacaria primeiro. Rosnados em menções a mordidas eram feitas, enquanto ela via que ambos se irritavam mais.
O primeiro a lançar um ataque foi ela mesma. Seu lobo, preciso como costumeiro, avançou sobre o pescoço do oponente, cravando os caninos com força enquanto ouvia a criatura entre seus dentes guinchar em dor.
Forçou seu lobo a se separar já que não queria ser responsável pela morte de ninguém.
O animal a sua frente estava com uma grande ferida no pescoço, mas longe de se dar por vencido.
Avançou com a força que tinha restante sobre a sua cicatriz que se encontrava nas omoplatas, e a dor a cegou por um instante, como uma anestesia. O foco se perdeu enquanto ela sentia a dor afundando entre sua carne e alcançando seus ossos.
Um baque forte contra o animal que a atacava fez com que ela mesma perdesse o equilíbrio. Tentou acompanhar, debilitada, o que havia acontecido.
Deitada sobre o chão com dificuldade para respirar, viu o lobo que a atacara em uma posição evasiva a uma distância segura. Já a sua frente, uma figura negro-cinzenta se erguia, forte e imponente, entre ambos os lutadores.
Era o mesmo lobo que havia a transformado.
Ele rosnou feroz para o animal a sua frente, o fazendo correr para longe. Um último olhar tempestuoso para Miku e ele foi atrás, movido por algo semelhante a fúria e medo.
Sozinha, ela estava tonta. Tentou erguer seu corpo grande, mas não conseguia. Sentia que a ferida sobre sua omoplata não a permitiria uma movimentação adequada, e ficar deitada e imóvel pareceu o mais confortável.
Respirar era difícil e se manter acordada era ainda mais. A tontura era grande, e a força que seu lobo lhe dava parecia quase esgotada agora.
Manchas negras se acumulavam em seu campo de visão e ela sabia que iria apagar. Sentiu medo, fruto da última vez que desmaiara como lobo.
Os sentidos começaram a se desligar, um por um. A dor não existia mais, logo depois os cheiros, e em um conjunto só, audição e visão eram apenas um mito.
Seu corpo ferido não deixou sua mente sonhar aquela vez.
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