Shiver

Cool Hearts, and Hands, and Aptitude


Acordou pela manhã sentindo um frio açoitador e uma grande vontade de ficar na cama para sempre.

Rolava entre lençóis como se procurasse a coragem escondida por baixo das cobertas. A luz do sol entrava sem forças em seu recinto, e após estar completamente desperta, levantou-se para ver o dia que se criava.

Uma espreguiçada demorada afrouxou as juntas entre os ossos e aumentou um pouco seu humor ascendente.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Abriu as cortinas, mas se arrependeu logo em seguida, pois o movimento do pano espalhou ainda mais o ar frio dentro de seu quarto.

Arrastou o corpo para o banheiro, nem se preocupando em fechar a porta atrás de si. As escolhas não eram fartas; ou um chuveiro ou uma banheira.

Pela primeira vez desde que havia se mudado, Miku escolheu a banheira. Nem sabia se funcionava, mas no momento, preferia ficar apenas deitada sobre a água enquanto sua mente se ocupava com absolutamente nada.

Após se despir, a água quente beijou sua pele com doçura, e um arrepio delicioso percorreu seu corpo freando em sua nuca, fazendo-a fechar os olhos.

Enquanto suas pernas se divertiam emergindo e submergindo entre as bolhas da banheira, suas mãos foram para seu pescoço. Mais especificamente seu medalhão.

Como quando havia o ganho, o analisou novamente. Reviu os desenhos do urso, da águia, do homem. Olhou as trincas, passando os dedos devagar sobre o fecho. Da primeira vez, não havia conseguido êxito em abri-lo.

Posicionando as unhas grandes entre as partes paralelas, forçou cada uma para um lado. Um barulho de ferro se chocando ecoou baixo em seus ouvidos e ela sentiu que os hemisférios não estavam tão mais colados assim.

Vendo que havia conseguido abrir o medalhão acobreado, olhou o que havia dentro. Do lado esquerdo, algo que se assemelhava com runas velhas e mal escritas. Do outro, o esboço de um lobo de perfil, em posição de uivo.

Perguntou-se como não havia conseguido imaginar algo mais clichê.

Fechou o medalhão e saiu do banho, enrolando-se com a toalha. Limpou o vidro embaçado de seu espelho com o antebraço e se checou. Parecia mais saudável, mais disposta. A cicatriz ainda estava sobre seu ombro, mas não era assustadora ou agressiva. As dos arranhões em suas costas praticamente haviam sumido.

Vestiu algo extremamente casual e foi para o jardim de trás. Lá, Luka se encontrava vestida com algo de ginasta e se alongava usando o corrimão das escadas como apoio.

– O que está fazendo? – apoiou-se na mureta de madeira, debruçando o busto e encurvando o corpo para frente.

– Vou correr. Quer vir?

– Correr? – Miku arqueou as sobrancelhas, com pouca fé. – Você não corre.

– Não como humana. – ela piscou um dos olhos azuis para a irmã e riu.

– E o que é tudo isso? – apontou para as roupas extravagantes para uma corrida no meio de árvores e terra.

– Pura fachada. Quer vir ou não?

– Só um minuto, tenho que ver se ainda tenho alguma roupa para correr que possa ser rasgada.

Era mais divertido do que parecia.

Apreciava uma boa corrida sozinha, mas acompanhada era ainda melhor. Tinha um tom de brincadeira e pouca vergonha, e a sincronia que as irmãs tinham era assombrosa. Pulavam, corriam, abaixavam e desviavam. O sol já havia passado do centro do céu quando pararam para recuperar o ar perto de um afluente.

Luka não se preocupou em molhar os pelos em busca de se refrescar, chegando até a rolar sobre a rala água.

Já Miku preferiu manter-se seca, deitada calmamente embaixo de um pinho grande. No momento se perguntava se havia algo negativo em viver apenas como lobo.

Nenhuma resposta foi concluída.

Um rosnado indiscreto e barulhos entre arbustos denunciaram outra presença ali. Ambas se puseram em uma postura agressiva, arqueando as costas e mostrando os dentes para o que quer que estivesse as emboscando.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Dois outros lobos saíram dentre os arbustivos. Um era grande, de um castanho acinzentado forte, presas grandes e olhos bicolores. O outro era um pouco menor e parecia mais acanhado, com o pelo de um marrom alaranjado que cobria a parte superior de seu corpo, como um Husky.

Por algum motivo, Miku sentiu que seu lobo havia deduzido que esses eram da outra alcateia, a de Atlanta. Não sabia o que havia o feito pensar isso, mas era uma conclusão difícil de negar.

Mesmo que confiasse em seu lobo e acreditasse que fosse forte o bastante para dar conta deles, não confiava que Luka conseguiria também. A irmã era consideravelmente menor e franzina, e nunca havia a visto lutar com outro lobo antes. Não poderia comprometê-la agora.

Um olhar para ela foi o suficiente para que ambas começassem a correr. Os outros lobos não tardaram em acompanhá-las.

Miku percebeu o quão mais rápida era. Tinha que desacelerar para não deixar a irmã para trás, ao mesmo tempo em que tinha que manter o passo para que não fosse alcançada.

Um golpe de surpresa a atingiu em cheio e ela perdeu o controle de seu corpo quando percebeu que o maior lobo havia saltado sobre ela e a atirado no chão.

Tudo que podia fazer agora era assistir seu lobo tomar conta da situação.

Luka e o outro lobo menor desapareceram entre as árvores, e a briga agora era entre ela e quem quer que estivesse na sua frente.

Como em um ringue de luta, ambos se encaravam enquanto andavam em círculos, vendo quem atacaria primeiro. Rosnados em menções a mordidas eram feitas, enquanto ela via que ambos se irritavam mais.

O primeiro a lançar um ataque foi ela mesma. Seu lobo, preciso como costumeiro, avançou sobre o pescoço do oponente, cravando os caninos com força enquanto ouvia a criatura entre seus dentes guinchar em dor.

Forçou seu lobo a se separar já que não queria ser responsável pela morte de ninguém.

O animal a sua frente estava com uma grande ferida no pescoço, mas longe de se dar por vencido.

Avançou com a força que tinha restante sobre a sua cicatriz que se encontrava nas omoplatas, e a dor a cegou por um instante, como uma anestesia. O foco se perdeu enquanto ela sentia a dor afundando entre sua carne e alcançando seus ossos.

Um baque forte contra o animal que a atacava fez com que ela mesma perdesse o equilíbrio. Tentou acompanhar, debilitada, o que havia acontecido.

Deitada sobre o chão com dificuldade para respirar, viu o lobo que a atacara em uma posição evasiva a uma distância segura. Já a sua frente, uma figura negro-cinzenta se erguia, forte e imponente, entre ambos os lutadores.

Era o mesmo lobo que havia a transformado.

Ele rosnou feroz para o animal a sua frente, o fazendo correr para longe. Um último olhar tempestuoso para Miku e ele foi atrás, movido por algo semelhante a fúria e medo.

Sozinha, ela estava tonta. Tentou erguer seu corpo grande, mas não conseguia. Sentia que a ferida sobre sua omoplata não a permitiria uma movimentação adequada, e ficar deitada e imóvel pareceu o mais confortável.

Respirar era difícil e se manter acordada era ainda mais. A tontura era grande, e a força que seu lobo lhe dava parecia quase esgotada agora.

Manchas negras se acumulavam em seu campo de visão e ela sabia que iria apagar. Sentiu medo, fruto da última vez que desmaiara como lobo.

Os sentidos começaram a se desligar, um por um. A dor não existia mais, logo depois os cheiros, e em um conjunto só, audição e visão eram apenas um mito.

Seu corpo ferido não deixou sua mente sonhar aquela vez.