Seus Olhos

Capítulo XXVII


Fevereiro de 2089

Alicia não conseguiu nem processar a ideia direito, os guardas chegaram com Matheus o jogando no chão daquela sala fria. Ele olhou para ela e sentiu o medo que exalava dela de longe. O que eles teriam feito com ela naquele pouco tempo? Pensou. Viu o amigo Henrique em um canto próximo a ela, mas sabia que ele jamais faria nada contra ela. Viu o pai dele ali atrás da mesa, com o olhar imponente. Aquele sim poderia fazer algo com ele.

— Então finalmente nós conhecemos. - Ele começou a falar com Alicia. - Sou Felipe e você?

— Alicia. - Ela sussurrou ainda assustada.

— Como? - Felipe não havia ouvido. - Bem isso não importa.

Ele saiu de trás da mesa e foi se aproximando de Alicia. Sacou uma pistola preta e apontou para cabeça dela

— Você já causou problemas demais. - Felipe disse com ódio.

— Se você matar ela, causará problemas no tempo! - Gritou Matheus desesperado.

Um guarda chutou as pernas de Matheus fazendo ele cair de joelhos.

— Eu sinceramente não me importo, não acho que ela seja alguém importante que precise ficar. - Felipe ajustou a mira.

Alicia engoliu em seco. Se ela morresse ali sabia que nada daquilo aconteceria, jamais. Seus pais poderiam sofrer sem nunca mais saber onde a filha estava, mas pelo menos ela sabia que jamais causaria problemas a outras pessoas ou que feriria Matheus. Valia o risco? Mas será que ele era capaz de me matar? Ele não via o que eu via? Pensava a jovem desesperada.

— Pai, não! - Henrique gritou se aproximando deles.

Felipe olhou sem paciência para o filho.

— Porque? - Ele perguntou.

— Olhe bem para ela, Felipe. Você não pode ser tão burro assim. - Uma senhora foi chegando na sala.

Alicia tirou atenção de Felipe e viu a mesma senhora que havia ajudado ela. Ela começou a tirar o capuz que cobria o rosto e Alicia a reconheceu na hora quando viu aquele olhos enrugados, que já haviam visto tanto, mais do que ela.

Felipe resolveu seguir o conselho da mãe e encarou a jovem a sua frente abaixando a arma.

Alicia não sabia reconhecer aquela sensação, era algo estranho que nascia em seu peito. Ela encarava os olhos cor de mel de Felipe e via neles um pouco de Matheus, mas aquela expressão de assustado, era algo dela. O nariz e os traços eram da família dela e lembravam seu pai. Ela levou a mão ao ventre e mesmo que fosse cedo para sentir a criança se mexer, conseguia sentir algo que vinha dela. Algo que ela não sabia descrever, mas com certeza poderia ser felicidade. Felicidade em saber que seu filho cresceria e viraria um lindo homem, que construiu tudo aquilo e seria inteligente.

— Mãe. - Felipe confirmou.

Alicia correu e abraçou ele com força. Sentiu os braços forte dele contra sua cintura. Ele era mais velho do que ela ali e ela não sabia explicar nada daquilo. Mas estava feliz em saber que seu filho estava bem e ali na frente dela.

— Meu menino. - Ela sorriu quando se afastou encarando o rosto dele.

— Mas como? - Ele perguntou.

— O que está acontecendo? - Matheus questionou confuso.

Alicia correu para Matheus e o ajudou a se levantar. Ele olhou para ela exigindo uma resposta.

— Ele é nosso filho. - Ela trouxe a mão dele para a barriga dela.

Naquele momento Matheus sentiu algo invadir o seu peito. Algo que ele não sabia identificar, mas que o enchia por inteiro.

— Como assim? Isso é impossível, Alicia. - Ele argumentou.

— Eu não sei explicar. Só sei que é real. Olhe para ele, é uma mistura de nós dois. - Ela apontou para o outro lado da sala. - E olhe para ela, sou eu mais velha.

Matheus olhou de Felipe para a senhora e continuava mais confuso ainda. A palavra impossível ecoava pela sua mente de forma insistente.

— Desculpa. - Felipe se aproximou deles.

— Tudo bem. - Alicia disse olhando para ele.

— Eu preciso pedir desculpas, apontei uma arma para sua cabeça. Esses últimos dias estão sendo loucos, mas não justifica eu ter apontado uma arma para sua cabeça. Não foi assim que minha mãe, que você me educou. - Ele forçou um sorriso.

— Tudo bem. - A senhora se aproximou deles. - Isso era necessário acontecer, para que tudo isso acontecesse.

— Que loucura. - Alicia comentou.

Ela encarou Matheus e viu que ele começava a entender as coisas, mas imaginava que as coisas deveriam ser mais difíceis para ele. Ele havia crescido ali com aquelas pessoas, o filho dele havia visto ele crescer. Aquilo não era algo que desse para assimilar de uma vez só.

— Então quer dizer que eu vou para o passado? - Matheus questionou.

— Sim. Você vai viver no meu tempo. E vocês viverão dias maravilhosos até a construção do salto no tempo, isso começará a destruir nossa família. - A velha começou a contar.

— Agora terei que deixar você ir de vez, pai. - Felipe riu ao olhar para Matheus.

Alicia viu aquela cena. Poderia ser uma cena feliz, afinal sua família estava reunida ali. E com certeza era algo mais feliz ainda para ela velha, pois ela mesmo disse que a família começava a se destruir quando fosse construído o dispositivo no tempo. Ela não queria aquilo.

— Quer dizer que a minha vida e a vida da minha família já está predestinada? - Ela olhou horrorizada para eles.

— Não é assim, minha querida. - A senhora tentou pegar as mãos dela.

Alicia se afastou.

— Não, não quero que minha família seja destruída por causa de um negócio que pelo visto só trouxe desgraça.

— Ele trouxe o seu filho e trouxe o amor da sua vida. - A velha argumentou.

— Fomos só uma peça em algo que vocês já sabiam que ia acontecer. Eu não quero isso. - Alicia disse por fim.

Ela estava assustada. Estava feliz em ver que o filho ficaria bem, mas ela não queria saber que sua vida toda já estava pautada e definida. Que ela não poderia fazer as coisas diferentes, pois elas já estavam definidas. Que não poderia educar o filho de uma forma diferente que jamais fizesse ele apontar uma arma para cabeça de alguém.

— Vocês sempre souberam onde me colocar. - Disse Matheus também assustado.

— Não é assim. Vocês podem viver as vidas de vocês normais, vivemos normais. - Apareceu um senhor.

Matheus o encarou e viu a pele negra enrugada em volta dos olhos cor de mel. Era ele.

— Mas já sabendo que tudo isso aqui acontecerá. - Alicia abriu os braços. - Eu não quero.

Todos encararam ela. O que ela queria dizer como aquilo? Se passava pela cabeça de todo mundo.

— Não vou viver com alguém que negou o próprio filho algumas horas atrás. - Ela olhou para Matheus, não sabia dizer se ele passará a amar o filho dele, mas ela não queria arriscar. - Eu vou educar essa criança de forma diferente.

Ela não se importava, sabia que possivelmente coisas desastrosas poderiam acontecer. Mas naquele momento ela só se importava com o bem estar do filho e dela mesma. Se pudesse mudar as coisas e modificar a linha do tempo, ela faria.

Ela se aproximou de Henrique.

— Bem que eu desconfiei que esses olhos eram familiar. São iguais aos meus. - Ela sorriu se aproximando de Henrique.

— Quem diria? Eu também desconfiei, mas achei que era loucura. Meu melhor amigo é meu avô. - Ele riu com afirmação.

Alicia riu de volta e o abraçou. Quando ela saiu do abraço já estava com o dispositivo na mão e o rodando. Ela olhou para Matheus quando viu a luz violeta a envolver, sentia pena. Mas sabia que não queria aquele futuro para ela ou o filho dela. Ela saltou.

Quando Alicia abriu os olhos estava em frente a sua casa. Ela respirou fundo e limpou as lágrimas que insistiam em cair. Entrou para dentro de casa e correu para o banheiro, para se trancar e tomar um banho. Com água escorrendo sobre seu corpo, sobre seu ventre, ela se perguntou o que seria se não tivesse aquela criança. Sabia que havia formas de abortar uma crianças nos primeiros meses que não envolvesse uma clínica. Ela chorou descontrolada no banheiro ao imaginar a ideia de ter seu filho morto sem nem poder escolher. Ela já havia se apegado aquela criança ao ponto de saber que não poderia matá-lo. Mas como faria para mudar o futuro? Ou será que nem era possível aquilo? Se questionou deixando as lágrimas rolarem.

— Alicia. - Uma voz masculina gritou pela casa.

Alicia se enrolou na toalha e saiu apressada do banheiro. Assim que abriu a porta deu de cara com Matheus enfurecido. Se perguntando como ele havia entrado ali.

— O que você pensa que está fazendo? - Ele questionou ela com raiva.

— O que você pensa que esta fazendo? Como entrou aqui? - Perguntou enfurecida.

— A porta estava aberta. Mas você precisa me explicar o que está fazendo Alicia. - Ele tentou se aproximar dela pegando em suas mãos, mas ela recuou.

— Eu irei criar essa criança longe de tudo isso. Ele não pode ter o futuro dele decidido já. - Ela levou a mão ao ventre como se quisesse passar a mensagem de que tudo ficaria bem ao filho.

— Isso é loucura. - Ele sussurrou. - Mas eu concordo com você.

Alicia o olhou confusa. Com certeza não esperava aquela resposta dele.

— Por que?

— Eu percebi que eles sempre me manipularam para fazer as coisas conforme o planejado.

— Mas Felipe não sabia de nada. - Alicia argumentou.

— Mas a gente sabia. E fomos enfáticos em ajudar, aconselhar. Aquela senhora me ajudou de várias formas ao longo da minha vida. Ajudou minha mãe. A gente provavelmente ajudou o Henrique entrar na Academia e me aconselhar a segui-lo. Eu sinto que tudo foi uma mentira, nunca fui eu que quis. - Matheus desabafou.

Alicia o encarou ali desabafando. Sentia pena. Imaginava como as coisas tinham sido difíceis para ele, mas do que para ela. Mas não conseguia mais confiar nele.

— Sinto muito por tudo, Matheus. Mas você ameaçou matar o nosso filho.

— Eu sei. E peço desculpas, mas era um outro cenário.

— E agora que as coisas estão favoráveis para o futuro acontecer conforme deveria, está tudo bem. - Ela riu com deboche.

— Foda-se o futuro, Alicia. Eu não ligo mais para nada disso. Eu só quero ficar com você e o nosso filho. - Ele se aproximou dela tentando tocar na barriga dela.

— Até ele nascer e você matá-lo? Sinto muito, Matheus, mas perdi a confiança em você. - Ela recuou.

— Eu entendo, mas espero que entenda que jamais faria nenhuma coisa contra vocês dois. Aquilo foi no calor da emoção, mas eu nunca teria coragem. - Sua voz estava embargada.

— Okay. Pode ir embora. - Ela pediu apontando para porta.

Matheus encarou aqueles olhos verdes, torcendo para que não fosse a última vez. Mas deu as costas saindo do quarto dela e da casa dela.

Alicia olhou para cima e respirou fundo segurando o choro. Não precisava chorar mais, precisava ser forte agora. Seu filho precisava que ela fosse uma mulher forte.