Setores de Sangue

Capítulo 7: Boas Mãos


Robert puxou a folha de papel dobrado de dentro do envelope e, rapidamente, revelou seu conteúdo.

A criança está em boas mãos.

Robert estremeceu.

— Boas mãos? — indagou, enfrentando uma mistura de ódio e medo. Sabia exatamente o que criança significava. — A criança está em boas mãos?! — Ele aumentou o tom de voz, amassando a carta.

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Wilbur alterou o foco de sua atenção para o chão encarpetado.

O ódio prevalecera entre os sentimentos de Robert, e uma sensação estranha percorreu seu corpo. A carta havia sido a resposta indesejada para as perguntas que fazia a si mesmo desde que retornaram do encontro com Zack.

— Wilbur... — começou ele, respirando fundo para prosseguir de maneira calma e afastar aquela sensação dolorosa. Parecia que suas vísceras comprimiam-se à força dentro de seu corpo. — Temos que ir embora daqui. Agora. — Disse, em meio à respiração ofegante, apoiando o cotovelo direto na parede ao lado e pressionando o punho esquerdo em sua barriga.

Aquilo não era comum. Com sorte, teria contraído alguma bacteriose em seu caminho por Mustard que possuísse aquela sensação como sintoma. Porém, não havia tempo para ir a um hospital, o que significava que Wilbur não poderia saber de nada, ou insistiria em uma consulta médica. O melhor a se fazer, naquele momento, era fingir bem-estar e manter a determinação.

Robert precisou de algum tempo para que a dor em seu interior aliviasse e permitisse que seus músculos se movessem novamente. Tinha que agir o mais rápido possível, antes que outra pontada o pegasse de surpresa. Ele pegou a folha amassada com o endereço de Eva que havia deixado sobre a cama e enfiou no bolso. Aquele era seu trunfo, a base de todo o plano. Então caminhou em direção a mesa de madeira no canto do quarto e retirou uma camiseta preta de dentro de sua mochila.

— Por que outra camisa? — Wilbur levantou a cabeça apenas o suficiente para que pudesse acompanhar o movimento de Robert.

— Preciso de uma camisa limpa. Porque pelo que me parece — Robert trocava de camisa enquanto falava. Sua voz soava ainda um pouco esganiçada, mas nada capaz de levantar perguntas sobre o assunto. — Vamos nos meter em uma grande encrenca. — Ele utilizou o nariz para expirar e forjar um riso.

— Ótimo. — Wilbur sussurrou para si mesmo, sarcasticamente.

Após vestir a camiseta, Robert não pôde deixar de analisar a pequena mochila alaranjada sobre a mesa, intocada, como uma relíquia. O cheiro de Mayla ainda encontrava-se impregnado nela, lembrando-no do sorriso singelo que a garota herdara da mãe.

— Nós temos um plano? — perguntou Wilbur.

Robert se forçou a desviar o olhar da mochila alaranjada e desprender-se do pensamento anterior.

— Não. — Respondeu ele, lembrando de algo importante. — Droga! — exclamou. Estava começando a soar mais natural. — Wilbur, você tem uma arma?

Wilbur balançou a cabeça negativamente.

— Precisávamos da arma com que o Zack atirou em mim. Aquilo que fincou na minha perna hoje cedo com certeza foi a bala de um revólver paralisador. — Explicou ele, remexendo sua mochila a procura de alguma coisa que pudesse usar como arma. — Ele seria bem útil na nossa situação.

— E... qual é a nossa situação? — Wilbur franziu a testa.

— Achei. — Robert puxou um canivete da mochila e o escondeu no espaço entre sua pele e a roupa íntima. Ele se virou para Wilbur. — Vamos fazer o que for preciso para sobreviver.

Robert ergueu a mochila alaranjada com um dos braços e a levou nas costas até a porta do quarto enquanto segurava firmemente sua alça de pano.

— Se não quiser vir comigo... Tudo bem. — avisou Robert, ao perceber que Wilbur não o acompanhava. — Mas vou acabar com você se contar a alguém para onde estou indo.

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Wilbur encontrava-se de costas para Robert, examinando os principais detalhes de sua situação e as consequências que seus atos gerariam. Não havia volta.

— Não vão deixar você sair do hotel sem a minha companhia. — informou.

Robert permaneceu parado, aguardando por alguma decisão.

— Eu vou com você — disse Wilbur, movimentando-se rapidamente.

》》》

Eva enfiou a chave na fechadura de seu apartamento e a girou para o lado, destrancando a porta de madeira, esta, sobrevivente de gerações inteiras.

— Eva? — perguntou um homem do interior do cômodo.

— Oi papai. — Respondeu ela, entrando no aposento iluminado pela fraca luz do sol que anunciava o fim da tarde, e fechando a porta atrás de si.

— Que prazer ter você cedo em casa — disse o homem, inclinando-se para o lado no sofá pálido do centro da sala, de frente para a televisão que exibia o jornal da tarde.

— Não haviam muitos no encontro de hoje — explicou ela, acomodando-se ao lado de seu pai.

— Martin estava? — indagou ele, passando seu braço gordo por trás do pescoço de Eva.

Eva riu.

— Estava — ela pousou a cabeça no ombro do pai. — Você parece gostar mesmo dele.

— Como posso não gostar de alguém tão experiente? — brincou ele.

Eva sorriu. Para ela, era satisfatório encontrar o pai saudável e alegre, ainda mais depois do período em que ele passou lutando contra a diabete. A doença não havia ido embora, mas o velho Smith agia como se houvesse, buscando dar a si próprio mais alguns anos felizes de vida.

— Eu te amo. — Disse ela, afundando seu rosto na massa calorosa de Smith, que a retribuiu com um beijo na cabeça.

》》》

As portas espelhadas do elevador se abriram, permitindo que Mero saísse no terceiro andar de um dos apartamentos mais luxuosos do Primeiro Setor. Ele virou à esquerda e caminhou até o fim do corredor, onde pressionou o botão da campainha.

Após aguardar alguns segundos, alguém finalmente veio atender a porta.

— O que faz aqui? — perguntou Eva, do interior do apartamento, adquirindo uma expressão séria ao enxergar quem a aguardava do lado de fora.

— Quero conversar com você — respondeu Mero.

— Hora errada. — Disse Eva, empurrando a porta para fechá-la, mas interceptada pelo pé de Mero.

— O traidor. Eu sei quem é. — Mero sorriu sadicamente, como se estivesse oferecendo uma informação que nem mesmo Eva se recusaria a receber.

Eva o encarou por alguns instantes, estudando sua expressão, e concluiu:

— Está mentindo. — E empurrou a porta com mais força, esperando que a dor que causaria assim que pressionasse o pé de Mero contra a haste o obrigasse a recuar.

— É o Cour. — Revelou ele, rapidamente.

Eva desistiu do movimento, mas não abriu a porta. O que indicava que estava interessada, mas não confiante.

— E eu tenho provas.

》》》

Wilbur e Robert atravessaram o hall, lentamente, até a recepção, onde registrariam o horário de saída, para não levantar muitas suspeitas do que estavam prestes a fazer.

A recepcionista que os atendeu era a mesma que os atendera anteriormente para registrar o horário de chegada, o que não poderia, de maneira alguma, ser um golpe de sorte.

— Sinto muito, mas vocês não podem sair do hotel durante, pelo menos, uma hora desde o horário de chegada — informou ela.

Para Wilbur, não havia qualquer problema com aquela notícia, o horário em que partiriam não fazia a menor diferença para ele. Mas fazia para Robert, que decidira, naquele exato, o que precisava fazer. Desviou, então, o olhar da recepcionista e analisou a posição dos guardas no saguão do hotel. Era muito bom em estratégias. Melhor ainda com uma arma na mão.

— Wilbur — chamou ele, tornando o rosto para Wilbur. — Vamos... voltar para o quarto. — Wilbur o fitou por alguns segundos, sem esboçar qualquer reação, até encontrar a resposta em seu olhar. Era tudo parte do plano.

— Tudo bem — respondeu Wilbur. Não estava disposto a contestar Robert e seus métodos após a revelação instigante recebida pela carta. Estava, inclusive, surpreso que a reação de Robert tivesse durado apenas alguns segundos. Ele dirigiu-se novamente para a recepcionista. — Nos desculpe pelo incômodo. Estamos indo.

Os dois afastaram-se da recepção, a passos curtos, e seguiram o caminho de volta na direção do elevador, onde um dos quatro guardas armados que vigiavam o hall, anunciava sua posição.

— Quando começar... se esconda. — Avisou Robert, enquanto caminhavam, como se estivesse falando sobre algo banal, como o tempo.

Wilbur engoliu em seco, mas acenou com a cabeça.