Sete Vidas

sete vidas epílogo vida 2 capítulo 6


Jessica costumava acordar cedo e sair para comprar pão. Sempre gostara de pão recém saído do forno com a casca ainda crocante. Pretendia comprar também geléia de ameixa.

– Uma delícia o pão daqui, não acha?

Jessica se espantou. Não costumava conversar com estranhos. Não PODIA conversar com estranhos. Mas o estranho deu um sorriso tão sincero que ela não conseguiu evitar de sorrir também.

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– É. É muito bom mesmo.

– Vai ficar braba se eu disser que achei você muito bonita?

Ele disse isso e abriu um grande sorriso. Jessica não podia fingir que não percebera que o homem estava lhe passando uma cantada. Baixou os olhos, deu um meio sorriso e se afastou. Não podia dar corda para que o homem fosse em frente. Era comprometida. Não parecia, já que estava sempre sozinha, mas era. Não era culpa dele. Ele tinha deveres, outras responsabilidades, mas ia voltar logo. E, mesmo que demorasse, ela prometera esperá-lo.

O homem a acompanhou à distância, tentando fazer parecer que era coincidência estar seguindo na mesma direção que ela. Ela percebeu a presença do homem e apressou o passo. Quando chegou em casa tinha a respiração ofegante. Ela trancou a porta, apertou a arma contra o peito e olhou com cuidado pela janela. Ele não parecia um assassino, mas ela já descobrira da pior maneira que assassinos não tem cara.

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A promotora Jessica Moore ficara responsável por um caso de assassinato que parecia rotineiro, mas que acabou se revelando o fio do novelo que poderia levar para atrás das grades um dos homens mais poderosos do país. E um dos mais perigosos. Nicholas Morningstar.

Nicholas Morningstar era o CEO de uma multinacional da área de energia e tudo indicava que estava construindo uma rede de corrupção que, através de suas ramificações políticas, já se estendia aos conselhos de administração e aos níveis executivos de muitas seções estaduais de importantes órgãos governamentais federais. Os interesses em jogo envolviam contratos de muitos bilhões de dólares e subsídios de mais alguns outros bilhões.

Jessica escapou por pouco do primeiro atentado, quando seu carro perdeu subitamente os freios numa perigosa estrada litorânea. O guard-rail segurou o carro apenas pelo tempo estritamente necessário. Foi ela sair e o carro mergulhar no abismo.

O segundo, menos sutil, fez com que perdesse todos os seus bens numa explosão de gás. Quem planejou o atentado não sabia que ela antecipara em um dia a vinda da diarista naquela semana. A pobre mulher morrera no hospital, com graves queimaduras no corpo. O incêndio que se seguiu à explosão destruiu completamente a casa que comprara a menos de um ano e ainda nem acabara de decorar.

Depois disso, o tribunal disponibilizou um guarda-costas em tempo integral. A perícia e o sangue-frio do guarda-costas a salvaram. Ela própria ficara paralisada pelo pânico. O guarda-costas a tirara do carro no último segundo e disparara diversos tiros contra o carro que fizera os disparos. Ao final, o carro oficial onde estavam apresentava quase uma centena de perfurações.

A ação corruptora de Nicholas Morningstar não passara despercebida do FBI e ele era o principal suspeito de ser o mandante dos atentados contra Jessica Moore. Mas faltavam provas. Nem mesmo os executantes dos atentados tinham sido presos. Havia muitos inquéritos contra a Morningstar Inc. e seus principais executivos, a maioria pelo uso de informações privilegiadas e fraude em licitações, mas estavam parados ou quase. Parecia que mesmo no FBI seu nível de influência era crescente em diversos setores chave.

Nicholas - ou Nick - Morningstar era chamado pelos seus detratores de Lúcifer, pela dupla referência em seu nome de batismo ao anjo caído. Nick remetia a Old Nick e Morningstar a Estrela da Manhã, as formas popular e erudita de alguém referir-se ao Diabo cristão. Mas também pelo seu temperamento irascível. Todos que o conheciam diziam que ele era o diabo em pessoa. O inimigo que ninguém gostaria de ter.

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Jessica já estaria morta se não fosse o empenho pessoal de um agente de campo do FBI. O homem que fora designado para investigar os dois primeiros atentados contra ela. A ação dele fora decisiva para que Jessica escapasse com vida do terceiro atentado. Na época, ela o conhecia apenas com agente Ross. Ele recebera o respaldo da banda saudável do órgão, se cercara de colegas de confiança e o grupo montara a farsa que fizera o mundo acreditar que ela fora assassinada por um psicopata em pleno tribunal do júri. Até sua própria família acreditava que ela estava enterrada em Los Angeles, no católico Holy Cross Cemetery.

Jessica investira muito em sua carreira. Sacrificara sua vida pessoal para se graduar como a primeira de sua turma em Stanford e, depois, para se tornar a mais jovem promotora pública do condado de Los Angeles. Ganhara casos difíceis que tiveram repercussão nacional. Todos ressaltavam sua seriedade e competência. A parada forçada a desestruturou psicologicamente. Ela entrou em depressão. E novamente foi amparada pelo agente Ross. Ele se dedicou muito mais que o esperado de uma relação puramente profissional. Ela estava fragilizada e ele lhe deu a força que ela precisava para superar a depressão. Jessica acabou se apaixonando por Jensen Ross.

Ou assim ela acreditou.

Jensen não era de sorrir. Mas ela ia mudar aquilo. Ia fazer Jensen Ross sorrir mais vezes. Eles ainda iam ser muito felizes. Jessica sorriu com carinho ao pensar em Jensen. Sentiu-se péssima, como se estivesse traindo Jensen, quando o rosto do estranho que acabara que conhecer invadiu, sem permissão, os seus pensamentos.

Maldição. Porque não conseguia apagar da memória o sorriso daquele desconhecido?

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Sam estava feliz. Finalmente encontrara Jessica. Não ia desistir dela. Não depois de ter se arriscado tanto por ela, quando ainda nem a conhecia. Agora que a conhecera e confirmara o quanto era adorável pessoalmente, não se deteria enquanto não a conquistasse. Enquanto ela não fosse sua.

Estava feliz também por suas novas parcerias: Ed Zeddmore e Ash. Duas aquisições extremamente importantes na sua cruzada.

Ligara para Ash naquela mesma noite, logo depois de falar com Ed. Sabia que precisava seguir imediatamente para Utah se quisesse salvar a vida do agente Ross. Mas também não podia simplesmente não aparecer no dia seguinte no curso. Não podia deixar que Ash pensasse que ele fugira. E não era só isso. Ed não tinha o código do rastreador GPS. O aparelho era do FBI e, se contassem com a ajuda de Ash, ganhariam um tempo precioso.

No final das contas, a operação para salvar o agente Ross fora fundamental para que Sam conquistasse a confiança de Ash. E para que Jensen Ross saísse com vida da encrenca em que se metera.

Graças a Ash, Sam confirmara o que suspeitara desde o início. A morte de Jessica fora uma farsa montada pelo FBI. Sabia agora que o FBI buscava proteger Jessica de um executivo corrupto. Jessica Moore estava em Dallas, sob o nome falso de Adrianne Palicki. Essa informação não constava nem mesmo dos arquivos do FBI. Alguém tinha feito um serviço muito bom para apagar os rastros. Ash levara dois dias inteiros para descobrir o nome e o endereço. O endereço da casa em frente à qual ele se encontrava.

E, finalmente, Sam estava feliz por ter salvo a vida de Jensen Ross. A forma como tudo acontecera. Chegara no momento exato. Como se orquestrado por algum poder superior. Não sabia por que Jensen ainda não o tinha denunciado, mas presumia que desconfiasse que o homem que se passara por ele em Los Angeles e o homem que o salvara em Utah fossem a mesma pessoa. Muita gente o vira no hospital de Cedar City e devia existir um retrato falado seu. Talvez Jensen estivesse apenas reunindo provas antes de formalizar uma denúncia, mas Sam podia apostar que ele era o tipo de homem que seguia um código de honra e que era por isso que não o denunciara. Ele se sentia em débito e estava buscando uma forma de pagar esta dívida.

Sozinho, talvez jamais percebesse, mas Ed tinha razão: Jensen era realmente parecido com Diana, principalmente os olhos. Mas, no que dependesse dele, Jensen Ross era passado. O mais provável era que nunca mais se vissem.

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Jensen estava contente por finalmente tirar uns dias de folga. Saíra do hospital há quase uma semana, mas não pode escapar da burocracia do inquérito policial. Atuara como investigador e quase se tornara uma das vítimas. Sem contar que tudo terminara com um homem morto a bala. Havia relatórios a apresentar e depoimentos a serem dados.

Os exames balísticos indicaram que o tiro fatal partira de um antiquado rifle Winchester. Isso ele SABIA. Ele tinha visto o rifle Winchester nas mãos do seu salvador. Existia agora uma prova científica de que vivera uma experiência que não se enquadrava na categoria de sonho.

Isso sem falar que agora via o anjo em todos os lugares. O anjo adquirira o embaraçoso hábito de aparecer quando menos esperava e, principalmente, onde nunca deveria aparecer. Detestava quando ele aparecia quando estava no banho, escovando os dentes, abrindo a geladeira para beber água no meio da madrugada. Ou agora, quando estava enfiando a chave na fechadura da porta de sua casa, em Dallas. Quando tudo que queria era ser recebido por Jessica com um beijo apaixonado. Quando estava pensando apenas em dormirem abraçados depois de fazerem amor.

– Calma. Muita calma neste momento.

Que diabo de aviso era aquele? Aparecia, dizia uma frase enigmática e simplesmente desaparecia? Era assim?

Jensen ainda não tinha fechado a porta quando escuta o que pareceu ser uma voz masculina vinda do andar de cima. Um riso de homem .. do quarto de Jessica? A televisão? Não. A quem está tentando enganar? Claro que não é a televisão. À medida que sobe silenciosamente os degraus, fica mais e mais claro que, se fosse a televisão, estava sintonizada num momento quente de um filme para adultos.

Risos, gemidos, respirações ofegantes. Jessica, a sua Jessica estava com um homem na cama? Na SUA cama? Jensen sente a vista escurecer e o peito doer. Estava armado e ia precisar de um controle que não sabia se tinha para não matar a mulher que o fizera de palhaço e o amante dela.

Um chute e a porta se abre com estrondo. Jensen entra com a arma empunhada. Sente a vista queimar pelas lágrimas ainda não derramadas. O homem que estava por cima dela, nu e suado, se vira e se coloca na frente dela, como que para protegê-la. Um último gesto cavalheiresco. Pelo menos não estava agindo como um maldito covarde. E ele detestaria matar alguém que rastejasse implorando pela própria vida.

Jessica ficara paralisada de medo ao escutar a porta sendo arrombada. A primeira coisa que passou por sua cabeça foi que tinha sido descoberta pelo homem que queria vê-la morta. Ao ver que era Jensen ali com uma arma apontada para ela, ela se deu conta da ironia da situação. O homem que um dia a salvara estava prestes a matá-la. E ela não podia culpá-lo por isso. Nunca se sentira tão suja, tão indigna. Naquele momento desejou morrer. Desejou que quem estivesse ali fosse realmente um assassino de aluguel.

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Jensen desviou o olhar do homem nu para a mulher atrás dele. Ela não o estava encarando. Começara a chorar, envergonhada da própria atitude, e se apressara em cobrir-se com um lençol. Jensen teve vontade de correr até ela e dizer que tudo ia acabar bem, como fizera no passado. Mas sabia que estaria mentindo. As coisas nunca voltariam a estar bem entre eles.

Já o homem não fizera nenhum gesto para esconder a própria nudez. Tampouco parecia assustado. Apenas afastara com a mão o cabelo suado que lhe cobria parcialmente o rosto. Só então Jensen reconhece o homem. O homem que o salvara na semana anterior invadira sua casa e o apunhalara no coração. Salvara seu corpo para destruir sua alma.

O espanto da revelação fez com que Jensen baixasse inconscientemente a arma. Ele estava atônito. Sua hesitação foi de segundos, mas foi tempo suficiente para dar chance para que o homem saltasse em sua direção e o lançasse para fora do quarto.

Jensen foi jogado com violência contra o parapeito da escada e a dor do baque de seu braço contra o metal do parapeito fez com que soltasse a arma, que desceu escada abaixo.

Jensen luta para se livrar do gigante nu que tenta mantê-lo imobilizado contra o chão do corredor. Queria matar o desgraçado. Então, o ruído de diversos carros convergindo para o local. Freadas bruscas. A porta da frente indo ao chão com um estrondo. Homens armados invadindo o andar térreo da casa. Rajadas de metralhadora sendo disparadas de fora contra a fachada da casa e de dentro na direção dos dois homens que há menos de um minuto parecia que iam se matar.

Os dois homens se encaram de olhos arregalados. Sam levanta e puxa Jensen pela mão tirando-o da linha de fogo. Uma bala acerta Jensen no ombro. Eles recuam para o final do corredor quando vêem que quatro homens fortemente armados começam a subir a escada na direção deles. Estavam desarmados. Sam estava completamente nu. Estavam perdidos.

Jensen fica novamente atônito quando o homem se coloca na frente dele como que para protegê-lo com o próprio corpo nu. Que diabos! O que aquele homem pretende afinal? Enlouquecê-lo?

Dois homens continuam avançando na direção deles e dois entram no quarto onde estava Jessica. Os tiros começam quase simultaneamente. Mas para espanto de Jensen, o homem não cai mesmo tendo recebido dezenas de disparos. O homem avança na direção dos invasores e os segura pela cabeça com as mãos abertas. O que se segue é algo inacreditável. Os homens se incendeiam de dentro para fora. Jensen segue o homem até o quarto. Lá vê quando os homens que mataram Jessica têm o mesmo destino daqueles que tentaram matá-lo no corredor.

Jensen olha para o homem nu sem acreditar no que está vendo. O homem está retirando com os dedos as balas que entraram no seu corpo. Os pontos onde as balas penetraram na pele vazam, não sangue, mas luz. Ao tirar uma bala, o ferimento cicatriza e a pele volta a se mostrar íntegra.

– Sou apenas eu, Jensen. Castiel.

– A Jess ..

Uma explosão abafada, um silvo agudo e Jensen se materializa do lado de fora da casa. Os atacantes que cercavam a casa por fora estão disparando com uma bazuca na direção do quarto de Jessica. Uma explosão destrói o quarto onde se encontravam segundos antes. A carga emocional da traição e da morte de Jessica combinada à perda de sangue são demasiadas para Jensen. Ele cai desacordado em meio ao tiroteio a seu redor.

Quando Jensen abre os olhos, a primeira coisa que vê é o rosto do homem de olhos verde-acastanhados o olhando com um olhar preocupado. No instante seguinte, ele tem as mãos em torno do pescoço do homem. Ia estrangular o desgraçado que lhe roubara Jessica. O homem aperta seu ombro baleado e a dor o força a afrouxar o aperto em torno do pescoço do outro.

– Jensen, me escuta. Eu juro que não sabia que era a sua casa. Eu não sabia que você e a Jessica estavam juntos. Vem comigo, vou levar você a um hospital. Você está perdendo muito sangue. A bala deve ter atingido uma artéria. Precisamos retirar essa bala do seu ombro.

– Cara, o que você quer comigo?

– Neste momento, levar você a um hospital. Depois, se você quiser, pode me dar um murro. Ou dois. No final, quem sabe, podemos ir juntos a um bar, encher a cara e chorar a morte da Jessica.

Quando Jensen Ross finalmente estende a mão na direção de Samuel Winchester, uma onda de mudança avança pelo espaço-tempo alterando o futuro daquela realidade. Um futuro em que Jensen Ross faz o que Samuel Winchester jamais seria capaz de fazer: matar o garoto-demônio Benjamin Braeden antes que ele dissesse SIM para Lúcifer.