Sereias apocalípticas

Lobo Solitário.


Nunca havia me sentido tão desanimada desde a morte de Cian.

Nossas tentativas de criar a cura, ou ao menos procurar ingredientes, apenas falhavam, nos fazendo viver um inferno emocional e psicológico... eterno.

Estávamos todos molhados no chão do laboratório, encolhidos e com frio, esperando alguém oferecer palavras de consolo sobre não desistir da vida e seguir em frente. Surpreendentemente, esse alguém fui eu.

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—- Olha gente, eu não pretendo desistir assim.

Charles, que abraçava a irmã, virou a cabeça pra me olhar. Parecia que não teria apoio nem mesmo dele nesse discurso.

—- Não foi você quem quase se jogou de um prédio? – Jason indagou, me atingindo em um ponto fraco.

—- Não foi você quem sequestra gente pra se sentir menos inútil? – Eu rebati, com voz sarcástica. Ele suspirou.

—- Não quero discutir.

Todos suspiraram.

—- Vocês já passaram tanta coisa! Vão desistir só por que o laboratório foi saqueado antes de nós? Qual é! Levantem. Vamos embora.

Todos olharam de cara feia para mim, me dando vontade de chorar. Mesmo assim, ignorei os sentimentos. Esperei alguém falar algo, e Charles foi o primeiro.

—- SEUS PAIS ESTÃO VIVOS! VOCÊ ANDA NO MEIO DE UM APOCALIPSE COM UM CACHORRO, E SÓ TEVE QUE SUPERAR A MORTE DE UM AMIGO E DO IRMÃO.TEM IDEIA DO QUE A MAIORIA DE NÓS, PASSOU? Não tente fingir que entende, porque você não entende. – A voz dele foi abaixando, e no final, se transformou em lágrimas.

Aquilo havia sido a gota d’água. Charles, que era sempre gentil podia até ter dias ruins, mas diminuir a dor alheia para parecer o coitado da história... Não.

Me levantei rapidamente, sentindo o vento gelado junto ao granizo que começara a cair. Se eu não saísse rápido, ia chorar na frente de todos eles. Chequei Cookie dentro da minha mochila, e saí correndo. Corri para fora, e me equipei com minha arma. Felizmente, nenhum zumbi me atacou, ou chegou perto.

Finalmente, sentindo o vento, me lembrando do gosto da liberdade, corri dali. Molhada, abalada e triste, em uma tentativa de fugir da realidade.

—__ //___

Sem rumo, acabei chegando a uma rua estranhamente quieta e triste. Casas pequenas e velhas, caindo aos pedaços preenchiam o local. Não ouvi tiros, nem sons de zumbis, mas apenas minha respiração ofegante. A chuva cessava, mas o céu ainda escurecia. Sem pensar mais nada, arrombei a porta de uma casa menos pior com um chute.

Fechei toda passagem que me conectava a realidade, e caí no chão.

Cookie saiu da mochila. Ele se deitou em meu colo, e eu tentei engolir o bolo doloroso que se formou em minha garganta.

Quando parei de resistir, e finalmente chorei, a chuva voltou mais intensa, com trovoadas e raios.

Eu sentia medo, mas a tristeza era maior. Não raciocinei, apenas chorei.

—__ //___

Quando desabafei tudo, meus olhos ardiam e eu sentia dor de cabeça. Estava noite, e não havia sinal de zumbis ali. Eu sentia fome, mas estava perdida e longe da família...

Família?

Não sabia se ainda me queriam ali.

Era melhor eu começar a me virar sozinha.

Abri minha mochila e procurei por algo comestível e água. Com sorte, achei duas garrafas, e uma delas, dividi com Cookie. Estávamos calmos e serenos, bebendo água e comendo nachos de queijo, até que Cookie se levantou de seu repouso e ficou em alerta. Quando ele latiu, era tarde demais para eu pegar a arma. Um zumbi havia entrado, e ele tinha uma faca.

Eu me levantei rapidamente e levei Cookie para longe. Peguei um cabo de vassoura que achei jogado, e me defendi como pude dos golpes do zumbi. Me atrevi a ataca-lo, e deu certo. Ele pareceu meio desorientado quando bati em sua cabeça. Caiu para trás, e eu tentei alcançar minha arma, jogada no chão. Ele se levantou, a chutou para longe e jogou seu peso contra mim, derrubando a ambos. Ele estava por cima, tentando morder meu rosto, enquanto eu o afastava pelos ombros desesperadamente, ignorando o cheiro de podridão. Ele ergueu o braço e pretendeu cravar a faca em minha testa, mas consegui desviar. Pegando a faca presa no chão de madeira, enfiei em sua barriga, e ele desacordou em cima de mim. O joguei para o lado e ofeguei. Tremia demais.

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Busquei a arma rapidamente, enfiei todas as minhas coisas dentro da mochila (inclusive Cookie), e ia sair de lá. Mas me surgiu a ideia de roubar a faca do zumbi. Era bem afiada e eficaz.

Eu o virei de barriga para cima com o pé, e puxei a faca. A limpei nos trapos que ele usava, e segui meu caminho.

Os próximos zumbis que matei foram apenas presas fáceis para minha nova arma. Eu enfiava neles e retirava. Com cerca de cinco golpes, eles caiam mortos. Quando ataquei o sétimo zumbi, vi algo reluzente no cabo castanho da faca. Era uma escrita cursiva e dourada. Liguei a lanterna nele, para tentar ler.

Dizia “Brendon Aurikch”. Devia ser o nome do zumbi. Por algum motivo, comecei a sentir pena dele.

Seguindo em frente, percebi que não tinha objetivo. Eu só andava, descontando a raiva em monstros, revirando as palavras de Charles em minha mente, tentando analisar a situação, sendo leiga. Quando me dei conta, havia uma pilha de corpos em minha volta, e o sol nascia. Eu morria de cansaço, então, procurei algum prédio alto para dormir.

Acabei achando um de sete andares. Subi as escadas até seu topo, me tranquei em um quarto intacto e consegui relaxar por um momento. Parece que zumbis não tinham tanta disposição assim. Sorri ao pensar que talvez o facão de Aurikch tenha me mudado de covarde a corajosa assassina.

Analisando o quarto, vi uma porta para o banheiro, e uma de vidro, que levava até uma sacada pequena. Soltei Cookie quando minha inspeção do quarto se terminou. Me sentei na sacada, e, observando o cenário devastado, acabei adormecendo ali.

—__ //___

Acordei com cabelos cacheados perto do meu rosto. Não consegui me impedir de gritar e buscar pela faca.

—- Calma, Amanda, somos nós. – Uma voz familiar disse. Abri melhor os olhos e vi Rebecca, acompanhada de Layx e Anna.

Me aliviei...

Mas então lembrei que estava extremamente brava com elas.

—- Como me acharam? – Eu perguntei, me levantando rapidamente, fazendo minha visão escurecer e eu cambalear.

—- Te vimos da sacada. – Anna disse, segurando meu braço, me ajudando a me equilibrar.

—- Merda. – Murmurei.

—- Não viemos te julgar. – Layx disse. – Eles foram realmente muito grossos. Mas nos preocupamos. Você saiu correndo na chuva, e está molhada até agora.

—- Eu nunca fico doente. – Eu disse.

—- Amanda, vamos voltar. Charles se arrepende... Jason não, mas ninguém liga pra ele... – Rebecca disse.

—- Eu não sei se quero. – Falei.

—- Não tome decisões quando irritada. Não é bom. Pense que é bom para você e para nós, vivermos juntos. – Anna argumentou.

—- Eu não estou irritada, e eu consegui me virar bem. – Eu desviei o olhar.

—- Vimos o estrago que fez... Mas você também está machucada. – Layx me guiou até o espelho do quarto.

Vi uma aparência cansada e depressiva. Os cabelos loiro-escuros lisos caíam bagunçados pelos ombros, e eu estava cheia de cortes e sangue. Meu rosto estava cheio de terra e poeira, e minhas roupas eram praticamente vermelhas agora.

—- O sangue não é meu... Pelo menos a maioria. – Suspirei. – Não é por vocês... É por mim. Eu sinto raiva de mim mesma por me sentir triste, sendo que sou a menos pior daqui.

—- Isso não é uma competição. Sabemos que perdeu o irmão, e que só via os pais duas vezes por ano. Cian era um substituto de Samuel, e o perdeu também. Não menosprezamos sua dor. Todas tivemos perdas horríveis, mas devemos esquecer. – Rebecca falou.

Eu assenti. Concordei em voltar com elas, mesmo que nunca tivesse que olhar o rosto de Charles novamente.

Peguei minhas coisas, entrei no carro de Layx, e voltei para minha família.

—__ //___

Ao voltar ao apartamento em que nos alojávamos, a primeira a nos receber foi Ivy, seguida de Woody e Misha.

—- Você tá viva! – Ivy falou, me tomando nos braços. – Me preocupei. – Ela olhou para Charles, que observava atrás de todos. – Nós nos preocupamos.

—- Desculpe, eu precisava pensar um pouco sozinha. – Justifiquei a fuga.

—- Eu entendo. – Ela me puxou para dentro, esperou Layx, Rebecca e Anna entrarem e fechou a porta. – Depois que saiu, esses trouxões continuaram na chuva, e eu resolvi sair de lá. Ia te procurar, mas elas acharam melhor não. Provavelmente eu ia piorar a situação.

Sorri para ela.

—- Acho que não ia piorar.

—- Ei! – Layx falou. – Está menosprezando nosso amor?

—- Nunca. – Eu ri.

Ivy me soltou.

—- Então vai falar com Charles. – Rebecca sussurrou.

—- Não tenho nada para falar com ele. Discussões acontecem. – Eu falei, em tom glacial.

—- Ah, cara. – Ivy deu uma cotovelada no irmão. – Eu tenho pena de você. – Ela riu.

Após mais algumas atualizações ditas por Ivy, Duck acabou interrompendo a todos, levantando de um colchão onde sentava com Rebecca.

—- Gente? Rebecca e deu decidimos que é melhor procurarmos mais comida e munição. O que achamos não basta. Estava olhando o mapa, e vi que a cidade vizinha era comercial. Podíamos dar uma olhada. Tipo, agora.

—- E quem são vocês pra decidir alguma coisa? – Jason falou.

—- Cara, aquieta o cu. – Ivy retrucou. – Eles sabem o que é melhor.

—- E sabe o que é melhor pra mim, bonitinha? – Ele cerrou os olhos e sorriu.

Ivy revirou os olhos.

—- Ok, eu concordo com o Duck... E com a Ivy. – Eu disse.

—- Então, o resto concorda? – Rebecca perguntou, e todos assentiram. – Arrumem suas coisas.

—__ //___

Ao chegar na cidade vizinha, designados que Rebecca e eu procuraríamos munição, enquanto outro grupo procurava alimento, e outro, um local para ficarmos.

Andávamos tranquila e animadamente, por mais uma rua destruída. Era um cenário bem devastador; pichações em muros, com acusações contra o governo, baratas correndo, e urubus cercando a carne morta do local.

—- Sempre achei que baratas podiam voar... – Rebecca disse a frase, observando os insetos correrem apressados.

—- Eu... Não quero pensar sobre isso. – Um arrepio subiu pela minha espinha. Eu podia enfrentar um exército todo de zumbis, mas não uma barata voadora.

—- É, acho que me acostumei com elas.

—- Com baratas? Nunca irei.

Neste momento, uma barata ousada alçou voo em minha direção, me fazendo dar um salto horrendo, com um grito agonizante.

—- Tira ela de mim. – Eu disse pausadamente, tentando achar a calma, enquanto o inseto subia pela minha blusa.

—- Mas ela é horrível! – Rebecca justificou, quase gritando.

—- Eu sei, por isso é pra tirar!

—- Mas... Tá bom, mas só porque eu sou sua amiga. – Ela aproximou a mão da minha blusa, afastou um pouco seu corpo, e deu um peteleco na barata, que saiu correndo.

—- Obrigada – Eu cantarolei, mas ela levou seu dedo indicador até os lábios, e sussurrou um “Shh”.

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Ouvi barulhos de tiro, e me assustei mais ainda. Era provável que alguém do nosso grupo tivesse encontrado um zumbi, e atirado, mas me pareceu perto demais.

Olhei ao redor. Não havia nada. Voltei a olhar para Rebecca, que parecia assustada e confusa.

—- Vamos checar. – Ela sussurrou.

—- Parece ter vindo dali. – Apontei para o beco escuro á minha esquerda. Não dava pra ver nada ali, porque tinha uma espécie de telhado improvisado, impedindo a luz de fim de tarde passar.

Ela assentiu, e seguimos até lá.

Aparentemente não havia nada de mais ali. O som devia ter vindo de além daquele beco.

Ouvi barulhos de latas caindo, e me virei para olhar, mas quando senti dois braços me agarrarem e me puxarem, não dava mais tempo de correr.

—- Amanda! – Gritou Rebecca.

Os braços cuidavam com facilidade dos meus movimentos de animal selvagem encurralado. Tentei dar cotoveladas, chutes e me debater, mas não conseguia. A pessoa me segurava pela cintura, me erguendo do chão. Não conseguia ver as mãos, nem os braços, visto que usava um moletom branco.

Rebecca apontava calmamente a arma para a coisa que havia me pegado. Me acalmei também. Se ela atirasse, não gostaria de estar no caminho.

—- Quem é você? – Ela disse, de forma ameaçadora.

—- Eu é quem pergunto. Como me acharam? – A voz masculina e grave respondeu.

—- Eu não tinha a mínima intenção de achar ratos sujos de beco como você. – Rebecca disse, cerrando os dentes.

Tentei pegar a faca, recolocada dentro da blusa, mas ele me impediu, apertando mais.

—- DE NOVO?! – Gritei indignada com vida, cansada de ser feita de refém.

—- Calada! – O homem gritou para mim.

—- Calado você, seu idiota! Você não ouviu? Nós não estamos nem aí pra você, e não queríamos te achar nem se fosse a última pessoa no mundo.

Senti uma lâmina gelada passar perto do meu pescoço.

Ótimo! Mais uma ameaça de morte.

—- Solta ela agora! – Rebecca ameaçou, escorregando o dedo para perto do gatilho.

—- Me responda antes! – O homem respondeu.

Me virei e tentei ver o rosto dele.

—- Ei, lindo, se me soltar, te recompenso depois. – Falei, com um tom questionável.

—- O quê?! – Ele perguntou, distraído e indignado.

Foi nesse meio tempo que chutei por trás sua perna, e consegui me soltar. Com o impacto do chute, ele foi um pouco para trás, me dando a oportunidade de socar seu estômago, e foi isso que fiz.

Ele se encolheu e foi pra trás, sendo encurralado por nós, que logo, pulamos nele. Rebecca subiu em suas costas, e eu continuei socando em lugares aleatórios, me pendurando em seu pescoço. Logo, o cara estava abatido.

Sem hesitar mais, apontei a faca para seu olho direito

—- Quem é você?

—- Brendon. – Ele gemeu, de dor.

—- O que você tem de tão especial, “Brendon”? – Cerrei os olhos.

—- Informações...

—- Sobre...?

—- A base. – Ele dizia baixinho.

—- Bom garoto. – Guardei a faca. – Agora, você vai nos dizer as informações gentilmente, nos contar que te procura, e nós o acolheremos para nosso grupo. Entendeu?

Ele assentiu, ainda caído no chão, com medo. Agora, eu podia analisar com mais calma o rosto dele; Sua pele era negra e parecia sedosa, seus braços, mesmo cobertos pelo moletom, eram fortes e bonitos, assim como o resto de seu corpo. Ele tinha dreads longos, que emolduravam seu rosto. Observei com atenção o mesmo; rosto redondo, nariz reto e lábios carnudos. Os seus olhos me observavam com curiosidade. Ele vestia calça jeans, tênis Adidas e era bem estiloso.

—- Só... Depois da recompensa. – Ele sorriu, ainda no chão, se encolhendo de dor.

Por um momento, me senti arrependida de ter exagerado, mas eu não podia arriscar minha vida de novo.

—- Isso, a gente resolve depois. – Sorri também, e ofereci a mão para ele se levantar.

Seu peitoral era largo, e ele era muito, muito alto e musculoso. Era de se perceber, já que conseguiu aguentar a barra de nós duas.

Ouvi mais alguns passos, e me virei rapidamente, com a arma apontada.

Olhei de relance e vi uma figura tão incrível que parecia sobrenatural.

Um anjo?

Ah não pera, é só Charles.

—- Calma. – Ele disse, erguendo as mãos, se rendendo. – Me pediram para ver vocês.

—- Ah. – Abaixei a arma. – Como pode ver, somos mulheres independentes que cuidamos desse “Brendon” selvagem sozinhas. Agora saia.

—- Vão dar sarradas nele. Sarradas? – Ele pareceu confuso.

—- Shh. Não se meta. – Me voltei para Brendon.

... Brendon...?

Aurikch?

—- Brendon, poderia me dizer seu sobrenome? – Indaguei.

—- Aurikch.

Ergui a faca, mostrando a ele, e sorri.

—- Era pra estar morto, não?

—- É uma longa história. – Ele sorriu de volta.

—__ //___

Charles e Brendon agora nos acompanhavam em busca da lenda da munição, depois das apresentações. Não seria tão fácil assim encontrar algo para as armas exóticas de Charles e Ivy. Me perguntava até hoje como eles haviam conseguido aquilo... Melhor não saber.

—- Charles, vocês acharam um lugar bom para ficarmos? – Rebecca perguntou, quebrando o silêncio.

—- Defina “bom”. – Ele respondeu.

—-... Perdi a noção do que pode ser bom aqui. Tem telhado?

—- Tem. E dois andares.

—- Então é maravilhoso.

—- É uma antiga loja de doces. Por aqui, só tem comércio, então eles decidiram se alojar em um lugar menos pior.

Eu ri. Quem diria que eu me hospedaria em uma confeitaria em pleno apocalipse zumbi?

—- Mal posso esperar pra ver. – Eu falei, surpreendendo Charles.

—- Pensei que não quisesse falar comigo. – Ele disse, aliviado

—- Eu não quero. Mas acharam uma loja de doces, eu perdoo um pouco. – Como está Cookie?

—- Ele está bem. Ele também é meu filho.

Olhei para Brendon. Parecia muito confuso.

—- O filho de vocês chama Cookie? Quantos anos vocês tem, seus tarados? – Ele falou, indignado. – Onde eu fui me meter...

Rebecca teve um ataque de riso espontâneo ao ver a confusão de Brendon. Charles também ria, e isso o deixou mais confuso.

—- Ele é meu cachorro. – Eu esclareci.

—- Então deixe-me entender; vocês são um grupo nômade que sarram entre si, e têm um cachorro? – Ele ainda parecia confuso.

—- Quase isso. Nós achamos pessoas que precisam e então as acolhemos... Às vezes elas morrem. – Rebecca fez uma pausa antes de dizer a última parte. Ela havia se lembrado de Ben e Cian.

—- Eu não precisava de ajuda...

—- Você estava tão desesperado quanto Amanda em relação a baratas. Você precisava.

—___ //____

Desistimos da munição, e voltamos para a confeitaria. Seria uma semana difícil.

Parei no meio da rua para observar tamanho sonho; Era toda pintada de rosa-bebê, com bolinhas coloridas sortidas. As janelas, e as grandes vitrines da fachada tinham molduras antigamente brancas, agora eram amareladas e tinham respingos de sangue. Mesmo com alguns vidros quebrados, não deixava de ser aconchegante.

—- Eu achei alguns doces lá dentro. Eles não estragaram. – Charles olhou sorrindo para minha pessoa. Sorri de volta, com aquela expressão que só você e seu amigo entendem. – Vamos, antes que eles encontrem – Charles me puxou e correu para dentro.

Olhando Brendon por cima dos ombros de Charles, fiz um gesto para ele nos seguir. Ele assentiu, e Rebecca o guiou.

Entramos, e por dentro era mais mágico ainda; os móveis eram delicados e pintados em tons pasteis. Havia um pequeno canto com mesinhas de madeira, com pratos de porcelana e xícaras de chá. As paredes do interior eram azuladas e o chão era de madeira clara, decorado por tapetes de retalhos, e ao lado, havia um balcão onde se localizava o antigo caixa, com vitrines com bolos, estragados, cheio de mofo ou com formigas o dominando. No fundo do cômodo, havia uma porta branca de madeira, com algumas gotas vermelhas mas não era nada de grave. O interior não tinha cheiro podre, nem nada. Era perfeitamente limpo.

—- Que lugar incrível. – Eu disse, boquiaberta.

—- Eu achei que ia gostar. – Charles disse, com um sorriso.

—- Não se empolgue muito. – Eu olhei para Brendon. – Vamos, eu vou te apresentar. – Ele apenas me seguiu, e eu abri a porta branca. Lá atrás era somente uma cozinha, onde preparavam tudo, então, não era muito bonito.

Ivy estava sentada, em uma mesa, com os cabelos compridos soltos, calça jeans, botas curtas e sujas, uma camisa aleatória, e um chapéu felpudo de lenhador, que havia roubado de Charles.

—- Ah, olá, pessoal. Quem é? – Ela disse, parando de polir sua arma para nos observar.

—- Ele é Brendon! – Eu falei, erguendo os braços ao dizer o nome dele. – Achamos e agredimos ele em um beco.

Ela riu. Saiu da mesa, e foi até ele, estendendo sua mão para um cumprimento.

—- Ivy Rewt, a seu dispor. – Ela deu um sorriso amigável.

—- Brendon Aurikch. – Ele disse, um pouco boquiaberto, estendendo a mão também.

—- É bom tê-lo aqui, Aurikch. – Ela sorriu de novo, e voltou a seu trabalho. – Os outros estão lá em cima.

—- Obrigada. – Cantarolei a palavra mágica de novo, e andei até as escadas que ficavam em um canto.

Charles foi atrás de mim, passou pela irmã e pegou o chapéu de volta.

—- Ei! Ele é bonito. – Ela disse, irritada.

—- Por isso combina mais comigo. – Ele mostrou a língua e riu, me seguindo, levando Brendon e Rebecca junto.

O andar de cima eram escritórios quentes e confortáveis. Várias salas com itens de madeira escura e tapetes felpudos. Todo o restante de nosso grupo estava lá; alguns em uma rodinha, outros arrumando a mochila. Jason segurava Cookie no colo, e o acariciava gentilmente. A cena era bem engraçada.

—- Gente! Este é um Brendon selvagem que encontramos em um beco. – Rebecca disse, pulando na frente dele.

Todos olharam confusos.

—- Qual é, não vão nem cumprimentar? – Eu disse.

—- Vocês se drogaram? – Layx perguntou.

—- Claro que não! Espera, aqueles cogumelos contam? – Rebecca respondeu.

—- Acho que sim... – Eu disse.

—- Ah... Pô. Enfim, ele tem informações sobre a base! Nós acolhemos ele.

—- Bom te conhecer Brendon. Sou Anna. – Anna foi a primeira a ir até ele e recebe-lo, seguida de Misha, e todo o resto.

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— Cadê o Duck? – Rebecca perguntou, visto que era o único que não havia aparecido.

—- Estou aqui. – Uma voz de trás de Brendon nos assustou. Duck havia surgido ali, com sua máscara assustadora de pato. – Oi.

Brendon soltou um grito de horror.

—- CARALHO QUE PORRA É ESSA? JÁ PENSARAM EM LEVAR ELE PRA UMA IGREJA? SANTO DEUS, O CU FECHOU DE UMA MANEIRA QUE NÃO PASSA NEM AGULHA. – Ele falou.

Duck, calmo, pendeu a cabeça pra um lado, e continuou o observando. Brendon, ainda com medo, deu passos para trás.

—- Você já pensou em se benzer? – Brendon perguntou.

Duck apenas o observou.

—- Quem é esse doente? – Brendon continuou.

—- Nosso coleguinha. AMIGO. – Rebecca respondeu. – Ele só usa essa coisa estranha, mas um dia ele tira.

Duck negou com a cabeça, devagar.

—- Onde eu fui me enfiar...? – Brendon suspirou.

—___ //____

Sem munição, e sendo obrigados a comer macarrão instantâneo (Cian só lamenta), entramos todos em um mau humor profundo, mas mesmo assim, tentamos não deitar em posição fetal e chorar (de novo). Ivy havia achado um antigo violão no local e começara a tocar, o grupo todo conversava entre si, e Brendon tinha começado a se integrar com Charles, que estava desenhando algo ou alguém. Ambos falavam sobre arte, o que era interessante; não sabia desse gosto de Charles.

—- Então você é oleiro? Faz... Tipo vasos e jarros? – Ouvi Charles perguntando.

—- É. É um hobbie. Nunca cheguei a ter uma profissão... Não conseguia me decidir. – Ele respondia animado.

—- Eu só gostava de desenhar. Também nunca me decidi sobre isso.

—- Você não precisava, era rico. – Jason disse, ainda acariciando Cookie.

Charles mostrou a língua para ele, que revirou os olhos, e ignorou.

Duck apareceu subindo as escadas, e se sentou no chão com Brendon e Charles.

Brendon pareceu muito desconfortável com a presença do pato, mas Charles relevou.

—- Tem medo de mim? – Duck perguntou, olhando diretamente para Brendon.

—- N-não. – Ele gaguejou.

Charles não conseguiu controlar um sorriso.

—- O que foi?! Eu não tenho. – Brendon insistiu.

—- Não tem problema ter. Todos já tivemos. – Anna disse, de longe. Estava com Misha em um sofá cinza felpudo.

—- Eu não. – Jason cerrou os dentes, lembrando do passado.

Duck pareceu ter tido um arrepio.

—- Só faltou o Jason fazer ensopado de pato. – Rebecca falou.

—- Mas não se preocupe. Até nós conseguimos bater nele. – Layx piscou. Ela estava falando com Woody.

—- Não tem problema mesmo. – Ivy disse, interrompendo a música calma. – É só um garoto magrelo.

—- Pra quê você usa essa máscara mesmo? – Misha questiona.

—- Espantar zumbis. – Duck respondeu.

—- E funciona? – Brendon perguntou, meio descrente.

—- Funcionou com você. – Duck deu de ombros.

Brendon optou por ignorar, enquanto todos observávamos a briga de longe. Ele se levantou e foi se sentar até mim, que falava com Jason.

—- Não estou saindo por sua causa. Eu só quero falar com ela. – Ele disse, e sentou em minha frente.

—- Como quiser, cara. – Duck riu.

—- Então, como você achou meu facão? – Ele ignorou a presença de Jason que sorria para Cookie.

—- Um zumbi estava manuseando ele. Eu pensei que o zumbi fosse você. – Respondi.

—- Cadê o bebê? – Jason brincava com Cookie com uma voz fina. – Quem é o amor do tio Jason?

Olhei um pouco surpresa para Jason. Ele parou de fazer aquela voz, tossiu e se levantou com Cookie, para se sentar perto de Layx e Woody.

—- Eu perdi em um zumbi. Eu enfiei nele para despistar, mas ele continuou vivo. – Brendon continuou.

—- Me desculpe, quer de volta?

—- Não, pode ficar. Era especial, mas eu tenho mais. – Ele mostrou o facão que usava atualmente. Também continha seu nome.

—- Especial?

—- Meu antigo namorado me deu eles. Ele tinha vários, de vários tamanhos, mas não sabia usar. Então acabou se cansando, escrevendo meu nome em todos e me dando.

—- Antigo namorado? Vocês terminaram?

—- Não oficialmente... Eu o perdi. Estávamos correndo, e eu acabei ficando para trás...

—- Oh. Qual era o nome dele?

—- Cian.

Eu arregalei um pouco os olhos e arfei.

—- Yukinohara? – Perguntei.

—- Conhece ele? – Brendon arregalou os olhos também.

—-... Sim. – Eu peguei na mochila a pulseira de fita que Cian usava.

—- Onde ele está? – Ele olhou para os lados.

Fiquei paralisada, sem palavras. Não consegui raciocinar como responder a pergunta.

—- Ele teve que ir. – Charles interrompeu meus devaneios. – Seguiu seu próprio caminho. Ele era um... Lobo solitário.

Eu sabia que Cian era extremamente dependente das pessoas, apesar de arredio, mas preferi não desmentir.

Brendon suspirou e pegou a pulseira, que eu ainda estendia.

—- Posso ficar com isso? – Ele perguntou, um pouco triste.

Assenti. Eu possuía um arsenal inteiro de bugigangas do Cian. Era justo dividir com Brendon.

—- Não se preocupe. – Engoli em seco. – Se verão novamente...

Eu não sabia como agir, mas sabia que aquela mentira não duraria muito tempo.