Uma adaga foi jogada na minha direção, rasgando o ar e prendendo uma mecha do meu cabelo na árvore atrás de mim com um baque rápido.

— Vamos repassar as regras. — indicou Brawian calmamente enquanto eu arrancava o objeto, fazendo cair um pedaço generoso dos meus fios negros, o que me deu uma súbita frustração. Há uma semana nós estávamos enfiados nessa cabana no interior de Columbus, uma cidadezinha em Ohio, treinando físico e psicológico. E eu nem preciso dizer que estava totalmente exausta, o caçador não pegava leve.

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— Espreitar antes de atacar, não ser capturada, e o mais importante... — comecei, logo me esquivando para o lado quando o bruxo correu até mim desferindo uma cambalhota. Com o movimento, eu caí no chão, passando pelo meio das suas pernas e o empurrando para frente enquanto me levantava — Não usar meus poderes.

— Cada vez que você os usa, enfraquece seu psicológico e assim Lúcifer pode aparecer para você quando quiser e como quiser. — disse erguendo-se rapidamente e limpando as mãos nas calças de moletom enquanto eu fazia o mesmo, então se moveu de maneira furtiva, mas consegui vê-lo lançar o braço na minha direção. Demorei alguns segundo a mais do que o necessário para colocar o meu na frente do golpe, como escudo, e isso fez com que Brawian conseguisse me acertar na altura do ombro — Precisa bloquear!

— Erguer um muro e mantê-lo de fora! — revidei com um chute preciso no joelho que estava posicionado mais a frente, jogando-o no chão, mas o bruxo levou meu pé junto com ele, me arrastando para apertar o braço em volta do meu pescoço em um golpe chamado “mata leão”. Tentei me debater, mas o modo como ele me prendeu era impossível de me livrar facilmente.

— Tente comigo. — falou com a voz ressoando no meu ouvido enquanto a pressão contra a minha carótida trancava o a circulação de sangue, o que me faria desmaiar em segundos, caso não conseguisse me soltar.

Além da física, senti outro tipo de pressão sendo exercida contra as minhas têmporas, como se algo estivesse tentando cavar um buraco para se enfiar dentro da minha cabeça. Nós já havíamos treinado isso antes, e no começo havia sido difícil reconhecer esse tipo de ataque psicológico, mas agora eu estava mais forte. Imediatamente sinalizei para todos os meus sentidos se concentrarem naquele exato ponto, erguendo uma barreira sólida com algum esforço.

— Razoável. — ponderou Brawian, aliviando o aperto contra o meu pescoço — Mas se eu pegar mais pesado...

Gritei ao sentir o muro na minha mente ser perfurado, causando uma ardência ácida e pulsante no meu crânio.

— Desgraçado! — gritei me desvencilhando e rolando para o lado, as mãos instintivamente segurando a cabeça. O bruxo deu um sorriso entediado.

— Por isso tem que se esforçar mais. — apontou para mim e em seguida levantou-se, oferecendo a mão para me puxar.

— Mas Lúcifer não me bombardeia como você faz — protestei ao alcançar seus dedos e ele me soltou no chão bruscamente, me fazendo cair sentada.

Ainda não. E você não está aqui para discutir comigo, ou se não posso te jogar de um lugar mais alto. — ameaçou atentando contra a minha vida, como de costume. Ergui-me ficando de pé e tirando a terra das minhas roupas, fazendo uma careta sarcástica para ele.

De qualquer maneira, ele tinha razão, se eu pudesse bloquear Lúcifer da minha mente conseguiria prevenir que ele pudesse me controlar de novo. Era fácil treinar esse lado quando o anjo não dava nenhum sinal de vida, aparecendo de repente como sempre fazia, porém a prova seria quando resolvesse se mostrar novamente. Talvez o Diabo estivesse muito ocupado enumerando a lista de atividades para quando a gaiola se rompesse de vez.

Empurrei a porta da cabana, indo diretamente para a cozinha e abrindo a torneira a fim de pegar um copo de água.

— Quando nós vamos atrás do Alfa? — questionei depois de alguns goles — A cada dia que perdemos aqui, a gaiola se despedaça lá embaixo. Temos que agir. — insisti lavando o objeto juntamente com alguns talheres que estavam jogados perto do ralo. Ouvi Brawian suspirar enquanto mexia despreocupadamente na bolsa de armas. O modo sereno dele por vezes me lembrava Castiel, ou até mesmo Sam quando estava preparando o arsenal para alguma caçada.

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— Tenho minhas dúvidas se você está preparada... — começou e eu agarrei firme uma faca em uma mão e um garfo em outra, me virando para ele no mesmo instante em que arremessei os objetos na sua direção. O bruxo desviou calmamente do primeiro, inclinando-se de leve para trás e então pegou o segundo no ar, a centímetros do seu rosto. Coloquei as mãos na cintura com um sorriso cínico e esperando uma resposta satisfatória. — Retiro o que eu disse, vamos amanhã.

Ele arqueou uma sobrancelha, curvando os lábios de um jeito divertido para cima, e essa expressão surpresa e debochada me lembrava o Dean. Talvez a saudade que eu estava deles estivesse me fazendo vê-los por todos os lados, uma maneira de compensar.

Já que, por fim, eu não havia conseguido completar o meu plano de verificar se os rapazes estavam em segurança, mas Brawian havia garantido que todos estavam vivos, por enquanto. E isso já me deixava mais aliviada, porém ainda queria vê-los. Estava com saudades das brigas dos irmãos, do cheiro de uísque que impregnava a casa, da bagunça, da visão do Sam sentado em frente à mesa com o notebook ou algum livro. Tinha saudades de dirigir o Impala, cantar com Dean ouvindo música no volume mais alto possível e quando mexia no meu cabelo. Sentia falta do sarcasmo do Bobby, das brigas de Jimmy com o Winchester mais velho, de Maison circulando pela casa como se não se importasse com ninguém — o que eu sabia que era só fachada —, e até mesmo de Balthazar, que por mais que fingisse que não, eu sabia que podia contar sempre que precisasse.

E por último, que devia estar no topo da lista, eu queria voltar a ver Castiel. Sentia falta da expressão confusa que mais parecia um gatinho perdido, o modo como cuidava de mim ou quando aparecia sem avisar. Sentia falta do sorriso, da voz calma e grave que me relaxava instantaneamente, do farfalhar de asas tão conhecido e até mesmo das brigas bobas.

Eu sentia falta da minha família e era exatamente porque eu queria estar com eles de novo que não podia voltar agora, tinha que buscar um meio de acabar com essa profecia. Mesmo que me odiassem e nunca mais quisessem me ver novamente — pelas mentiras que contei e por ter escondido a verdade —, eu sabia que esse era o único caminho para mantê-los a salvo. E bem, talvez fosse tudo que eu pudesse ter, a certeza de que eles ficariam bem, mesmo que eu não estivesse mais lá depois que acabasse.

Levantei da cama bruscamente com um grunhido de contrariedade.

Há dias eu não conseguia dormir direito, sempre que pregava o olho, tinha pesadelos. Não coisas horríveis, como monstros embaixo da cama ou Mulas sem cabeça que aterrorizam a maioria das pessoas, mas os rostos de todas as pessoas que já passaram pela minha vida. Todas estavam lá, em um lugar escuro, e quando olhavam para mim, tudo que eu via era ódio. Dizem que sonhos mostram aquilo que você sente bem lá no fundo, e o meu maior medo não era achar que aquele olhar era o que eu dava quando encarava o meu reflexo, e sim constatar que era verdade em todas as vezes que eu evitei me olhar no espelho.

Esse era o meu problema: Meu senso de certo e errado era forte demais e eu não conseguia me perdoar, continuava me punindo constantemente. Fora Castiel quem matou Scott — quando possuiu meu corpo —, mas era eu quem via seus olhos deixando a vida em cada pesadelo. Fora Lúcifer quem matou Alfred — na noite em que tentou abrir a porta da gaiola —, mas fora a minha mão que ordenou que todas aquelas facas perfurassem seu corpo, e o pior de tudo é que eu havia gostado daquela sensação. E agora minha mente não me deixava esquecer cada ser vivo que matei, mesmo demônios.

Eu queria poder não me culpar tanto, seria mais fácil.

Levantei da cama e trilhei um caminho a passos vagarosos até a porta da frente, abrindo-a silenciosamente e sentando-me em uma raiz da árvore que cobria quase toda a frente da cabana. Algumas corujas e animais camuflados no manto escuro da noite me faziam uma companhia silenciosa enquanto a brisa noturna sacudia algumas folhas secas nas copas quase vazias. Senti uma presença alguns metros atrás de mim, me virando apenas para constatar o par de olhos verdes encarando a lua com as mãos nos bolsos da calça. Brawian não é do tipo que dorme muito, em todos esses dias acho que só o vi dormir uma ou duas vezes, e não por muito tempo.

— Então, Brawian, qual a sua história? — indaguei depois de vários minutos de silêncio.

— Por que acha que eu tenho uma história? — rebateu do modo displicente de sempre.

— Todos nós temos uma, principalmente aqueles que carregam um fardo sobrenatural. Nesse tipo de caso, elas geralmente são trágicas e tristes. — comprimi os lábios com um tom de constatação mórbido. E ao ver que ele ficara mudo novamente, comecei — Eu, por exemplo, fui enganada a vida toda, colocada em uma casa com estranhos que foram forçados a acreditar que eram da minha família. E então os vi morrer em um ataque terrorista demoníaco. Vi minha Guardiã, que achava ser minha mãe, ser morta tentando me proteger. Meu irmão, que não é meu irmão de sangue, é um nefilim que eu fiquei anos sem ter contato. Meu melhor amigo era o meu segundo Guardião, que morreu também tentando me proteger. Minha reencarnação do passado, a lendária Condessa de sangue, voltou recentemente para dizer “olá” e dar uma festa onde tentou detonar a jaula do Diabo. Meus amigos devem estar achando que eu sou uma traidora. E o homem que eu amo, que a propósito é meu terceiro Guardião, vai ter que me matar. — listei cada acontecimento trágico como se fosse uma lista de tarefas para um feriado entediante.

— Acho que eu não sou páreo para o seu nível de desilusões. — suspirou divertido, arrastando os pés entre as folhas secas que se amontoavam na entrada da porta para vir sentar-se ao meu lado. O vento passou por nós novamente, jogando meus cabelos para trás e algumas flores mortas de cerejeira no meu colo. — Quando eu completei treze anos, meus poderes começaram a aparecer, só que eram muito fortes. Então numa noite, eu acabei colocando fogo na casa enquanto dormia. Toda a minha família, mãe, pai, meus avós e irmãos pequenos, morreram. Eu sobrevivi graças a um escudo que se formou a minha volta. Depois daquilo eu fugi. — contou agarrando uma flor seca que voava despreocupadamente no ar e a acariciando entre os dedos — E então... Lúcifer saiu da gaiola há meses atrás, e aí essa tatuagem apareceu. E mais uma vez meus poderes ficaram incontroláveis e eu vi a minha namorada entrar em combustão na minha frente. — ele esfarelou as pétalas, os olhos fixos como se pudesse ver algo através delas. Provavelmente revivendo os momentos que passou, como eu fazia diversas vezes, todos os dias.

— Eu sinto muito. — murmurei segurando uma das flores que viera na minha direção e se enroscava no meu cabelo como se quisesse fugir do vento que a carregava.

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— Ela não sabia de nada. Até hoje eu ainda tenho pesadelos com o seu rosto espantado, me olhando como se eu fosse o monstro embaixo da cama. — Brawian riu baixinho sem nenhuma graça. Pelo visto, eu não era a única aqui que tinha esse tipo de problema para dormir então.

— Tenho certeza de que ela não o culpa por isso, esteja onde estiver. — falei calmamente, segurando a flor contra a brisa, de modo que a minha mão ficasse no lado contrário de onde ela estava sendo empurrada. Mesmo morta, ela ainda tinha sua beleza nas pétalas secas que outrora foram tão perfumadas e belas. Uma beleza mórbida, mas mesmo assim ainda podia encantar todo aquele que estivesse disposto a apreciá-la por tempo suficiente para isso.

Retirei a mão e a deixei voar com o vento, vendo-a desaparecer diante do brilho pálido da lua. Percebi que o bruxo mantinha os olhos fixos em mim e me virei para fitá-lo, sua expressão era carregada de pesar.

— Você culparia? — questionou com um sussurro. Segurei seu olhar por segundos suficientes para que duas perguntas se formassem na minha cabeça que já não aguentava mais questões para ter de lidar: Quem eu realmente estava culpando por tudo? E por que queria me convencer a não culpar?

Descobrir onde o vampiro Alfa estava não foi o problema — não com os poderes de um bruxo a disposição —, mas a questão era como pegá-lo vivo e transportá-lo com um ninho de vampiros para protegê-lo de qualquer ameaça. Eis uma ótima pergunta.

Retirei a bolsa de armas, colocando a alça sob o ombro e fechando o porta-malas do Maverick vermelho recém roubado assim que cruzamos a fronteira para Michigan. Segundo Brawian, muitos sanguessugas estavam reunidos na cidade de Fort Wayne, e isso só acontecia quando o poderoso chefão chegava para a festa. Entrei novamente dentro do carro e comecei a camuflar o máximo de armamento possível dentro da minha jaqueta jeans, calça e botas de cano longo.

— Não se pode chegar até o Alfa sem que ele queira que você chegue. — instruiu o bruxo, gesticulando com os dedos e fixando os olhos para o fim da rua, onde na esquina tinha um bar quase escondido entre dois prédios enormes.

— Então o plano é ser isca fácil. — coloquei um facão escondido na parte de trás da calça com a blusa por cima, uma adaga na bota esquerda e um revólver com pente extra na direita. — Maravilhoso!

— Eles não vão matá-la, o chefão está por perto, vão querer bajulá-lo te levando até ele. — tranquilizou me estendendo outra arma — E aí sim você morre.

— Isso é algum método novo de incentivo? — franzi a testa em uma careta sarcástica, escavando a bolsa até achar um frasco com sal, era sempre recomendável ter em mãos. Enfiei-o por dentro do bolso interno da jaqueta, sentindo-a estufar. — Não tá funcionando.

— Eu vou seguir você o tempo todo, até chegar ao Alfa. Tente distraí-lo, e se ficarem sozinhos e ver uma oportunidade segura, use isso. — ele me mostrou uma seringa com sangue de homem morto com um sorriso, e enquanto eu pensava onde podia esconder aquilo, Brawian foi mais rápido e empurrou o objeto para dentro do meu decote.

Abri a boca em protesto.

— Sutiãs são úteis e você tem bastante espaço sobrando aí dentro. — justificou-se e eu dei um rosnado de raiva, saindo do carro e batendo a porta ao som de uma risada cínica.

Por fora, o bar parecia uma espelunca caindo aos pedaços, mas por dentro, era mais parecido com uma boate com direito a luzes em neon que deixavam as roupas fluorescentes e globos de luz desfilando pelo teto. Várias pessoas se sacudiam ao som da música barulhenta que o DJ tocava em cima de um palco, enquanto outras se amontoavam em frente ao bar, agarrando copos com bebidas tão coloridas quanto as luzes que piscavam e me cegavam.

— Alguém resolveu sacudir o esqueleto? — questionou Lúcifer, aparecendo de repente e enfiando o braço por cima do meu ombro como se fôssemos velhos colegas de faculdade. Respirei fundo e me desvencilhei, marchando para o balcão e procurando uma banqueta para me sentar e fazer o reconhecimento do local. — Depois de tudo que passamos você vai começar a me ignorar só porque seu novo amiguinho te ensinou alguns truques de mágico? — zombou procurando um lugar ao meu lado e se inclinando na minha direção, percebi que o mesmo usava uma jaqueta de couro e por um momento me perguntei que tipo de roupas Lúcifer realmente usaria se conseguisse sair da jaula. A julgar pelo estilo que mostrava, se ele escolhesse possuir algum garoto punk rock de classe média, eu não me surpreenderia.

— Uma lagoa azul, por favor. — pedi educadamente para o garçom moreno e sem camisa que fazia danças sensuais ao servir as bebidas, aproveitando para analisar ao redor. Havia vários seguranças de terno em volta das pessoas, todos com caras de poucos amigos.

— Você não pode mais fingir que eu não estou aqui. Sabe por quê? — o anjo insistiu se aproximando de uma maneira que eu tive que inclinar para o outro lado. — Eu sou mais forte. — falou com uma piscada rápida, e então uma onda de energia me atingiu inesperadamente, fazendo com que eu espalmasse as duas mãos na superfície vítrea do balcão. Aquilo me deixou zonza por cinco segundos, como se eu tivesse sido acertada por uma barra de ferro diretamente na cabeça. Então era para esse tipo de situação que Brawian estava me treinando. Fechei os olhos, respirando fundo para me recuperar e fingi que nada havia acontecido, internamente erguendo todos os muros que podia dentro da minha mente. — Vamos, Esther! Qual,é! — latiu Lúcifer mais irritado ainda.

Minha cabeça parecia que ia estourar tamanho o chiado absurdo que a sacudiu por dentro, eu tinha a leve impressão que meu cérebro estava sendo remexido em um liquidificador. Corri para o banheiro, acotovelando um monte de garotas na entrada do mesmo, trancando a porta e me debruçando em frente a pia com o enorme espelho.

— Se você falar comigo, eu paro. Vamos, seja boazinha. — insistiu novamente, recostando-se na superfície gelada de mármore. E ao ver que eu não ia ceder, o anjo adquiriu uma posição mais agressiva — Eu não gosto de ser deixado de lado. — rosnou de maneira ameaçadora.

— Desapareça. — ordenei trincando os dentes, sentindo outra investida dele contra a barreira dentro da minha mente, mas dessa vez eu consegui segurar por pouco.

— Como se você pudesse me controlar. — gracejou revirando os olhos — Não quer saber notícias dos seus amiguinhos? Do seu irmão? — indagou com um sorriso mordaz. Parei por um momento, encarando-o através do reflexo no espelho.

— Você não sabe nada sobre Jimmy, está blefando.

— Sei que ele é um líder nefilim com problemas por ser de uma linhagem sanguínea bastante complicada. — começou levantando uma parte do meu cabelo para aproximar os lábios do meu ouvido — Caçador de sombras. — sussurrou como se contasse um segredo de estado.

Arquejei. Se já não bastasse ser um nefilim, meu irmão não podia também ser um Caçador de sombras, isso destruiria ainda mais a vida que ele já não tinha sob controle.

— Você está mentindo! — neguei recuando bruscamente.

— Estando ou não, já consegui sua atenção. — cantarolou ironicamente. Senti um rosnado se formar na minha garganta e bati com as mãos na pia, me virando para fitá-lo fixamente.

— Desapareça! — exclamei com ímpeto e o mesmo me lançou uma expressão desafiadora, os olhos verde-água se estreitando. Percebi quando Lúcifer tentou novamente se infiltrar na minha cabeça, mas dessa vez eu usei a raiva para reforçar minha proteção como uma espécie de repelente, ricocheteando a energia que batia contra ela.

— Mas o qu... — murmurou surpreso, segundos antes de desaparecer.

Respirei fundo, constatando que o anjo não estava mais ali. Eu havia conseguido repeli-lo, e isso podia contar como uma vitória das grandes. Encarei o espelho uma última vez e então decidi voltar para a boate, havia coisas mais importantes para fazer agora. Girei a maçaneta, mas antes que pudesse sair, dei de cara com um homem alto e de terno.

Eu nunca tive nada contra homens de terno, mas depois dos últimos meses, a maioria deles me dava certo medo.

— Oh, desculpe. Porta errada. — desculpou-se me encarando de cima, o corpo grande bloqueando qualquer espaço que eu pudesse usar para passar — Nós nos conhecemos? — questionou com uma expressão de dúvida, as sobrancelhas de juntando no rosto moreno.

— Creio que não. — respondi puxando o ar e dando um passo para o lado, porém ele me barrou. Instintivamente levei a mão às costas, onde estava o facão.

— Você me é muito familiar... — começou com o tom baixo, e então seus olhos se expandiram de repente — Esther. Conheço alguém que vai ficar muito feliz em ver você. — o homem sorriu de um jeito cruel, levemente mostrando os dentes pontudos. Eu estava prestes a começar uma briga dentro do banheiro feminino, mas se esse cara iria me levar até o Alfa, talvez fosse uma boa estratégia segui-lo. Bem, eu só podia contar que ele me levaria até o líder dos vampiros, já que esse lugar estava infestado de sanguessugas.

Senti o mesmo apertar os dedos contra o meu braço e o desvencilhei bruscamente.

— Eu sei andar sozinha, não se incomode. — revidei me apertando para passar pela porta e deixando que ele me guiasse. Passamos entre as pessoas e logo eu pude diferenciar quem era vampiro e quem era humano, pois assim nos aproximávamos, os olhos dos sobrenaturais se voltaram para nos fitar. Eu me sentia um cheesburguer desfilando, e realmente esperava que Brawian chegasse na hora, antes que eu virasse o lanche da noite, por exemplo.

Saímos pela porta que dava para os fundos do prédio e subimos uma longa escadaria de metal, chegando a um quarto grande que era separado do resto da construção. O lugar era decorado com cortinas de seda vermelhas, juntamente com uma cama majestosa com lençóis da mesma cor. Tinha duas garotas em belíssimos vestidos de gala, um branco e outro preto, ambas sentadas sob o colchão.

— Senhor, olha quem nós encontramos. — apresentou o vampiro.

— Esther. — a voz veio do canto mais obscuro do cômodo, perto de uma porta que provavelmente deveria se tratar de um banheiro.

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— Eu conheço você? — questionei quando o homem alto, vestindo um smoking prateado sofisticado, andou de maneira elegante até mim. A pele negra tinha uma leve palidez, juntamente com o brilho avermelhado nos olhos escuros.

— Nós nunca fomos devidamente apresentados, mas minha mente foi bombardeada tantas vezes com a imagem do seu rosto que me sinto como se fôssemos íntimos. — murmurou com a voz grave, passando os dedos com unhas compridas e afiadas pelo meu rosto, então se aproximou do meu pescoço, inspirando profundamente.

— Você é o vampiro Alfa. — constatei tão imóvel quanto um cordeiro diante do leão feroz. As duas vampiras riram de maneira debochada e ele gesticulou de maneira dura para que elas se calassem e então apontou para a porta. Com uma expressão contragosto, as duas saíram, juntamente com o vampiro que ainda estava ali.

— O primeiro de todos eles. — assentiu voltando-se para me fitar — A Mãe tinha um interesse peculiar em você. — começou andando em volta de mim, minha nuca coçava como se esperasse pelo “bote” a qualquer momento.

— Não vejo motivo para tal. — dei uma risada sem graça, me virando juntamente com ele, para tentar sempre ficar de frente para ele.

— Nada pessoal, é só que você é uma ameaça para cada criatura viva que anda pela terra. Mas agora ela não está mais aqui, não é mesmo? Soube que os Winchesters deram um jeito nisso. — o Alfa tentava manter o tom casual, mas quando mencionou os rapazes, vislumbrei seus olhos ficando mais vermelhos por alguns instantes. Com um movimento rápido, o mesmo se colocou as minhas costas, perigosamente perto.

— E você tem algum interesse? — questionei e ele deu uma risada baixa. Então eu senti os dentes pontiagudos roçarem na pele do meu pescoço e imediatamente agarrei o facão embaixo da blusa, mas antes que eu pudesse acertá-lo, o mesmo segurou meu pulso.

— Espero que não estivesse pensando que eu a deixaria usar isso.

O Alfa me jogou contra a parede de modo que me fez derrubar a seringa que estava dentro do meu sutiã no chão, rolando para baixo da cama. Arrastei-me para longe, então percebi que a porta havia se aberto levemente e duas seringas cheias estavam levitando pelo quarto de encontro ao vampiro. Brawian e seus ataques agressivos-passivos. Coloquei-me de pé alcançando o facão que ele havia jogado no canto da parede, segurando firme e dando uma investida contra meu oponente, que esquivou sem nenhum esforço. Ele moveu-se rapidamente e me jogou de novo de encontro ao chão, chutando minha arma para longe e agarrando meu pescoço com as unhas pontudas.

— Acha mesmo que pode lutar contra mim?

— Quem disse que eu preciso lutar? — dei uma cabeçada no mesmo, um golpe que só serviu mesmo para distraí-lo, pois quem quase rachou a testa fui eu. No mesmo instante as seringas foram de encontro a jugular do vampiro e ele arregalou os olhos em surpresa, demorando cerca de três segundos para cair para trás e apagar.

Cambaleei, apertando o ponto dolorido na minha cabeça e sabendo que iria ficar uma bela marca ali. Brawian entrou correndo e me puxou do chão com uma mão.

— Bela cabeçada. — elogiou de maneira sarcástica — Queria se matar?

— Não achei que eles tivessem a cabeça tão dura... — murmurei — Acho que vou ter uma hemorragia interna.

— Que tal deixar para ter a hemorragia depois? — falou enrijecendo-se de repente e ficando de costas para mim e de frente para a porta, onde as duas vampiras e o homem de terno que me trouxera para cá nos encaravam com os dentes à mostra — Temos companhia.

No primeiro passo que deram em nossa direção, o bruxo ergueu as duas mãos, que agora estavam pegando fogo, e lançou as chamas contra nossos inimigos, colando-os contra a parede. O mesmo assoprou os punhos despreocupadamente, virando-se para mim enquanto eu fitava os três corpos no chão de maneira embasbacada.

— Ainda não acabou, temos que decapitá-los, se não... — ele não conseguiu terminar de falar, pois a vampira loira,que agora tinha cerca de oitenta por cento do corpo feito de churrasquinho, levantou-se com um urro de raiva. Eu mergulhei no piso, agarrando o facão e me colocando novamente de pé no segundo em que a mesma avançou para o mesmo, passando a lâmina na linha do seu pescoço e arrancando a cabeça, que saiu rolando e manchando o quarto com sangue. Logo que me virei, percebi os outros dois vampiros de pé. Imediatamente inclinei o corpo para baixo, desviando de uma investida perigosa perto do meu rosto e aproveitando a oportunidade para perfurá-lo com a ponta do facão. O golpe o deixou desconcertado por segundos suficiente para que eu tivesse a chance de decapitá-lo.

Ofeguei rapidamente, percebendo a vampira morena logo atrás de Brawian e pronta para atacar. O mesmo já estava com as mãos igual a duas tochas na direção da mesma, mas meus reflexo foi mais rápido e eu arremessei a arma no ar, pregando-a pelo peito na parede.

— Já disse que odeio vampiros? — disse recuperando o ar e andando até a vampira que tentava tirar o objeto afiado do corpo sem sucesso. Brawian assoviou de maneira elogiosa e em seguida eu puxei o facão e prensei a lâmina no pescoço da garota. Por algum motivo minha mente voltou para a cena em que eu vi Dean matar uma vampira dessa forma, e antes que eu pudesse descobrir o porquê, já havia reproduzido a lembrança em minhas mãos.

Sangue espirrou no meu rosto e na minha blusa. O bruxo arqueou uma sobrancelha com uma expressão indecifrável, abrindo a boca como se fosse dizer algo, mas então desistiu.

— Vamos embora logo.

Descemos a escada arrastando o vampiro Alfa como se fosse um saco de cimento, precisaríamos ser rápidos, pois não demoraria muito para que os outros notassem que havia algo errado. E lutar contra uma horda de sanguessugas não estava nos nossos planos, não para hoje. Assim que Brawian me ajudou a enfiar o corpo pesado dentro do porta- malas, corri para dentro do Maverick e imediatamente o bruxo já assumiu o volante, cantando pneu para longe dali o mais rápido possível.

— E se ele acordar? — perguntei alarmada, passando as mãos no rosto para limpar os vestígios de sangue e então limpando na blusa.

— Com aquela quantidade de sangue de homem morto no organismo? Vai demorar no mínimo seis horas. — esclareceu o mesmo, pisando fundo no acelerador e fazendo o velocímetro marcar 190 km/h. Toda aquela adrenalina fazia minha respiração sair ofegante, abri a janela, sentindo o vento frio bater contra o meu rosto. Uma vibração no meu bolso esquerdo despertou minha atenção e eu logo tratei de alcançar o celular, fitando rapidamente o visor que exibia um número desconhecido.

— Soube que está com meu vampiro. — disse a voz com sotaque inglês do outro lado da linha. Crowley. Por que eu não estou surpresa?

— Está por dentro das novidades. — murmurei com o tom ríspido e mal humorado. Brawian me lançou um olhar faiscante e eu coloquei o aparelho no viva-voz.

— Em duas horas no cemitério de Grand Rapids. Acho que não preciso dizer para que vá sozinha, ou a coisa vai ficar mais quente que filme pornográfico. — instruiu de maneira debochada, e mesmo sem ver, eu sabia que ele deveria estar com um sorriso estúpido e arrogante.

— Nojento. — dei um grunhido, fazendo uma careta — Está com o que eu quero?

— Eu sempre cumpro com a minha palavra, vamos ver se você cumpre com a sua. — finalizou desligando na minha cara. Observei o celular em frente ao meu rosto com descrença e raiva.

— Sem educação. — chiei baixinho, guardando novamente no bolso.

— Levamos o Alfa, você pega o que o Crowley levar e depois eu mato ele e o Damon Salvatore desmaiado no porta-malas. — o bruxo enumerou nossas atividades calmamente, mas pude sentir certo entusiasmo no modo como ele falara. Encarei o painel, mordendo o canto do dedo nervosamente.

— Brawian, eu não sei se você deveria ir. Crowley me mandou ir sozinha. — falei com receio. O que nós íamos fazer era mais que matar um simples demônio da encruzilhada, ele havia se tornado rei do inferno por um motivo, certo? Não seria simples. Se ele se quer desconfiasse que nós fôssemos traí-lo, estávamos ferrados.

— Nós vamos seguir com o plano. Se estiver mudando de ideia sobre qual lado você realmente está, então nós não iremos. — sentenciou desviando a atenção da estrada para me lançar um olhar sério.

— Só estou preocupada com você, nunca se sabe o que o rei do inferno tem na manga. — expliquei antes que entendesse errado. A última coisa que eu faria nessa vida seria me aliar ao Crowley a ponto de protegê-lo, mesmo que fosse pouca, eu tinha alguma dignidade a zelar.

— Um monte de baboseiras, é isso que ele tem. — zombou Brawian, fazendo uma curva fechada e acelerando mais ainda o Maverick.

Em uma viagem normal de carro, nós levaríamos cerca de duas horas e meia para chegar até a cidade de Grand Rapis, mas o modo alucinado — e suicida — como o bruxo dirigia nos levou até lá em uma hora e quarenta minutos. Era aproximadamente três da manhã quando o veículo estacionou em frente ao cemitério local Perpétua. Encarei o muro enorme de pedra e os grandes portões de aço, imaginando uma maneira de entrar, já que deveriam estar trancados. Um demônio podia se materializar lá dentro tranquilamente, mas como eu era humana, tinha que me virar.

— Ele não pode saber que eu estou aqui. Então você vai à frente, e eu vou logo depois. — disse Brawian, olhando na mesma direção que eu.

— Tome cuidado. — pedi encarando-o antes de abrir a porta.

— Não precisa falar duas vezes. — ele piscou para mim pela janela e eu me virei para o cemitério, inspirando uma dose de coragem antes de seguir para o portão.

Eu não sabia ao certo se estava com medo de encarar o Crowley ou com medo de ver o que ele faria quando descobrisse que havia um bruxo ali que iria matá-lo. Mas eu sabia de uma coisa: Hoje eu teria uma solução para a profecia da reencarnação, partindo do princípio que eu confiava que o rei do inferno cumpriria sua palavra de honra.

Sacudi o portão de aço duas vezes, constatando que o cadeado estava trancado com a corrente. Suspirei, o jeito seria subir. Escalei as grades, me impulsionando para cima cuidadosamente, evitando que pudesse ficar presa nas pontas que poderiam rasgar minhas roupas ou me ferir. E quando coloquei todo o corpo para dentro, comecei a descer até certa altura, onde pulei, meus pés fazendo um ruído sonoro ao se impactarem com o chão de pedra. Olhei para trás e Brawian estava me observando pela janela, o mesmo revirou os olhos e fingiu olhar um relógio imaginário no pulso, debochando da minha lerdeza.

Segui pelo corredor até começar a passar por várias fileiras de lápides muito bem cuidadas. Um arrepio me fez estremecer quando o vento assoviou sacudindo as árvores ao meu redor. Da última vez que entrei em um cemitério, caí dentro de um túmulo e encontrei o corpo escondido de Elisabeth Bathory e um octeto de rubi, vai saber o que eu podia encontrar agora. Caminhei pela escuridão que me pregava peças a todo momento, até chegar em uma parte que descia e começava a aparecer um gramado gigantesco. Girei, me vendo no centro do local e abrindo os braços para o nada.

— E então, Crowley? — gritei, ouvindo minha voz ressoar a alguns quilômetros de distância — Vai me fazer esperar muito enquanto coloca o seu melhor vestido para o baile? — gracejei impaciente.

— Alguém está impaciente. — a voz veio das minhas costas, como sempre. Por que a maioria dos caras maus só quer aparecer pelas suas costas? Parece algum tipo de regra do manual do vilão. — Você está bonita, esse tom de sangue nas suas roupas combinou com você. — elogiou inesperadamente e eu arqueei uma sobrancelha.

— Vindo de você não é elogio. — devolvi gesticulando com sarcasmo — Onde está o que me prometeu?

— Antes, onde está o meu Alfa? — indagou calmamente.

— Primeiro você. — insisti cruzando os braços e então o rei do inferno deu um suspiro rápido.

— Quando eu conheci você, admito que era uma garotinha sem sal, sem graça, uma adolescente humana insuportável. — começou colocando as mãos nos bolsos da calça e apoiando o peso do corpo em uma perna, seus olhos fixos no meu rosto.

— Obrigada pela parte que me toca. — interrompi ironicamente, confusa sobre o comentário ou onde ele estava querendo chegar.

— Mas depois de todos esses meses, você se tornou alguém mais... — Crowley deu alguns passos a minha volta, parando próximo ao meu ombro enquanto buscava a palavra que parecia estar perdida no ar — Interessante. — acrescentou estreitando um pouco os olhos.

— Isso é algum tipo de cantada demoníaca? — franzi a testa e ele revirou os olhos.

— Você não veio sozinha, como combinamos. Pergunto-me se essa falta de palavra e tendência a chutar o balde no meio do caminho você adquiriu dos Winchesters ou já nasceu com você. — falou tirando uma mão do bolso para estalar os dedos, os cantos dos lábios levemente curvados em um sorriso mordaz. Ouvi um rosnado próximo ao meu ouvido e um ar quente e baforento ser jogado contra o meu rosto. Embora eu não pudesse ver, havia um cão do inferno ali.

— Vejo que você também não cumpre a sua promessa, já que veio com seu bichinho. — devolvi com deboche, tentando ficar o mais imóvel possível diante do cão que podia arrancar minha cabeça sem o menor esforço.

— Alô, eu sou um demônio, minha índole é suja mesmo. — elucidou com uma risada divertida — E quem descumpriu primeiro foi você, achei digno igualar trazendo o meu cachorro também.

— Nós já pegamos o Alfa, estava no porta-malas. — pronunciou-se uma voz masculina e de olhos pretos, logo atrás dele vieram mais dois homens, e com eles estava Brawian.

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— Ele não tem nada a ver com isso, solte-o. — pedi nervosa. Crowley virou-se para o mesmo, dando alguns passos na sua direção.

— Fiquei sabendo que o Senhor bruxo maravilha estava com um plano de me matar, e fiquei realmente instigado a saber se é verdade.

— E dançar em cima dos seus ossos queimando. — devolveu Brawian rispidamente.

— Ameaça bastante para alguém da sua laia. — o demônio aproximou-se, encarando-o de maneira desafiadora.

— Deixa ele, Crowley. — pedi novamente, instintivamente dando um passo para frente, e nisso o cão do inferno soltou um rosnado gutural me fazendo paralisar de novo.

— Eu até poderia, mas como ficaria minha imagem perante aos meus demônios? — ele virou-se para mim com uma careta — Um rei sendo ameaçado por um inseto tão insignificante. — grunhiu ameaçadoramente, e no mesmo instante o bruxo caiu de joelhos cuspindo uma grande quantidade de sangue no gramado.

— Você já tem o que você quer!

— Tudo bem, soltem-no. — ordenou Crowley depois de vários segundos em silêncio.

— Senhor, tem certeza? — duvidou um dos demônios.

— Façam o que eu digo. — insistiu e eles soltaram os braços do bruxo, recuando um passo para trás. O rei do inferno deu as costas e então tudo aconteceu rápido demais.

Em um instante Brawian estava no chão e no outro ele colocou-se de pé, as mãos pegando fogo lançaram uma onda de energia flamejante na direção do demônio, que se virou com os olhos vermelhos para receber o impacto que acertou parte do seu rosto. Ouvi o corpo pesado do cão do inferno deslizar no gramado e em seguida se chocar contra o bruxo, que gritou enquanto cortes sangrentos se abriam no seu peito e barriga. O cachorro o estava estraçalhando.

— Brawian! — exclamei correndo na sua direção, mas antes que eu pudesse chegar até o mesmo, Crowley segurou meu pulso por segundos suficientes para que o cachorro se afastasse, as patas pesadas aproximando-se novamente do dono.

— Depois não diga que eu não dei uma chance. — disse o demônio, me soltando enquanto eu encarava o corpo ensanguentado e mutilado. Fui até o mesmo, ajoelhando-me na grama molhada de escarlate e constatando que as feridas eram ainda mais feias de perto. Os arranhões iam do peito até a barriga, jorrando grandes quantidades de sangue para fora, enquanto marcar de mordida tinham quase cinco centímetros de diâmetro. Brawian respirava com dificuldade, os olhos vagueando como se buscassem algum foco. Minhas mãos tremiam quando eu as coloquei próximas aos cortes para pressionar o sangramento, e ao sentir os ossos quebrados por baixo da pele, eu as retirei rapidamente, o pânico de não saber o que fazer fazia o choro de embolar na minha garganta. — Mas voltando ao que interessa. diferente de você, sei cumprir a minha palavra. — Crowley deu alguns passos na minha direção, estendendo a mão para um dos demônios que lhe entregou uma pasta amarela. Ele a abriu e jogou uma série de papeis contra o meu rosto — Então aqui está, seus verdadeiros pais biológicos, executados na cadeira elétrica dezesseis anos atrás por assassinato em série.

Dentre o bolo que o mesmo arremessou contra mim, estavam fotos, registros e alguns manuscritos. Agarrei um dos que caiu por cima de todo aquele sangue, onde dizia “Marylin Holmes e Joshua Graceford, condenados a cadeira elétrica por homicídio qualificado de vinte e sete pessoas confirmadas, e suspeitos de outras quarenta e duas mortes”. Apertei o papel entre os dedos.

— O que isso significa? — murmurei com as lágrimas patéticas escorrendo pelo meu rosto.

— Ah, têm mais esses — ele tirou mais de dentro do terno e começou a lê-los em voz alta — Assassinato em série, terrorismo, assassinato em série, assassinato de crianças? Essa é pesada... Todos os pais que você já teve desde o século nove estão aqui. — Crowley jogou os papeis para cima, os mesmos caindo como chuva ao meu redor, então se aproximou com um sorriso cruel — E sabe o que se repete? Sempre o sangue. Você é uma máquina de matar perfeita, de corpo e alma. Sua genética sempre foi e sempre será assassina. Por isso não há meios de parar a profecia, Esther, enquanto você viver. Quer uma dica? Se mate logo e aceite os fatos. — falou com divertimento enquanto eu encarava e negava aquela verdade que era jogada contra a minha cara. Senti Brawian apertar a minha mão com força e fitei os olhos verdes enquanto os mesmos se fechavam devagar. Sacudi-o alarmada, percebendo que ele não respirava mais.

— Eu até te levaria para outro lugar, jogaria o lixo fora — o rei do inferno apontou para o bruxo — Mas acho que cenas assim são como uma verdadeira casa para você. Poças de sangue são onde você deve estar. — debochou com uma risada antes de desaparecer.

Comecei a chorar descontroladamente, tentando de forma inútil reanimar um morto. Minha mão que estava prensada em seus dedos identificou uma forma sólida, que logo que eu puxei, reconheci como sendo um dos anéis dos cavaleiros do apocalipse, o que estava dentro da minha jaqueta na noite em que Brawian me raptou. Gritei com toda a força que possuía, gritei de raiva, de dor, de pânico. Gritei para os céus até perder a minha voz, enquanto alcançava todos aqueles papéis que estavam próximos de mim e os rasgava com fúria. Toda a minha maldita existência, tudo que eu era e não poderia ser mudado. Aquela era a prova que eu precisava para saber que estava lutando uma batalha perdida.

Eu nunca voltaria para casa, nunca teria um lar ou uma família. Quantos anos me restavam? Poucos, talvez nenhum. Minha vida era uma maldita poça de sangue, e nunca seria nada mais que isso. Não restava mais nada que provasse ao contrário agora. Joguei-me de costas contra o gramado, eu não tinha mais voz para gritar e muito menos forças para chorar.

Ouvi um farfalhar de asas e dois segundos depois, um par de olhos azuis entrou no meu campo de visão, ajoelhando-se ao meu lado com a expressão aflita.

— O que aconteceu com você?

— Eu perdi toda a esperança que eu tinha. — sussurrei encarando o céu escuro acima de nós e o amaldiçoando com tanto ódio que poderia fazer cada maldito anjo despencar para baixo, para uma vida tão miserável quanto a minha, e mesmo assim ainda seria pouco. — Eu perdi tudo, Castiel.