Sentimento Incompleto

Cemitério de memórias


Len POV

"Você o que?!"

"E agora eu tô trancado no meu quarto.

Mas ouvi alguém brigando com ele.

Acho que foi a Ann e a mãe."

"Eu tô rindo, mas é de desespero"

"Não tem nem 3 horas que eu saí da cama e já

arrumei briga, acho que quebrei um recorde"

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

"Eu avisei que ia ser assim

(mas queria ter visto essa cena histórica)"

"Eu sei :c "

"Pelo menos me livrei de interação social hoje"

"Boa sorte quando forem atrás de você

pra resolver isso"

"Naaa, eu sobrevivo..."

"Ah, e a filha da Maryann e o namorado sabem

da gente, mas acho que não querem espalhar.

Ou estão esperando pra tacar fogo no circo"

"São só mais dois na fila... acho que é

melhor nem ligar pra isso agora."

"Mas posso te falar uma coisa?"

"O que houve?"

"Nada. Só que fiquei chocada por você

lembrar do que o William fez comigo"

"Eu nunca esqueci"

"Mesmo assim, eu não quero que você

fique cheio de culpa por coisas que não

tem controle (muito menos culpa)."

"De novo... Não fica remoendo demais.

Já passou, você tem outras coisas pra

lidar agora.

Okay?"

"Ok..."

Tarde demais. No fundo, minha consciência já pesava de novo. Eu nunca esqueci, mas também não fiz nada quando pude. É possível que nem mesmo houvesse alguma coisa para ser feita por mim com seis ou sete anos ou que realmente não pudesse fazer muito na minha posição. Eu nem mesmo entendia, Rin também não. Ágata foi a única que tocou no assunto, anos depois, já longe de todos, para explicar.

Mesmo se nós dois tivéssemos qualquer contato pacífico naquela época, Rin não teria contado comigo para nada. A culpa daquela nossa distância era em parte minha, e foi isso o que mais me impediu de ajudar.

A cada momento em que mais coisas são retiradas do cemitério de memórias, pior a situação fica. Mais erros nunca consertados eu descubro... os meus próprios. Não precisava ser nenhum gênio para saber até onde isso ia me levar.

Não era a primeira vez.

Não importava como ou quando, a imagem que eu tinha de Rin era a de uma pessoa inalcançável.

No primário, durante a infância, ela era cruelmente dura para a idade. As outras crianças eram más, implicavam e perturbavam nós dois, mas Rin começou a resistir em algum momento muito antes de mim. Ela não ligava... ou pelo menos parecia não ligar.

Infelizmente, em casa era completamente o contrário. Jurava que ela jamais faria sentido para mim.

Eu não me orgulho disso, mas nos dois casos eu era apenas o espectador. Por um tempo eu acreditei que Rin jamais seria alguém próxima. Havíamos nascido para nos odiar e a nossa fútil rivalidade criada pelos adultos egoístas seria a mesma para sempre, enquanto eu levava todas as vantagens e vitórias sem perceber o quanto isso a prejudicava.

Mas Rin também nunca foi de seguir nenhuma regra, e foi isso que fez com que se aproximasse de mim.

Pela primeira vez, eu senti que a existência dela era muito mais profunda do que eu imaginava.

E eu amei isso desde o primeiro segundo.

Nunca vi problema nisso, pelo menos não durante os anos inocentes da infância, não até nos separarem depois do nosso 12º aniversário. Misturado com a culpa de ter a beijado nesse dia, eu, mais uma vez, fui o espectador da nossa distância.

Mas depois disso, não tenho como dizer que a segunda vez trouxe apenas desgraças. Foi o que nos rendeu a ideia do Neru, e o que nos aproximou como nunca antes depois de superarmos o que achávamos ter sido o maior dos nossos problemas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

E os nosso primeiros shows no ano seguinte estão entre as minhas melhores memórias. Eu demorei alguns meses para me acostumar, mas nada impossível.

O coração batendo forte e um sorriso que não desapareceria tão cedo. As mãos dadas, levantadas, saudávamos juntos os que gritavam. Nunca em nossas tímidas existências teríamos achado que algo assim nos deixaria tão felizes.

As coisas nunca pareceram tão pacíficas. Eu ouvia pessoas gritando nossos nomes histericamente e não conseguíamos ignorar, Rin acabava deixando uma risada leve escapar. Gritávamos de volta as típicas palavras de despedidas para o público. Todas as luzes amarelas ou laranjas iluminando nossa visão, como se o mundo todo estivesse do nosso lado.

Num piscar de olhos, tudo acabava e estávamos de volta em casa. Acordávamos no dia seguinte ainda agitados. Realizados.

Valeu a pena enquanto durou.

Também nunca achamos que algo que foi tão bom no começo, ficaria tão difícil de lidar com o tempo. No fundo, até mesmo o meu lado mais isolado sentiria falta disso, embora o outro insistisse que algumas "férias eternas escondidas do mundo" me fariam tão bem quanto.

Por mais que o período com a Tia Ágata tenha sido um caos e contribuído muito para a constante aflição de que Rin e eu estávamos errados apenas por ter nascido, felizmente, era Ágata quem estava ali conosco, ou jamais teríamos aguentado.

Nós dois ainda não havíamos "oficializado nosso relacionamento", ou pelo menos não era nada sério até o final do ano retrasado, nosso aniversário de 14 anos. Talvez por sermos muito novos e reservados, sem ideia do que fazer depois apesar das diversas discussões sobre as consequências, que nunca nos impediram.

Ainda sim, a maior parte do nosso suporte era um ao outro. Não deu certo. Aprendemos do jeito difícil que isso nos afundaria mais ainda. Ironicamente, essa independência nos aproximou de novo, de um jeito diferente. Foi quando as coisas melhoraram e fomos morar com Luka e Miku, no começo do ano passado.

E mesmo em todos esses anos Leon já estava à minha espreita. Desde sempre, na verdade. Eu não tinha escapatória.

Nunca tive.

...

Eu devo ter dormido novamente e ninguém veio atrás de mim. Constatei pela janela que já estava escuro e eu demoraria alguns péssimos dias para conseguir arrumar o meu sono com o horário.

A ausência de batidas na minha porta em tanto tempo era mais assustadora do que encarar logo minha mãe e meu avô. O silêncio no andar de baixo indicava que todo mundo já tinha voltado para seus respectivos hotéis ou casas. Ousei abrir a porta e checar o corredor, vazio.

— Eu sei que está aí! – minha mãe gritou do quarto dela, ficava em frente ao meu, os últimos do corredor. Abriu a porta já me encarando. – Consigo ouvir quando abre a porta.

— Eu... Ah... – Engoli em seco. Não tinha planejado nada. Olhei para o lado no corredor em busca de uma desculpa. – Só estou indo tomar banho.

Rin estava certa quando dizia que eu sou um péssimo mentiroso.

Ela respirou fundo. Chegou até mim e olhou para o resto do corredor. Inesperadamente, não surtou.

— Ele não presta mesmo, o seu tio – murmurou. – Convenci seu avô a não surtar com você por conta disso, por hoje. Mas não abuse. E controle sua língua. Meu Deus, já está parecendo a sua irmã...

Virou as costas e voltou para o quarto dela, irritada. Eu sorri. "Parecendo a sua irmã" significa que consegui algum efeito hoje.

Não ia durar para sempre, mas já facilitava saber que eu poderia sobreviver.

E que talvez consiga mudar minha mãe de lado.

— Sinto muito pela louça. Sei que era importante pra você – falei, antes que ela fechasse a porta do quarto por pouco. – Se eu tivesse imaginado, teria evitado. Desculpe.

Minha resposta foi um silêncio quase longo demais, cheguei a pensar que não conseguiria nada dela.

— Tudo bem, não foi culpa sua – finalmente, respondeu.

Fechou a porta em seguida mesmo assim. Ia ser mais difícil do que achei que seria.

De qualquer jeito, realmente fui tomar um banho depois disso. O arrependimento foi instantâneo, mas me obriguei a deixar a água praticamente gelada apesar do frio, caso contrário teria dormido ali mesmo, embaixo da água quentinha, pelo resto da semana.

Eu queria muito, muito, ir dormir e ignorar o resto da noite. Começar de novo amanhã como se nada tivesse acontecido hoje... aqui eu não tenho essa liberdade.

Dei de cara com a minha mãe monitorando o corredor, me esperando para me obrigar a descer e comer alguma coisa, o resto da batata me esperava na geladeira. Felizmente, se me lembro bem, ninguém tinha o costume de ter um jantar formal nos fins de semana por aqui e a comida era por conta de quem quisesse.

Pela fresta de baixo da porta, notei que a luz do quarto de Leon estava acesa. Ótimo. Provavelmente estava trabalhando. Minha mãe voltou para o quarto dela também. Teria paz na cozinha.

Ledo engano.

— Ah, você sobreviveu. – Era Miriam, controlando o típico sorriso cínico. Deve ter passado o dia aqui. – Mas tenho de admitir que para seu primeiro dia, achei que seria muito pior.

Eu não disse nada. Não tinha o que responder, e nem queria. Abri a geladeira e depois de não encontrar nada, olhei para trás de novo.

— Você queria? – Miriam estava com a batata. – Foi mal, já está acabando.

Respirei fundo devagar e discreto. Não ousei demonstrar o menor abalo. Não valia a pena com ela.

— Não, tudo bem – respondi, sorrindo com esforço. – Pode ficar.

Voltei para o quarto antes de qualquer outro problema. Porta trancada, sempre.

Coloquei o celular para carregar e nem lembrei de checar se alguém havia tentado falar comigo. Não prestei atenção nem mesmo na hora.

Sem energia para mais nada e com fome, eu desisti e fui oficialmente dormir, mesmo que dessa vez minha mãe tenha reclamado e batido na porta algumas vezes. Não me importei.

Domingo foi uma estranha reprise de sábado. As únicas diferenças foram que fui obrigado a acordar mais cedo e a tomar café da manhã com todo mundo. Não houveram mais brigas. Rin e eu não nos falamos, nem ninguém mais... mas por minha culpa.

No almoço, Miriam lembrou de um assunto que até eu estava curioso:

— E aonde você vai estudar agora?

Mesmo que a pergunta tenha sido para mim, eu não poderia responder, então Leon se pronunciou.

— Vou dar a mínima chance de estudar na extensão da escola que estudou no primário. Se ele tiver qualquer problema lá, por menor que seja, voltamos para Londres e ele irá para um colégio interno, ou militar.

Não, eu não fiquei surpreso. O plano dele sempre foi esse, desde que nasci. E também, eu tinha menos de um ano para aturar isso. A surpresa mesmo foi que eu teria uma chance de estar num colégio "normal" se conseguisse sobreviver lá.

Eu não me lembro o nome, mas lembro que era religioso, cristão. E lembro de odiar muito estar lá dentro, mesmo que eu não demonstrasse. Lembro de Rin recebendo punições de séculos passados das freiras de lá, apenas por não ser o modelo perfeito de menina. Cenas dignas de um filme de terror.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Mas agora está tudo bem. Rin nunca mais vai passar por isso. Não preciso me preocupar, ela está bem lá, bem melhor... E eu tenho menos de um ano...

Olhei de canto para minha mãe, ao meu lado, na ponta da mesa. Ela me olhou de volta da mesma forma. Isso foi coisa dela, com certeza. Leon jamais teria essa piedade por conta própria.

O maior problema era: eu seria um ímã de problemas facilmente. Sempre fui, mal de Kagamine. Melhor nem desfazer as malas tão cedo. Logo, logo, precisaria delas de novo.

— E já começa amanhã? – Dessa vez, eu mesmo quis saber.

— Não, não conseguimos tudo tão rápido – minha mãe respondeu. – Mas começa daqui duas semanas, no máximo.

Sequer consegui decidir se ter esse tempo seria bom ou ruim. Por um lado, se ela e Leon ainda trabalham quase o dia todo, seria bom ter um pouco de paz aqui. Por outro, era ruim não ter nada mais com o que ocupar meu tempo e deixar o caminho totalmente livre para as preocupações atuais.

...

Nessa noite, não consegui dormir pela primeira vez. Meu corpo estava perfeitamente acordado e agitado, como deveria estar se estivesse no fuso-horário anterior. Se aqui é meia-noite e pouco, lá deve ser quatro e pouco da tarde. Queria estar em casa, ou gravando alguma coisa na Crypton, passando horas com conversas aleatórias ou de ensaios sem objetivos na sala do clube.

Rin deve estar em casa, mas fiquei com receio de pegar o celular e terminar sem dormir o resto da noite. Passei o dia todo com sono, e foi só encostar para dormir de verdade que o sono foi embora.

E quanto mais tempo passava, menos eu queria estar naquele quarto. Mais preso e fora do lugar eu me sentia.

Com a porta e janela fechadas, era completamente escuro e silencioso. Não via nem minha própria mão em frente ao rosto. Conseguia ouvir todos os tipos de barulhos estranhos e sem origem que me assustavam, de um lugar que não estava acostumado.

Senti falta de contar as estrelinhas no teto. Senti falta até do ruído abafado do aquecedor. E queria sentir Rin respirando tranquila nos meus braços e que eu não estava sozinho ou preso.

Já estava tremendo, o coração pulando, doendo até os pulmões em cada batida. Faltava pouco para perder o ar e perderia meu controle também se continuasse desse jeito.

Era só o que me faltava... voltar a ter medo do escuro.

E foi exatamente o que aconteceu.

Desisti de resistir. Levantei, acendi a luz e abri a janela com pressa. O ar frio bateu na minha cara e eu agradeci por dentro. Debrucei no parapeito e parei de prestar atenção no tempo, tentando voltar a respirar fundo normalmente. Sabia que iria demorar, e isso me deixava pior ainda, mas continuei ali até ter coragem de encarar o cenário.

Olhar para cima foi uma decepção, não via nada. O céu nublado e a neblina estavam determinados a atrapalhar. A minha janela tinha visão para a área do fundo e para o quintal chato de outra pessoa.

Puxei uma cadeira do canto e me sentei ali, apoiando a cabeça num braço e o outro para fora. Meu cabelo e as mangas da blusa começaram a ficar úmidos, e fiquei mesmo assim, com medo até de olhar para trás e voltar a encarar o quarto. Não era pequeno a ponto de me sentir claustrofóbico, mas causava um certo agito no fundo do meu ser que eu reconhecia de quando era mais novo... e orgulhoso demais para chamar ou dormir com alguém.

Não fiquei olhando as horas, mas tomei coragem de voltar a tentar dormir quando a tremedeira começou a ser motivada pelo frio. A blusa úmida ficou na cadeira e me contentei com a camiseta de baixo. Apaguei a luz, mas deixei a janela aberta mesmo sabendo da quase certeza de que acordaria doente de novo.

...

Acordei com meu celular enlouquecido de mensagens em plena segunda de manhã. Notei, arrependido, que esqueci de colocar no modo silencioso antes de dormir e a barulheira me acordou.

Percebi que minha garganta voltou a doer, além da cabeça e do peito. Precisei levantar para não me afogar sem ar e por pouco não virou uma crise. Bem-vinda de volta, gripe. Agora vou ter de me acostumar com um jeito de acordar sozinho antes de morrer quando isso acontece. Rin sempre ouvia ou percebia e me acordava antes de piorar.

Quando finalmente consegui respirar, chequei as várias mensagens de... não reconhecia aquele número.

"Len, eu fiz merda e a culpa é de vocês dois"

"Mentira, não é culpa de vocês, mas foi inspirado"

"Obrigado, mas eu te odeio"

"Mentira, tu ainda é meu melhor amigo

Você lembra quando disse isso? Eu duvido ahaha

E mesmo que lembre, não deve ser mais verídico"

"A Rin e a Miku lembram de mim, elas não me ignoraram"

"Eu tentei falar com você antes, mas só ontem que elas me

responderam e eu tomei coragem de te mandar mensagem"

"É sério, preciso falar com você"

"Eu tô nervouser, desculpa"

"A Alice disse que tá com saudades"

"Ah, é o Harry aqui"

"O Ashworth"

"Eu já gravei algumas gameplays com a o Jun, o Ichiro e a

Hikari, lembra...? Eu sou o loser que tenta viver com

trocado de YouTube pra sair de vez da casa do pai."

"A gente sofria bullyng das mesmas pessoas no

primário, também."

"Não tem como você não lembrar de mim, pensando bem"

"Você não tá sozinho aqui em SF, yaaay~ :D"

"Da pra gente se ver sempre, se seu avô não encrencar

E se a fucul deixar. Universitário nem é gente."

"E se tudo der certo, você pode até ir parar na mesma

escola que a Alice tá agora"

"É extenção da que a gente estudava antes"

"Foi mal mandar tanta mensagem. A Rin disse que você deve

estar dormindo e que esse é um jeito de te acordar."

"Mas ela também disse que você silencia o celular,

então eu tô tentando a sorte aqui"

"Enfim, a ideia foi dela."

"Pode me xingar depois, caso você continue um chato"

"FUI VISUALIZADO"

"ESSE MOMENTO É MEU"

"AAEEEE TE ACORDEI"

"Bom dia, serve?"

Xingaria e perguntaria o que aconteceu depois, apesar de já imaginar do que se trata. Primeiro, preciso ficar feliz e comemorar por dentro por saber que não estou completamente sozinho aqui.