Sem Você.

Biologia e -ah, que ótimo- garotas malvadas.



Estou voltando para o refeitório, totalmente decidida a não falar com Lou novamente. Jamais.
Dirijo-me até a mesa de meus novos amigos e me sento. Percebo que Amélia e Carla estão em uma discussão séria.
-Perdi algo importante? –pergunto. Rubens me olha de cima a baixo e dá de ombros.
-Durante a meia hora em que demorou no banheiro? Não muita coisa. Carla apenas disse que não suporta quando Amélia fica isolada lendo seu jornal e então chegamos a isso. –ele aponta para as garotas, agora quase gritando. Não sei se devo ignorar seu comentário sobre o banheiro. Olho para Jess em busca de ajuda mas ela também me olha como quem espera uma explicação.
-O quê? Não posso mais ter dor de barriga no colégio? –a pior das explicações, mas não encontrei uma melhor.
-Tudo bem, senhorita Eu-não-sei-fingir, vamos dar uma volta para eu te mostrar a escola. –nos levantamos e deixamos Rubens e as meninas discutindo.
Quando estamos saindo do refeitório, sinto um puxão forte no braço. Me viro e vejo Collin, o loiro do refeitório, parado na minha frente, com um sorriso no rosto.
-Como vai, coisa linda? Nunca te vi por aqui antes. –ele diz. Olho para Jess e ela da de ombros.
-Justo a novata, Collin? –ela diz, com a expressão de quem está segurando o riso. Deve estar adorando ver-me sem saber o que fazer.
-Então, voltando para a garota bonita –ele olha pra mim- o que te trás aqui, em Yelville? –Ok. Se acalme, respire e dê a resposta. É fácil. Perco o ar pela terceira vez, mas dessa vez não é pelo fato de ele ser lindo, o que realmente é, mas sim porque sempre fico nervosa quando não sei o que dizer. Ele ainda está me olhando, sem desviar, esperando uma resposta.
-Hum... Meu pai me mandou pra cá.
-Viu? Isso é ótimo, temos algo em comum. –ele beija minha mão– Você é?
-Hayden.
-Então a gente se vê por aí, Hayden. –ele me dá um beijo demorado na bochecha e sai. Jess não aguenta e começa a rir.
-Tudo bem, ache engraçado, sou uma completa idiota! –começo a andar e ela logo me alcança.
-“Mas você pode me chamar do que quiser.” -ela imita Collin com uma voz grossa, praticamente igual a dele. Começo a rir também.
Jess me mostra todas as salas de aula da Yelville e também a enfermaria, a sala da diretora e –a parte que eu mais gostei- o campo. Ela me diz que todas as atividades de educação física são feitas ali.
-Quando temos educação física? –pergunto.
-Não sei se temos aulas juntas, veremos isso amanhã. As aulas são todas as sextas mas as turmas praticam em horários diferentes. Quando vai receber o seu horário?
-Horário? Ninguém me falou nada disso.
-É só um pequeno papel com todas as aulas que você terá, quem está na sua turma e os horários. Acho que a professora Luce lhe entregará na aula de Biologia, que é a sua primeira.
-Como sabe disso?
-Me dei ao trabalho de perguntar a auxiliar hoje antes do café, e você tem três aulas comigo. –fico feliz com isso. Pelo menos em três aulas de cinco ao todo não me sentirei totalmente deslocada. Mas tem Carla, Rubens e Amélia, também. Tomara que eu tenha aulas com todos eles hoje.
Estamos voltando ao refeitório, mas o sinal toca. É a primeira aula. Subimos as escadas, seguimos pelo corredor e entramos na terceira porta. Em vez de mesas, nos sentamos em balcões, onde cabem somente duas pessoas. Jess já tem um parceiro, então a professora me coloca com uma outra aluna.
Ela tem um cabelo que vai até a cintura e é loira, muito mais do que Jessica, mas tenho certeza que seu cabelo é tingido. Seu rosto está coberto em camadas de maquiagem e fico imaginando como deve ser difícil tirar tudo aquilo na hora de dormir. Está usando duas argolas enormes como brincos. Seu uniforme deve ter sido comprado em um número duas vezes menor, pois a barriga está a mostra acima da calça jeans colada e posso ver um piercing em seu umbigo. Algo me diz que não terei amizade com ela. Me sento e não digo nada.
-Turma, essa é Hayden e, como podem ver, é nova na turma. -a professora olha para mim- sou Luce Gilbert, e serei sua professora de Biologia durante o ano todo. Vejo que já se juntou a Britanny, ela é sua companheira para as aulas a partir de agora. Seu livro de biologia está embaixo do balcão, na primeira gaveta, querida, junto com o seu horário. –abro a primeira gaveta e pego os itens.
-Obrigada. –resmungo.
A aula é tranquila, quase não tenho que anotar nada e estou por dentro do que estamos aprendendo. Abro o meu horário, um folheto com duas páginas e não encontro nenhuma informação sobre minha turma. Só sei as aulas e períodos. Estou terminando de ler quando um bilhetinho pousa em cima da folha, embaixo de mãos com unhas postiças enormes. Britanny. Abro o bilhete, esperando ser um recado de boas vindas, mas não é bem o que encontro.
“Vai ficar o ano inteiro? Isso vai ser um saco!"A loira da uma risadinha enquanto eu amasso o papel e o guardo no bolso.
Minha próxima aula é de matemática. Entro na sala e encontro três pessoas já preparadas para a aula: Jess, Rubens e –ah, meu Deus- Lou. Ele está isolado no último balcão, concentrado no seu livro e nem percebe quando entro na sala e me sento ao lado de Jess, que está virada para trás conversando com Rubens.
-Não, não, não, Hay! Ao meu lado senta-se Greg, e ele é um gato. Mas não se preocupe, o professor Jorge te colocará em algum lugar. –Vejo pelo canto do olho que Lou está me olhando. Sento-me em um balcão ao lado do de Jess, que volta a tagarelar com Rubens.
Aos poucos os alunos vão chegando na sala e tenho que me sentar cada vez mais no fundo, até chegar ao balcão ao lado de Lou. Dois alunos chegam e me avisam que é nesse balcão em que se sentam. Minha única opção é me sentar ao lado do garoto irresistível, porém muito mau educado, que com certeza não me quer por perto.
Decido simplesmente ficar em pé, no meio da sala. Jorge, o professor, me olha curiosamente.
-E então, srta. Mcfield, não vai se sentar? –olho para o banquinho ao lado de Lou e me sento. Sinto o cheiro do seu perfume e dou um suspiro. Não olhei para ele uma única vez e não pretendo olhar.
Jorge continua com sua aula.
Fico impressionada com o tanto de coisas que temos que anotar. Um garoto faz uma pergunta e o professor começa a explicar. Tenho a impressão de que será uma explicação demorada, então começo a desenhar vestidos no canto do meu caderno. Faço isso desde pequena, com a minha mãe. Hoje em dia ela já não tem mais tempo para desenhar comigo, mas eu ainda gosto. Lou se inclina para o lado e observa o que estou fazendo.
-Gosta de vestidos? –pergunta. Pensei que não quisesse falar comigo.
-Apenas gosto de desenhá-los, mas não usaria um a não ser que precise.
-Devia tentar. –olho pra ele confusa.
-Usar um vestido, você devia tentar. –ele repete, agora irritado. Se levanta e sai da sala, seguindo o fluxo de alunos. A aula de matemática acabou.
Agora, pelo que posso ver em meu horário, é o intervalo. Jess surge de algum lugar no meio do tumulto de alunos e entrelaça seu braço com o meu. Vamos até o refeitório e ela acena para Amélia, que já está sentada na mesma mesa que antes. Vamos até a cantina e eu peço um sanduíche natural.
Quando estou voltando para a mesa, sinto mãos em minhas costas tarde demais para perceber que estou sendo empurrada. Caio no chão e rapidamente me levanto, recolhendo a bandeja e os restos do meu lanche. Viro-me e encontro Britanny parada, olhando para mim com um sorriso sarcástico no rosto.
-Olhe só quem entrou no meu caminho. Garota errada, novata.
-Mas eu não...
-Vê se não enche, Britanny! Deixa ela em paz! –Jessica a empurra para o lado e então percebo que todos no refeitório estão parados, assistindo a tudo. Não arriscarei dar uma olhada mas, sei que Lou também está.
-Como se algum dia você fosse me dizer o que fazer, sua depressiva! –Britanny avança para cima de Jess mas ela é mais rápida e joga toda a bebida de seu copo no cabelo da garota.
Antes que a briga fique séria, uma mulher de saia justa na altura dos joelhos jeans e um terno da mesma cor anda até elas, o que foi o suficiente para fazer com que as duas parassem. Imagino que seja a diretora.
-Acho que não preciso dizer o quanto estou decepcionada com vocês, não é meninas? Vocês já sabem o caminho da minha sala.
As três saem rapidamente do refeitório e me sinto tão culpada por Jess que me esqueço, apenas por um segundo, que estou sozinha e todos os alunos estão me encarando, alguns dando risadinhas. Olho em volta procurando por Lou e percebo que ele está sentado na mesa ao meu lado, me olhando com curiosidade. Meu rosto esquenta e sinto tanta raiva que ignoro os gritos de Rubens, Carla e Amélia me chamando enquanto corro para a saída.

Estou em meu dormitório. Finalmente.
O resto do dia foi como uma tortura para mim. Depois de sair do refeitório, corri para o banheiro e fiquei por lá durante o resto do intervalo. As pessoas já devem me achar esquisita por ficar me trancando no banheiro toda hora.
Não tive notícias e nem vi Jess depois da briga. Tive aulas com Rubens, mas nem mesmo isso me tranquilizou. Ele não pôde impedir as risadinhas e olhares espantados em minha direção. Mas fez de tudo para que eu me distraísse e esquecesse o que aconteceu.
Se o primeiro dia já foi um desastre, imagino como será o resto do ano.
Tenho tantas coisas para entender que me espanto. Não era pra ser assim, não queria ao menos ser notada por ninguém. Mas já tenho um admirador, conheci um cara que me acha louca e não gosta de mim por um motivo que desconheço, envolvi Jess em uma briga e Britanny me odeia mas, embora não esteja interessada em saber, o motivo eu também desconheço.
Só queria estar em casa assistindo aos meus seriados favoritos pelo computador, com Nut, meu cachorro, enrolada em um cobertor tomando chocolate quente. Super clichê, eu sei.
Mas estou a quilômetros de casa. Longe demais. Já sinto falta de meus pais e de Todd, meu irmão mais novo.
Eu ligaria para minha mãe, para ouvir seus conselhos. Tenho certeza de que ela teria um. Mas ão vou ser egoísta, não ligarei pois isso só os deixariam preocupados comigo.
Toc toc toc.
-Hay, sou eu! Abra essa porta antes que eu use minhas fivelas!
Corro para a porta e encontro Jess parada comendo uma barra de chocolate, ignorando completamente as regras de não sair do dormitório depois das onze (alguém aqui leu o manual).
-Aceita chocolate? –ela abre um sorriso e começa a falar antes que eu possa dizer qualquer coisa- Levei suspensão por dois dias, sabe o quanto estou agradecida a você? Os professores estão um saco ultimamente, preocupados demais com provas e por incrível que pareça e por mais adorável que eu seja, –ela pôe as duas mãos embaixo do rosto e pisca várias vezes- eles descontam tudo em mim. Sabem que não me importo. Mas chega uma hora que cansa.
-Sabe Jess, eu...
-Além de tudo eu estava louca para jogar meu refrigerante naquele cabelo de progressiva da Britanny e ver ele enrolar para que todos possam ver que não só ela como também seu cabelo é falsificado. O que você estava dizendo mesmo?
-Nada, só estou aliviada por não estar brava comigo. Eu juro que não fiz nada, ela simplesmente me empurrou! E ainda me deu este bilhete na aula de Biologia. –tiro o bilhete do bolso e entrego a Jess, que lê e da uma risadinha. Então, tira um isqueiro do bolso e o queima. Imagino o porquê de ela levar um objeto assim no bolso.
-Ela não precisa exatamente de motivos para odiar alguém. Aparência já é um grande fator para arrumar uma briga. –olho para ela, confusa. Ela aponta para mim –Quer dizer, olhe só você. É bonita. Ela simplesmente não suporta ter concorrência.
-Concorrência pra que? Não estou concorrendo pra nada.
-Esquece isso, Hay. –ela se levanta e abre a porta –A gente se vê amanhã.
Fico feliz que Jess não esteja brava comigo. Faço meus deveres e durmo, como um bebê.

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