Seeking Shelter

Cada Um Com Sua Família


Não consigo ficar feliz pelo meu aniversário, mas os outros ficam felizes por mim. E com os outros, quero dizer Ashley e Connor, e mais tarde, por volta das dez da noite, Cyrus aparece para me dar um abraço e um feliz aniversário, já que eu não consegui ir pra escola.

Antes disso, Connor cantou ''Isn't She Lovely" acapella para mim enquanto carregava um cupcake com uma vela, e a sua namorava me olhava super contente com tudo que estava acontecendo, como se o aniversário fosse dela. Sorri, agradeci e abracei eles, depois assistimos Grease e eu dormi até a hora que Cyrus apareceu. Ficamos conversando por uma meia hora até ele sacar que eu estava morta de cansaço e ir embora. O dia não foi inteiramente ruim, mas ao mesmo tempo, não foi inteiramente bom, e algumas partes eu realmente quero esquecer, como Jill chorando e o pai dela gritando, do quarto, mas Connor cantando para mim foi legal, porque era o que meu pai costumava fazer nos meus aniversários (eu e minha mãe tentávamos convencer ele a cantar algo mais vergonhoso como Black Or White ou Simply The Best pra nós podermos rir da cara dele, mas ele nunca mudou de ideia). Quando estou sentada no sofá, já decidida a dormir ali, Connor sai de fininho do quarto e senta no sofá. Eu boto minhas pernas no seu colo e fico de barriga pra cima, esperando ele falar alguma coisa.

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–Tenho uma notícia.

–Se for ruim, não me diga. -Aviso, porque meu cérebro não iria aguentar mais uma notícia ruim agora.

–Não é ruim. Eu acho. -Ergo uma sobrancelha, curiosa.

–O que é?

–Então, essa loucura toda do estupro, seu e da Jill, me fez pensar que a vida é perigosa demais pra... sabe, esperar alguma coisa acontecer. Então eu pensei "foda-se, eu vou pedir a Ashley em casamento de novo e não ligo se ela disser não", então eu pedi, e ela...

–...Disse sim?

–É. -Connor finalmente deixa seu rosto ser tomado por uma felicidade completa e eu não consigo evitar sorrir. -Parece que ela também se sentiu afetada com tudo que aconteceu e percebeu que também queria isso.

–Quer dizer que você está noivo?

–Isso aí.

–Wow. Eu te abraçaria, mas estou cansada demais.

–Não tem problema. Amanhã a gente vai contar oficialmente, na casa dos pais dela... -Olho pra ele, desconfiada.

–Eu vou junto?

–Por favor? -Faz a voz de criancinha manhosa.

–Tá, tá.

–Isso quer dizer que você tem que fingir surpresa e felicidade.

–Mas eu estou mesmo feliz por vocês. Meu casal preferido. -Balanço as mãos, num sinal de animação.

–Vai ter que se vestir bem... chique. Os pais dela são meio...

–Rígidos?

–É. Você lembra deles? -Vasculho minhas memórias até achar a lembrança de uma visita até a casa dos Beacon, com os meus pais.

Foi... esquisito.

–Lembro. Vou achar uma roupa bonita.

–Obrigado, mana.

–Sem problemas. -Então ele volta pro quarto e eu acabo dormindo. O dia seguinte começa rápido demais, às sete da manhã quando Connor me acorda pra começar a me arrumar (porque sou uma garota e tenho o direito de demorar pra me vestir) e ele prepara o café da manhã.

–Bom dia! -Ashley exclama, e meu irmão e eu sorrimos para ela e sua felicidade, até de manhã. Depois de tomar um banho, ligo para Max e pergunto como Jill está. Ele me conta que ela está mais calma, dormindo ainda, e que hoje ele vai tentar mais uma vez convencê-la a prestar queixa, porque ela é a única que pode fazer isso. Ele parece mais calmo também, e eu pergunto o que ele vai fazer com relação ao idiota da universidade.

–Vou esperar mais um pouco, acho. -Ele responde. -Mas que eu vou dar uma porrada nele eu vou, minha irmã prestando queixa ou não. É só uma questão de tempo.

–Não faça besteira. -Parte de mim quer ir lá pra ver Jill pessoalmente, mas sei que agora é um problema da família dela e que não posso me meter. Tanto.

–Eu sei, Carter.

–Qual é o nome dele, de novo?

Louis Stratt.–Ele fala, com a voz ácida e eu percebo que é melhor mudar de assunto. Nessa hora, Connor bate na porta do meu quarto, me apressando.

–O.K. Eu preciso ir, boa sorte com Jill.

–Valeu.

–Qualquer coisa é só ligar.

–Eu sei. Obrigado, Cat. -E é estranho, porque Max só me chamava de "Cat" antes do acidente. E, pra falar a verdade, ele era o único que me chamava assim, pra se diferenciar de todos os outros. É meio surpreendente, depois de tanto tempo ouvindo "Carter" e "Catherine", lembrar que ele me chamava de "Cat" também.

Muito estranho.

E eu tenho nomes demais.

–Uh... bem, tchau. -E então desligo, antes que fique esquisito. Jogo o celular na cama, como se estivesse pegando fogo e começo a me arrumar lentamente, porque eu tenho tempo. Posso ouvir meu irmão e Ashley vindo para lá e para cá pelo apartamento, perguntando onde está alguma coisa, cadê a outra, e assim, com a porta fechada, apenas ouvindo o barulho deles, é muito fácil pensar que eles já estão casados.

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Isso me faz pensar.

Connor provavelmente não vai querer que eu vá morar com ele depois de casado. E eu tenho idade o suficiente pra ser... adulta. Então, o que eu vou fazer? E a lua de mel?

Estou ferrada. Uma onda de pânico começa a me atingir enquanto estou passando rímel e meus olhos ardem quando eu penso que ele vai pra lua de mel e eu vou ficar sozinha, mas eu digo a mim mesma que preciso parar de ser tão egoísta, que meu irmão já sacrificou muita coisa por mim e que uma hora, eventualmente, ele ia ter que parar de fazer coisas por mim. Eu sou uma adulta agora. Amedrontador.

Estou vestida como uma boneca quando todos nós descemos (sem antes acenar para Harvey e Fletcher, que estão conversando na porta do apartamento deles) e nos dirigimos ao carro. Meu vestido verde vivo vai até os meus joelhos e meus cachos estão domados por uma presilha, sem contar com a maquiagem. Estranhamente, isso me deixa contente. Sempre gostei de me arrumar bem, só nunca tive oportunidades ultimamente, nem queria. Ashley passa o caminho todo dando instruções "Não comente das drogas, Carter. Eles vão fazer comentários maldosos e não vai ser legal." ou "Sem nem uma palavra sobre o que aconteceu com a Jill. Eles vão achar que estamos envolvidos com criminosos ou algo assim." Aí é que eu percebo que Ashley Beacon, é na verdade, um ser humano normal. Porque, senhoras e senhores, ela tem problemas com os pais.

A história é essa, ela me conta: quando ela decidiu não fazer faculdade, seus pais ficaram bravos, principalmente quando ela disse que, se faria, não seria psicologia, que era o ramo da família inteira dela. O que ela queria era fazer trabalho voluntário na África, mas ela ainda está juntando dinheiro para isso, trabalhando como tutora e na escola. Tudo piorou quando o irmão dela, dois anos mais velho que ela, decidiu que ele também não iria para a faculdade, e sim, ia ser soldado. Então os pais decidiram que seus filhos eram uma decepção e achavam que, criticando constantemente as escolhas deles, eles mudariam de ideia.

Nenhum dos dois mudou.

–Não fale de Tyler. -O irmão dela. -Eles provavelmente vão mandar a gente embora.

–Não se preocupe, vamos todos nos comportar. -Connor responde por mim e ele, com voz de uma criança pequena prometendo não fazer barulho. Fico pensando qual será a reação dos pais dela ao saber que a filha está noiva de um cara sem família, praticamente criando uma filha e, adivinha, sem faculdade. E trabalhando com carros, o que todo mundo sabe que não é uma profissão muito... chique.

A casa dela é tão impecável quanto a família.

–Entrem! -A mãe dela, uma falsa loira com um vestido da alta costura abre a porta para nós e abraça a filha delicadamente. Depois, nos abraça por meio segundo antes de nos largar. O pai dela é melhor. Ele carrega uma cerveja na mão quando vem nos cumprimentar e já chama Connor para assistir futebol americano na tevê. Ele olha pra mim, para ter certeza de que vou saber me virar e Ashley aperta meus ombros, dando apoio. Por fim, ele vai.

–Então, você é Catherine, a irmã de Connor se eu bem me lembro? -A Sra. Beacon diz, botando pratos na mesa. Eu e Ashley sentamos em banquinhos, na bancada.

–Sim.

–Onde estão seus pais?

–Mãe!

–Eles morreram em um acidente, há dois anos, senhora. -Tento não me deixar abalar.

–Você sabe disso. -Ashley comenta, curta.

–Eu esqueci. Posso ser velha mas tenho juízo. -Sinto que isso é o início de outra conversa, uma que eu não estou envolvida, apenas entre mãe e filha, uma briga secreta, então não falo mais nada.

–Carter é uma das minhas alunas.

–Carter? Isso não é nome de... garoto? -Ela dá um sorrisinho, mostrando que está brincando, mas não acredito nisso. Nem Ashley.

–É um apelido, mãe. Meu Deus.Foi o irmão dela que deu.

–Posso ver que Connor não é uma pessoa muito hábil para fazer escolhas.

–Não foi Connor. Foi Charlie.

–Quem é Charlie?

–Meu irmão mais novo. -Respondo por Ashley. -Ele morreu no acidente também. Chamávamos ele de Chaz. Ele não sabia pronunciar meu nome direito, então me chamava de Carter.

–Entendo. -Ela pressiona os lábios em uma linha, descontente com a resposta. Conversamos sobre o clima, depois sobre as faculdades que eu planejo ir quando a escola acabar.

Sei que isso é uma indireta para Ashley, mas eu sou pega de surpresa. Estou estudando para fazer os SATs a algumas semanas, mas a ideia da faculdade não me passou pela cabeça.

Eu nem sei o que eu quero fazer.

Eu quero trabalhar com música.Aquela voz pula na minha cabeça. Música. Eu tenho certeza, mas acima disso, eu tenho medo.

De me pressionar demais com a música e acabar perdendo o gosto por isso, ou simplesmente com medo de cantar sem chorar até me acabar.

–Ainda estou decidindo. -Respondo.

–Mas você vai?

–Sinceramente, eu não sei. Tenho certeza que meus pais apoiariam qualquer decisão que eu tomasse, então não tem muita importância. Mas eu quero. E se não quisesse, ninguém me forçaria a nada. -É uma resposta longa para uma pergunta tão curta, mas ela capta a mensagem e Ashley tenta esconder um sorriso.

–Então, vamos comer. -A Sra. Beacon muda de assunto outra vez e chama o marido para a grande mesa de vidro no centro da copa, repleta de quadros de família.

Nenhuma foto atual, o que é meio triste.

Comemos todos em silêncio, pausando de tempos em tempos para dizer alguma coisa e jogar conversa fora. O Sr. Beacon é legal até, se você ignorar o fato de que ele parece apoiar a Sra. Beacon em todas as decisões que ela toma, até as super erradas, tipo mandar indiretas toda hora para Ashley sobre como a vida dela deveria ser. Tirando isso, ele é gente boa.

Quando todos estão cheios, vejo Connor e Ashley trocarem olhares e chego a conclusão que chegou a hora de dar a notícia tão esperada por eles.

–O.K. Há um motivo para termos vindo aqui hoje. -Ashley diz, parecendo mais confiante e segurando a mão de Connor. Dá pra ver pelo olhar do Sr. Beacon que ele já desconfia de alguma coisa.

–Sim, Ashley? -A mãe pergunta.

–Bem. Gostaria de contar para vocês, os primeiros a ouvir, queeueConnorvamosnoscasar! -Ela fala tão rápido que fico até sem fôlego. Connor olha pra mim. Então sou a primeira a falar alguma coisa.

–Ai meu Deus, isso é incrível! -Abraço Ashley, que parece tão feliz pela notícia que não percebe que, do outro lado da mesa, os pais estão paralisados.

Depois de um segundo, a casa cai.

Ou pelo menos, o vidro de sobremesa que estava na mão da Sra. Beacon, sujando todo o chão e respingando algo marrom no seu vestido.

–Pai? Mãe? Vocês me ouviram?

–Não. -A Sra. Beacon fala firme.

–Ah, eu disse que Connor e eu vamos...

–...Não vou deixar você jogar sua vida fora desse jeito, Ashley. Não foi para isso que eu criei você!

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–Com licença, do que está falando? -Levando do meu lugar, mas permaneço parada, olhando educadamente para a mãe de Ashley.

–Eu não vou deixar você se casar aos vinte anos, sem faculdade, sem dinheiro, com um cara tão miserável quanto você nessa situação! -A mãe dela está vermelha. De raiva.

Pena que não está tão furiosa quanto eu.

Ou Connor. E Ashley também.

–Ah, sério? O que você vai fazer pra me impedir? -Noto que ela não nega o "cara tão miserável quanto você" porque a Sra. Beacon estava falando a verdade. E Ashley sabe, mas mesmo assim quer se casar com meu irmão. A compostura da Sra. Beacon muda, quando percebe que não há nada que ela pode fazer pra mudar a situação.

–Você não é mais bem vinda nessa casa.

–Eu nunca fui bem vinda nessa casa, mãe. Isso não é novidade.

–Gary. -A mãe dela diz, buscando a ajuda do marido.

–Talvez, se todos sentássemos, podemos conversar sobre isso.

–Não há nada para conversar. Sua filha já botou as cartas na mesa e agora tomei minha decisão. Estou farta de observar ela jogando tudo para o alto. Estou dizendo, você não é mais vem vinda aqui enquanto não estiver longe disso. -Ela diz isso apontando para mim e Connor, o que me faz ficar muito perto de socar o rostinho dela. Percebo que Sra. Beacon se refere a Ashley como "sua filha" ao marido, como ela já a tirou desse cargo.

É tão fácil assim desapegar da própria filha? Olho para Ashley, e ela está... normal. De mãos dadas com Connor, confiante e com o mesmo brilho nos olhos de quanto contou que estava noiva. Observo Connor e ele também está em pé, de cabeça erguida, sem se deixar abalar. Vou para o lado dela, e Ashley também segura minha mão.

O Sr. Beacon está tentando fazer uma escolha, posso perceber. Por fim, ele fica do lado da mulher e suspira, botando uma mão na frente dela, a impedindo de andar em nossa direção.

–Acho melhor vocês irem embora agora.

E é isso que a gente faz.