A primeira regra de qualquer patrulha feita pelos Salvadores era bem clara: a missão não estava acabada até que seu objetivo fosse cumprido. A segunda era referente à obediência ao líder. A terceira norma recomendava que todos os patrulheiros permanecessem juntos, evitando se separar do grupo. Também era estritamente importante que fosse mantido um contato frequente com a Fortaleza, enviando relatórios atualizados sempre que possível.

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David Hershel estava tentando obedecer à primeira regra, mesmo que para isso tivesse que quebrar as demais.

Aquela era uma missão importante, não era à toa que apenas os melhores patrulheiros da Fortaleza eram selecionados para o trabalho. Havia se passado um ano desde a última incursão que fizeram a Washington, D.C., e não era bom deixar uma cidade como aquela sem vistoria por muito tempo. Os patrulheiros também deveriam ir até o litoral, onde checariam as salinas preparadas por outro grupo algum tempo atrás. Como se tudo isso já não bastasse, era provável que essa fosse a última missão de Hesh no serviço obrigatório, pois em poucos meses ele seria dispensado e retornaria para casa.

Fora com o intuito de convencer os outros que ele invadira a conversa dos dois membros do Conselho; tivera que lembrá-los da primeira regra. Havia bastado que ele argumentasse para que outros que antes estiveram calados começassem a falar também. A partir daí, seguiram-se várias opiniões e, por fim, a cisão do grupo. A grande maioria decidira voltar, levando embora a maior parte dos suprimentos, e alguns poucos ficaram. Tudo porque me deixei levar pelo momento.

O jovem podia contar nos dedos os atos impulsivos que já fizera em toda a sua vida. Ainda na infância, lembrava-se de ter matado um pássaro com o estilingue enquanto brincava com Sam. Hesh sempre adorara os pássaros. Os passeios pela floresta que tivera o costume de fazer com o melhor amigo tinham sido uma ótima oportunidade para observar as aves, isso até Dixon começar a se empolgar e brincar com pedras. Certo dia, o mais velho o incentivara a tentar acertar um passarinho, e Rhee nunca fora capaz de se perdoar por tê-lo feito. Havia tido pesadelos durante semanas, vendo o pequeno animal agonizando no chão antes de morrer, e nunca mais acompanhara o amigo nas caçadas.

Seu segundo ato imprudente tinha sido na adolescência. Na época, David já havia percebido e aceitado que era apaixonado por Grace Grimes, mas tinha optado por deixar as coisas como estavam. Os dois tinham sido melhores amigos desde bebês, e a garota em momento algum havia demonstrado interesse por ele. Certa noite, Grace, Sam e Hesh se juntaram para beber escondidos de seus pais. O asiático tinha conseguido maneirar no álcool, enquanto os dois mais velhos chegaram ao fim da noite completamente bêbados. David ajudara a amiga a voltar para casa e, no momento da despedida, a morena tinha confessado que gostava dele. Os dias se passaram e os dois nunca mais tocaram no assunto. Rhee pensava que Grimes podia muito bem ter se esquecido daquele episódio, ou simplesmente usado a embriaguez como desculpa para fingir que nunca tinha acontecido. Mas uma coisa era certa: Grace nunca fora de tomar decisões e dar o primeiro passo para realizá-las. Poucos dias antes da jovem partir para a Fortaleza, contudo, ele havia decidido investir.

O terceiro era o que ele estava vivendo nos últimos dias. Pelas suas experiências, podia dizer que havia errado em uma ocasião e acertado em outra. Naquele momento, esperava que a sorte estivesse ao seu favor e não o fizesse se arrepender da decisão que tomara. David começava a ver nos rostos de seus companheiros que talvez tivesse se enganado ao contrariar os demais patrulheiros; talvez aquela missão já estivesse perdida havia muito tempo.

Edward Potts morrera em decorrência dos ferimentos minutos depois de chegar ao acampamento, não antes de relatar o acontecido aos demais. Ao que tudo indicava, os patrulheiros selecionados por Richard Martin para fazer o primeiro contato com Washington tinham decidido verificar um edifício inacabado e, em algum momento, as suas estruturas simplesmente cederam. Os que tinham ficado no acampamento não perderam tempo e logo se dirigiram ao local do acidente: uma pilha de poeira e escombros do que antes havia sido um enorme prédio em construção. Embora os patrulheiros restantes tivessem passado dois dias inteiros procurando por sobreviventes debaixo de todo aquele entulho, não foram capazes de encontrar nem um cadáver. Richard, Edward, Rebecca, Nicholas, Linda, Gabriel e Janet, estavam todos mortos.

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Os problemas que seguiram a finalização das buscas foram outro baque. Parte dos sobreviventes tinha declarado a patrulha como encerrada; outros afirmaram que não deveriam voltar para a Fortaleza sem antes cumprir as suas ordens. Pelas determinações de Malcom Banner, uma missão poderia ser interrompida caso os patrulheiros não tivessem condições de prosseguir, no entanto ninguém nunca estabelecera um limite para isso. Para alguns como Peter, cujo irmão gêmeo fora morto na tragédia, teria sido inviável dar continuidade a uma patrulha depois de tantas baixas, inclusive a do líder. Para Hesh, todavia, aquela jornada não estaria acabada até que cumprissem seus objetivos. Se havia patrulheiros de pé, em condições físicas de prosseguir, então a missão teria que ser finalizada, pois as ordens permaneciam de pé. Havia dito isso no dia da cisão e conquistado alguns para a sua causa.

No final da discussão, o grupo acabara se dividindo. Adam, Tara, Peter, Suki, Darla e Lewis abandonaram a capital e retornaram para a Fortaleza com notícias daquela que seria uma das piores patrulhas em quase duas décadas. David Rhee se pegava pensando no que os Salvadores pensariam daquilo, no que o velho Malcom diria dos patrulheiros tolos que escolheram dar continuidade a uma missão que já havia sido condenada. Mas aquilo não importava, não mais do que a decepção que os antigos companheiros lhe causaram. Suki tinha sido uma grande amiga e ela simplesmente lhe virara as costas.

Como patrulheiros, eles possuíam obrigações, e finalizar as missões era uma das principais. Aprenderam a ir até o fim, não importava o que fosse. Mas Hesh não conseguia culpar os desertores totalmente, mesmo que tivessem levado boa parte dos suprimentos e equipamentos consigo. As pessoas reagem de maneiras diferentes ao luto.

Não que o jovem não tivesse se importado com as mortes. Às vezes ele se pegava pensando como se nada tivesse acontecido, como se Richard Martin ainda comandasse a missão. Mas ele não estava lá, e era Rhee quem liderava o pequeno grupo. Ele era responsável pelas seis pessoas que o acompanhavam, e a culpa seria dele caso algo ruim acontecesse; afinal, ninguém estaria ali caso Hershel não os tivesse convencido de que era a coisa certa.

A consciência do rapaz de ascendência asiática pesava mais quando ele via o cansaço nos rostos de seus companheiros. Cada um deles trazia o reflexo da dor da perda junto com a fadiga acumulada pelos quatro dias de viagem. Wirt parecia anos mais velho, claramente mais sério do que o de costume e com um semblante duro. Steve andava instável nos últimos dias, embora ninguém pudesse culpá-lo por ficar tão abalado pela morte do pai. Mesmo assim, ele estava determinado a cumprir aquela missão por Edward. A verdade era que nenhum dos patrulheiros conversava muito, exceto quando era algo essencial para a missão.

Por algum motivo, a situação o fazia se lembrar das histórias que seus pais lhe contavam sobre os velhos tempos, quando os mortos ainda eram uma ameaça e as pessoas viviam em guerra. Quando nenhum lugar era seguro.

─ Então, qual é o plano? ─ Hanna perguntou enquanto se aproximava. Seu tom de voz tentava animar o clima.

─ Wirt, Wesley e eu vamos entrar. Vocês quatro ficam aguardando. Se não voltarmos antes do meio dia, vocês retornam.

─ Retornar? Estamos há quatro dias tentando chegar ao litoral e vamos parar justo agora? Faltam mais doze quilômetros. Não vamos voltar! ─ Steve esbravejou.

─ Primeira regra: cumpra a missão ─ Hanna refrescou a sua memória, como se eu já não soubesse disso. Aquela frase o perseguia até em seus sonhos durante a caminhada.

─ Eu sei. Mas pensem bem: se não voltarmos restarão apenas quatro. Seria muito arriscado continuar assim.

─ Isso não vai acontecer. Vocês vão voltar ─ Eliza falou com um tom monótono, colocando um fim à discussão. Hesh estava grato por ela não ter dito nada muito soturno como costumava fazer; durante a viagem, os comentários de Eliza Dupin sempre cortavam o fio de esperança que começava a brotar entre os patrulheiros.

─ Vai ser moleza ─ Wesley comentou.

Hershel suspirou, desistindo de contestar. Sabia que, embora fosse algo simples, não tinham garantia nenhuma de que daria tudo certo. Tudo o que eles precisavam fazer era entrar no prédio, subir até o último andar e enviar uma mensagem pelo rádio. Parecia fácil, mas Martin e os outros devem ter pensado o mesmo antes do edifício desabar sobre eles. Podia haver alguma coisa lá em cima, talvez nem conseguissem fazer contato com a Fortaleza. Eram muitas possibilidades, todavia era inútil listá-las.

Os três patrulheiros entraram no prédio e logo alcançaram as escadas. Rhee tentou não pensar no que estava fazendo para não se perder; em outros tempos, teria ficado excitado com a ideia entrar em uma construção pré-apocalíptica ou mesmo de chegar a uma altura alcançada somente por pássaros. Todo o percurso foi acompanhado pelo som de seus passos apressados e pela escuridão quase completa. Depois de dez andares que pareceram intermináveis, os jovens finalmente alcançaram o último piso. O local estava completamente vazio e cinzento, com uma espessa camada de poeira cobrindo todo o chão. A escassa iluminação do ambiente era toda proveniente do Sol, de forma que apenas as partes próximas das janelas recebiam luz.

─ É estranho, não é? – Wes perguntou casualmente tentando puxar assunto. Wirt mexia em seu equipamento em um canto mais afastado próximo à janela, parecendo muito compenetrado. Rhee levantou uma sobrancelha para que Allen prosseguisse com a fala e concluísse seu pensamento. – Quero dizer, já esteve em um lugar tão alto assim antes? Eu nunca estive.

− Primeira vez também.

− Dá para ver a cidade toda daqui de cima! Aposto que posso ver a Zona-Segura também! Acha que consigo ver o Posto 9 daqui?

Hesh deu uma risada seca; ao menos alguém estava se divertindo no meio de tanta desgraça. Ele não podia negar que a vista era maravilhosa: diversas construções dos mais variados tamanhos desbotadas pelo tempo. Os Salvadores costumavam chamar Washington, D.C. de cemitério, porém era mais que isso. A antiga capital era o mais próximo do pré-apocalipse que qualquer jovem poderia atingir. Era um santuário e deveria ser protegida; tinha a sua beleza, embora fosse rodeada pelo silêncio da morte.

− Realmente não sei. Consegue mesmo ver a Zona-Segura daqui?

− Acho que não, talvez se fôssemos para o outro lado... Esquece, temos que ficar atentos – Wesley Allen se afastou alguns passos e levantou seu rifle, pronto para dar um disparo. Apontou para os dois lados e por fim parou. – A mira é bem diferente daquelas que temos na Fortaleza.

− Acho que são tipos diferentes... – seu conhecimento de armas era limitado; aprendera tudo nos seus dois anos de serviço. A Fortaleza era o centro bélico da Zona-Segura, contudo seus moradores não ficavam desperdiçando munição, eram econômicos com tudo. Além disso, armas de fogo não são necessárias em tempos de paz. – E nunca andamos com elas totalmente carregadas.

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Hesh acabou percebendo que suas respostas estavam amargas em demasia. Wesley não merecia aquilo, ainda era um garoto, por mais que seu corpo denunciasse os quase vinte anos de vivência. O desinteresse do líder não estava ligado a nenhum de seus companheiros e sim à necessidade de se manter sempre alerta. Um passo em falso, e tudo estaria perdido... E a culpa será minha. Regras eram regras, e David Hershel não poderia quebrar a principal regra das patrulhas, contudo o rapaz começava a ver que elas também possuíam seu preço.

Os humores de seu pequeno grupo também contribuíam para seu estado de espírito. Steve perdera seu pai, mas o luto não abatera o jovem; muito pelo contrário, a ideia de finalizar a missão e honrar a memória de Edward o fizeram incrivelmente motivado. Esse heroísmo havia tomado conta de Hanna e Wesley também. Talvez a mulher fizesse isso pelos ideais dos Salvadores e para provar que eles não eram homens indisciplinados, brutos e cruéis como a maioria das pessoas de outras comunidades pensava, e Rhee estava certo de que Allen estava lá pela irmã. O restante tinha um humor taciturno que deixava o clima ainda mais pesado em meio aos prédios abandonados. Chad parecia mais rabugento que o de costume, e Eliza... Aquela garota consegue ser mais sombria que o velho Malcom.

Esses dois opostos o favoreciam em nada, Hesh ficava ainda mais irritado. Ora pela coragem extrema de seus companheiros, não se importando com a segurança nem com os suprimentos, apenas com a missão; ora pelos outros, que pareciam animais indo em direção ao abate. Como poderiam se arriscar sem se lembrar dos outros que perderam suas vidas naquela mesma cidade? Se estavam tão descontentes, por que haviam continuado?

− Wirt, conseguiu alguma coisa?

− Nada até agora – Banner respondeu ao questionamento de Wesley. – Vou continuar tentando, mas acredito que não vamos conseguir sinal – se Wirt, que era a pessoa mais capacitada para transmitir uma mensagem, já estava com as esperanças praticamente esgotadas, era melhor dar por encerrada a empreitada. Era ideal que eles conseguissem se comunicar com a Fortaleza de alguma maneira, relatar como andava a missão ou mesmo dizer que estavam vivos e, na medida do possível, bem. De qualquer forma, não podiam ficar gastando luz do Sol com isso. – Eu vou deixar uma mensagem, talvez algum dos mensageiros consiga captá-la. Pelo menos não será em vão.

− Certo, faça isso.

Sentia-se mal pelo menino. E o que não me faz mal hoje em dia? Era um garoto alegre que gostava de explorar, completamente fascinado pela antiga civilização. Esperava-se que ele fosse um dos mais animados com aquela empreitada, todavia Wirt se portava mais como o lado desanimado do grupo. O mensageiro estava levando aquilo tudo muito a sério, e nem mesmo Hanna era capaz de colocar um sorriso no rosto dele. Parecia que ele também levava um mundo de responsabilidade nas costas, como Hesh costumava fazer. Talvez fosse esse comportamento que aguçara a compaixão de Rhee, ele sabia como era se sentir daquela maneira e também tinha ciência de que aquilo não era nem um pouco saudável. Deveria fazer algo, por mais que a convicção lhe dissesse que a responsabilidade era involuntária.

− Wes, como é a vida no 9? – Hesh perguntou assim que Banner terminou o seu serviço e os três começaram a descer as escadas. O descendente de coreanos tinha começado a se sentir mal por ter evitado o diálogo com Allen alguns minutos antes e decidiu que preferia vê-lo entusiasmado. Além disso, qualquer possibilidade de distração para Wirt seria bem-vinda.

− Incrível – a leve menção ao lar do rapaz já fez seus olhos castanhos brilharem. – Eu viveria lá o resto da minha vida. Você nunca foi lá, não é?

− Não.

− Mas deveria. O rio é a melhor parte. Nós só vivemos lá pelo rio, ele tem tudo de que precisamos. Temos água ilimitada, podemos pescar só por diversão e nadar sempre que der vontade. Eu acho que todo mundo no Posto 9 aprende a nadar antes mesmo de começar a andar. É diferente de viver em uma comunidade, como vocês. Não temos muros nem limites. Lá, todo mundo se conhece, somos todos amigos. Temos uma rotina que pode parecer maçante, mas temos uma vida mais simples, mais tranquila.

Parecia ser um bom lugar para se viver. Tranquilo, com poucas pessoas e sem grandes acontecimentos.

Ficara de decidir seu futuro com a namorada quando finalizasse o serviço obrigatório, e talvez viver no posto fosse uma boa opção. Tinha certeza de que Grace gostaria de se afastar do Alto do Morro. Ela nunca diria isso em voz alta por medo de magoar seus familiares e também por não ter certeza de que decisão tomar. E quando é que ela tem?, pensou com carinho e até acabou dando um sorriso. Contudo, até ele ficaria com um pé atrás nessa empreitada. A comunidade liderada por Jesus e por seu sogro era tudo o que eles conheciam, os outros lugares da Zona-Segura que ambos haviam visitado eram apenas locais de passagem. O Alto do Morro é a nossa casa.

− Parece ser um bom lugar para passar as férias – comentou depois de tanto deliberar sobre o assunto.

− É mesmo. Tudo o que eu sei fazer aprendi lá. Tirando costurar, isso foi os Salvadores que ensinaram. Na verdade, eu nunca tinha pensado que pudesse precisar disso. Gwen também pensa assim, ela nem se lembra de como se faz isso.

− Já esteve em algum posto, Wirt? – o garoto não tinha participado da conversa até o momento.

− Já, com os mensageiros. Fui muitas vezes no Posto 3. Acho que todo mundo precisa ir no 3 pelo menos uma vez na vida. Mas o meu favorito é o 13. Ele é muito estranho, é diferente dos outros – Banner falou a última parte com um tom mais alegre.

− Por que ele é diferente? – honestamente, Rhee não sabia muito sobre os postos.

− Você já esteve lá alguma vez? Eles não têm líderes. Na verdade, é como se cada morador fosse líder do posto. É estranho porque eu nunca sei com quem falar quando preciso de uma autorização ou algo do tipo. Meu pai falou que lá é uma bagunça, mas minha mãe disse que o nome para esse tipo de governo é anarquia.

− Realmente, é estranho – Wesley riu. – Tudo o que eu sei de política é por causa da minha família. Eu me lembro do meu pai fazendo audiências com alguns moradores ou se reunindo com líderes de outros postos. Isso me fez pensar que governar era só dar ordens.

− E quanto à sua família? – Hesh mudou de assunto aproveitando o gancho da fala de Wes. Tinha aprendido na Fortaleza como podia ser desconfortável falar sobre política. E preferia evitar o assunto o máximo possível, a vida pública nunca fora para ele. Preferia ficar nas sombras, apenas observando enquanto os mais habilidosos lideravam. E agora eu estou aqui, líder da minha própria missão rumo ao litoral do continente.

− Da última vez que falei com elas, há algumas semanas, estava tudo normal. Minha irmã disse que estava muito atarefada e que a minha mãe continua na mesma. Ela tem dias bons e dias ruins. Sempre foi assim, desde que os meus irmãos morreram na guerra.

David não pôde deixar de perceber a falta de emoção na voz de Wes ao falar dos irmãos. Ele fala com muita naturalidade sobre esse assunto, se bem que Wes sempre fala em demasia... Isso acontecia sempre que o rapaz mencionava os parentes mortos, talvez pelo fato de não ter sequer chegado a conhecê-los. Rhee pensou nos irmãos e em como ficaria se alguma coisa acontecesse a eles. Com certeza não reagiria como Allen, mas a situação não seria a mesma. Ele havia crescido com os irmãos e tinha visto os mais novos nascendo.

Logan Rhee tinha quatorze anos de vida, e devia ter crescido muito nos últimos dois anos. Sempre tinha sido um garoto muito agitado, envolvendo-se em todo o tipo de encrencas e preocupando seus pais. No começo, a família tinha chegado a pensar que fosse algo passageiro, como tinha sido no caso de Hesh, porém Logan nunca tomara jeito e era provável que isso não mudasse. Thomas Rhee era um ano mais novo, todavia algumas pessoas chegavam a pensar que ele e Logan fossem gêmeos devido à semelhança física dos dois. Tommy, ao contrário do outro, era calmo, inteligente, responsável e apaixonado por livros. Era raro ver o garoto sem um na mão, não importava qual fosse o tema. Alexander Rhee era o último filho de Glenn e Maggie e também o que mais se parecia com a mãe, um menino com onze anos de idade e deficiente físico. Alex nascera com algum tipo de paralisia que havia lhe tirado o movimento das pernas. Apesar disso, o Rhee mais novo era um garoto alegre e sensível, que levava uma vida normal e compartilhava com Hesh a fascinação pelos pássaros. O patrulheiro mal via a hora de voltar para casa e revê-los.

Scott era diferente. Eles foram muito unidos nos primeiros anos, e o ruivo sempre fora seu exemplo. A diferença de idade dos dois era bem grande, e quando Hesh tinha quatro anos o mais velho havia ido para Fortaleza cumprir serviço obrigatório. Ao fim desse período, eles mantiveram sua amizade até que Scott se casasse e fosse morar em sua própria casa. Ele constituíra uma nova família com Mika, e David havia continuado a sua vida. Os dois continuaram se vendo ocasionalmente, uma vez que o trabalho de Scott como pastor implicava em passar o dia inteiro fora da comunidade. De qualquer forma, o irmão adotivo tinha sua própria vida e havia deixado para Hesh a responsabilidade de irmão mais velho.

− Vocês escutaram isso? – Wirt perguntou de repente. A essa altura, já tinham terminado de descer as escadas e estavam a alguns metros da saída do edifício.

− O quê? – Allen sacou o fuzil e começou a olhar para todos os lados.

Hesh pegou a sua lanterna e andou cautelosamente pelo local, tentando captar qualquer ruído diferente. Inicialmente só havia os sons de seus passos e das respirações dos três patrulheiros, entretanto logo o ambiente mudou. Primeiro vieram os sons de passos que não eram deles, passos lentos e arrastados, e os gemidos agonizantes. Depois começaram a surgir sombras estranhas onde a luz da lanterna se derramava, e só então eles conseguiram distinguir um odor putrefato disfarçado pelo cheiro da poeira e do mofo.

− Errantes! – Rhee anunciou sem necessidade.

Eles sabiam o que tinham que fazer, foram treinados para aquele momento. E, mesmo assim, tinha sido apenas treinamento. Nunca viram mordedores de verdade. Cresceram ouvindo histórias daquelas coisas que eram mais animais do que pessoas, meio vivas e meio mortas. Também escutaram dos mais velhos que aqueles monstros não eram mais uma ameaça e que, apesar de no passado terem dominado o mundo e levado consigo incontáveis vidas, já não passavam de vestígios do apocalipse.

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− Atirem – o líder conseguiu dizer quando as silhuetas se aproximaram mais.

Era difícil saber quantos eram no escuro, mas obviamente havia mais do que os jovens conseguiam enxergar. Eles vinham de todos os lados, mas também era como se não estivessem em lugar nenhum. Sua presença podia ser sentida, mas apenas isso.

Por algum motivo, a situação o fazia se lembrar de como o seu avô, Hershel, havia morrido. Tinham lhe dito que ele fora devorado por andarilhos junto com a filha mais nova. Parecia uma morte terrível.

Os três estavam de costas uns para os outros e disparando para lugar nenhum. Rhee esperava que estivessem acertando os tiros, caso contrário estariam desperdiçando munição. Talvez estivessem errando a mira, pois parecia que aquelas coisas nunca paravam de se aproximar. Levou algum tempo, todavia o asiático acabou percebendo que algo estava errado ali. Mais e mais caminhantes brotavam da escuridão, como se nunca fossem acabar. Na Fortaleza, os recrutas eram aconselhados a evitar grupos muito grandes de errantes. Talvez estivessem diante de uma dessas situações. Era impossível ter certeza, porém os rapazes estavam correndo muito risco atirando no escuro, lutando contra inimigos incontáveis e invisíveis e tudo o que tinham eram munições finitas. Poderia ser melhor acabar com aquilo.

− Vamos recuar – David gritou antes de correr até a porta. Continuou atirando até que Wirt e Wesley passassem por ele, e só então seguiu os dois para fora do prédio. Fechou a porta com força, esperando que aquilo fosse capaz de segurar os monstros.

Mas, no fundo, ele sabia que não seria, e por isso o grupo precisava sair dali.

Os quatro patrulheiros estavam de pé e com suas armas em mãos, visivelmente agitados. Quando todos se juntaram, ficaram esperando que Hesh dissesse algo. O jovem retomou o fôlego antes de pensar no que falaria.

− Vamos embora logo.

− Como assim? O que aconteceu? – Chad indagou por todos.

− Encontramos errantes no prédio, muitos errantes.

− Como isso é possível? – foi a vez de Hanna perguntar. Ela tinha idade suficiente para se lembrar dos mordedores. – Eles não podem existir mais, pelo menos não em bom estado.

− Eu sei que é estranho, mas nós vimos. Temos que ir antes que eles passem pela porta – Wesley falou.

Ninguém disse mais nada. Rapidamente os patrulheiros juntaram suas coisas e montaram em seus cavalos para partir. Seguiram para leste em alta velocidade, tentando se afastar ao máximo daquele local. Durante todo o caminho, ninguém disse mais nada. Mesmo assim, o líder da missão sabia que todos estavam pensando no ocorrido. Hanna tinha razão; se encontrar errantes já era difícil, encontrá-los em bom estado era praticamente impossível.

Mais um mau sinal. Ele teria que conviver com eles pelo restante da missão. Não faltava muito pelos cálculos de Eliza, apenas mais alguns quilômetros até o litoral para que eles fizessem o relatório e pudessem dar meia volta, por um caminho diferente dessa vez. Acabou se lembrando do trágico acidente que fora responsável pela cisão do grupo. Talvez os errantes fossem a resposta para o problema. Talvez Washington devesse realmente ser abandonada. Caso fosse, David escreveria isso com prazer em seu relatório. Nunca estivera tão perto da morte. Mesmo tão distante dos mordedores, seu coração ainda palpitava com força.

Apesar disso, colocar a culpa nos andarilhos parecia algo simplista demais. Richard Martin fora um patrulheiro experiente, sobrevivera ao período que todos denominavam apocalipse, lutara na Guerra Total e fora um dos primeiros Salvadores a apoiar Malcom na aliança com Jesus e Rick Grimes. Tivera as características que seu pai tanto elogiava em um sobrevivente: astúcia e rapidez. Ele certamente teria formulado alguma hipótese válida para o que acontecera. Afinal, mortos-vivos não poderiam derrubar uma estrutura pré-apocalíptica, poderiam?

Preferiu deixar esses pensamentos de lado e concentrar-se na estrada que seguiam. Contudo, as imagens de criaturas decompostas não saíam de sua cabeça, mesmo no escuro aqueles bichos eram impressionantes. Realmente se pareciam com pessoas, mas havia algo diferente neles. Aquelas coisas cheiravam como animais mortos, talvez até pior, e a forma como abriam e fechavam suas mandíbulas, tentando morder o ar, chegava a ser perturbadora. Era difícil lembrar que os mordedores um dia tinham sido gente de verdade. Como algo tão deplorável pode ter tido vida um dia?

Mas aquilo não importava mais. O importante era a missão e o fato de que o episódio com os errantes desviara os patrulheiros da rota do sal. Aquele era o caminho mais utilizado nas expedições que rumavam ao litoral com o intuito de chegar às salinas. Periodicamente eram feitas patrulhas até o local, onde os Salvadores isolavam uma parte da água do mar para que ela evaporasse, deixando para trás o sal que ela continha. As salinas eram um dos argumentos utilizados por aqueles que defendiam a necessidade das viagens para D.C. Como a Fortaleza era a única comunidade que tinha acesso ao sal, isso acabava ajudando a melhorar as trocas comerciais.

O grupo ouviu o barulho do mar antes mesmo de chegar a vê-lo. Aos ouvidos de Hesh, o som era semelhante ao que a chuva fazia, porém era forte e, ao mesmo tempo, suave. Era um ruído oscilante, como se intercalasse momentos de garoa e de tempestade em alguns segundos. O vento também começava a soprar mais forte ali, como se quisesse arrastá-los para as águas. Em determinado momento, a grama desapareceu e tudo o que havia era a areia, fina e pálida. Só então os patrulheiros puderam ver o mar.

Na escola, as crianças ouviam falar dele. Dizia-se que era uma imensidão de água salgada que rodeava todo o continente. Comparavam-no a um rio gigante, mais largo, mais fundo e mais perigoso, e era para lá que todos os rios corriam. Também diziam que havia peixes lá, além de vários outros animais dos quais as crianças nunca ouviram falar. Alguns diziam também que o mar era o fim do mundo.

E, mesmo tendo ouvido tantas coisas sobre ele, Hesh não pôde deixar de ficar maravilhado. O mar era muito mais do que aquelas histórias. Parecia um lago, só que infinito. Havia azul-escuro para todos os lados, estendendo-se além do horizonte. Naquele momento, David Hershel se sentiu na mais completa paz. O mar era a confirmação de que não tinha se enganado, a missão valera a pena. O jovem sorriu, e naquele momento nada mais importava.

− O que vocês estão esperando? – Wirt gritou enquanto corria em direção à imensidão azul.

Aos poucos os patrulheiros foram descendo de seus cavalos e indo em direção a um animado Wirt Banner que jogava água para cima. Até mesmo Eliza estava sorrindo, e Hesh se viu gargalhando. Fazia muitos dias que não sorria, e mais tempo ainda que não dava uma risada verdadeira. De repente, todos estavam rindo alegremente como crianças enquanto corriam de um lado para o outro se molhando nas águas salgadas. David Hershel se sentia feliz, o mundo que pressionava seu corpo contra solo havia sumido, deixando-o tão leve quanto uma pena que é arrastada pela brisa. Ele estava livre para voltar para casa junto com o restante do grupo. A missão estava encerrada. O mar pode indicar muitas coisas, mas para mim ele é o fim da jornada.

− Meus olhos! – Eliza reclamou quando Wirt jogou lama sobre ela. − Você vai pagar por isso! – a mulher de cabelos negros limpou o rosto e encarrou Banner com os olhos avermelhados. Sua voz ainda estava sem emoção alguma, como se apenas as palavras transmitissem sua fúria. Contudo, no final das contas ela sorriu.

− Derrubem ela na água! – Wirt ordenou e todos pularam em cima da menina aos gritos. – Agora é a vez do Hesh!

Para poupar esforços de seus amigos e evitar que fosse gentilmente derrubado na água, David se jogou e afundou por alguns instantes. Sentiu a maravilhosa sensação de estar submerso e de finalmente molhar o corpo após dias sem uma boa lavagem. Em seguida, ficou boiando, apenas para observar o céu colorido que o por do Sol proporcionava do outro lado. Deixou que todos se divertissem, esquecendo o relatório por alguns instantes. Wes começou a apostar corrida com os rapazes e não perdia uma, Chad e Steve eram pobres nadadores perto de alguém que crescera em um rio. Hanna explorava cada vez mais longe e estava se distanciando da praia. Mais próximos da areia, Wirt e Eliza continuavam sua guerra de água.

− Pessoal! O que é aquilo? – Chad perguntou alarmado chamando a atenção de todos, o dedo indicador apontando para a escuridão que começava a se formar no horizonte.

− Não tem nada ali, seu idiota. Quase morro de susto! – Steve disse visivelmente irritado.

Mas não era nada. As atenções estavam todas voltadas para aquele ponto a leste. Hesh esfregou os olhos já irritados pela água salgada diversas vezes para tentar melhorar a visão. A ausência de luz atrapalhava muito, mas, olhando com atenção, era possível ver algo se distinguindo na paisagem. Pontos escuros que se aproximavam lentamente, como se estivessem brotando do fim do mundo e trazendo a noite com eles. Talvez fossem animais...

David voltou para a praia e fez sinal para que os outros o seguissem. Ficaram alguns minutos em silêncio observando aquilo, esperando que algo acontecesse. Quando os pontos chegaram mais perto, começaram a tomar forma. Eram caixas gigantes e pontudas na frente, algumas com casinhas no centro, cada uma com uma ou mais varas gigantes e panos pendurados nelas. Rhee não conseguia entender como aquelas coisas flutuavam na água, muito menos como se moviam, todavia estavam lá. Na superfície das caixas havia coisas se movendo, eram pessoas. Como aquilo era possível? Ninguém nunca lhe dissera nada sobre algo que se movia sobre a água.

− O que é aquilo? ­– Wirt repetiu a pergunta sussurrando. Estavam todos tensos.

− Acho que eu nunca vi isso antes – Hanna disse surpresa. David começava a ficar preocupado, a pessoa mais experiente do grupo estava perplexa ao seu lado. O que ele, um homem sem conhecimento nenhum do mundo antes do apocalipse, poderia fazer em relação a isso? Ele ainda era o líder.

− Vocês não sabem? São barcos! – Allen explicou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Usamos isso no Posto 9 para atravessar o rio. Se bem que os nossos são bem menores...

− Quer dizer que tem pessoas lá dentro? – Wirt perguntou animando, mas ainda atônito. – Vamos finalizar a missão e ainda encontrar pessoas!

Ele entendia a animação de Wirt. Os apóstolos de Jesus faziam viagens anuais para fora da Zona-Segura e raramente encontravam pessoas, principalmente nos últimos anos. Houvera um momento da caminhada para o litoral em que as esperanças de Rhee quase foram esgotadas, em que ele tivera certeza de que estava levando seu grupo para a morte certa. O mar trouxera sua esperança de volta, e agora as mesmas ondas o traziam pessoas, pessoas vivas.

À medida que os barcos se aproximavam, eles pareciam reduzir a velocidade. Era algo em torno de quinze barcos, mas era difícil contar àquela distância. Alguns em bom estado, outros bem mais acabados e variando muito devido ao material de que eram constituídos. Uns poucos eram feitos de madeira, o único material que o jovem conseguiu reconhecer. Observar sua parada era algo incrivelmente mágico: coisas tão grandes, sete vezes maiores que um homem adulto, deslizando e parando nas águas rasas com maestria. Hesh não conhecia aquela tecnologia e não acreditaria naquilo se não estivesse vendo com os próprios olhos.

O barco da frente era comprido e possuía o formato parecido com o de uma flecha, pontudo na frente e largo no centro e com furos nas laterais, de onde saíam longas varas de madeira que se moviam, entrando e saindo da água em movimentos circulares. Branco com algumas listras em tom de madeira, ele não parecia ser uma construção pós-apocalíptica, diferente de tudo o que qualquer um dos patrulheiros já vira. Para David, o tal barco parecia um baú gigante com uma espécie de casa em cima. Pessoas andavam de um lado para o outro, tirando os panos que antes ficavam esticados e pareciam ajudar na locomoção. Eram muitas pessoas só para um barco, e Hesh não podia imaginar quantas eram ao todo, já que havia tantos outros atrás.

− Nós deveríamos ir lá – Steve sugeriu.

− Eu não acho que seja uma boa ideia – Chad falou cauteloso como sempre, arriscar nunca fora com ele.

− Vamos esperar − Rhee falou sem tirar os olhos do barco da frente. Parecia que os forasteiros ainda não tinham reparado neles.

As pessoas começaram a descer, estavam realmente próximos da praia, tão próximos que era possível ver um pouco de seus rostos. O primeiro a descer foi um homem magricelo que usava uma blusa marrom muito maior que ele, sua pele negra brilhando com o por do Sol avermelhado. Ele foi ajudando os outros a sair do barco: primeiro uma criança, depois uma jovem. Sem a ajuda de ninguém, o homem mais alto que David Hershel já vira desceu do barco. Ele não era apenas alto, era corpulento e musculoso, barbudo, com longos cabelos castanhos e uma pele bronzeada.

─ Mitchell, tem pessoas ali! ─ alguém exclamou surpreso, e por alguns instantes todas as atenções foram voltadas para os Salvadores na praia.

O homem grande se virou bruscamente na direção deles, falando algo inaudível e retirando um facão da bainha. Antes que ele pudesse sair do lugar, porém, o homem negro colocou uma mão em seu braço. Ele disse algo que Hesh não foi capaz de escutar e logo em seguida começou a andar na direção dos patrulheiros, deixando o homem grande para trás. O asiático não sabia como reagir, por isso apenas esperou que o estranho se aproximasse. De alguma forma, estava um pouco decepcionado por reparar que não era o homem grande quem estava no comando do grupo.

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─ Qual de vocês é o líder? ─ ele perguntou depois de avaliá-los atentamente. Era um homem baixo, com traços suaves, semblante cansado e expressão dura. Sua aparência não inspirava muita autoridade, embora a voz transmitisse segurança. Imediatamente todos olharam para Rhee, que deu um passo à frente ainda sem saber o que deveria fazer.

─ Sou eu.

─ Nós não queremos problemas. Meu grupo está em busca de um lugar para viver. Passamos muito tempo navegando para chegar até aqui, e a última coisa que queremos é uma briga. Tenho certeza de que essas terras são muito grandes e que podemos compartilhá-las sem complicações.

─ Então... Vocês passaram esse tempo todo no mar? ─ falou involuntariamente. David não podia acreditar que aquilo fosse possível.

─ Apenas alguns dias ─ o homem esclareceu, estranhando o assombro do asiático.

─ Você disse que estavam procurando um lugar.

─ Sim. Pretendemos ficar bem longe de outras pessoas, se é essa a sua dúvida. Não se preocupe, não queremos suas terras.

─ Não foi o que eu quis dizer. Na verdade, nós temos um lugar e talvez poderíamos abrigar o seu grupo ─ naquele momento, Hesh estava sentindo que aquela tinha sido a sua missão desde o começo. Não havia atravessado D.C. apenas pelo sal. O tempo todo, aquele fora o seu destino. O homem à sua frente sorriu.

─ Duvido que tenham espaço para nove centenas.