A intensidade aumentou um pouco, agora eu podia sentir a desigualdade da parede. Minhas escápulas sobressaídas receberam todo o impacto de seu corpo contra o meu, naquele momento desejei não ser tão magra. O beijo e o calor foi cortado pelo retorno da minha consciência. Empurrei Jason automaticamente, afastando-me dele, encarando o chão.

— Eu... me desculpe — gaguejei — e-eu não... queria.

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Jason aproximava-se lentamente de mim. A cada passo que ele dava, eu regredia, até sem impelida pela porta – a maçaneta fincando-se no meu quadril. Soltei um grunhido de dor. Ele puxou-me pela mão, dando um sorriso fraco, enquanto meu rosto estava totalmente trêmulo, olhos inquietos. Jason tornou a beijar-me, mas dessa vez não durou mais que alguns segundos. Eu o empurrei novamente e o estapeei.

Ele afastou-se de mim, olhando-me com espanto, e, talvez, um pouco de raiva, enquanto esfregava a bochecha que agora estava altamente vermelha.

— Sua maluca! — ele torceu o maxilar — por quê fez isso?

— Você me agarrou... — grunhi — depravado!

Jason parecia irritadamente ofendido.

— Eu? — ele sorriu sarcasticamente — você que se aproveitou de mim, da minha inocência. Você arranhou a minha nuca... Isso poderia ter sido sexy e tudo mais, mas doeu, okay?!

Eu corei no mesmo momento.

— Saia da minha casa — gritei — nunca mais olhe para mim e, se me encontrar na rua, ou no elevador, ou no inferno, finja que eu não passo de uma desconhecida.

Ele abaixou-se para pegar a camisa que agora estava jogada no canto da parede, e empurrou o cabelo para trás, impacientemente.

— Não precisa me expulsar, Clarissa — sua voz era fria como metal — Eu faço questão de ir. E quanto a não querer mais me ver, apenas digo-lhe uma coisa — ele pausou — se você resistir, se conseguir manter-se longe de mim, considere-se uma magnífica proeminente. Se conseguir.

Eu engoli seco.

— E eu sinceramente espero que consiga. — ele quase sussurrou – talvez expectando que eu não ouvisse – caminhando em direção à porta e batendo-a com força.

Então eu estava sozinha. O silêncio era sufocante, a confusão... O desespero por todas as coisas que estavam acontecendo. Agora isso, agora essa coisa, que mais parecia um chiclete mastigado grudado em minhas vísceras. Eu não poderia... Não poderia de forma alguma, em nenhuma circunstancia, apaixonar-me por Jason Santi.

Mas havia além de tudo, de todos os problemas e coisas sinistras, uma vida à embalar. Posto que arrumei-me e fui para a Volta Ao Mundo Em Oitenta Dias.

***

— E então?

Eu encarei Gabriela, enquanto, com as unhas, entoava Drain You do Nirvana, batendo-as no balcão do caixa.

— Então eu o beijei. — disse, enfim.

Gabriela entreabriu a boca, debruçando-se no balcão.

— Você o quê? — ela parecia completamente surpresa — Desde quando você se permite beijar garotos em situações desusadas?

— Desde ontem. — suspirei — de qualquer maneira, não foi algo que tenha conseguido realizar algum efeito hormonal sobre mim.

Gabriela soltou uma gargalhada forçada.

— Até quando será isso, Clarissa? Até quando você vai ficar trancada nessa sua carapaça nojenta, fingindo ser imune ao que você chama de doença sentimental estúpida?

Eu fiz um gesto de falta de paciência com a mão, mudando de assunto.

— Dean... — comecei — ele chega hoje à noite, não é? Está ansiosa para revê-lo?

Gabriela estendeu um sorriso sincero.

— Você não imagina o quanto. — ela continuou — Eu sei que ele está bom, agora. Tanto tempo longe de mim. Quando ele viva comigo no Tude, era como se não estivesse lá, você sabe, ele nunca ficava em casa, só aparecia às vezes para dormir... Sempre tão estranho...

Eu assenti.

— Se Martim fosse assim... é... tipo Dean. Quero dizer.... Se ele estivesse, de alguma forma, envolvendo-se com as coisas que Dean se envolveu, eu não sei se teria a sua determinação para acolhê-lo.

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Ela pulou em mim, dando-me um abraço que não tive como não retribuir. Eu nunca fui a pessoa que mais gosta de abraços do mundo, mas alguns, de algumas determinadas pessoas, faziam-me especialmente bem.

— Okay — grunhi — Já pode me soltar... Gabriela, me solte.

Assim que ela me libertou de seu aperto, seu celular tocou. Ela foi até a bolsa e apanhou o aparelho, cuja capa era uma mistura de estampas cubistas.

— É Laura! — sussurrou — dê-me licença.

Ela sentou-se numa das mesinhas que ficavam no canto da livraria, enquanto conversava freneticamente com Laura. O diálogo logo cessou.

— Clarissa — ela parecia exageradamente animada — prepare-se!

— Para quê?

Gabriela saltou em cima do balcão, cruzando as pernas, envolvida num vestido vermelho que ia até seus calcanhares. Se Lucy flagrasse aquela cena, ela estaria bem encrencada.

— A vaga é sua, baby. — ela sorriu — A vaga da ICAI, bem, uma das vagas.

Imediatamente senti meus pés tombarem, usei a estante de Literatura Brasileira para me apoiar.

— Não acredito... — disse num sussurro.

— Yeah! — Gabriela desceu do balcão — O mundo é seu, minha querida.

— Oh, meu Deus! — gritei — Grana, grana... grana... de verdade!

— Sim! Agora você pode conseguir o que quiser, porque você estará na cidade mais incrível que já vi. O mundo é seu, independentemente de haver estranhos querendo a sua cabeça, Deus sabe lá por quê.

Meu ânimo caiu no mesmo momento.

— Oh... — Gabriela colocou a mão sobre a boca — Me desculpe, eu... bem, não falei por mal. Eu não deveria...

— Tudo bem... — disse tristemente — Isso não é o tipo de coisa que eu posso dar-me o luxo de esquecer.

***

Já passava das seis e meia da noite, quando Lucy disse que Gabriela e eu poderíamos ir para casa. Terminei de catalogar as mercadorias que havia chegado mais cedo e arrastei Gabriela para o estacionamento.

— Juliete ainda está com o motor batendo?

— Não. — respondi — Mas não é bom animar-se, você sabe, é tudo muito imprevisível.

— Entendo — ela disse.

— Vamos... — cantarolei — suba!

Assim que Gabriela subiu, girei as chaves. Juliete demorou alguns segundos para pegar, o que me deixou temporariamente aflita. O caminho era sempre o mesmo: as avenidas mal iluminadas, a brisa fresca, becos desérticos e prédios descascados. Às vezes eu mudava o roteiro e seguia pela Avenida Não Olhe Atrás De Você, mas o índice de criminalidade era exuberantemente alto, devido ao fato de ser um local onde, geralmente, os ex-presidiários e fugitivos financiam – ou invadem – casas e mudam-se com suas famílias para lá. Todos em Crouzi chamam a região de Vila Dos Falso Arrependidos.

— Dean já deve estar em casa esperando-me. — Gabriela sussurrou — Espero que ele não encontre o peru que deixei dentro do forno andes d'eu chegar.

Eu fiz uma careta.

— Carne de peru fede.

Ela olhou-me, franzindo a testa.

— Você diz isso porque todas as carnes de sua geladeira estão estragadas.

Eu a estapeei no braço.

— Que absurdo! — dei um muchacho — tudo em minha geladeira está em perfei....

— Clarissa! — Gabriela gritou, enquanto passávamos pela Rua Omar Nunca Foi Do Sertão — Pare o carro... Pare!

Eu a olhei assustada, freando incisivamente.

— Mas que...

— Olhe aquilo... — ela interrompeu-me — meu Deus.

Tentei forçar a vista para ver o que tanto a deixara aturdida mas não consegui ver nada além de entulhos na calçada de um pequeno velho prédio amarelo de quatro andares.

— Não há nada aí, Gabriela, vamos embora.

Posicionei-me para puxar o freio de mão, no mesmo instante em que Gabriela abriu a porta de Juliete, Jogando-se na calçada. Eu soltei um palavrão, desci e a segui.

— Vocês está ficando louca ou o quê?

Gabriela não me respondeu. Ela encarava horrorizadamente algo à sua frente, algo que eu não conseguira ver em meio à escuridão, talvez devido à minha cegueira noturna, que estava a cada dia pior.

Depois de mais alguns passos, ela parou, colocando as duas mãos sobre a boca. Fui capaz de notar o espanto invadir seu corpo. Peguei a lanterna-chaveiro, que acomodava as chaves de Juliete, e mirei mais afrente. Então agora pude ver um homem jogado na calçada, emaranhado entre entulhos de madeira, plantas secas e pedregulhos. Sangue escorria pela calçada. Ele estava completamente nu, barriga para baixo, com a cabeça tombando de lado, virada para a rua. havia um profundo corte em sua nuca e seu pé esquerdo havia sido brutalmente arrancado.

— Oh, meu Deus... — senti meu estômago querer expulsar todo meu almoço — Que coisa mais... horrível.

— Terceiro... — Gabriela estava com a voz trêmula.

— Vamos embora daqui, Gabi — podia sentir as lágrimas queimarem por trás de meus olhos — eu quero sair daqui... venha, vamos embora dessa droga de lugar! — Gritei, puxando-a pelo braço, sem conseguir segurar o choro.

A rua estava completamente vazia, como qualquer outra há essa hora. Olhei para os lados, na maldita esperança de ver Jason montado em sua super moto, pronto para nos tirar dali, mas, mesmo que ele estivesse, não sei se seria uma boa coisa, afinal, ele poderia ser um maníaco, talvez esse maníaco. Afastei o pensamento e segurei o braço de Gabriela com mais força.

— Não! — ela protestou — Não podemos ir embora... Você... você não percebe a merda que está acontecendo?

Eu não respondi, até por quê não queria estender a conversa, aquele nem de longe era o melhor lugar para discutir coisa alguma.

— Agora eu sei... — ela sussurrou — desde quando esse maldito Jason Santi veio morar no Tude, a sua vida vem saindo dos trilhos, e, contudo, a minha, e a de quem vive ao seu redor, também.

— Eu sei...

— Não! — ela continuou ferozmente — você não sabe. Você queria ver Jason fora do Tude, não porquê não gosta de vizinhos importunos, e sim porque tem medo de se apaixonar e acabar sendo tomada pelo sentimento e tornar-se uma desgraçada...

— Gabriela... — tentei manter minha voz calma, ignorando o cadáver que fedia mais atrás — isso não é hora...

— Cale a boca! — ela gritou — Agora que você está realmente gostando e se envolvendo com aquele ominoso, não quer conceder préstimo à ideia de que ele pode sim ser um assassino, e que ele pode sim estar querendo lhe matar, ou fazê-la mal de alguma forma... — ela pausou, buscando o ar — porque não é nem um pouco normal alguém estar cercado de tanta coisa esquisita. Será que não consegue ver que isso é um aviso, Clarissa?

Lágrimas corriam sobre o meu rosto. Eu não conseguiria, nem se quisesse, expressar coisa alguma, emitir uma só palavra.

— Vou chamar a polícia — Gabriela passou as costas da mão nos olhos, secando o rosto. — isso não pode ficar assim.

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— Não... — disse desesperadamente — você não pode! Não viu o que aconteceu? Você acha mesmo que não sei que estou sendo espionada e, talvez, esteja deparando-me com essas mortes para que fique atenta? Você acha que sou tão ingênua assim?

Ela segurou meu rosto por ambas as mão.

— Não acho que seja ingênua — ela suspirou — mas a paixão é uma ruína, Clarissa.

Eu me libertei de suas mãos.

— Você não pode chamar a polícia... Por favor... Vamos apenas sair daqui, porque eu não posso mais suportar toda essa droga.

Ela assentiu relutantemente, virando a cabeça para olhar o corpo do homem. Ele parecia jovem e bonito, talvez nem estivesse envolvido em alguma coisa perniciosa, talvez estava apenas no lugar errado e na hora errada. E isso tudo seria culpa minha?

— Venha — Gabriela pegou-me pelo braço — vamos para casa.