P.O.V Tobias

–Mãe?

Tobias olhava confuso para sua mãe. Ele não fazia ideia do que Evelyn estava fazendo lá, mas algo no seu subconsciente dizia que ele deveria saber. Ele lembrou-se que ela estava viajando já fazia algum tempo, entretanto não se lembrava do motivo. Andava tão distraído, sempre pensando em Tris, que estava deixando muita coisa passar.

– Que cara é essa Tobias? Parece que viu um fantasma? – Evelyn deu um pequeno sorriso, ela devia estar achando aquela situação divertida e parecia feliz. Tobias pensou em Tris, e imaginou por quanto tempo Evelyn ainda ficaria feliz.

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– Desculpe eu ter entrado assim no seu apartamento, sem você estar. Eu só estava com saudades e achei que não fosse ser um problema. Mas você não gostou disso, não é?

– O apartamento estava vazio quando você chegou? –Ele perguntou, mas pelo modo como ela agia,era óbvio que ela não havia dado de cara com Beatrice ali.

– Estava sim. Era pra ter alguém aqui? Christina talvez? – disse dando um sorrisinho.

– Não, Christina não. Muitas coisas aconteceram aqui enquanto você estava viajando. Eu e Christina terminamos. – Sua mãe pareceu decepcionada. Tobias achava que Evelyn gostava de Christina, entretanto com sua mãe, ele nunca tinha certeza de nada. – Aliás, para onde você foi mesmo?

– Ah, como assim? Você não se lembra? Eu fui resolver alguns problemas a pedido de Johanna. A universidade, Tobias. Não se lembra que Johanna me pediu para conversar com os governantes da nossa região sobre a possibilidade e a necessidade de termos uma universidade aqui?– Ela pareceu chocada e talvez um pouco chateada com o aparente descaso dele. O que não era verdade, já que a ideia da Universidade havia partido dele. - O que está acontecendo? O que foi que aconteceu enquanto eu estava fora da cidade para você nem se lembrar disso?

Tobias ia começar a dizer, mas alguém bateu na porta. Ele ainda estava paralisado demais com a presença de Evelyn ali, para conseguir esboçar qualquer reação, então sua mãe foi atender a porta. Tarde demais, Tobias percebeu que não deveria ter deixado isso acontecer. Era Tris.

Evelyn agiu como ele deveria ter imaginado que fosse acontecer. Primeiramente ficou confusa com a loira, como se tivesse tentando adivinhar quem era. Isso era previsível, afinal, Beatrice realmente estava diferente. Não tanto que não desse para identificá-la, mas o bastante para deixar a pessoa confusa. Depois do estranhamento inicial, Evelyn começou a perceber os detalhes que faziam de Tris a pessoa que sempre fora: os cabelos loiros, a pele pálida, a tatuagem de três cornos em sua clavícula, os olhos grandes e azuis e a baixa estatura, que era menos perceptível agora por causa dos sapatos de salto alto que ela sempre usava. Quando finalmente percebeu quem estava ali, Evelyn embranqueceu, parecia que todo o seu sangue havia sido drenado do rosto.

– Não, você está morta. Isso não é possível! – ela balançava a cabeça de um lado para outro, em negação. – Tobias, o que é isso?

Beatrice olhava fascinada e curiosa para eles, como se estivesse vendo a interação de uma família de animais exóticos em um zoológico. Ela também parecia estar se divertindo, e distraidamente encostou-se ao batente da porta. Ela olhou para Tobias e levantou uma das sobrancelhas como se estivesse perguntando e essa aí quem é.

– Evelyn, sabe quando eu disse que muitas coisas aconteceram enquanto você estava fora? Bem, Tris...quero dizer, Beatrice é uma dessas coisas. Na verdade é a principal. – Tobias se posicionou ao de Evelyn, já que esta parecia a ponto de desmaiar. – Antes que você diga qualquer coisa, acho melhor eu te contar tudo o que aconteceu. Porque você não se senta?

Ele a levou até o sofá, onde, ontem ele e Beatrice tinham ficado. Essa lembrança o fez corar e por isso tentou afastá-la da cabeça. Agora não era momento para pensar nisso.

– Isso parece que vai ser bem interessante, mas não sou exatamente fã de dramas familiares. Acredite, já tive o suficiente de dramas familiares na Revolução para o resto da vida. E pela cara dela, com certeza isso aqui vai acabar em drama. – ela foi até onde Tobias estava parado e jogou seus braços no pescoço dele. – Encontrei com Caleb quando saí daqui mais cedo e ele me pediu para passar na, humm, antiga sede da Erudição agora à noite. Não ia, mas acho melhor arrumar outra coisa para fazer, já que parece que vocês vão conversar. – Se inclinou até ele e deu um selinho. – Depois a gente se vê, acho que precisamos conversar um pouco para variar. - e saiu dando a ele um sorriso travesso, e obviamente ignorando a presença de Evelyn.

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Tobias tinha que confessar que Beatrice estava sim mudada. Ele nunca imaginaria Tris fazendo algo assim, o provocando na frente de outra pessoa. Ela era Abnegação demais para isso. Entretanto, ele tinha que confessar que estava gostando desse outro lado dela, mais travesso e sensual. Se for a isso que Zeke se refere quando diz que ela não é mesma pessoa de antes, pensou, acho que posso me acostumar.

– Tobias, como isso é possível? Aquela é mesmo Beatrice? Isso é impossível!

Tobias por um minuto havia se esquecido de que Evelyn estava ali. Meu deus, eu realmente tenho que parar de me distrair tão facilmente por causa dela, pensou. Ele precisava se concentrar para conseguir lidar com Evelyn.

– É mesmo ela, e sim isso deveria ser impossível. É uma longa história.

...

Tobias havia achado que seria difícil explicar a Evelyn os últimos acontecimentos, mas quando começou as palavras foram simplesmente fluindo. Ele não entrou em detalhes, havia coisas que só diziam respeito a ele e Beatrice. Mas não omitiu sobre a briga com Damon, nem o motivo da briga, já que cedo ou tarde era ficaria sabendo.

Quando terminou seu relato, observou Evelyn a espera de alguma reação, mas durante algum tempo tudo o que recebeu dela foi o silêncio.

– Mãe, você não vai dizer nada? Enfim, Tobias disse rompendo o silêncio, que já estava ficando constrangedor.

– O que eu deveria dizer? Isso é inacreditável! Tem certeza que isso é verdade?

– Tenho. – É claro que a primeira coisa que ela pensaria era que Beatrice estivesse mentindo. – Eu sei que é difícil de acreditar, mas é verdade. Também foi difícil para mim no inicio.

– Foi mesmo?- ela riu amargamente- Parece que fosse já superou isso, pela maneira como agiu quando ela estava aqui. Você terminou com Christina para ficar com ela?

– Eu tinha que fazer isso, você sabe o quanto eu a amava, o quanto eu ainda a amo. Mãe, eu sei que vocês duas não se davam bem antes. Mas você não poderia deixar pra lá?

– Isso não depende só de mim, Tobias. Sua namorada-recém-saída-do-túmulo nunca tentou conviver bem comigo. E pela maneira como ela agiu ainda há pouco...

– Ela nem ao menos se lembra de você – ele disse a interrompendo. – Ela não gostava de você por minha causa. Mas agora tudo está diferente- ele pegou nas mãos dela, obrigando-a a encará-lo. – Mãe, enfim nós temos o relacionamento que eu sempre desejei que tivéssemos. Por favor, não estrague tudo o que construímos por uma birra antiga e boba que você tinha com Tris. Apenas dê uma chance a ela, okay?

– Tobias, o que você quis dizer com estragar tudo o que construímos? - ela estava pálida e nervosa. - Você me deixaria de lado por causa dela?

– Não. Eu não faria isso, mãe. Mas também não romperia com ela por sua causa. Eu gostaria muito que vocês tentassem se entender. Por favor, mãe, você poderia tentar fazer isso por mim?

Evelyn assentiu. Ela não parecia satisfeita com aquilo, mas pelo menos já havia concordado em tentar. O beijou e se despediu alegando que já era tarde. Já sozinho, ele pensou em o que Beatrice estaria fazendo.

P.O.V Beatrice

Toda a cena na casa de Tobias havia divertido Beatrice. Ela havia percebido na cara da tal Evelyn, o quanto ela havia desgostado de sua presença ali. Aquela ali não era uma fã minha, pensou. E agora, provavelmente Beatrice tinha conseguido piorar a situação, ao ignorá-la e provocar Tobias na frente dela. Ah, ela não deveria ter feito isso, mas foi impossível resistir. E de qualquer forma, mais uma inimiga não seria um grande problema para alguém que já tinha tantos.

Ela estava seguindo devagar ao encontro com Caleb. Ele havia pedido para encontrar-se com ela, e ela tinha que confessar que de ceder ao pedido dele. Ele era seu irmão e tinha a recebido de braços abertos em seu apartamento, mas não se sentia confortável perto dele, e também não conseguia vê-lo como alguém que merecesse sua confiança. Então, ela não estava nenhum um pouco animada para vê-lo

Chegou ao local que era antes conhecido como o complexo da Erudição e viu Caleb a esperando na entrada. Aproximou-se dele que a abraçou, o que ela achava totalmente desnecessário. Seguiram juntos para dentro do complexo, até chegarem a uma sala, onde Matthew os esperava.

– Beatrice que bom que você veio. Disse hoje para Tobias que precisávamos falar com você.

– Humm, não cheguei a conversar com ele hoje. – Aquilo não era bem verdade, mas também não era mentira. – Acho bom irmos direto ao ponto: o que vocês querem?

– Não sei se você sabe, mais fizemos alguns testes em Jacob antes de ele ter ido embora- Caleb começou parecendo encabulado pelo tratamento que tivera dela. – Estávamos tentando descobrir o que causou sua, digamos, amnésia. E achamos que conseguimos.

– Ah, me deixe adivinhar: tem algo a ver com o troço estranho e totalmente sem explicação que tem nas nossas cabeças?

– Peraí, como você sabe disso?- questionou Matthew parecendo surpreso.

– Isso não é algo sobre o qual eu pretenda conversar com vocês. O importante é que sim eu já imaginava isso. – De forma alguma ela falaria sobre isso com eles, lembrar o motivo dela saber sobre isso doía demais nela. – E imagino que não há nada que possa ser feito, não é? O que me traz novamente para a questão: o que vocês querem comigo?

– Não Beatrice, não podemos fazer nada - Caleb olhava para ela de uma forma estranha, tentando adivinhar o que passava na mente dela. – Chamamos você aqui para contar a você sobre isso, e também porque queríamos fazer os mesmos testes em você. Mas parece que isso não vai ser mais necessário. Porém, tem um teste que eu realmente acho que seria interessante você fazer.

– Porque acho que não vou gostar disso? – Caleb falava com ela como se ela fosse uma criança tola. Ela já não confiava nele, essa situação com certeza não estava melhorando isso.

– Jacob fez, então não é nada tão ruim assim. Existe um soro que é capaz de conhecer os seus medos. Este soro era usado no treinamento da Audácia, e você mesma já passou por isso.

– Não gosto disso. – Como alguém gostaria disso? Deixar seus medos serem conhecidos por outra pessoa tornaria qualquer pessoa vulnerável. Mas Jacob havia feito, então se ela se recusasse, eles provavelmente achariam que ela estava escondendo algo. Ou pior, achariam que ela estava com medo e era fraca. E ela não admitia que ninguém pensasse isso sobre ela.

– Só queremos ver se achamos algo sobre o Doutor Zank. – Matthew disse e ele não imaginava que isso era a pior coisa que alguém poderia ter dito naquela situação. Ela não podia de forma alguma deixar que eles vissem o que ele fez a ela. Ela nunca havia contado aquilo a ninguém, se fizesse isso, as pessoas a veriam como uma vítima e ela não era uma vítima.

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– Não posso fazer isso. Não com vocês olhando, isso é muito particular. - Ela suspirou tendo uma ideia. – Mas posso fazer isso, se vocês não estiverem lá. Apenas eu. E se houver algo útil, eu conto a vocês depois. O que acham?

Matthew e Caleb se entreolharam, analisando o que ela havia sugerido. Era perceptível que a ideia não agradava a eles, mas isso era problema deles.

– Acho que podemos dar um jeito nisso. – disse Caleb, resolvendo-se. - Podemos ir?

– Ir aonde?

– Ao antigo complexo da Audácia. É lá que você passará pelas paisagens de medo.

...

– Você tem certeza que quer fazer isso sozinha? Se você está preocupada em alguém saber sobre seus medos, posso prometer não contar a ninguém. – Matthew sussurrou em seu ouvido, enquanto Caleb estava ocupado explicando a ela o que teria que fazer.

Matthew parecia uma boa pessoa e ela tinha que confessar que gostava dele. Pelo menos, mais do que gostava de Caleb, o que era estranho, considerando que Caleb era seu irmão. E por saber que ele era uma boa pessoa, ela também sabia que ele nunca compreenderia o que estava por vir.

– Eu vou ficar bem, eu sempre fico. Não se preocupe.

Assim que os dois saíram da sala, Beatrice injetou uma seringa cheia de líquido laranja em seu pescoço, sentindo seu corpo ficar levemente tenso. Ela já tinha uma ideia de quais seriam os seus medos, porém sempre poderia haver surpresas e aquilo a incomodava. Sentiu seu corpo amolecendo, e sua mente apagando.

...

O chão transformou-se sob seus pés. Ela se encontrava em uma sala com paredes e chão cinza, não há mais nada lá por um momento, até surgir uma porta de madeira descascada.

Por alguns segundos nada aconteceu, ela apenas ficou parada, sem saber muito bem o que fazer. Começou a ouvir passos pesados se aproximando do outro lado da porta. Ela observou cuidadosamente a porta, esperando.

Pouco antes de a porta ser aberta, ela ouviu alguém atrás de si tossindo. Por um momento pensou que estava ouvindo coisas, mas mesmo assim virou-se. Sua expressão logo passou de séria para confusa, aquilo não poderia ser um medo dela. Um homem de aproximadamente 30 anos com uma expressão de dor a encarava com os olhos brilhando, em suas mãos havia uma faca que ele enterrava em sua própria barriga e o sangue pingava no chão sujando, também, a camisa do homem. Beatrice se lembrava dele, mas não sabia o porquê dele estar lá, não fazia sentido.

O homem começou a rir e assim ela percebeu que também estava rindo. Ambos estavam rindo da morte dele, como se fosse uma piada. Beatrice lembrava exatamente o porquê estavam rindo.

Era uma de suas primeiras tarefas para a Revolução, ela estava com Damon e outros colegas em uma simples tarefa de invadir um lugar relacionado ao governo, na época não contaram a ela o que estavam fazendo lá por ser uma novata. Tudo corria bem, era uma missão simples, até que um dos guardas conseguiu pegar Damon apontando uma arma para sua cabeça, Beatrice sempre desconfiou que aquele incidente tivesse sido o pontapé inicial para ele treinar tanto e ficar tão bom no que fazia, pois ele não queria que algo parecido ocorresse novamente. Naquele dia Beatrice usou sua melhor arma, algo que o Doutor a ensinou: a manipulação. Impressionando a todos os presentes, ela conversou com o homem dizendo-lhe como o governo era cruel, como ele havia desperdiçado sua vida defendo algo errado, dizendo que ele não podia viver como uma culpa dessas nas costas e que ele tinha a obrigação de deixar todos irem em paz. Entretanto o homem fez algo inesperado, puxou uma faca e fincou-a em sua barriga, agradecendo a Beatrice por abrir seus olhos para a realidade. Assim, Beatrice riu feliz por seu plano ter dado certo demais. Foi a primeira vez que Damon realmente se impressionou com ela.

Aquilo nunca a assombrou. Por que estaria em sua passagem de medo? Não fazia sentido. Quando ela fez aquele homem se matar se sentiu feliz, não assustada, pois aquele foi o primeiro passo para ter seu lugar especial na Revolução. Além disso, aquele homem trabalhava para o Governo, e Damon sempre dizia a ela o quanto o Governo era cruel com as pessoas comuns.

A porta foi aberta, e a pessoa que abriu encarava Beatrice com os olhos azuis assustados. Tobias. O que ele estava fazendo ali? As mãos dele tremiam enquanto olhava para o homem já morto logo atrás dela, e quando a viu rindo sua expressão só piorou. Naquele momento ela entendeu o que aquele medo significava. Mas tinha que ser logo Tobias? Ele murmurava seu nome como se não acreditasse que fosse ela que havia feito aquilo.

— O que você fez? — Tobias disse com a voz trêmula.

Beatrice piscou algumas vezes tentando formular uma resposta, mas não simplesmente conseguia.

— Como você pode fazer isso? — ele leva as mãos ao rosto. Tobias se aproximou do homem e agachou checando o seu pulso, o que era desnecessário, já que o mesmo estava morto. Por fim, Tobias fechou os olhos do homem e se afastou.

— Tobias, olha... eu... — Beatrice tentou.

— COMO VOCÊ PODE FAZER ISSO? — ele gritava, bufando de raiva. — Isso é maldade. Você não deveria fazer isso! Só pessoas cruéis fazem isso!

Aquele era seu medo de que as pessoas achem que ela era má, por causa das diversas coisas que ela já havia feito. As coisas que ela precisou fazer. Mas por que tinha que ser Tobias? Aquilo só piorava aquela situação.

— Você não entende. Ele se matou. — ela tentava manter a calma, mas percebeu que sua voz estava levemente trêmula — Eu não fiz nada.

— Se matou? — sua risada irônica ecoou pela sala — Você o fez fazer isso! Até parece que ele queria se matar. Quem quer morrer, afinal? Você manipulou a cabeça o fazendo acreditar que queria isso! Você fez isso! VOCÊ!

— Tobias...

— Você não passa de uma vadia cruel e manipuladora! Você é um monstro!

—Eu sei... Eu não quero ser mais assim. Você não entende, eu não quero mais fazer essas coisas. — as lágrimas jorravam dela. Ela queria que suas lágrimas limpassem tudo o que ela já havia feito. Que tolice desejar isso, pensou, nada apagará o que eu fiz.

Seu coração estava acelerado. Pensava em um jeito de passar por aquele medo, mas não conseguia pensar em nada. Ela queria poder convencê-lo que não era má nem cruel, mas no fundo, não era isso que ela mesma achava de si?

— E se eu não for uma pessoa boa? — começou — Por que isso importa? Eu sou quem eu sou e todos têm apenas que aceitar isso. Eu tive que fazer isso, eu TIVE que fazer isso.

Mesmo não falando coisa com coisa, seu coração começou a bater normalmente. Ela não era uma má pessoa. As coisas que ela havia feito, como o que fez com aquele homem poderia ser consideradas cruéis, mas não era o que ela era. Lembrou-se de algo que Caleb lhe falou, que se suas batidas se normalizassem, a passagem mudaria. Beatrice fechou os olhos, ignorando a resposta de Tobias, e quando os abriu não o viu mais.

Olhou em volta e a imagem de um quarto de hospital começava a se formar. Aquele era o seu quarto quando estava no hospital. Um sorriso nervoso brotou em seus lábios, tanta coisa já havia ocorrido lá, que ela não sabia o que esperar.

O Doutor entrou no quarto sem encará-la, sua expressão estava indiferente, o que era raro já que os dois estavam sozinhos. Quando ela estava pronta para dizer algo, percebeu o pequeno caderno azul nas mãos do Doutor. Ela lembrou-se que ele sempre andava com aqueles malditos cadernos, um para cada paciente. O seu era o azul, ele dizia que era porque o lembrava de seus olhos. Sua respiração se tornou irregular, ele usava aquele caderno para escrever sobre ela. O quanto e o quê ele escrevia ali era o que ela temia.

— Sabe, Beatrice, eu adoro ler o começo desse caderno como passatempo. — diz o Doutor folheando o caderno. Ela não de ter vivido esse momento. — O dia que eu estava no departamento e ouvi alguém falar “que quando a Tris decidia que alguém era mau todos a seguiam", eu soube que era você. Que era você que eu queria para ser a primeira. “Se ao menos ela estivesse morta" eu pensava decepcionado. Mas então, eu soube que você morreu alguns dias após minha partida do departamento, e eu pensei que ser minha primeira cobaia era o seu destino. Sabe como é fácil pedir o corpo de uma simples rebelde? Ninguém do governo hesitou em enganar os seus queridos ex-amigos. Eu não me arrependo, nem um pouquinho. Eu nunca gostei desse apelido "Tris", mas Beatrice parecia um nome adequado para meu primeiro paciente. — terminou com uma risada baixa.

O caderno escorregou de propósito da mão do Doutor, enquanto ele ainda ria. Beatrice esticou o braço para alcançá-lo, porém não conseguiu, parecia que aquele maldito caderno fugia de suas mãos. Olhou a sua volta e percebeu que o cenário havia começado a mudar. A risada do Doutor foi vagarosamente sumindo e sendo substituída pelo barulho de conversas aleatórias.

Ela estava ajoelhada olhando para os pés de alguém que se agachou para pegar o caderno do chão. Em sua visão o homem parecia cinza destacado no preto do asfalto, ergueu o olhar para melhor observá-lo. O que viu provavelmente lhe daria pesadelos por noites. O homem não tinha rosto e era completamente cinza, assim como todos que estavam a sua volta. Aquele que tinha pegado o caderno o estava folheando e aparentemente o lendo (com que olhos? Beatrice se perguntava), ele levou as mãos rosto como se estivesse surpreso e logo virou-se para sussurrar algo no ouvido da mulher ao seu lado.

Como uma corrente, todos sussurravam sobre ela e muitos a olhavam com as mãos claramente tensas. Rapidamente fizeram um círculo em sua volta e ficaram em silêncio. Eles sabiam. Todos eles sabiam o que tinha ocorrido no hospital. Seu sangue gelou. Seu medo.

Beatrice levou suas mãos aos ouvidos, em uma tentativa vã de não ouvir o que achava que estava por vir. Apertou os olhos e inclinou o corpo para frente.

— Beatrice, isso é verdade? — várias vozes diziam em uníssono — Ressuscitar uma pessoa? Isso é impossível! Você pelo menos é humana?

— Vocês viram o que tinha naquele caderno? — uma voz feminina dizia. Beatrice ergueu os olhos tentando identificar inutilmente quem estava falando. A voz continuou — Como alguém consegue sobreviver depois de passar por aquilo? Pobre garota. Imagina o que passa por essa mente frágil.

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A voz da mulher se perdeu no ar e por um tempo o silêncio reinou, mas em um rompante várias vozes romperam o silêncio de uma só vez, dizendo várias coisas diferentes. Eram tantas vozes, que Beatrice não conseguia entender o que falavam.

— Você está errada! — Beatrice girtou, atraindo a atenção de todos— Eu não sou fraca e nem frágil! Vocês são! São como pó que se desfaz no vento! — completa com os punhos cerrados.

Um grito de desespero coletivo ecoou pelos ouvidos de Beatrice, enquanto o estranho grupo de pessoas começou a se desfazer em poeira sendo levados pelos, exatamente como ela havia dito. Suspirou aliviada, se levantando e se preparando para o que possa ainda viria.

O asfalto se transformou em um chão branco e quatro paredes voltam a cercá-la. Aparelhos de uma sala cirúrgica ocupavam todo o lugar. Do seu lado, estava o Doutor com máscara e roupa cirúrgicas, assim como ela se encontrava naquele momento. Um rapaz moreno e bonito estava deitado em uma maca a sua frente, o bipe do aparelho que media os batimentos cardíacos estava calmo e regular. Ah meu deus, não. Era o retorno de Jacob.

— O procedimento envolve a drenagem de todo o sangue do corpo do paciente, seguido de um resfriamento de cerca de 20 graus abaixo a temperatura normal do corpo. Feito isso, assim que o problema do paciente é resolvido, o sangue é bombeado de volta e o corpo é reaquecido lentamente. Ao atingir 30 graus Celsius, o coração volta a bater e com o aquecimento progressivo vai se tornando mais estável. — explica o Doutor — Claro que o procedimento muda um pouco considerando a maneira como a pessoa morre. Entretanto esse caso foi uma parada cardiorrespiratória há menos de 5 horas. Agora só falta o último passo.

Ele pegou o pequeno dispositivo que Beatrice não tinha ainda visto, mas o doutor explicou que era para apagar a memória do rapaz. Ela o olhou assustada.

—Ora, minha querida, - ele disse— não queremos ninguém se lembrando do que aconteceu antes. Isso poderia ser traumático.

Beatrice voltou o olhar para o paciente, que agora tinha o cérebro exposto, e perguntou-se se aquilo era ao menos certo ou se seria perigoso. Mas afinal, ele já estava morto antes e se sobrevivesse nem ao menos se lembraria disso.

Beatrice observava atentamente o Doutor enquanto ele trabalhava. Ele pedia sua atenção, algo que ela não conseguia dar 100%, já que não se sentia confortável com aquilo. Ela ficava parada, apenas assentido.

Sentiu sua respiração falhar, e agarrou-se na maca para não cair. Saber que havia participado daquilo a destroçava por dentro. Tudo que ela queria era sair daquela visão, não queria estar ali por nem mais um segundo. Respirou fundo, tentando normalizar sua respiração. Sentiu o cenário levemente se esvaindo, e enquanto o doutor sumia o ouviu dizer:

— Beatrice, assim que eu acabar aqui, terei um tempo a mais para você. Não se preocupe.

O cenário mudou, e ela se viu novamente em seu antigo quarto no hospital. Será que nunca sairei desse maldito lugar, pensou. Era noite, e ela provavelmente deveria estar dormindo. Ao invés disso, ela observava aflita a porta. Por favor, ela pensava, não venha hoje. Viu a porta abrindo lentamente e sentiu seu coração bater cada vez mais rápido. Por favor, ela queria gritar e implorar, não hoje. Mas fazer isso só mostraria o quanto ela era fraca.

Ela fechou os olhos, não querendo vê-lo entrar pela porta. Ouviu seus passos, se aproximando da cama onde ela estava deitada. Sentiu ele tocá-la, primeiro acariciando seus cabelos, e depois, descendo por seu corpo.

— Eu sei que você está acordada — Ele sussurrou em seu ouvido. — Fiquei tão orgulhoso de você hoje, participando junto comigo da operação. Você estava tão linda. — Ela abriu os olhos e percebeu que estava chorando. — Eu já disse que não gosto quando você chora. Pare de chorar agora. – Ele gritou, parecendo tão louco quanto seus pacientes. Ele deitou-se por cima dela e ela tentou segurar o choro.

"Beatrice, isso não é real. Não está acontecendo agora, e nunca mais acontecerá." ela pensava tentando se controlar.

Mas o desespero continuava ali, e sugava suas forças. E ela continuava a sentir ele a tocando e pressionando-a com força contra ele. Não, isso não pode estar acontecendo. Tentou ignorar o que ele estava fazendo, e começou a pensar. Isso não é real. Concentre-se. Eu posso parar isso! Ela desejou matá-lo por tudo o que ele fizera. O desespero deu lugar ao ódio, e ela sentiu em suas mãos algo frio. Ela olhou e viu um pequeno punhal. Sem pensar, ela fincou o punhal nas costas dele. Uma, duas, três vezes. Perdeu a conta de quantas vezes o apunhalou. E só parou quando perdeu a consciência.

Quando abriu os olhos novamente Beatrice não conseguia enxergar direito, sua visão estava embaçada. Sentia dores por todo o seu corpo, sentia que estava morrendo. A sua frente estava um homem que ela não conhecia, mas seu rosto lhe era familiar. E de repente seu nome veio à mente: David.

Ela piscou os olhos tentando focaliza-lo, porém não conseguia. David, ela repetia esse nome em sua mente. Tinha a impressão de que deveria conhecê-lo, deveria saber quem ele era. Como ela sabia o nome daquele desconhecido? E além do mais, sentia raiva ao olhá-lo, sem saber o porquê, era como ela soubesse que ele tivesse causado a dor que sentia.

Não entendia o que tinha acontecido, e David parecia não entender também, pois seus olhos estavam arregalados e sua expressão confusa, ele olhava para os lados tentando compreender o que tinha acontecido, mesmo assim seu olhar nunca passava por Beatrice. Ele tinha a mesma expressão dos pacientes do hospital quando acordavam sem memória, ela pensou. Viu na mão do homem uma arma e então compreendeu tudo o que tinha acontecido.

Beatrice estava morrendo e não tinha nada que ela poderia fazer em relação a isso. Uma lágrima escorregou por sua bochecha. Era inútil tentar fazer qualquer coisa, afinal ela morria de qualquer jeito.

Não posso fazer nada, gritou. Mas não havia ninguém ali, fora David, para ouvi-la.

Mas ela tinha que fazer alguma coisa para sair daquela passagem. Seu coração batia mais rápido e isso fazia mais sangue sair de seu corpo. Estava doendo. Aquela dor a atrapalhava a pensar. Ela queria viver.

Seus olhos ficavam pesados, e ela encarava a arma na mão de David, achando que estava prestes a perder a consciência...

"Isso!" pensou " Eu sempre carrego uma arma comigo...Se vou morrer, pelo menos irei carregá-lo comigo”

Juntando suas últimas forças, tateou o chão e encontrou o objeto metálico que queria. Levantou a arma na altura da cabeça e David e puxou o gatilho sem hesitar. Um sorriso brotou de seu rosto assim que viu o corpo dele caindo, sem vida.

Parece que não sou tão impotente assim, pensou, eu posso sim fazer alguma coisa.

...

Beatrice bufou assim que todas as imagens desapareceram, sua respiração estava ofegante e suas mãos tremiam. Sem falar do seu coração que naquele momento parecia querer pular do seu peito. Apoiou o queixo na mão, olhando para o nada com os olhos levemente arregalados, alertas e molhados. Sinceramente, ela achou que aquilo seria mais fácil.