Tom adormeceu primeiro. O som dos fogos de artifícios foram totalmente abafados pelas grossas paredes mágicas infinitas da Sala Precisa, então, nada foi dito sobre ano novo ou aniversário.

Ele estava tão vulnerável, gentilmente apoiado sobre a lateral do meu corpo, que quase não dormi. Analisei cada milímetro da pele macia e pálida de seu rosto, os cabelos negros volumosos repousados perfeitamente sobre seus olhos tranquilos de um sono invejavelmente calmo. Mal se movia. A respiração terna e quente pairava sobre meu pescoço enquanto sentia um leve arfar vez ou outra, na profundidade de seus sonhos, eu nada via.

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Fiquei receosa de invadi-lo, pois sabia que ele notaria. Esperto como era, sua mente tinha um trabalho minucioso que mesmo inconsciente não deixava brechas que uma garotinha conseguiria permear e, portanto, colocaria minha posição em risco. Deixei que pensasse o que quisesse durante nosso momento juntos: ele falaria depois, sem ao menos perceber as investidas.

Encarei mais uma vez a face do menino que deixara para trás em mais um ano de sua vida. Logo, seria um grande homem. Minha curiosidade em acompanhar por mais tempo a jornada de Tom em que se tornaria e se minha presença ali realmente pudesse tornar algo mais simples para o futuro quase me despertou por inteira. Relaxei meus anseios antes que percebesse a mudança no ambiente, minha tensão súbita da silenciosa mente que habitava em mim sempre gritando para quebrar promessas, esquemas, planos e destruir o que seria a desgraça da nossa geração, e dormi.

Dormi o inconfundível sono da discórdia.

— Eu fiz chá.

Sua voz era como um eco distante quando me despertou. Por um instante eu sonhava com Victoria, caminhando com ela pelo Hyde Park num raro dia de sol na Londres de meu tempo, dividindo a calmaria da vasta natureza em meio aos ônibus, carros, pessoas circulando em alta velocidade com seus rostos tão distorcidos que mal poderia me lembrar se não fosse ela.

Sorria para mim. Seu gesto foi tão significativo que ignorei completamente qualquer sinal da ilusão sonolenta provocada pela minha consciência assim que comecei a me dar conta de que era apenas um sonho. O cabelo de minha irmã flutuava com o vento e o sol destacava-lhe a íris clara do mais puro azul do céu, enquanto conversava comigo sobre um assunto qualquer.

- Chá preto, da Fortnum. - acrescentou Tom, sentando-se ao meu lado na cama. - Seria um desperdício estragá-lo com qualquer poção, apenas no caso de você perguntar.

Ri de lado, abrindo apenas um olho.

— É feriado. Não se acorda quem dorme, de qualquer maneira.

— Você não parecia estar dormindo.

— É mesmo? - questionei, sentando-me ao seu lado imediatamente.

— Parecia estar recordando-se de algo. Vivenciando algo, por assim dizer.

— E você não quis dar uma espiadinha? - ri, bebendo seu chá recém preparado. Tinha um sabor ótimo.

— Não seria educado. - respondeu simplesmente. - Você pode compartilhar suas preocupações comigo se quiser. Costumo ser um bom ouvinte quando tenho vontade.

Tom sorriu quando eu o encarei num misto de repreensão e diversão. Ele sabia que eu o entendera.

— Vi minha irmã num sonho. - resolvi atiçá-lo. - Ela estava em Londres, numa das nossas poucas viagens em família. - confidenciei, buscando a realidade sem realmente expô-la. - Era um dia ensolarado e frio, ao mesmo tempo, pelo vento persistente. Conseguia ouvir sua voz, mas não entendia do que falava. Ouvia mais o ruído dos carros do que qualquer outra coisa...

— Isso explica a cara amarrada. - comentou ele, pressionando minhas bochechas como as de uma criança. - O vinco em sua testa comprova isso. Estava se esforçando para ouvir...

— É. - disse simplesmente. - Quando me deixou, não consegui me despedir apropriadamente. E nem pude...

Mais uma vez fui capaz de dizer várias coisas sem intervir no relacionamento tênue entre ficção e realidade. Distorcer a linha do tempo traria piores consequências do que a fúria de um Tom Riddle adolescente.

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Como será que estaria Victoria no futuro?

— Você a viu morrer? - questionou Tom amargurado. Notei a expressão dele mudar de curioso para preocupado.

— Não.

— Mas você já viu outros morrerem.

— Sim. - beberiquei um pouco do chá, desviando seu olhar.

— Não creio que eu tenha visto alguém morrer. - ele olhava para as próprias mãos brancas enquanto falava. - E por ser um cidadão em estado de vulnerabilidade, não serei convocado para a guerra. Digo, de modo não obrigatório. Posso alistar-me voluntariamente.

— Nem de ataque aéreo?

— Você vai me achar estranho.

Quase engasguei com o chá. Estranho?

— Por quê? - fui quase enfática. Algo intrigante viria depois disso.

— O ambiente do orfanato sempre foi um inferno. Barulhento demais, lotado demais. Era quase um alívio dormir no subsolo com toda aquela gente, em silêncio, ouvindo os bombardeios. Se alguém morreu ali, eu não saberia dizer. Me sentia livre em estar em um lugar neutro, mesmo que fossem estações de metrô, bunkers, ou afins. Qualquer lugar menos o orfanato. Assim, eu descansava. Enquanto todos não pregavam os olhos, cheios de angústias e medos, eu simplesmente dormia. Você deve pensar que sou algum tipo de psicopata.

Tom encerrou seu pequeno e impressionante discurso olhando para os pés, como se sentisse insegurança sobre o que eu deveria pensar após tais confidências. Eu, por outro lado, remeti-me às memórias de Dumbledore sobre o mesmo durante o período de guerra sem saber ao certo se o professor estava ciente da atual condição de seus alunos, especialmente os sem amparo familiar.

Muitos em Hogwarts daquele tempo precisavam de ajuda com questões parentais ou por meio de incentivo fiscal. Aqueles que possuíam bens físicos, como os Malfoy, pouco ou nada sofriam com o caos que pairava na Terra, fosse entre trouxas ou bruxos, ou ambos, blindados em suas luxuosas mansões de toda a destruição que cerceava e consumia o exterior. Mesmo que pudesse contar com seus amigos, a realidade do futuro Lorde das Trevas era bastante distinta da de seus colegas Casa.

Segurei sua mão, incapaz de dizer qualquer palavra. Eu, Valery, não tinha refletido em quais alterações de personalidade a minha presença física pudesse modificar no Tom Riddle que ali estava, receoso, temido, poderoso e, também, solitário. De modo que o relógio impiedosamente continuava a girar seus ponteiros, entendi as razões que o levaram - tão levianamente - a me considerar uma companhia palpável.

Ele se sentira perdido no meio que estava e via em mim um espelhamento distorcido de si mesmo.

Olhei para minhas mãos entrelaçadas às suas e suspirei. Hora de trabalhar.

— Eu estou só. - disse ainda sem olhá-lo. - Mas você não.

Tom me encarou confuso.

— O que quer dizer?

— Você ainda tem seu pai, não é verdade? - arrisquei tudo numa única jogada, esperando suas cartas para prosseguir taticamente.

Tom pareceu calcular o que iria me responder, levando alguns segundos para reunir as informações. Até onde meu conhecimento permitia, ele não tinha muito o que inferir a respeito de sua família paterna até pouco depois do incidente da Câmara Secreta. Revelar-se-ia o sujeito como herdeiro de Sonserina, mas o saberia também que através da herança da mãe.

— Eu sei o nome dele. - disse, endurecido. - É igual ao meu.

— Ele está vivo?

Tom ergueu as sobrancelhas, franzindo a testa.

— Agora, não sei. Mas estava, em 1935.

Fiz os cálculos mentalmente. Tom tinha 9 anos.

— Soube dele? Como? - perguntei com genuína curiosidade. Precisava que ele falasse o máximo possível.

— Uma criança rica foi sequestrada, e os pais investiram em peso na sua recuperação. - explicou. - Dois detetives e uma equipe de polícia sem hora marcada insistiram para que a Sra. Cole enfileirasse os meninos com aparência entre 8 e 10 anos. Buscavam um jovem magro, de cabelos escuros e olhos âmbar, e é claro, não o encontraram ali.

"Mas, ao olhar para mim, um dos detetives ficou nitidamente consternado. Repetia imperativo que uma criança bem apessoada como eu não devia pertencer a um grupo tão... desajustado. A Sra. Cole explicou, portanto, que eu vivera no orfanato durante toda minha existência e que tinha sido ela, em pessoa, a responsável pelo meu nascimento. Quando informou meu nome, o homem saiu em disparada pela porta, sinalizando para os outros que não havia nada mais a ser feito ali."

— E então?

— Aguardei, quieto, que ele continuasse com sua tez preocupada a ponto de buscar algo que eu era incapaz. Não tinha condição financeira para assumir nada sozinho e, confesso, faltava-me energia. Por pouco não morríamos de fome e, até os 11 anos, eu não tinha outro acesso a comida e abrigo.

— Ele o encontrou.

— Sim. - Tom sorriu pesarosamente. - E não foi uma busca difícil. Tom Riddle era seu nome; onde vive, não sei dizer. Um dia, Martha me chamou no meio de uma das lições que fazíamos compulsoriamente, algo inusitado no decorrer da rotina. Todos me encararam confusos e desdenhosos. Fechou a porta da sala trazendo-me para fora e, agachando de modo a olhar diretamente em meus olhos, disse: "O seu pai está vivo, Tom."

— Mas nada aconteceu depois? Não o informaram sobre tal paradeiro, seu ou dele? - eu estava indignada. Como Dumbledore não sabia disso?

— Valery, sejamos sinceros. Eu sempre fui muito inteligente. - respondeu-me de modo sarcástico. - Um casal rico investigara o sumiço do filho sondando todos os orfanatos, casas de acolhimento, lares de noviças e outros fins de mundo para encontrar a criança perdida. Eu não era ninguém. Não devia ser ninguém. Ele não viria me buscar depois de tanto tempo.

— Você nunca o esperou?

— Devia ver como fiquei quando Dumbledore entrou com seu traje nada discreto em meu cinza e minúsculo quarto compartilhado. Não sentia nada. Desacreditava em tudo o que me disse, e realmente esperava que me levasse a força para algum tipo de hospital psiquiátrico.

Ri por sua sinceridade. Essa memória eu conhecia bem.

— E depois, quando se descobriu bruxo?

Tom riu alto, deixando-me alerta.

— Aí comprovei o que já sabia, querida. Não há Riddle's em Hogwarts, portanto, ele provavelmente me deixara ao relés exatamente pela condição extraordinária de minha mãe, herdada por mim. Não há outra explicação.

— Não tem como você saber. - inferi com determinação. - Ele pode não estar ciente da sua existência. Às vezes o detetive apenas fez um trabalho investigativo. Nomes. Lugares. Ele pode não ter abordado o Sr. Riddle sobre o paradeiro de um possível filho perdido.

— Acredita mesmo nisso? - ele parecia consternado. - Para mim soa ridículo.

Acredito não, Tom. Eu sei.

— Sim. Ele não o negaria se pudesse vê-lo, Tom.

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Wiglaf deixou de ser uma sombra em meus cálculos desde a fatídica festa de Slughorn. Após minhas considerações serem avaliadas com muitíssima pontualidade concluí, para sucesso das investidas, que havia sido ele a despertar Tom Riddle em sua herança Sonserina.

Novas informações acumulavam-se diante de mim empilhadas em três diferentes acessos: Tom passado, Tom presente, Tom futuro. O passado sabia que sua família trouxa não havia lhe atestado a vida, o presente, investia na sabedoria de seu antepassado para construir alguma coisa, mas não sabia ainda o que. O futuro estava diante de mim, sendo moldado a cada dia diferentemente do que seria se eu não estivesse ali.

Conduzi meus pés de forma contida até a mesa da Corvinal, onde alguns alunos se reuniam para o retorno às aulas. Entre os veteranos, o rapaz excêntrico destacava-se de longe e seu olhar logo foi de encontro ao meu.

— Aí está ela, a estrela da Sonserina. - disse ele, estendendo-me a mão num cumprimento. - Como vai, Srta. Westwood?

— Envergonhada, eu diria. - sorri cordialmente para ele, que retribuiu. - Por que não o conheci antes?

— Tom é cauteloso ao extremo. Digo a ele que é mais um de seus defeitos.

— Talvez ele não confiasse em mim? - palpitei, conquistando um pouco mais de espaço.

— Não, é em mim que ele não confia. - riu, colocando uma de suas mãos em meu ombro para nos afastar dos outros alunos. - Sei que minha presença na festa de Slughorn o incomodou. Estou indo embora em breve. Acho que isso o deixa frustrado.

— Vocês possuem algum laço estreito - mas oculto - de amizade? - perguntei à queima-roupa. Wiglaf aumentou seu sorriso.

— Não diria que somos amigos, não. Ele não é amigo de ninguém. Muito me surpreende que esteja tão a vontade com a Srta. e, talvez por isso, tive a audácia de enfrentá-la no ano novo quando disse que é uma pessoa extraordinária. - revelou - Ou talvez fosse a bebida péssima que me deixou descontrolado.

— Eu não fiquei ofendida.

— Claro que não. Acha que eu seria audacioso sem ao menos saber com quem?

Wiglaf era peculiar. O tipo de pessoa que Victoria adoraria conhecer.

— Sabe, Valery... - ele sussurrou, apontando para um quadro qualquer na parede das escadarias principais, como se o comentasse para mim. - Tom é herdeiro direto de Salazar Sonserina. Ele sabe disso. Mas estamos em busca de prová-lo.

— E como isso seria possível? - cruzei os braços para a pintura de uma bela cesta de frutas frescas cujos caules folhosos balançavam com o vento. - Quero dizer, como seria possível prová-lo?

— Isso vai ter que ficar para a próxima, querida. - disse subitamente, beijando minha mão em despedida. - Ou, caso não se aguente, terá que perguntar para ele.

Inimigos do Herdeiro, cuidado.

— Um ano a mais, um ano a menos. - queixou-se Aurora, olhando o corpo delicado no espelho rodeado de novas vestimentas invernais. Havia certa expectativa de que o clima melhorasse a partir de fevereiro.

— Pare de reclamar. Pelo menos estamos aqui. - advertiu Margot, numa observação pitoresca. Muitos alunos, como esperado, não retornaram das festas. - Conte-nos algo empolgante, Valery. Soube que a festa de Slugh foi um evento e tanto.

Sorri, imaginando quem havia lhe dado tal informação.

— Não acho que valha a pena o seu tempo. Comida e bebida questionáveis. Companhias padrão, pessoas relevantes, mas nem tanto. A música era realmente boa.

— O que você e Tom fizeram depois que foram embora?

Pisquei, sem entendê-la.

— Ela quer saber se vocês tiveram relações sexuais. - explicou Dorea, saindo perfeitamente pronta do banho para o quarto. - Acham normal que um casal se relacione caso tenham a oportunidade, o que, confesso, é um pensamento um tanto progressista até para mim.

Aurora corou da cabeça aos pés, enquanto Margot atirava uma almofada na colega sem a menor piedade.

— Black! Que falta de modos! - arguiu ela. Dorea apenas sorriu.

— Ela pareceu estar confusa. - disse sinceramente. - E eu não acho que tenham feito nada, de qualquer modo.

Sorri para ela de volta, sabendo que havia feito uma amiga.