Renegados

Capítulo 4 - Alvorada


A tensão proeminente do escritório de Lucien era algo esperado, todavia não impedia que os demais moradores da construção ficassem apreensivos. Todos os reunidos tinham a consciência de que a missão desejada só poderia ser completa com a presença de Lucien, e para ele, Knight era uma prioridade. Sem a mulher, o desânimo se apossaria do homem e a retratação com os Baryel não aconteceria. Os ouvidos estavam atentos e inspeções silenciosas eram realizadas nas redondezas da porta de entrada do gabinete; ao menor sinal de confusão, os aliados de Lucien entrariam na sala.

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Atrás da porta de madeira, um reencontro almejado apenas por um dos lados ocorria. Ao mirar Knight, Lucien sentiu uma nostalgia percorrer seu âmago. Ao vê-la, sentiu uma pressão nos olhos e permitiu que uma gélida lágrima caísse. Ele estava estupefato, não conseguia sorrir, falar ou sequer se mover. Os cabelos negros como a noite da mulher enchiam sua visão e o imobilizava. Sua única reação foi a lágrima que aos poucos alcançava seu queixo e pendia para o ar.

Knight, portadora de uma feição inexpressiva, não conseguiu manter seu padrão. Algo dentro dela ressoava um alarme, ressoava o que havia de mais profundo em seu interior. Aqueles cabelos castanhos traziam consigo mágoas distantes. O peitoral na qual ela já havia descarregado toda a sua carga emocional jazia bem a sua frente. Ela sabia que deveria ficar alegre por esse reencontro, mas existiam memórias amargas que a impediam, memórias que haviam deixando-a em uma solidão amarga. Por mais que uma parte de sua alma se alegrasse em vê-lo novamente, a outra parcela fazia com que seus punhos se fechassem. As unhas encravando na pele áspera de suas mãos e marcando sua pele um pouco mais com isso. Knight não sabia como reagir, não sabia se deveria gritar ou chorar ou agredi-lo, nem ao menos sabia se suas pernas conseguiriam se mover caso tentasse. Sem nada em mente, ela apenas permaneceu inerte e com a face estampando seu espanto e incredulidade.

Os dois se encaravam sem retirar os olhos um do outro nem por um segundo sequer. Era o espanto que os consumia ou a felicidade? Axell não conseguia identificar.

Em suma, ele não sabia muito sobre a história dos dois. O conhecimento que tinha era escasso a ponto de não poder identificar o que a expressão deles dizia naquele momento. Se eles haviam sido parceiros, amantes ou amigos, ele não tinha o conhecimento. A expressão de Lucien indicava que eram amantes, mas a de Knight... A dela era a expressão de uma inimiga. Ele estava em fogo cruzado, no centro entre dois vulcões que cobiçavam a atividade. Ele queria uma interação, queria saber a seriedade da situação, mas as bocas continuavam seladas. Temendo por eles, Axell ameaçou abrir a boca, mas ao ver um nuance negro passar diante de seus olhos, congelou.

Sem proferir qualquer palavra ou som descritivo, Knight virou o corpo em direção à saída e calmamente, caminhou. Axell esperava algo, esperava um ataque de raiva e palavras chulas. Espera que Knight Mindi liberasse sua raiva; contudo não foi o que aconteceu. Caminhando em direção à porta, ele não via Knight Mindi, a caçadora de recompensas. Naquele momento, ele observava Knight, a mulher sentida que carregava mágoas.

Em um súbito, Axell viu Lucien despertar de seus torpores e dar um passo na direção de Knight. Uma voz embargada emanou dos lábios dele.

— Knight, espere!

Ela deu uma brusca pausa em seus passos, parou a centímetros da saída. Seu corpo ainda estava virado contra Lucien, mas Axell sentiu que ela estava atenta a cada ato dele.

Lucien deu um suspiro pesado e ao notar que ela havia parado, proferiu ordens para Axell.

— Deixe-nos a sós, por favor.

Ele não havia se dignado a olhar diretamente para Axell. Seu corpo, alma e mente estavam fixos em Knight.

— Eu não tenho nada para falar com você — A voz dela saía quase imperceptivelmente trêmula e rouca. Seus punhos fecharam-se ainda mais e ela ameaçou dar mais um passo em direção a porta.

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— Por favor... — A voz de Lucien vinha como uma súplica, com total falta de arrogância. Axell nunca tinha visto ele implorar por atenção desta maneira. A imposição que seus modos refletiam era digna de respeito e nunca o imaginara suplicando algo.

Knight parecia ter sentido a mesma coisa, pois cancelou sua caminhada e voltou à posição estática de antes. Com isso, pela primeira vez após o reencontro, Lucien olhou para Axell. Não era um olhar amigável, mas um olhar fatal e cuidadoso. Ao sentir o que aqueles olhos silenciosamente diziam, Axell acenou com a cabeça e caminhou para fora do cômodo. Knight nem ao menos olhou-o.

Axell estava sentado em uma poltrona almofadada velha em um dos cômodos da construção. Quatro horas haviam se passado desde que ele saiu do gabinete de Lucien. A apreensão tomava-lhe conta e olhar para o relógio incansavelmente apenas agravava seu estado. Não saíra da poltrona desde aquela hora e o relógio pregado na parede a sua frente tornara-se seu único meio de entretenimento. Não conseguia parar de pensar sobre o que aqueles dois conversavam.

— Chá? — Estava tão atento ao relógio que não reparou Carline se aproximar. Ela oferecia uma caneca quente de chá e precisando se acalmar, Axell a aceitou.

Ela se ajeitou ao lado dele no assento. Carline havia os recebido na entrada e a apreensão dela por Knight era tão grande quanto a dele.

— Como foi lá dentro? — Como ele poderia responder a isso? O que havia acontecido entre os dois era indecifrável.

— Melhor do que eu esperava.

Ela olhou-o confusa, almejando uma maior explicação. Axell corou ao tomar um gole da bebida quente.

— Honestamente, não faço ideia do que aconteceu. Eles apenas se encararam e Lucien pediu para que eu saísse.

— Fico feliz ao ouvir isso. Fiquei com medo de ela reagir de forma agressiva e Lucien desistir de tudo por conta disso — No fundo, ele temia o mesmo. Todos que resolveram ajudar Lucien tinham o mesmo temor.

— Mas mudando de assunto, Talon mandou lembranças.

Axell deu seu primeiro sorriso em horas.

— Como ele está?

— Está sendo difícil, mas ele quer o mesmo que nós, não desistirá.

Axell pretendia conversar com Carline sobre Talon, mas a porta do gabinete de Lucien finalmente se abriu. Os dois se levantaram de súbito da poltrona, entreolharam-se rapidamente e observaram atentos.

Knight, notou Axell, estava intacta; nenhum sinal de que haviam brigado. Seus olhos estavam ligeiramente vermelhos, porém a raiva de antes havia sumido. Entretanto, ao mirar Lucien caminhando na retaguarda da mulher, Axell percebeu que as quatro horas passadas foram de uma carga emocional pesada. O rosto límpido do homem estava preenchido por marcas de unhas e seu lábio inferior estava cortado. Ele não expressava qualquer sinal de dor, fato surpreendente levando em consideração a quantidade de cortes que seu rosto continha.

Em um momento de compreensão, Axell percebeu o motivo de apenas Lucien estar com novas feridas. Ele havia deixado que ela o agredisse, havia permitido que a raiva dela recaísse inteira sobre ele. Ele não reagiu, apenas concedeu a agressão.

Carline também percebera tal feito, pois seus lábios apertaram-se fortemente. Segurando-se para não partir em direção a Lucien, os dois observaram a mulher subir as escadas para o segundo andar. Ele havia conseguido convence-la? Axell enchia-se de alívio.

Lucien, ao vê-los parados observando, caminhou na direção dos parceiros. O rosto manchado por feridas os encarava com a mesma suavidade de sempre.

— Como pôde deixar ela fazer isso com você!? — Carline esbravejou.

Sério e impassível, Lucien respondeu.

— Isso é assunto meu — Dando um pausa para notar a expressão frustrada dela, ele continuou — Knight irá nos ajudar.

O alívio percorreu todo o contorno da existência de Axell e um suspiro profundo saiu de sua boca.

— Mas existe uma condição — Os dois se entreolharam e retornaram o olhar para Lucien.

— Ela quer você, Axell.

Havia desprezo na voz de Lucien. Um tom de desprezo misturado com piedade. Axell tossiu.

— Como?

— Não me pergunte o porquê. Depois de muita conversa, ela decidiu ajudar contanto que você fosse o aprendiz dela.

— Aprendiz? Desde quando ganhei esse rótulo?

— Não leve isso tanto a sério, ela quer fazer um jogo com você. No fundo, sei que ela ficou porque o que temos a interessa, mas o orgulho e o ressentimento que ela carrega não a deixam dizer isso. Portanto, essa foi a desculpa dela. Por favor, meu amigo, você só precisa entrar no jogo dela — Após tantas semanas tratando-o como líder, Axell havia esquecido que acima de tudo, eram amigos. Caso prestasse atenção, conseguia sentir a mágoa perdurar nos olhos de Lucien. Não poderia negar isso para ele, não para o amigo que o ofereceu abrigo e objetivo de vida.

Axell deu de ombros.

— Tudo bem, eu faço isso. Serei o brinquedo dela.

— Obrigado — Com um sorriso, Lucien agradeceu.

O líder se despediu dos dois e caminhou para seu gabinete novamente. Axell e Carline o observaram andar com confiança, contudo eles sabiam que a arrogância estava presente somente em seu exterior.

No espelho que havia dentro do banheiro de seu escritório, Lucien observava seu reflexo. As feridas há pouco haviam sido lavadas e os inchaços começavam a aparecer. Fixo na imagem que o espelho refletia, o semblante de Lucien estava sério. A visão recebida não o agradava. Não eram apenas as feridas que o incomodavam, mas o rosto em si. O vislumbre de sua face o enojava.

Com as mãos tremendo perante o peso na consciência, ele socou sua imagem. O espelho quebrou-se e a mão que o destruíra foi preenchida por um vermelho vívido. Os nós dos dedos do homem rapidamente foram sujos pelo sangue.

— É tudo minha culpa.

Com um enorme pesar, Lucien mirou seu reflexo novamente. Com o espelho quebrado, apenas fragmentos de sua face eram refletidas; e nos recortes de vidro, sangue escorria.