Não havia resposta. Ouvia apenas um chiado constante enquanto suas mãos tremiam ao segurar o artefato mágico. Sua mensagem chegaria a Kouen, tinha certeza. Logo o primeiro príncipe viria a seu resgate e o levaria de volta a Kou, de volta a quem pertencia. Mas por que sentia um aperto em seu peito? Tão forte…

O aparelho deslizou por entre os dedos trêmulos e Ja’far levou as mãos ao alto da cabeça, sentindo-a latejar como nunca. Ele puxava os fios alvos, arrancando vários no processo. Parecia que ia enlouquecer.

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— Ja’far!!!

A voz soou como se estivesse submerso no mar. Nem mesmo conseguirá ouvir quando a porta se ouvir. A mulher que encontrara antes, no setor administrativo daquele palácio, veio correndo ao seu encontro, segurando seus ombros a lhe amparar.

— Oe, está tudo bem?! Vou chamar o Sin…

— NÃO! - ele a interrompeu em um exclamar. A agonia dando lugar ao pânico. - Não, por favor… - Ja’far suplicou, apoiando-se aos braços da moça que era mais alta que ele. - Já… Já vai passar.

Pipirika engoliu a seco, bastante preocupada, apesar de Ja’far tentar demonstrar que estava acostumado com aquilo - e nao estava já? Ela o conduziu de volta a cama, onde Ja’far se sentou, recostando-se de volta aos travesseiros.

Ficaram por alguns instantes em silêncio. Pipirika apreensiva ao vê-lo ofegar enquanto sentia a intensidade daquela dor diminuir.

— Sempre que acaba se lembrando de algo, sente essa dor, nao? - ela decidiu perguntar.

— Não são lembranças… - o alvo respondeu, virando a cabeça para o lado oposto. Pipipirika pareceu confusa com sua afirmação. - São as mentiras que colocaram na minha cabeça e voltam para me atormentar…

— Ja’far… - a moça suspirou. - Como pode ter esquecido de nós e, principalmente, do Sinbad? Nem mesmo da...

Era como se algo a impedisse de completar aquela frase. Ja’far parecia tão frágil, talvez trazer a tona o nome de Rurumu piorasse seu estado. E, definitivamente, ela queria ajudá-lo. Fora que já havia sido provado que não seria a força que Ja’far ia recobrar sua memória, vide os últimos fatos com Sinbad.

Ja’far ficou a encará-la, esperando que a moça completasse sua fala.

— Bem, eu vou para os meus aposentos. - ela se levantou, abrindo um largo sorriso. - Descanse, Ja’far. E pode ficar tranquilo! O Sinbad está dormindo em um dos quartos de hóspedes. Boa noite!

Sem uma resposta, Pipirika deixou ali um Ja’far pensativo. A dúvida dentro de si o corroía. Como podia duvidar de En depois de tudo o que havia acontecido? Era exatamente esse tipo de sentimento que aqueles porco de Sindria queriam plantar em seu coração e ele estava decidido a não cair naqueles joguetes baratos. Mas tudo era questão de tempo. Observando pela janela o infinito mar que se estendia o horizonte, ele tinha certeza de que logo aquela mensagem chegaria e En. Logo voltaria aos seus braços.

—----xxxxx-----

Koumei observava, por trás das plumas escuras de seu leque os servos, soldados e escravos que carregavam o pomposo navio com todos os suprimentos que seriam levados para a viagem, ou melhor, invasão aquela minúscula ilha do extremo sul. O primeiro príncipe e general, Ren Kouen, havia ordenado que fosse dada máxima prioridade a viagem que traria de volta o ministro da economia - e por que não dizer, sua concubina? - ao Império.

Já passava das onze e o trabalho estava quase acabando. Precisava ser rápido quando os criados dispersassem. Não podia ser visto de forma alguma nos arredores do porto, então, cauteloso, permaneceu atrás de alguns largos caixotes, aguardando o momento ideal.

Ele não podia permitir que seu irmão cometesse tamanha loucura. Afinal, pior do que ir declarar guerra e se portar de uma maneira nada diplomática, era saber que ele estava indo ao encontro daquele assassino nojento, por quem se apaixonara.

Não demorou mais que meia-hora para que o porto se encontrasse vazio.

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Um único guarda vigiava, de braços cruzados e um tanto quanto sonolento.

Chegando por suas costas, Koumei o acertou com a ponta de seu leque na nuca do velho vigia, que perdeu a consciência imediatamente.

Pronto, não havia mais nada que o impedisse de executar o que, para ele, era extremamente necessário.

Seu metal vessel brilhou e seu corpo tomou a diferente forma de seu djinn, que lhe permitia voar e dar a volta naquele grandioso navio. Kouen não havia poupado esforços e estava saindo com uma das embarcações mais luxuosas e, ao mesmo tempo, perigosas do Império Kou.

Flutuando sobre o mar, ele encarou o casco - este, até então, intacto. A maré baixa o deixava exposto suficiente para que Koumei, com a ponta do indicador traçasse os pontos que seriam removidos dali. Não poderia ser algo feito com tamanha precisão, pois não poderia deixar óbvio que aquilo era um trabalho de Dantalion. Então tratou de cometer alguns erros antes de transportar, para o fundo do oceano, uma grandiosa parte do casco da embarcação que, imediatamente ao ser invadida pela água, começou a naufragar.

Um sorriso de satisfação cruzou os lábios de Koumei, mas ele se resignou, ainda flutuando ao observar seu grande feito.

— Me perdoe, meu irmão.

Já em sua forma normal, Koumei voltou ao palácio. Seria bastante suspeito se alguém o surpreendesse chegando àquela hora da noite. Coincidência demais - pensou. Mas, para sua sorte, cruzou a entrada e muitos corredores sem ver um criado qualquer.

Suspirava aliviado quando, atravessando os jardins de inverno, viu uma sombra que, ao ser percebida, correu. Droga! Havia sido descoberto!

O segundo príncipe seguiu a sombra pelos corredores escuros da ala de convivência do palácio. Quem ousaria caminhar por aquela área que não fosse a imperatriz, os príncipes e…

Agarrou aquele braço, bastante fino, coberto pelo voil da manga transparente do belo hanfu salmão que ela usava. Sua mão deslizou e chegou até os dedos de unhas bem feitas, tingidas por escarlate. Eles tremiam.

O luar proveu a luminosidade necessária para reconhecer o belíssimo rosto daquela concubina. Claro, emoldurado pelos fios escuros e longos que caiam sobre os ombros e os seios bem moldados, modelados pela leve seda que os cobriam. Uma expressão apreensiva e assustada encarava o príncipe.

— H-Ho-Bin? - ele gaguejou.

— K-Koumei-sama.

Ainda com seus dedos entrelaçados nos dele, a jovem se curvou, respeitosamente. As bochechas assumiram a mesma vermelhidão que havia nos cabelos do nobre.

Ele limpou a garganta. Precisava retomar a compostura.

— O que está fazendo aqui? - indagando com uma certa rispidez, ele soltou sua mão.

— Eu… Eu vim ver como estava e… e percebi que não estava em seus aposentos. E que faz tempo que não ficamos juntos e… vossa alteza sabe que se eu nao estiver lhe agradando mais, a imperatriz vai me dispensar.

Claro. Ho-Bin era uma das concubinas do palácio. Melhor, era a concubina exclusiva do segundo príncipe. Se não fosse aquela obsessão por seu irmão mais velho e prioridade máxima nas estratégias e invasões, Koumei certamente tomaria aquela moça como sua esposa. Era a única mulher por quem sentia atração. Ela não era dotada apenas de beleza, mas também de uma inteligência e cultura que abismavam o segundo príncipe.

E, naquele momento, a aparição de Ho-Bin era bastante conveniente. Afinal, se passasse a noite ao seu lado, quem poderia incriminá-lo por sabotar o navio de seu irmão?

— Eu peço desculpas pela minha ausência, Ho-Bin… - ele voltou a segurar a mão da moça. - Vamos resolver isso hoje!

Ho-Bin corou ainda mais, sendo conduzida por Koumei para seus aposentos. Seria uma longa e proveitosa noite ao lado daquele que ela tanto amava e servia com tanto gosto. Será que se o desse um herdeiro, Koumei a faria sua esposa?

—----xxxxx-----

Ainda sonolento, ele abraçou o corpo pequeno que havia ao seu lado da cama. Corpo esse que, após algumas piscadas, revelou-se um travesseiro.

Sinbad bocejou, esfregando os olhos e aproveitou para massagear as têmporas. Era péssimo acordar e se tocar de que toda aquela situação com Ja’far não era apenas um sonho, mas sim a cruel realidade.

E ao pensar que teria um longo dia, repleto de reuniões, o desanimava ainda mais, porém, trabalhar era o melhor que podia fazer. Depois do ocorrido, não saberia como encarar Ja’far.

— Majestade? - duas batidas antecederam a abertura daquela porta. Era Sharrkan.

Hm? - ele aproveitou para cobrir melhor as partes íntimas com os lençóis. - O que aconteceu?

— E que já estamos esperando há meia hora para que comece a reunião. Vim saber se irá cancelá-la. - o príncipe de Heliohapt perguntou.

— Ah, não! Nossa! - afoito, Sinbad rapidamente se levantou, agora sem se importar se era visto por seu general. - Já passou de meio-dia?!

— Já passou de uma hora, já. - sorrindo amarelo, o moreno cobria os olhos com a mão.

— Droga…! E o Ja’far, como esta?

Anh… - revirando os olhos, Sharrkan suspirou enquanto seu rei se vestia rapidamente. - ele não saiu do quarto, majestade. Parece que não quis comer nada também.

Tsc, ele não come nada desde que chegou aqui! Estou ficando preocupado!

— Vai falar com ele mais tarde?

Aquela pergunta antecedeu um breve silêncio. Sinbad encarava o nada antes de se voltar a Sharrkan.

— Não. Eu… não quero falar com ele por enquanto.

O príncipe, ao perceber que seu rei já se encontrava devidamente vestido, desvendou os olhos para cruzar os braços. Em seu rosto, uma expressão enigmática.

— Vamos fazer a reunião sem o Ja’far-san?

A pergunta antecedeu um preocupante silêncio que fez Sharrkan se arrepender de tê-la feito. Mas Sinbad suspirou e o encarou.

— Ja’far ainda não voltou, Sharrkan.

Foi tudo o que sua majestade falou antes de sair de seus aposentos, sendo acompanhado pelo moreno logo em seguida.

—----xxxxx-----

Estarrecido, o primeiro príncipe não poderia acreditar se seus olhos não refletissem aquela lamentável tragédia. A proa do navio afundado era a única parte que não havia submergido. A embarcação estava destruída e não só ela, todas as provisões que carregaram durante todo o dia anterior. Provisões que, para obter, teve de usar de toda sua autoridade. Tudo havia ido, literalmente, por água abaixo.

— Não sabemos como isso aconteceu, alteza!

— Parece que há uma fenda enorme no casco do navio, mas não há sinal de nada que possa tê-lo atingido! É impressionante!

— Ninguém conseguiria fazer isso a mão também!

As conversas se misturavam. Todos estavam tão chocados quanto Kouen.

Porém, mais que espanto, Kouen sentia raiva. Se para os demais o incidente com a embarcação parecia um feito impossível, para um usuário de djinn, aquele quebra-cabeças estava completo.

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Cerrando os punhos, ele tinha certeza de que havia sido sabotado. E por quem? Pelo único que se colocaria contra sua decisão irredutível de ir atrás de Ja’far.

Sentia-se traído e, quem diria, por seu próprio irmão.

Ninguém entendeu quando o ruivo deu meia-volta e marchou, furioso, de volta ao palácio. Mas a tensão era tão intensa que todos se resignaram a apenas assistir à partida do príncipe.

A porta dos aposentos do segundo príncipe foi escancarada com um chute. Um escandaloso barulho, o suficiente para despertar aquele que dormia tranquilamente naquela enorme cama. Furioso, Kouen encarou o mais jovem, que esfregava os olhos, nitidamente atordoado ao ser acordado daquela maneira. Não só ele, mas também… A bela mulher que dormia em seus braços. Dava para ver que os finos lençóis de seda eram o pouco que cobria o esbelto corpo que era aninhado por Koumei.

Kouen imediatamente corou. O constrangimento se misturou com o espanto ao ver seu irmão acompanhado de sua concubina. Ainda mais após saber que Koumei o amara, por tantos anos, em segredo.

— M-Meu irmão e rei!!!

Fingindo espanto, o homem que tinha os longos fios vermelhos soltos tentou proteger a moça, completamente assustada.

— O que está fazendo aqui?! Pensei que partiria cedo para Sindria.

Kouen forçou a si mesmo a se manter firme. Tentando se recompor diante da cena inesperada, ele limpou a garganta.

— O navio foi sabotado, Koumei. E, nitidamente, por alguém que usava um djinn.

— Como?! - ele piscou. - Quem mais além de nós e nossos irmãos… Ah! Não seria Ha…

— Não! Não foi Hakuryuu. - Kouen logo o interrompeu. - Ele sumiu daqui há dias!

— Talvez tenha voltado apenas para lhe impedir, meu irmão e rei! - obstinado, o mais jovem insistia. - Sabe como ele admira o rei de Sindria!

— E sei como você odeia o fato de eu querer trazer o Ja’far de volta! - não poupando palavras, Kouen se exaltava ao elevar o tom. - Com Dantalion, facilmente poderia…

— Meu irmão, está suspeitando de mim?!

Se não fosse um exímio estrategista e nobre, certamente Koumei poderia ser um grande ator. Perplexo ele questionou o mais velho a ponto de fazer Kouen sentir o peso de sua própria acusação.

— Estou me sentindo ultrajado. - ele balançou a cabeça negativamente, desolado.

— Koumei-sama...

A moça não suportava vê-lo sofrer e podia ver o sutil brilho das lágrimas se acumulando nos cantos de seus olhos. Foi quando o segundo príncipe a trouxe do meio dos lençóis e a exibiu, abraçando-a contra seu peito.

— Passei a noite com a Ho-Bin enquanto estava tramando me acusar, meu irmão!

O tom avermelhado voltava forte às bochechas magras de Kouen.

— K-Koumei… - ele estava mais do que envergonhado.

— Se puder me deixar em paz com a minha futura esposa, eu agradeceria.

Perfeito. Kouen havia acreditado em toda sua história e ter Ho-Bin ali, ao seu lado, e ainda exibi-la como a moça com quem se casaria iria despistar qualquer hipótese de ter sabotado seu navio. Ho-Bin, por sua vez, tinha os olhos brilhando. Mal podia acreditar no que estava ouvindo. Koumei se casaria com ela?

— K-Koumei, me perdoe, eu…

— Saia, por favor!

Em toda sua vida, Kouen jamais havia visto seu irmão, que tanto o admirava, agir com tamanha rispidez. Era impossível não se sentir culpado. Havia levantado uma injusta acusação. De fato, estando acompanhado com uma concubina, ele não teria como ter feito aquilo.

Aliás, a partir de que momento começara a desconfiar de seu irmão? Costumavam ser tão unidos. Ah, sim, desde quando havia se cegado completamente, dominado pela obsessão de ter Ja’far. A verdade não era novidade para ninguém. Estava indo longe demais.

Bastante envergonhado e sem saber como remediar a situação, Kouen se curvou levemente e deixou aqueles aposentos, batendo a porta com a mesma intensidade que usou para abri-la.

Precisava refazer seus planos e, principalmente, colocar sua cabeça no lugar.

—----xxxxx-----

As pequenas mãos tremiam. O líquido quente escorria por entre os dedinhos que seguravam com certa dificuldade as lâminas pesadas.

O metal fora banhado de sangue como o corpo feminino que estava entre seus joelhos.

Não era mais possível ouvir os gemidos e murmúrios da mulher que lhe implorava para que a matasse. E como ele a reconhecia muito bem e sabia que devia obedecê-la, afinal, era sua mãe.

Os olhos verdes arregalados refletiam aquele cenário horripilante.

Ao seu lado jazia o corpo daquele que tentara lhe explicar, um pouco antes, o que devia fazer. E por mais que eles tentassem lhe elucidar a importância daquele ritual, Ja’far não conseguia entender porque precisava machucar seus pais. Era uma brincadeira, não? Eles voltariam, tinha certeza.

Mas assim que a lamúria de sua genitora cessou, a realidade bateu de frente com a inocência da criança. O silêncio gélido da morte soprava a verdade em seus ouvidos.

— Parabéns, Ja’far! Você matou os seus pais. Agora você é um de nós.

Assim que ouviu aquelas palavras, ele se levantou quase que imediatamente. As lâminas foram ao chão, o estridente som das afiadas armas indo ao chão. Os olhos verdes cada vez maiores foram inundados pelas lágrimas.

— Não! Não! - ele murmurava consigo mesmo, abraçando a si mesmo enquanto se afastava do corpo de sua mãe.

— Foi melhor do que imaginava. Seus pais o prepararam bem. - outra voz dizia.

— Ele vai ser um monstro… Melhor, já é para ter feito assim, sem dó.

Do que falavam? Por que era um monstro?

Seus pais haviam pedido, melhor, implorado para que fizesse aquilo.

Era um bom filho, tinha de obedecê-los.

Amava seus pais e sabia que, como havia sido instruído, aquilo era apenas uma brincadeira. De certa forma, havia sido divertido porque era apenas uma brincadeira, não? Mas por que, então, seu coração doía tanto agora?

Não era uma brincadeira, então? Haviam mentido?

Eles não se levantariam, rindo, para lhe abraçar?

— Está assustado? - uma mão tocou seu ombro, mas ele não encarou quem falava. - Não fique. Um monstro como você vai se dar muito bem nessa vida…

Acordando num sobressalto, Ja’far se sentou naquela enorme cama enquanto tentava recuperar o fôlego, a mão no centro do peito que subia e descia em um ritmo descompassado. Um sonho ou… uma lembrança?

Já amanhecia. E, tentando se acalmar, ele encarou os primeiros raios de sol que penetravam os aposentos reais. Passara o dia anterior naquela cama, cujo dono nem aparecera naquele quarto. Amanhecia novamente, junto da esperança de ser resgatado, a qual confrontava diretamente com o receio de descobrir que eram reais as lembranças que envolviam Sinbad. Porém, deitado, ali, ele não conseguiria descobrir nada.

— Bom dia, Ja’far!

As portas duplas se abriram e revelaram uma sorridente Pipirika. A moça trazia uma bandeja de prata ao adentrar aquele quarto.

Como ela lembrava a mulher que se parecia com a que costumava aparecer em suas lembranças como mãe. Tão diferente da jovem que aparecia morta aos seus pés.

— Soube pelas criadas que jantou ontem. Fiz questão, então, de vir trazer seu café-da-manhã.

Ja’far nada respondeu, apenas ficando a encarar aquela que seguiu até a cama, onde depositou aquela bandeja. Encarou preocupada seu amigo de longa data. Estava mais pálido do que de costume.

— Algum problema? Parece tão assustado…

— P-Pipirika… - era esse o nome dela? - Você disse que me conhece há muito tempo, não?

— Sim, claro! - ela sorria abertamente e Ja’far correspondeu com um sorriso pequeno. Sentia-se confortável na presença dela.

Errr… Você conheceu meus pais?

Hm?! - arregalando os olhos cor-de-mel, ela se surpreendeu com a pergunta. - Na verdade, quando o conheci, eles…

Pipirika mordeu o lábio inferior. Seria um bom momento para falar daquilo?

Ja’far estava tão frágil. Se trouxesse à tona a morte de seus pais, talvez pudesse piorar as coisas. Mas, ao mesmo tempo, aquela conversa poderia ajudar a lembrar de algo adormecido em sua memória.

Aquelas reticências traziam angústia a Ja’far, que esperava aflito por uma resposta. Sem pensar ele a agarrou pelos braços.

— Por favor, me diga!!! - o tom de exigência se perdia em uma súplica chorosa. Era como se implorasse para que o dissesse a verdade.

— Ja’far-san… Quando o conheci, seus pais já estavam mortos.

Ele não parecia atordoado com aquela afirmação. Apenas confirmava a veracidade de seu sonho. Pipirika decidiu prosseguir.

— Eu não cheguei a conhecê-los e, tampouco, você falou sobre eles.

— Minha mãe… era parecida com você?

Aquela pergunta fez com que um doce sorriso cruzasse os lábios da moça. Então, mesmo perdendo a memória, ele ainda associava Rurumu como a figura materna mais importante que possuía, constatou.

— Está falando da Rurumu-san?

Ja’far não reconheceu aquele nome e sua expressão condenou aquilo.

— Rurumu-san o adotou assim que você se juntou a nós. Lembra-se dela?

O alvo assentiu, agora apertando os lençóis com as mãos.

— Pipirika-san

Hm?

Ele reunia forças para falar.

— Sabe se… fui eu que matei meus pais?

Mais uma vez o silêncio. Pipirika suspirou, desviando o olhar, mas ela sabia que Ja’far estava disposto a insistir. Era seu direito.

— Sim. - ela assentiu num sussurro. - Você se lembrou?

Ja’far, novamente, apenas assentiu. E, como em seu sonho, abraçou a si mesmo. As unhas afiadas cravando no linho branco e marcando a pele sob o tecido. Sentia-se sujo.

— Se eu os matei… por que Sinbad quis ficar comigo? Sou seu prisioneiro?

— É claro que não! Sinbad nunca se importou com isso!

— Como?! - ele riu com sarcasmo. - Ele viu um monstro como eu, que mata os próprios pais e diz: “vamos levar ele pra casa”? - irônico, Ja’far reproduziu o apelido que recebera em seu sonho ( ou seria lembrança? ).

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— Pode parecer ridículo, Ja’far, - ela se levantou sem encará-lo. - mas é assim que o Sinbad é. - e voltou a fitá-lo, dourados e verdes se encontraram. - Ele sempre viu além do que parecia e jamais o enxergou como um monstro! Você é… a pessoa mais especial para ele!

Aquelas palavras trouxeram uma sensação extremamente agradável. Como se sentisse seu coração, tão aflito e perturbado por aquele sonho, provado real, fosse abraçado por aqueles braços quentes que tanto repudiara.

E como havia sentido nojo de ter sido violentado daquela forma. “Imperdoável” era a palavra que usava para definir e permitir a si mesmo de se isolar de Sinbad, nutrindo assim o seu ódio. Um ódio baseado apenas nas histórias contadas por Kouen.

Assassinar seus pais, um crime tão imperdoável quanto o de Sinbad, havia sido absolvido. Parecia injusto. Tão injusto quanto Kouen não ter lhe respondido dias depois… Ele não se importava?

— Pipirika-san… Por favor, quero que me diga que roupas costumo usar e me ajude a ir trabalhar normalmente aqui! - a determinação era refletida no par de esmeraldas.

Anh?! - ela se surpreendeu com aquele pedido.

— Por favor, me ajude para que me lembre de tudo!