Reencontro

Capitulo 13


O caminho de volta à NYC foi tranquilo e marcado pela conversa animada do casal dentro do carro. A mudança de Avery para o apartamento do casal foi o assunto principal. Jane criava altas expectativas e Kurt ouvia e colocava alguns pontos que julgava necessários com um cuidado especial que evitava quebrar com as ilusões daquele momento. Ele sabia que a realidade por si só traria momentos muito difíceis pela frente.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

O quarto de hóspedes recebeu detalhes improvisados, mas preparados com carinho pelo casal. Avery reconheceu o esforço e demonstrou estar muito confortável com a mudança.

Ao se aconchegar nos braços de Kurt ao final do dia, Jane desfrutou de uma sensação de paz e segurança que há muito desconhecia. Ela fechou os olhos e se entregou ao sono. Tamanha exaustão só podia ter também um fundo emocional.

Os próximos dias trouxeram de novo os problemas. Embate com Avery que decidiu ir à padaria sem seus seguranças. A descoberta do assassinato do pai adotivo da garota deixou tudo ainda mais conturbado e, coroando os acontecimentos, mãe e filha acabaram presas na casa de Lynnette Belmont, madrinha de Avery, que se mostrou cúmplice de Crawford. As duas se aproximaram durante os momentos difíceis, mas mal tiveram tempo para aprofundar esses laços diante da ameaça de um novo atentado em NYC.

Mais alguns dias sem avanços significativos. Encurralados pelo tempo, um flashback de Jane sobre Roman trouxe uma perspectiva que nenhum deles desejava: conseguir informações de Shepherd.

No encontro com Shepherd, sua mãe adotiva se esforçou em reafirmar os laços entre ela e seu irmão Roman. A contra-argumentação de Kurt dizendo que esses laços estavam rompido só deixou tudo ainda mais confuso. Ela sentia-se empelida a concorda com a mãe em oposição ao marido. Por mais que ela e Roman tenha se confrontado, ela ainda se sentia fortemente ligada a ele. Por outro lado, algo lhe gritava que isso era errado. Kurt era seu ponto de partida, a pessoa que lhe mostrou uma forma de justiça calcada no respeito à vida, isso fez dela uma nova pessoa. Por isso, ela exigiu de si mesma uma decisão a favor do marido: ele era sua metade agora e ela não deixaria qualquer sentimento por Roman atrapalhar isso.

Estaria ela dividida entre a razão e a emoção? Não. Qualquer escolha que Jane fizesse, era o amor que tinha norteado sua decisão: o amor pelo irmão ou o amor pelo marido. Ela desejou a frieza que todos descreviam em Remi naquele momento. Então, focou nas reações que seu organismo apresentou nos últimos dias: náuseas, exaustão marcada pelas dores de cabeça e, por fim, o desmaio. Um bebê a caminho? Provavelmente. A insegurança diante de uma criança não planejada a fez adiar compartilhar sua suspeita com Kurt. Mas a expectativa em torno dessa possível gravidez impulsionou definitivamente todas as suas decisões: seu amor por Kurt era imenso e estava mais sólido que nunca, essa nova vida era a maior prova disso. Eles passariam por isso juntos, derrotariam Roman e depois encontrariam a paz necessária para viverem como uma família convencional. Disfuncional era uma definição mais adequada à realidade. Mas de qualquer forma seriam uma família e isso é o que mais importava.

Mas nada foi como Jane esperava. Avery anunciou que estava partindo para a universidade. Mesmo sabendo que a garota tinha o direito de seguir sua vida e tentar buscar aquilo que é normal para sua idade, Jane despedaçada por essa nova distância da filha. Acostumada a procurar calmarias em meio às tempestades de sua vida, ela se focou na ideia de que, como um casal, os dois mereciam um tempo a sós principalmente para se prepararem para a chegada do bebê. O próximo passo era óbvio: contar a Kurt.

Uma nova guinada os levou à África do Sul onde novas lembranças de sua ligação com Roman lançavam dúvidas sobre suas decisões sobre como lidar com o irmão. Compartilhar com Kurt sua suspeita sobre a gravidez foi sua estratégia para fortalecer seu elo com o marido reafirmando sua escolha. Sussurros no banco de trás do carro para uma notícia tão importante e tão íntima não foi bem o que ela planejou, mas o brilho nos olhos dele, o sorriso que se formou em seus lábios, o beijo suave que ele depositou em sua mão confirmando sua plena adesão à ideia trouxeram tanta força para ela continuar que Jane já não sabia como pode viver sem aquilo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Novos confrontos, Kurt ferido, matar Crawford trouxe algum alívio e ela não gostou disso. Remi se fazer tão presente nos piores momentos à assustava. Mas seu pesadelo mal tinha começado.

Ver Roman morrer. Tentar trazer algum tipo de paz para ele naquele momento quando ela mesma já não sabia se algum dia reencontraria a sua foi mais que desafiador. Entretanto, ela não aceitaria qualquer outra pessoa ali com ele porque ninguém amava Roman como ela, ninguém seria capaz de compreender seus fantasma como ela. E deixá-lo passar por isso sozinho seria covarde e desumano.

Jane não chorou enquanto solicitava backup para recolher o corpo do irmão e dirigia para a antiga casa onde passou sua infância. Ela também não chorou no caminho para o hospital ou enquanto aguardava a cirurgia de Kurt. Nada de lágrimas após saber que seu marido estava bem e muito menos nos dois dias que se seguiram ao lado da cama dele no hospital. Ela não chorou porque não havia porque chorar. Lágrimas não mudariam nada. Ela tomou sua decisão e agora devia arcar com as consequências de tudo.

“Este é o seu plano...” _ a lembrança ecoava em sua cabeça_ “... e suas escolhas.”

Jane atribuiu ao desequilíbrio emocional causado pelos acontecimentos a piora em seus sintomas: mais náuseas, mais exaustão com dores de cabeça. Tudo o que ela queria era voltar para casa. Confiar a Patterson o dispositivo deixado por Roman e ter alguns dias de folga com Kurt.

Quando todos decidiram se reunir no apartamento para comemorar o “sucesso” da missão, ela não se opôs. Por mais dilacerada que estivesse, foi uma vitória para o team e eles eram sua família agora. Seu fracasso pessoal não merecia atenção. Recebeu os amigos com carinho. Organizou tudo para não sobrecarregar Kurt que se recuperava da cirurgia. Mas chegou a um ponto em que ela precisava falar de Roman, falar do carinho e da cumplicidade que os dois sempre tiveram. Seu irmão sofreu demais e tudo poderia ter sido diferente se ela nunca tivesse saído do lado dele, nem para ingressar na marinha nem pelo plano da Sandstorm. Seu irmão era apenas uma pessoa com cicatrizes profundas demais para gerenciá-las sozinho. Ela devia isso a ele: fazer todos entenderem que Roman tinha algo de bom e lutou por um mundo melhor apesar de todos os equívocos que cometeu para alcançar esse fim. E ela PRECISAVA fazer Kurt entender isso.

Ela aguardou o momento adequado. Reade e Rich estavam na varanda. Patterson tinha ido ao banheiro. Então, chamou o marido e selecionou as palavras que lhe pareceram mais doces para demonstrar isso. As primeiras frases foram pensadas. Depois a emoção guiou o relato. Seu foco estava nos olhos de Kurt e o carinho, a compreensão, o amor presente naquele seu paraíso azul foi sua última lembrança antes de perder os sentidos.

No hospital

O cheiro já a fez reconhecer o lugar onde estava antes mesmo de abrir os olhos. O borbulhar de memórias em sua cabeça fizeram com que ela permanecesse o maior tempo possível com os olhos ainda fechados. De repente, tudo estava lá. Tudo não, lembranças pessoais nunca são neutras nem completas, mas existia uma linha compreensível encaixando flashbacks antigos e novos, escrevendo a história de Alice, Remi e Jane Doe. E, para além das limitações da memória humana, existia agora uma sequência lógica, uma reconstrução individual e social do passado, entrelaçada aos códigos e referenciais dos grupos nos quais ela esteve inserida. Ela se lembrava das razões e sentimentos que a guiaram nesse caminho tão sinuoso. Jane se sentiu uma pessoa real, com sua própria identidade, mas também era muito assustador.

E o que existia lá costurando os retalhos do passado era a certeza de que não havia nenhuma esperança para ela, nenhuma possibilidade de emergir do mar de dor por tudo que ela viveu. Ela falhou com Roman e envolveu Kurt em tudo isso, não havia prova maior de seus erros. Deus, ela só errou tentando acertar. Sempre se esforçou para fazer o que era certo: atender aos ensinamentos dos pais, seguir à risca as regras do orfanato para evitar sofrer a violência dos castigos, acatar a ideologia de sua nova mãe/salvadora Shepherd, servir o seu país em Orion, consertar os desvios causados pela corrupção com os planos da Sandstorm, seguir um novo baluarte ético e moral após conhecer Kurt.

O ZIP tinha apagado a certeza de que a felicidade não era para ela, apesar desse fantasma continuar sussurrando essa verdade em seu ouvido dia após dia. Antes disso, depois de perder Avery logo após seu nascimento, ela já sabia havia aceitado essa verdade e se dedicou completamente a viver sem pensar em si mesma, fazendo que o dever mandava para que outras pessoas pudessem ser felizes.

“ZIP. Envenenamento. Náuseas. Dores de cabeça. Alucinações. Não era um bebê...”_ Jane respirou e tentou deixar sua mente vazia por alguns segundos. _ “Por isso Roman reagiu de forma tão violenta ao se lembrar que fui eu a injetar ZIP nele. Dei uma sentença de morte à ele...”

Devagar ela abriu os olhos. Estava sozinha. Isso não era um bom sinal. Onde Kurt estaria?

Jane se levantou e foi até o corredor buscando informações externas. Foi quando a médica de Kurt se aproximou:

— Senhorita Doe, você está acordada! Sou a médica de seu marido. Houve uma séria complicação decorrente do ferimento do tiro. A bala causou um abcesso intra-abdominal que os médicos não haviam percebido. Ele acabou de passar por uma cirurgia, mas seu estado não é bom. Gostaria de vê-lo?

— Sim, gostaria.

— Venha, seus amigos estão esperando.

Quando ela entrou no quarto de Kurt, Patterson veio ao seu encontro e a abraçou:

— Jane. Sinto muito.

Vê-lo lutando pelo fio de vida que lhe restava, fez o pouco de esperança que ela tinha para si mesma desmoronar:

— Ele vai ficar bem?

— Eles ainda não sabem_ Rich respondeu aproximando uma cadeira da cama e a convidando_ Sente-se aqui. Venha.

Ela reagiu automaticamente, fazendo o que lhe foi indicado. Olhar para ele ali, com todas as suas lembranças de volta faziam-na se sentir tão culpada por tudo aquilo que Jane desejou se afastar. Talvez assim, com ela bem longe dele, Kurt tivesse alguma chance real de viver... de sobreviver à tudo que ela lhe causou.

— Você pode pegar a mão dele, Jane. _ a voz de Reade veio suave por trás dela, mas a atingiu com a força de um raio.

Ela queria gritar que não, ela não devia tocá-lo, não tinha esse direito, mas julgava que os amigos jamais entenderiam. Então, ela colocou sua mão sobre a de Kurt. Não sentir o mesmo calor que antes só a machucou ainda mais.

— Tudo bem. Nós vamos passar por isso juntos._ Reade tentou demonstrar apoio com suas palavras enquanto Patterson apertava suavemente seu ombro em solidariedade.

Nos primeiros dias, Jane permaneceu no hospital ao lado de Kurt. Reservou-se o direito ao silêncio. Da mesma forma que não falou, também não permitiu que lembranças e sentimentos falassem dentro dela. Os únicos sons que ela aceitou eram os bipes dos aparelhos ligados ao marido. Esses sons a alimentavam segundo a segundo. A frequência embalava sua própria existência. Qualquer alteração no ritmo, ela perceberia e chamaria os médicos.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Os amigos respeitaram e se revezaram fazendo-lhe companhia. As vozes das enfermeiras sendo gentis ao verificarem os sinais vitais de Kurt ou administrando medicações e fluídos perturbavam seu transe, mas ela se esforçou em forçar a expressão facial num quase sorriso como retribuição pelos cuidados. A exaustão a faziam oscilar entre a vigília e um sono leve que não a desligava da frequência dos aparelhos sinalizando que Kurt ainda lutava, ainda vivia.

Ao final da primeira semana, as medicações que Jane recebia associada à dieta alimentar prescrita pelos médicos e que ela empurrava para dentro do estômago mesmo sem a menor vontade de comer já faziam efeito. Mas nada foi capaz de fazer tanto bem à ela quanto o ritmo cada vez mais forte das batidas do coração de Kurt e a regressão da infecção nos exames. Em vinte e quatro horas, tentariam tirá-lo da ventilação mecânica e reduzir a sedação para que pudesse acordar.

Tudo isso a fez romper seu casulo e questionar Patterson quando a amiga veio fazer-lhe companhia:

— O que tinha no dispositivo que Roman me deixou?

— Jane, não se preocupe com isso agora. Não há nada lá que não possa... esperar._ Patterson desviou o olhar nessa ultima parte.

Jane sorriu triste:

— Você mente muito mal. É a iminência de um colapso mundial ou o problema que está atormentando tanto vocês é apenas o que está acontecendo comigo?

Patterson respirou fundo, buscando as palavras certas.

— Patterson, eu já percebi que não estou bem e tenho certeza agora que não era um bebê que estava causando todos aqueles sintomas. Além disso, o que mais faria Rich trabalhar de forma totalmente centrada no seu laptop e reforçar seu enfoque cada vez que olha pra mim e Kurt? Eu nunca pensei que alguma coisa seria capaz de afastar os pensamentos obscenos dele em nossa presença..._ ela tentou dar um tom mais descontraído à conversa para motivar a amiga.

— Existiam efeitos colaterais do ZIP que nós não conhecíamos...

— Roman marcou o tempo que me resta?

— Não. Ele estava trabalhando numa cura. Parte da medicação que você está recebendo consegue atenuar os sintomas temporariamente.

— E quanto tempo eu tenho?

— Não sabemos, Jane. Eu sinto muito._ Patterson se aproximou e apertou suavemente a mão da amiga._ Roman também nos deixou informações sobre as tatuagens, incompletas assim com todas as informações médicas. Existem outros drives espalhados por aí. A cada pista desvendada poderemos prolongar sua vida e estaremos mais próximos de encontrar a cura.

— Resumindo: se quiserem me curar, teremos que continuar trabalhando com as tatuagens. Não dá pra derrubar a IHC Global sem me curar e não dá pra me curar sem derrubar a IHC Global...

— Isso. Seu irmão gostava mais de quebra-cabeças do eu...

Jane fechou os olhos e balançou negativamente a cabeça, o sorrindo com sarcasmo:

— Só que dessa vez antecipou nossa próxima jogada e nos deixou sem escolha. Ele aprendeu a vencer o jogo.

— Não, Jane. Roman estava sentindo os efeitos do ZIP também. Provavelmente foi isso que o impediu de ver com clareza que existia outro caminho, não é? Ele não era um sociopata incorrigível como a Dra. Sun alegou, só estava doente. E ter te deixado esse “mapa da cura” é a prova do quanto ele te amava.

Jane apertou a mão de Patterson de volta. Essas palavras foram capazes de trazer mais consolo do que qualquer outra coisa poderia diante da morte do irmão.

— Obrigada, Patterson. Isso significa muito pra mim. Vocês fizeram progressos?

— Poucos, estamos investigando algumas pistas.

— Precisamos de reforços. Tasha tem que voltar.

— Nós tentamos, Jane. Mas Tasha... desapareceu. Ela sequer foi ao julgamento. Agora é uma foragida.

— Você acha que ela pode estar ... _ Jane não conseguiu terminar a frase.

— Não! Eu tenho tentado dia após dia acreditar que não.

— Mas fugir dos problemas não é do perfil de Tasha. O que acha que pode ter acontecido?

— Eu não sei...Mas enquanto nenhuma outra prova nos mostra outra possibilidade, prefiro acreditar que não fomos capazes de enxergar todas as tramas e pessoas que estão nesse jogo.

— Por isso Roman criou uma forma de não desistirmos disso após a queda de Crawford. Talvez esse crápula fosse apenas a ponta do Iceberg.

— Penso assim. Se estão com Tasha ou se Tasha está com eles...

— Ela ainda tem a minha confiança, Patterson. Mas sem ela, não posso continuar afastada do SIOC. Vou voltar ao trabalho.

— Jane, não.

Jane continuou olhando para o marido:

— É isso que ele espera que eu faça.

Patterson concordou. Não havia argumentos contra isso. Em seguida, deixou o quarto reservando um momento de privacidade para o casal.

Jane se aproximou da cama e correu suavemente a mão pelo rosto do marido:

— Eu vou consertar tudo isso, Kurt. Vou usar o resto da vida que me resta para vingar Roman e você. Vou impedir a organização de Crawford de fazer novas vítimas. Você é forte, vai conseguir superar isso. E se tem uma coisa que eu aprendi na vida foi a ser forte e não vou falhar agora. Vou ser forte o bastante pra te proteger, mesmo que pra isso eu tenha que te machucar, mas é a ultima vez, eu prometo... eu vou te manter seguro... bem longe de mim.

A presença de Jane no SIOC fez toda a diferença. Agora era muito mais fácil para ela fazer ligações e decifrar códigos de Roman. Eles ainda não tinham nada concreto, mas numa tarde de trabalho avançaram mais do que todos os dias anteriores. Após o expediente, ela dedicou duas horas à exercícios de fortalecimento muscular antes de retornar ao hospital. Recuperar seu preparo físico era essencial para dar continuidade aos seus planos.

Na manhã seguinte, os procedimentos em Kurt foram feitos bem cedo. Jane se recusou a deixar o quarto e redobrou a vigília na primeira hora em que ele voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos. Observar a serenidade da respiração espontânea do marido lhe trouxe momentos de paz que ela já julgava perdidos. Ele poderia acordar a qualquer momento. Se ela pretendia afastá-lo dela, estar ausente no momento em que ele despertasse seria fundamental para isso. Mas ela não foi capaz de fazê-lo, teria que buscar uma forma mais paulatina de agir.

O movimento das pálpebras dele já desencadeou uma luta imensa dentro dela entre a necessidade de se manter distante para protegê-lo de si mesma e a vontade enorme de abraçá-lo para permitir que todos o amor que compartilhavam fosse seu apoio. Camuflar a felicidade que a invadiu no momento em que pode mergulhar no azul dos olhos dele a fitando exigiu um esforço sobre-humano. O sorriso que se formou no rosto de Kurt ao vê-a provou que seu disfarce estava longe de ser perfeito.

— Oi. _ foi só o que ela disse. Qualquer outra palavra a mais denunciaria ainda mais suas reais emoções atrapalhando completamente sua resolução de mantê-lo a uma distância emocional e física segura.

— Oi _ ele limpou a garganta parecendo incomodado._ O que aconteceu?_ a mão dele se entendeu pra ela pedindo um toque que ela não foi capaz de recusar.

Para poder continuar, Jane buscou fundo em nas memórias de seu treinamento todas as estratégias possíveis para falar de forma objetiva sem a carga emocional que fervia no seu interior:

— Você esteve fora por um bom tempo. Dez dias. Complicações com o tiro. Até pouco mais de uma hora atrás você respirava por aparelhos, por isso o incômodo na garganta. O pior já passou. A recuperação será lenta, mas você vai superar. _ ela disse tudo olhando apenas para a mão dele entrelaçada à dela porque era impossível manter-se distante focando em seu olhar.

— E você, como está?

— Melhor. As medicações atenuaram os efeitos colaterais. Se você estiver se sentindo bem, vou voltar ao SIOC. Tivemos progressos importantes ontem e estamos correndo contra o tempo._ ela se sentiu suja por jogar com argumentos que sabia serem irrefutáveis por ele.

— Estou bem. _ mas sua mão estreitou a aperto em torno da mão dela_ Você tem ido à campo?

— Não. Ainda não. Estou em reabilitação. Mas irei se for preciso. Estamos sem você e sem Tasha.

— Por favor, não exija de você nada em excesso._ a aperto de sua mão se tornou ainda mais firme.

— Eu não tenho escolha, Kurt.

— Logo estarei lá com você. Vamos passar por isso juntos, Jane. _ o calor dessas palavras a envolveu tão forte quanto um abraço. Ela estava perdendo o controle, precisava agir depressa. Suavemente, desvencilhou a mão da dele.

— Eu tenho que ir. _ depositou um beijo rápido na testa dele e saiu sem dar-lhe qualquer oportunidade de continuar.

Assim que Jane deixou o quarto, as lágrimas correram pelo rosto de Kurt. Havia algo essencialmente diferente nela e ele se sentia impotente para ajudá-la. Sua debilidade não permitiu que ele ficasse acordado por muito tempo e o sono seria seu principal apoio nos muitos dias que sua recuperação tinha pela frente.

Cada uma das lágrimas que insistiu em brotar nos olhos de Jane foi violentamente recusada. Ela não cederia agora. Não com algo tão precioso quanto a vida de Kurt em jogo.