Red Angel - Sonho de um anjo

Capítulo 9- Histórias do passado.


Malina

Realmente, como havia dito o médico, em poucos dias e com o cuidado certo, a mão do Mamoru ficou como nova! Claro que tivemos todos de impedir que ele treinasse já que não parava quieto. Sempre que tentávamos fazer remates à baliza, sem darmos por isso já lá estava ele na frente para defender. Só me deu vontade de amarrá-lo ao banco. Felizmente também tinham a sala de treinos subterranea, a qual o meu primo usando para treinar a corrida, remates e tudo o que não envolvesse defender uma bola. Claro que já estava bem e voltou a fazer o que mais gostava. E eu, assim que terminei o meu treino de remates, juntei-me a ele e ao Goenji para descansar. Aproximei-me de ambos e sorri, ficando a observar os nossos companheiros a treinar.

—A Teikoku... Eles...- só então dei pela Haruna entrar na sala, ofegante e cansada, com as mãos nos joelhos.

—Passaram a primeira ronda!- o Goenji percebeu logo e ergueu uma das mãos para que o companheiro pudesse dar com o punho, feliz pela noticia. Mas quem não ficaria?! Estava em pulgas para voltar a enfrenta-los!

—Dez a zero.

—Uau! Isso é que vencer em grande!- estava impressionada, ainda que não se podia esperar outra coisa da equipa do Kidou.

—Bem... Não.- A expressão da Haruna começava a preocupar-me- Venceu o Instituto Zeus.

—Isso é uma brincadeira, não Haruna?- estava boquiaberta. A Teikoku tinha perdido? E por tanto?

—Vamos! Como é que a Teikoku pode perder logo no primeiro jogo?- o Someoka tinha razão. Era impensável.

—Além do mais perderem por dez a zero...- O Kabeyama estava certo. Era absurdo- É impossível que Teikoku perca por mais de um golo.

—Diz-me, Haruna, como foi possível?- via-se que o meu primo estava chateado.

—Marcaram-lhes com umas técnicas que ninguém tinha visto. Os jogadores da Teikoku não puderam fazer nada.- Até me custava imaginar o cenário.

—A Teikoku que conhecemos?

—Isso não é possível! Nós conhecemos a força e a capacidade da Teikoku e digo-te que não pode ser. São uma equipa muito boa! Além disso têm o Kidou na equipa!

—Não... O meu irmão não jogou.

—Não jogou?- seria por...

—Lembrem-se que o meu irmão sofreu uma lesão a jogar contra nós.- Eu sabia. Durante a final- Decidiram que como iam jogar contra uma escola desconhecida, seria melhor guarda-lo para os jogos importantes e por isso mesmo a Zeus arrasou-os. E quando ele quis entrar para jogar, apesar da lesão, já foi tarde.

—Kidou...

—Então o Kidou não... Não acredito! Não pode ser!

—Capitão, acalma-te que ainda te vai dar algo.

—Kabeyama, como queres que me acalme?!

—Mamoru!- por muito frustrado que estivesse, não tinha o direito de gritar com ninguém.

—Desculpas, mas... O facto do Kidou ter perdido... É impossível!

—Endou!

—Capitão!

—Eu vou com ele.- Comecei a correr- Obrigada, Haruna.

Corremos até à sede do clube onde vestimos rapidamente o fato de treino da equipa sobre o equipamento. O meu primo estava verdadeiro chateado e chocado. Não parou de dizer todo o tempo que aquilo era impensável. Que a Teikoku não perdia assim, só porque sim. Concordava com ele. Sabíamos a força de todos eles e pensar numa coisa daquelas... Era difícil aceitar a realidade.

Chegamos à Teikoku Gakuen e entramos a correr. Num fim de semana não tínhamos grandes problemas em entrar já que a escola estava aberta para atividades de clubes e não havia ninguém para nos impedir de o fazer. O caminho ainda era longo até ao campo, mas felizmente lembravamo-nos dele como se lá estivéssemos estado à pouquíssimo tempo.

—A Teikoku não pode ter perdido! Não podem ter-lhes marcado dez golos!
Ele era sem dúvida o que mais se recusava a acreditar. Mas tinhamos acabado de chegar ao campo. Falariamos finalmente com o Kidou, o qual era o único ali, de pé, parado no meio campo e com roupa do dia a dia.

—Olá Endou. Olá Malina. Vieram rir-se de mim?

—Claro que não! Como podes pensar uma coisa dessas?!- custava-me tanto vê-lo assim. Nesse mesmo instante, vi o meu primo rematar a bola, que havia trazido consigo, para o Kidou. Porém, ele não estava atendo e acabou por ser derrubado como se não fosse nada.

—Mas Kidou... Mas o que se passa? Devolve o remate!- o mesmo levantou-se sem dizer uma só palavra. Caminhou até à bola e agarrou-a com ambas as mãos, fitando-a, inicialmente com alguma raiva e depois com pura tristeza, antes de lançar na nossa direção com uma das mãos.

—A Teikoku não havia perdido um só jogo em quarenta anos. Nunca pensamos que este mito pudesse terminar um dia. Por isso mesmo nunca imaginamos outro resultado que não fora a vitória.- Baixei-me para agarrar a bola- E por isso mesmo o jogo acabou antes de que tivesse a oportunidade de poder entrar.

—Kidou...- as palavras da Haruna soaram-me na mente como se tivessem sido acabadas de dizer. Erguei-me, encarando a esfera que tinha em mãos.

—Até agora não tinha feito nada mais que pensar no futebol todo o dia, a todas as horas.- Aquele sorriso... Só mostrava tristeza- Jamais pensei que isto pudesse acabar assim, mas o futebol acabou-se para mim.

—Isso não é verdade.- Eu entendia o sentimento de não se puder jogar futebol e querer desistir após uma derrota. Não deixaria que mais ninguém percebesse esse sentimento- O futebol continuará a fazer parte de ti, pelo menos enquanto não decidires voltar-lhe as costas.- Larguei a bola e dei-lhe um forte remate. O Kidou fez o mesmo, devolvendo-a para o meu primo- Vês?!

*

—Uau! Isto é impressionante, não é?!- mentiria se disse que não estava impressionada com o quão grande era o quarto do Kidou.

—S-Sim...

—O que se passa?- fitei o Kidou um pouco envergonhada.

—Estás bem, Malina?- olhei para os pés, cruzando os dedos das mãos.

—É a primeira vez que... Estou no quarto de um rapaz.- Era embaraçoso. Claro que aqueles dois acharam piada.

—Mas já estiveste no meu!

—Mas tu és meu primo! Não conta!- tentei não ficar tão envergonhada, mas estava difícil.

—Tu querias era entrar primeiro no quarto de outro rapaz, não era?!- mas o que raio aquele sorriso queria dizer?!

—Po-Por quem me tomas, Mamoru?!

—Do Goenji, certo?!- como é que o Kidou sabia?!

—Mas... Como...

—Sim!

—Mamoru!- encarei o Kidou- Como é que tu...

—Não é muito difícil perceber-te, sabias? Vê-se logo que gostas do Goenji Shuya só por estares no mesmo local que ele.- Senti as minhas bochechas aquecer, afastando-me da porta após me passar um pouco mais a vergonha de ali estar.

—Vocês...- Ainda os ouvi rir, mas tentei não ligar.

—Kidou, não tens irmãos?

—Claro que tenho. A Haruna é minha irmã mais nova.- E nesse mesmo instante, o distraído do meu primo bateu numa das mesas onde tinha um candeeiro.

—Não, não me referia a isso...- eu e o Kidou corremos para o tentar apanhar, mas aquele tonto percebeu a tempo o que tinha feito e conseguiu apanha-lo antes de cair, conseguindo também agarrar a bola com a perna- Nesta família...- fui até ele e comecei a empurra-lo para o afastar de tudo o que fosse delicado. Que vergonha.

—Não... Sou só eu.

—E tens este quarto tão grande só para ti?!- riu-se.

—Com certeza que já viste quartos bem maiores, Malina.- O primo encarou e eu fiz o mesmo ao Kidou.

—Como é que sabes?

—Endou Taro é teu pai, certo? É um arquiteto famoso em toda a Europa e no Japão. É normal que o conheça.- Sorri. Se o meu pai ouvi-se aquilo iria gabar-se pelo resto da semana.

—Bem, mas que revista de futebol tão velha.- Voltei-me para trás vendo-o pegar na dita revista. Estava realmente bastante gasta. Agarrei-a para a ver antes de aparecer o Kidou, a quem a dei.

—Bom... Sim. Vocês não sabem porque comecei a jogar futebol, não é?- negamos- Não estranha. Nunca tinha contado a ninguém, por isso...

—Vá lá! Conta-nos!- agora estava curiosa.

—Os meus pais faleceram quando se despenhou o avião em que iam.- Eu não... Sabia- Os meus pais viajavam muito por todo o mundo, por isso eu e a Haruna costumávamos ficar sozinhos, mas quando aconteceu o acidente ficamos completamente sozinhos.- Sentamo-nos todos atrás do sofá, encostado ao mesmo, tendo o Kidou ao meio a contar-nos a sua história- Não nos sobrou uma só fotografia de família e como éramos tão pequenos, não nos lembrávamos como eram os nossos pais. Isto foi tudo o que nos sobrou. Este era o único vinculo que me unia ao meu pai. Por isso comecei a jogar futebol.- Realmente o futebol sempre havia salvado as pessoas quando elas mais necessitaram- Quando golpeava a bola, sentia como se estivesse mais próximo do meu pai.- Assenti. Era um pouco triste, mas era uma história bonita- Bem, foi assim a principio. Chutar a bola era muito divertido, mas depois já queria rematar para ganhar partidas, e o futebol converteu-se numa coisa onde só importava vencer. O importante era vencer, usando qualquer método. Por isso cheguei a pensar o Kageyama era um génio...- apertou a revista com alguma forma. Falar sobre aquele homem ainda o transtornava- Ele... Precisamente.- Levantei-me.

—Com que então uma revista.- Peguei na revista e fui coloca-la no sitio- Acho que nós somos parecidos, sabes?- olhei para ele para o meu primo, estavam um pouco espantados- Claro que tenho os meus pais e tudo mais! Eles amam e eu amo-os muito também! Sinto muito por ti em relação a isso! Caminhei até eles e sentei-me de novo ao lado do Kidou- A verdade é que quando tinha 8 anos, comecei a viajar com os meus pais pelo Europa por causa do trabalho do meu pai. Fomos para países diferentes onde tudo era muito novo para mim. A cultura, a língua... Parecia que nunca me ia habituar. As pessoas olhavam sempre para mim e sentiam imensa pena por ser estrangeira e me verem tão perdida, sabes? Claro que tinha o futebol para me dar alento! Levei uma das bolas que eu e o Mamoru tínhamos comprado antes de eu partir.

—Ah sim! Eu lembro-me desse dia!- sorri.

—Só que em alguns países, nem sempre podia jogar como queria.- Tentei sorrir, mas a verdade é que não tinha vontade nenhuma- Havia alguns rapazes, que por ser rapariga, não me deixavam jogar futebol com eles. Diziam-me para desistir e que nunca jogaria tão bem como um rapaz. Creio que quase lhes dei ouvidos.

—Eu... Não sabia disso.- Bolas! Não queria ver o meu primo daquela forma.

—Mas felizmente não o fiz e aqui estou eu. Porque me mantive agarrada ao meu sonho...- encarei o Mamoru, agora sim, com um verdadeiro sorriso- E à imagem do nosso avó.

—Do vosso avô?

—Sim.

—O nosso avô também morreu e era um goleiro estupendo.- Claro que foi do nosso avô que veio a paixão do meu primo.

—Endou Daisuke. Um goleiro de lendário talento e o treinador da Inazuma Eleven.- O Mamoru pôs-se logo à nossa frente.

—Mas tu conhece-lo!

—Bem, sim. Reunimos todos os teus dados e do teu avô.

—Ah! Por isso é que conheces o meu pai!

—Sim... Mais ou menos por isso.- Agora fazia sentido!

—Disseram-me que o meu avô gostava tanto de chutar a bola durante tantas horas que quase se esquecia de comer.- Como é que ele podia dizer uma coisa daqueles com os olhos a brilhar?! Ficar sem comer fazia mal!

—Nisso vocês são muito parecidos. Igualmente loucos pelo futebol.

—É verdade!

—O quê?! Eu sou louco pelo futebol?- como é que ele ainda perguntava uma coisa daquelas?

—Mas também o és, Malina.

—Claro que não!- como é que o Kidou podia dizer aquilo?! Eu tinha cuidado com o que fazia! Alimentava-me! Suspirei.

—Foi quando conseguimos ler pela primeira vez o caderno do nosso avô, nós também começamos a chutar uma bola futebol. Lembras-te?- assenti. Claro que sim. Apaixonamo-nos pelo futebol precisamente no mesmo dia- Por isso, como vêm, afinal somos todos muito parecidos. Ou até mesmo iguais.

—Com que então... Somos iguais, não é?

—O que se passa? Não te parece bem?

—Oh, não... Não se trata disso.

Encostei-me ao sofá e fechei e fechei os meus olhos. Admitia que me soube bem falar sobre o meu passado, e ver que o Kidou também se abriu para nós, era algo de bom... Não?