Recém-nascida

Dezoito


Estava encostado ali há tanto tempo que a temperatura de seu corpo já havia se igualado a da parede, fazendo com que todo o relaxamento que o encosto gélido proporcionava se evaporasse. Eliah então voltou para a cama, onde a filha finalmente dormia, com uma respiração tão profunda que esperava até que seu peito explodisse de tanto ar que inspirava. Parecia em paz, pelo menos, diferente do que estava dois dias atrás. Riese estava tão esgotada que nem mesmo os pesadelos com a mãe conseguiam atingi-la.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Eliah? — Erin abriu a porta do quarto, dando espaço suficiente para que sua cabeça passasse a espiar dentro do cômodo escuro.

— O que foi? — respondeu com a voz rouca, balançando a cabeça para deixar que ela entrasse.

— Precisa sair desse quarto — andou diretamente até a cama e sentou-se ao lado do outro. — Nem que seja para bater em alguém — sustentou o olhar de Eliah até ele jogar-se para trás, deitando na cama e murmurando um “vá embora”. — Você sabe disso tanto quanto eu, vamos. Inércia só ajuda na queda.

— Um luto é de no mínimo três dias.

— Tenha o seu luto, é um direito seu. Mas se movimente — Erin cutucou-lhe o joelho. — Saia daqui com Riese.

— E para onde iria? — Eliah voltou a sentar-se. — Para um lugar ensolarado? Para uma das linhas coloridas do arco-íris? Não importa o lugar, o que aconteceu não muda. As lembranças sempre voltarão para assombrar.

— Eu entendo e compartilho a sua dor — ela passou os dedos pelo queixo fino de Eliah, subindo a mão até que sua palma descansasse em uma das maçãs do rosto do vampiro. — Dói tanto que estraçalha o coração. Pare, sinta, sangre, chore, quebre coisas. Mas saia desse limbo antes que seja tarde demais.

— Estou reagindo exageradamente? — perguntou.

— Não, querido, — Erin sorriu antes de tirar a mão do rosto de Eliah, levando-a para um aperto nas mãos gélidas do outro — você está sofrendo e isso não é anormal. A única coisa que você não pode fazer é ficar assim para sempre, repetindo as memórias do que aconteceu de novo e de novo, como um disco riscado. Quem vive preso no passado acaba perdendo o presente.

— E para onde levo Riese?

— Pedirei a Sophie que indique um lugar apropriado e que ajude a fazer com que vocês saiam sem que os guardas Amattris e Mégara saibam.

Eliah encostou a cabeça no ombro de Erin, fazendo sua respiração acompanhar o ritmo calmo da respiração da mulher. Com um suspiro, ela passou os dedos pelos fios escuros do cabelo do vampiro, fazendo círculos desde a base da nuca até a testa. Erin sabia que Eliah estava mal, mas não desse jeito. Não era tão surpresa assim, porém. Ele sempre fora mais sensível do que aparentava ser e, quando se tratava de Innya e Riese, seus sentimentos chegavam à flor da pele, deixando-o atordoado e muitas vezes fazendo-o agir sem pensar. Esperou que ele dormisse para sair do quarto, deixando que pai e filha finalmente descansassem.

— Ele te ouviu? — encontrou Carlo encostado na parede que formava o arco do início da escadaria.

— Pelo menos alguém ainda o faz — Erin sorriu, inclinando-se para beijar-lhe os lábios antes de puxá-lo pela mão escada a cima. — Já falou com Sophie?

— Ela não está lá fora.

— Não? — parou no meio do caminho, fazendo com que Carlo quase batesse nela com a rapidez da parada. — Deve estar passeando pela floresta como fazia sempre que nos visitava.

— Segundo minhas lembranças, Zed ou Eliah sempre tinham que ir atrás dela — Carlo riu com a cena em sua mente, contando as vezes que Sophie voltava da floresta acompanhada de Zed ou de Eliah, com ralados, machucados e manchas vermelhas que ficariam roxas no dia seguinte. Olhou para Erin, que o encarava com um quase sorriso nos lábios finos. — O que foi?

— Nada — ela virou-se para continuar a subir, com Carlo atrás de si. Chegou ao térreo do castelo, caminhando acompanhada pelo barulho de seus sapatos somados aos do vampiro atrás dela. Tomou um dos corredores e acabou em uma das salas circulares. Que já estava ocupada. — Você está bem? — perguntou para Dannika, parada em frente a uma das grandes janelas que praticamente tomavam o lugar de algumas das paredes.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Estaria melhor se para... — Dannika começou, mas logo interrompeu-se bruscamente, como se sua voz estivesse ficado presa dentro da garganta. Erin e Carlo aproximaram-se dela e observaram os olhos da Mensageira, antes azuis, serem tomados por uma película leitosa que lhe tirava até o preto da pupila. — Ataque — sussurrou. A garota não disse mais nada pelo próximo minuto e piscou logo depois, devolvendo a seus olhos o tom claro de azul. — Onde eu tinha parado? Ah sim, estaria bem melhor se parassem de jogar a culpa dos acontecimentos em mim.

— Dannika — Erin chamou com a voz falha. — Quem será atacado?

Dannika permaneceu em silêncio, sustentando com indiferença o olhar assustado que a Senhora Mottris lhe lançava. Balançou a cabeça para indicar que não era nada e então pediu licença, passando entre Carlo e Erin para descer, sendo impedida, porém, pelo primeiro.

— Quem? — rosnou enquanto segurava o braço pálido da Mensageira. — Diga logo.

Erin encarou o marido e em seguida encarou Dannika. A testa de Carlo estava franzida e os ombros pareciam maiores de tão tensos que estavam. Estava mais que estressado, aquela era uma raiva antiga. Da última vez que ela o vira assim, fora no meio do Segundo Expurgo.

— A mensagem não é para você e eu não posso dizer — Dannika tentou soltar-se do aperto de Carlo, sem sucesso. Vampiros são tão temperamentais, suspirou. — São as regras.

Relutante, Carlo soltou Dannika e observou a garota sair depressa. Os saltos que usava faziam barulho pelos corredores, mas não era barulho suficiente em comparação ao que aconteceria em breve. Se ele não souber, não doerá tanto, Dannika pegou-se sorrindo antes mesmo que chegar do lado de fora do castelo.



Minhas costas latejavam tanto que a cabeça decidiu imitá-la, fazendo-me ver pontos brancos vez ou outra. Enquanto Louis sussurrava alguma coisa para Kyara, eu abraçava meus joelhos e recebia a suave brisa de outono no rosto. Ryan sentou-se ao meu lado e observou a paisagem noturna em silêncio. Rodric apareceu ali pouco depois, preferindo sentar-se do meu lado ao invés do lado de Ryan.

— O que é? — murmurei para ele.

— Você não pode me odiar para sempre — Rodric sorriu, passando uns de seus dedos pelos cabelos escuros e cheios de ondas que chegavam até os ombros. Havia um machucado em processo de cura em seu nariz de ponta redonda, que lhe cabia perfeitamente no rosto oval.

— Posso sim.

— Meus métodos foram desregulados e indisciplinados, eu concordo — ele suspirou antes de continuar. — Mas eu não planejei aquele ataque. Era pro seu amigo ali ter voltado inteiro e humano.

— Não é verdade — Ryan intrometeu-se. — Sierra me mordeu, lembra?

— Ela o que? — virei-me para ele de olhos arregalados. Aquela francesinha estava subindo várias posições na minha nem tão pequena lista negra.

— Sem troca de sangue ou sem ser sugado até a última gota, você continua igual — Rodric revirou os olhos. Novatos.

— Do mesmo jeito, eu não voltaria inteiro — Ryan deu de ombros.

— Ela te mordeu e você está dando de ombros? Ryan! — levantei para encará-lo de cima.

— Não foi de todo ruim — ele se encolheu. Era só o que me faltava.

— Não é ruim e você sabe — Rodric lançou-me um sorriso repleto de malícia. — Do contrário os Familiares não existiriam.

Havia tempo que aquela palavra não era pronunciada. Os Familiares eram humanos que viviam total e unicamente para servir de alimento aos vampiros. Doavam o sangue por livre e espontânea vontade e, em troca, viviam ao alcance de todos os luxos que desejassem. Eram seletos a dedo e moravam em lugares estratégicos para a burguesia vampiresca. Vez ou outra uma Mensageira ou um vampiro entraram nesse grupo, mas era tão raro quanto ver um Familiar nos dias de hoje, décadas e décadas depois do fim da classe.

— Os Familiares não existem mais — disparei. — E se eu sei ou não se é ruim, não é problema seu.

O maldito sorriso continuava no rosto de Rodric, até que um carro preto estacionou na frente do castelo. Quando reconheci o carro, não sabia se sorria ou se continua com a cara feia. A primeira pessoa a sair fora Demetri, com seus quase dois metros de altura e músculos definidos dando um balanço a seu corpo que fazia com que ele parecesse ainda mais ameaçador. Atrás dele saíra Elliot, visivelmente mais baixo, mas com o mesmo balanço perigoso do primeiro.

— Entre no carro — Demetri disparou quando parou ao meu lado, sem disfarçar o olhar analítico que lançara para Ryan e Rodric.

— É bom ver você também — revirei os olhos. Demetri me ignorou por um minuto, ocupado em olhar tudo ao redor.

— Você também Kyara — ele sorriu rapidamente ao ver a expressão da vampira. — E vocês são Mottris novos?

— Eles são apenas convidados — atrai a atenção de Demetri. — Que já deveriam ter ido embora.

— Rodric, prazer — Rodric levantara-se, sorrindo amistoso para Demetri. — Aquele é Yulio — apontou para Yulio, encostado na parede ao lado de Kyara. — E aquela é Sierra — apontou para Sierra, a mais afastada, que olhava para Demetri e Elliot com alguma coisa que eu só conseguia identificar como raiva.

Demetri murmurou seu nome e deixou que Elliot se apresentasse, estava ocupado demais encarando Sierra. Sustentou o olhar de ódio da vampira por mais de um minuto antes de aproximar-se dela. Quando viu para qual direção Demetri seguia, Yulio juntou-se a Rodric, ambos perto de mim.

— Não é uma boa ideia — Yulio virou-se para Elliot, como se ele pudesse impedir que Demetri se aproximasse de Sierra.

— Ele não está em condições de ouvir alguém — Elliot deu de ombros antes de franzir a testa. — E porque não seria?

Minha testa estava franzida e meus dedos tamborilavam na coxa coberta pelo jeans. No tempo em que Demetri movia-se como um felino, Sierra continuava parada com os braços cruzados na altura do peito, sustentando um olhar tão mortal que chegava até mesmo a me causar arrepios. Mas havia algo estranho, como se a natureza de ambos os lados gritasse para que houvesse um ataque, mas a mente os impedisse. Mais estranho ainda era o brilho de reconhecimento perdido em meio a raiva nos olhos de safira da francesa. Não havia uma maneira de Demetri e Sierra se conhecerem. Acredito eu.

O próximo acontecimento estranho? Sierra ter praticamente se jogado em cima de Demetri, mirando o punho fechado no rosto do vampiro e errando por uma questão de milímetros.

— Mas o que? — Rodric, Yulio e Elliot exclamaram ao mesmo tempo. Não eram tão diferentes, vejam só.

Demetri segurou o segundo soco que Sierra lhe lançara, mirando novamente o rosto, e empurrou seu braço para trás fazendo com que ela fosse para a mesma direção. Soltou-se dela e esperou pelo próximo ataque, que impediu com maestria. E assim fora com todos os outros ataques que ela lhe lançara, sedenta para acertar nem que fossem os cabelos loiros do outro, até que Demetri pareceu se cansar da brincadeira e girou até parar atrás de Sierra, derrubando-a com um empurrão e com alguma espécie de golpe com as mãos que eu não consegui ver.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Certo... O que foi isso? — Ryan perguntou para Rodric, que olhava para a companheira caída no chão.

Achei que Sierra iria se levantar rapidamente e voltar a tentar acertar Demetri, mas ele mantinha um pé em suas costas, impedindo que ela se levantasse. Com a cabeça pendida para o lado, ele abaixou-se até pegar a barra da blusa que Sierra usava e levantá-la. Inclinou-se ainda mais para trazer a outra mão até o cós da calça jeans e puxá-la ligeiramente para baixo.

— Ora, ora — anunciou alto para que todos escutassem, ignorando todos os palavrões em francês que Sierra lhe lançava enquanto se debatia para tentar se livrar do pé de Demetri em suas costas. Ação curiosa para uma autointitulada super lutadora como ela. — Vejam só o que temos aqui — indicou teatralmente a vampira. — Uma ellenség.