Realidade Imaginária

Feita de Fumaça e Sombras


Tec, tec...

Tec, tec...

Lápis no papel. Uma batida impaciente. Constante. E distante. Ao meu redor, plantas e colunas gregas se misturavam. O antigo o novo.

Mas nem tão novo assim.

Luzes azuis, verdes e vermelhas refletiam os arbustos e suas donas, as ninfas, que passeavam despreocupadas pelo local. Eu as observava enquanto andava por um caminho estreito e longo com pedras douradas que lembravam o país de Oz. Será que eu estava lá? Constatei que não quando logo atrás de mim as portas de um elevador se fecharam suavemente, tão calmamente que apenas e ouvi. Continuei caminhando em frente até perceber que caminhar não era exatamente o que eu estava fazendo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Meus pés não tocavam o chão.

Eu estava flutuando. Outra vez. Mas, diferente da viagem nas sombras, meu corpo cintilava em dourado. Milhares de símbolos, que não reconheci, flutuavam ao meu lado, formando uma espécie de barreira mágica. Ou será que eram eles que me faziam flutuar? O ‘tec, tec’ repetitivo do lápis tomou minha mente e meu corpo, que apenas obedeceu e seguiu o som.

Depois de minutos voando sempre em frente, o inacabável corredor se uniu com uma enorme sala redonda. Melhor, um enorme templo redondo, com colunas gregas que sustentavam um teto triangular que, como o teto dos chalés, possuía cenas em constante movimento de histórias e guerras gregas. Desviei o olhar das cenas no momento em que Zeus despedaçava seu pai, Cronos. Meio enjoada passei os olhos pelo templo branco e dourado que brilhava tanto quanto os astros no céu. Treze tronos preenchiam o local formando um semicírculo, cada um com sua grandiosidade e glória, mas com algo em comum: Todos eram esplendorosamente gigantes, com mais de cinco metros de altura. Se dividiam igualmente ao lado do trono central que se destacava dos outros pelo brilho majestosos que emanava, como se uma corrente elétrica passasse por ele constantemente. Era extraordinário e, ao mesmo tempo, perigoso. Um toque e “adeus mundo cruel”. Meus olhos lacrimejavam e me forcei a desviar o olhar, aquele brilho me puxava como a um ímã, mas sentia que ficaria cega se continuasse olhando. Um silêncio mórbido pairava sobre o ambiente vazio, o farfalhar das árvores pareciam mais distantes do que realmente estavam.

Mas o que eu estaria fazendo ali?

Então, em uma fração de segundos, todo o templo foi tomado por um brilho amarelado, tão intenso quanto o sol. Mesmo não tendo fechado os olhos, não ceguei, pois o vento arrebatador que seguiu o brilho me fez tombar para trás. O brilho sumiu da mesma forma que apareceu, rápido e misterioso, deixando em seu lugar um homem tão alto quanto os montes e tão bonito quanto...bem, a beleza dele não poderia ser comparada a de nenhum mortal ou semideus, era extraordinária e exótica. Ele seguiu, com ar alegre e vitorioso, para um dos tronos e fez surgir a sua frente uma mesa tão grande quando o trono.

Tec, tec.

Tec, tec.

O lápis que surgiu em sua mão batia ritmicamente contra a mesa. O som familiar cada vez mais rápido. Até que cessou. Levantei abruptamente, sentindo os olhos do homem sobre mim. Gelei ao perceber que ele me encarava, pensativo, com um sorriso desenhado em seus lábios rosados. Sua atenção voltou-se para o pergaminho gigantesco pousado em sua mesa, despreocupado, e eu me permiti respirar novamente.

Ele não me encarava. Ele olhava através de mim, como se eu não estivesse ali. Suspirei, nada surpresa. Provavelmente eu não estava realmente ali. Eu mesma deveria estar dormindo tranquila na minha beliche no chalé de Hermes, mas minha mente, junto com meu espírito ou sei lá o que, deve ter decidido dar uma voltinha. E cá estava ele, no Olimpo, sem motivo aparente algum.

Será?

Voilá! – A voz estrondosa e vitoriosa do homem encheu o ar e interrompeu meus papos mentais, me fazendo saltar de susto. – Sabia que voltar às origens ia me dar a inspiração certa para terminar. Nada muito poético. Nada muito rudimentar. Perfeito!

Com o sorriso de volta aos lábios, ele desenrolou todo o pergaminho com um único movimento. Como cascata, o rolo despencou pela mesa e seguiu até terminar bem próximo a mim. Era enorme e feito todo à mão. Mas uma frase, destacada pelo travessão que a precedia, e o pequeno trecho logo depois me fez prender a respiração e arregalar os olhos.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“— Bob mandou um “oi” — disse para as estrelas.

O Argo II navegou noite adentro.”

Claro! Tudo fazia sentido agora. Olhei novamente para o homem.

Apolo...

Só podia ser ele! Seus cabelos loiros, olhos incrivelmente claros e porte físico atlético não deixavam dúvidas. Foi ele! Foi ele quem escreveu os livros. Mas porquê? Com um sorriso satisfeito, ele enrolou cuidadosamente o pergaminho até que um rolo enorme ficasse sobre a mesa. Com um movimento rápido das mãos e um barulho de mini explosão, todo o pergaminho sumiu, se transformando em um livro de capa dura, impresso e novo. Na capa um Percy e uma Annabeth sujos e feridos tentavam escapar do Tártaro pelas Portas da Morte.

– A Casa de Hades ... – sussurrei, atônita, ainda observando Apolo guardar o grande livro em um cofre que surgiu sobre a mesa. Lá, mais oito livros estavam empilhados organizadamente. Todas as duas séries de livros. Todas as minhas sagas de livros.

Estava tão atenta e confusa com Apolo e seus livros não tão ficcionais assim que não reparei o óbvio.

Nós não estávamos sozinhos...

Em uma coluna próxima a mim uma sombra serpenteava, em espiral, até o topo. Enorme e negra como breu, ela parecia observar, mesmo sem possuir globos oculares, a cena que se desenrolava. Atenta e perigosa. Preparada. Pronta para atacar enquanto Apolo, despreocupado, fazia o cofre em sua mesa desaparecer de novo. Como ele não conseguia ver a sombra que estava prestes a lhe dar o bote? Se é que ela podia fazer isso! A sombra se apertava mais contra a coluna, pegando impulso. Eu tinha que fazer algo!

E acabei fazendo...

CUIDADO! – gritei, implorando para que ao menos minha voz fosse ouvida. Mas eu me arrependi no mesmo instante.

Apolo não ouviu nada e nem sequer se moveu em seu trono, o que me levou a duas opções: ou ele estava surdo ou eu era um fantasma idiota que não podia ser visto ou ouvido.

Fiquei com a segunda opção.

Porém a sombra se retraiu e tirou a atenção de Apolo. Suspirei de puro alívio. Mas perdi a respiração no meio do caminho. Acho que eu ser apenas uma fantasminha camarada não era nenhum impecílio para ela! A sombra, tão negra a ponto de ser palpável e de orbes ocas, infelizmente, tinha agora seu total interesse em mim. Xinguei o mundo mentalmente “Isso! Salve os outros e se coloque em perigo! Essa devia ser a definição de Eduarda!”. Ok, mesmo eu sendo apenas um fantasma brilhante ali, a forma como aquela sombra esquisita se movia e me encarava, aumentando gradativamente de tamanho e liberando uma atmosfera congelante ao redor, me amedrontou com um medo extremo que eu nunca sentira na vida. Ela exalava poder e poderia causar muitos, muitos danos, até mesmo a um fantasma. Engoli em seco, já sentindo meu corpo tremer. Minha garganta fechou e eu tentei dar um passo para trás. Minha mente gritava “CORRA”, mas meus pés não se moviam e nem mesmo flutuavam para trás. Eu estava imóvel, presa por meu próprio corpo. Fosse por mágica ou, simplesmente, pânico, eu continuava ali, encarando o perigo e sentindo-o cada vez mais furioso contra mim.

Cansada de apenas admirar sua presa indefesa, ela atacou. Não durou um minuto. O grito preso em minha garganta, o tremor incessante do meu corpo, o frio da morte que me envolveu. Tudo não passou de segundos. E a última coisa que vi antes de cerrar fortemente meus olhos e me encolher foram presas. Brancas e brilhantes. Mortais. Saindo de onde deveria ser a boca, mas era apenas sombra e fumaça, com um líquido verde e viscoso escorrendo e pingando, gota após gota, das pontas. Um predador convicto e experiente. E eu uma presa estúpida sem meios de escapar da morte certa.

Era meu fim...

/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*/*

Silêncio.

Um calor reconfortante invadiu o ambiente, sufocando o frio. Uma brisa suave bagunçou meus cabelos e o aroma de grama me fez lembrar do acampamento. Mas aquilo só podia ser uma alucinação! Minha cabeça pregando uma peça para me distrair da morte com lembranças do meu lar. “Então é isso que acontece depois da tão iminente morte? Esperava mais!”, pensei. Encolhida, mantive os olhos fechados e o corpo tremendo, ainda esperando pelo ataque

Mas nada aconteceu...

Nada, a não ser uma voz que soou como um alarme tocando pela manhã em meus ouvidos. Alta e clara. Determinada. Uma voz feminina e meio irritada.

– Abra os olhos e levante-se, criança.

Obedeci sem hesitar. E meus olhos viram o horizonte. Estávamos no topo de uma montanha. Abaixo uma floresta de pinheiros cobria o solo e o mar delimitava a linha fina do horizonte onde o Sol se escondia mais e mais. Às minhas costas, as luzes de uma cidade grande refletiam os prédios e parques onde as pessoas, minúsculas pela distância, viviam suas vidas. Ao meu lado, a dona da voz me observava com superioridade e curiosidade. Continuava a mesma desde a última vez. Com seus cabelos castanhos, sua postura elegante e sua cara de poucos amigos. Fazia sentido já que Hera nunca fora muito fã de semideuses.

Mas porque ela veio atrás de mim?

E pela segunda vez?

Abri a boca para questionar esse favoritismo, até porque ter Hera gostando de mim não era nenhum elogio e sim um sinal de perigo, mas ela me perguntou antes:

Porque estavas encolhida? Do que tiveste tanto medo? – E ela parecia realmente não saber. Mas se foi ela quem criou aquele sonho, o que eu tinha quase total certeza de que fora, ela deveria ter algo a ver com aquela sombra também. Mas pela cara elegante e confusa percebi que não conseguiria respostas sobre a ‘fumaça de cigarro negra ambulante’ com ela.

Ehh...bem...tinha uma...Não conte nada! Parei de falar bruscamente e voltei a olhar o horizonte, parte por não saber como disfarçar e parte pra tentar entender porque algo em mim dizia para ficar de boca fechada sobre o assunto. Resolvi seguir minha intuição e, meio sem jeito, mudei de assunto: - Você me trouxe aqui, logo eu tenho preferência para fazer perguntas. Porque estamos aqui e, principalmente, onde é aqui?

Hera me encarou em silêncio. Ponderando se voltava a questionar o antigo assunto sobre o que me deixou encolhida de medo. Mas não. Ela deu um mínimo resquício de sorriso e respondeu prontamente minhas perguntas.

Estamos em uma das belas montanhas da América do Norte. Eu, sinceramente, não sei como a chamam, as pessoas de hoje criaram nomes distintos aqueles dados na época de ouro da Grécia Antiga. Mas este lugar continua com sua beleza intacta e me é muito agradável. A interseção que a montanha cria entre o velho e o novo mostra como essas criatura evoluíram desde a antiguidade. – E por ‘criaturas’ elas se referia as pessoas, de todos os tipos. Tem como alguém soar mais enojada do que Hera quando diz ‘criaturas’? É, acho que não!

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Certo, pergunta números dois, ou três, sei lá: Porquê o sonho com Apolo? Espera... eu ainda estou sonhando ou se eu me jogar dessa montanha eu morro de verdade?

Sim, semideusa, tu ainda estás sonhando. Quanto ao morrer, quem sabe tu não testas a teoria na prática? – ela falou sarcasticamente, o que me causou arrepios. – Mas espero que não tentes neste momento, ainda preciso de ti viva. Quanto ao sonho com Apolo digo-te que foi algo de extrema importância. Tu precisavas saber a origem daqueles manuscritos que eu te deste.

Então a gente tinha razão, foram realmente os deuses que criaram os livros!

Não ‘os’ deuses. Apenas Apolo. Aquele garoto criou os livros escondido de todos os deuses, dizendo ele que faria uma surpresa e que era necessário transcrever as histórias do menino Perseu assim como eram transcritas as histórias dos antigos heróis. – Hera riu sem vontade – E que surpresa ele nos deu quando nos contou sobre a existência desses livros e, principalmente, quando acrescentou que um deles havia sumido. Logo o mais importante deles...

O Sangue do Olimpo... – falei com convicção, olhando diretamente para a deusa que me encarava afirmando – Por isso foi o único livro que você não me deu?

Correto. Alguns deuses não se importaram, alegando que era apenas um livro de histórias e não poderia fazer mal algum. Mas eu entendi a preocupação que vi nos olhos de Apolo quando ele nos contou. Aquele livro poderia estar nas mãos de alguém cruel e que poderia saber muito bem como utilizá-lo para o mal. – ela aprofundou o olhar em mim – Poderia estar nas mãos de alguém como tu.

Alguém como eu? – perguntei inocentemente. No fundo eu sabia ao que ela se referia.

Ora, criança, eu não sou tola! Vocês, Línguas Encantadas, emanam um poder bem perceptível pelos deuses. E foi assim que nós te achamos. Apolo não sabia se vocês ainda existiam até descobrirmos sua existência, vivendo em um país esquecido tanto por monstros quanto por divindades.

“Vocês”? Existem mais iguais a mim? – perguntei, com os olhos esperançosos. Hera hesitou pela primeira vez e falou rapidamente, quase nervosa.

Não! Só encontramos a ti, infelizmente. Ou felizmente. Logo a pessoa que está com o livro não tem poder para trazer tudo dele à tona. Até porque ele precisaria da caneta encantada para isso e ela está bem protegida. Mas ainda não sabemos o que ou quem ele é, o que planeja ou onde ele está.

Ou seja, não sabem nada... – sussurrei, mas ela ouviu e me encarou quase com fúria. Engoli em seco e continuei. – Mas porque eu? Se você sabia que eu era apenas uma Língua Encantada boazinha e comum, porque me envolver em tudo isso? Porque me dar os livros e me fazer aprender a história deles?

Garota eu não tenho semideuses preferidos. Para mim, todos eles são insignificantes e irritantes, mas até que bem úteis. Se eu estou lhe visitando pela segunda vez é porque tenho motivos sérios para isso. Pode não descobrir todos eles agora, mas estás bem perto. E tu estás longe de ser comum. Es a única do povo Encantado que também é filha de um deus, isso nunca aconteceu antes. Teus poderes são desconhecidos por ti, mas são maiores do que o de qualquer outro de tua espécie. – ela continuava impassível enquanto eu ofegava como se tivesse corrido uma maratona, meu coração acelerado pelas verdades contadas. Porque ela não poderia ser mais direta? – E respondendo tua última pergunta, era necessário que conheceste a vida do menino Perseu. Era preciso conhecer os sete heróis da profecia, pois eles próprios estão esquecendo. Esquecendo que foi a união deles que derrotou Gaia. Esquecendo que a amizade deles é o elo entre os dois acampamentos. Eles estão distantes e tu terás que uni-los novamente.

E como você acha que eu vou fazer isso? – explodi, erguendo os braços no ar em frustração. – Mal conheço eles de verdade, como vou uni-los?

Isso é com você. Dê um jeito, mas saiba que todos deverão estar unidos para o que está por vir. Terás uma missão inteira para conseguir isso.

Não me diga que eu terei que achar o livro? Essa é a missão? Eu não encontro nem as chaves de casa quanto mais um ladrão que pode estar em qualquer lugar do planeta!

Tu não estarás sozinha. Mas cada coisa a seu tempo. Tu tens muito o que aprender ainda.

Concordo plenamente com você, tanto que acho melhor mandar outro em meu lugar. Eu nunca saí em missão alguma! Porque não mandar um Percy Jackson, ou um Jason Grace ou até mesmo um Nico di Angelo?

Porque nenhum deles poderá enfrentar o que está por vir! – Ok, ela não gritou, mas sua voz estrondosa me deu calafrios. Ainda bem que ela estava do tamanho normal. – Eles podem proteger os acampamentos, mas não enfrentar o real inimigo. Se ao menos tentarem não terão um fim muito agradável. Por isso você deve treinar. Não só os poderes de semideusa, mas também os de Língua Encantada.

Por incrível que pareça, você não é a primeira deusa a me dar esse maravilhoso conselho. Mas não dá! Eu não consigo ler em voz alta, não depois do que houve com minha mãe. – Encarei-a ainda mais, com a voz falhando. Com lágrimas ou não, eu precisava falar. – E como vou usar meus ‘poderes de semideusa’ se nem sei quais são. Facilitaria muito se eu soubesse quem é meu pai!

Você saberá em breve. Tudo está se aproximando. Cada coisa a seu tempo. – Ela sorriu, o primeiro sorriso sincero que vi naqueles lábios. Via compaixão em seus olhos – Não se culpe pelo que houve com sua mãe. Ela não lhe culparia. É melhor controlar ou perder o controle de seus poderes? Cedo ou tarde você terá que usá-los, mas você decide se vai usá-los para o bem ou para o mal. Sua vida, suas escolhas. – ela me lançou um olhar cúmplice – Assim como é você quem irá decidir para quem irá confessar sobre o que viu no Olimpo, aquilo que lhe deixou com tanto pavor. Eu sou uma deusa, eu sei. Mas saiba que, assim como você, eu não sei de onde aquela sombra surgiu. É algo que ambas teremos de descobrir sozinhas.

E tudo ao redor começou a mudar. As árvores, a cidade, a montanha. Tudo começou a perder a cor e ficar branco. E a voz de Hera parecia cada vez mais distante.

Espere! – gritei para a tela em branco onde agora eu me encontrava – Eu ainda tenho muitas perguntas!

Tudo se encaixará, basta procurar as peças certas... – E, por um segundo, a voz dela soou firme novamente – Mas, semideusa, cuidado com as pessoas que lhe cercam. Seja sábia e saiba em quem confiar.

Isso não faz sentido! E os livros? Onde eles forma parar?

Você descobrirá mais cedo do que imaginas...

E tudo sumiu num piscar de olhos.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

Respirar e expirar.

Apenas o que meu cérebro conseguiu processar depois que acordei em um solavanco e sentei na cama, nervosa, puxando o ar que restava em meus pulmões. Tremendo e desnorteada, tentei controlar a respiração e colocar os pensamentos em ordem.

Colocar aquele sonho em ordem...

O chalé estava escuro e a única iluminação vinha do meu abajur que ainda estava ligado. O pequeno relógio no criado mudo marcava quatro da manhã, ou da madrugada, dada a escuridão que estava fora do chalé. Cocei os olhos e voltei a me deitar, rolando de um lado a outro. Mas sempre que fechava os olhos a lembrança do sonho voltava de paraquedas pra me atormentar, principalmente a visão daquela sombra que parecia tão real e negra, que poderia estar escondida naquele momento no chalé escuro e silencioso e...

– Ok, Duda, pode parar com isso! Você nunca teve medo de escuro. Aquela sombra não era real, não tem porque ter medo. – sussurrei, me dando coragem, enquanto sentava mais uma vez. Cansada, mas sem conseguir cair no sono. Decidida a sair dali.

E eu sabia o que fazer para relaxar.

Abri minha gaveta e peguei a roupa mais confortável e fresca que achei, um short e blusa simples junto com meu tênis preto. Travis me falara que as gavetas, além de serem infinitamente fundas, também faziam aparecer roupas, apenas o básico. Segui para o banheiro na ponta dos pés e sendo o menos desastrada que poderia ser. Entrei na ducha e rapidamente a água me fez sentir melhor, como sempre acontecia. Meus pensamentos foram ficando cada vez mais claros, mas ainda não era suficiente. Em frente ao espelho, depois de enxuta e vestida, estava pronta para prender o cabelo e sair quando reparei em minha bochecha. E quase não pude distinguir a bochecha boa daquela que estava machucada. O arranhado era apenas uma linha fina, quase totalmente curada.

–É, um bom banho faz mesmo milagres! – sorri, passando a mão pela bochecha machucada – Ou então Nico quis me assustar e fez parecer mais grave do que era!

Nico. A lembrança do filho de Hades me fez alargar os lábios. E ficar confusa. De novo. Depois da despedida, eu estava tão confusa e cansada que acabei dormindo com a mesma roupa e o pensamento no beijo em minha mão.

É, eu estava agindo como uma idiota!

E a culpa era daquele garoto! Eu não conseguia pensar direito perto dele e, as vezes, nem falar. Eu odiava me sentir assim, agir assim. Bufei e saí do banheiro, jogando minhas roupas em qualquer canto da cama, seguindo para a porta do chalé. O silêncio ainda era completo, todos no chalé dormiam calmamente. Abri a porta e parei na varanda, respirando o ar fresco que eu tanto precisava. O céu ainda era azul escuro, apenas com algumas luzes alaranjadas de um Sol que ameaçava levantar.

Sol.

Apolo.

Meu sonho.

Sombra esquisita.

Hera.

Missão misteriosa e provavelmente suicida.

E o resultado, minha cabeça doendo mais uma vez. Eu precisava sair dali, fugir de meus pensamentos. Achar a trilha na floresta e andar sem rumo por lá. Ou melhor, correr sem rumo, tentando fazer meus sonhos se perderem para sempre.

– Correr. Nada no mundo cairia melhor do que isso.

E eu disparei sem olhar para trás.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!