POV NICO

Doze monstros em três minutos, esse com certeza é meu novo recorde!

Olhei ao redor e soltei a respiração em frustração, sentindo o sangue escorrer de um arranhão superficial em minha testa.

E não fez nem cócegas nesse mar de monstros!

Essa parte da profecia precisava ser assim tão literal?

Enquanto minha mente reclamava, meu corpo agia no automático. Desviei de uma criatura com asas negras cheia de penas como um corvo gigante, mas as patas pareciam de um felino. Àquela altura eu nem ao menos tentava discernir um monstro de outro. Harpias, fúrias, manticoras ou qualquer outra desgraça saída dos cafundós do Tártaro, todas pereciam em minha espada já encharcada de ícor e outras substâncias suspeitas. Com o corvo diabólico também não foi diferente. Ele passou rente a meu rosto, mas me abaixei por instinto e girei rápido, minha espada cantando contra o vento e se alojando com destreza no tronco da criatura que guinchou uma última vez e sumiu no ar, seus restos me acertando em cheio. Cuspi com repugnância e tentei limpar a espada na grama alta.

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Treze em três minutos e meio. Hoje é mesmo dia de bater recordes!

Apesar da satisfação que me dominava a cada monstro destruído, o cansaço começava a se sobressair e ficava cada vez pior ao perceber que meus esforços pareciam em vão. A cada criatura morta duas pareciam tomar seu lugar e o mar de monstros já se igualava mais a um oceano! Além disso, todos os semideuses estavam espalhados pela clareira, escondidos no meio da horda negra que urrava e rosnava como uma multidão de demônios. Nos poucos momentos que consegui desviar minha atenção dos monstros (o que durava segundos!), tive vislumbres de cabelos negros curtos e uma espada de bronze que brilhava enquanto partia três monstros de uma vez e, a alguns metros de distância, alguém empunhando um martelo enorme, esmagando ossos e asas pelo caminho.

Percy e Leo.

Com preocupação percebi Percy cair ajoelhado quando os monstros sumiram em pó e, quando se ergueu, chiou ao tentar colocar o pé direito no chão, sangue escorrendo em jorros pela sua panturrilha. Tentei ir em sua direção, mas um novo monstro apareceu em meu caminho e logo perdi Percy de vista. Trinquei os dentes, matando meu novo oponente com uma agilidade louvável. Olhei ao redor mais uma vez, mas nenhum sinal de Percy ou qualquer um dos outros.

Nenhum sinal da Swan...

Senti meu coração errar uma batida ao pensar nela, mas afastei os pensamentos mórbidos. Ela é uma guerreira nata, sabe se virar. Não posso me distrair agora! Ela vai ficar bem. Tem que ficar bem!

Ignorei meu peito apertado e ataquei novamente, minha lâmina dançando por carne e ossos, se alongando e retraindo como se fosse parte de mim. Então um grito agudo elevou-se apesar da balbúrdia de rosnados e guinchos. Não foi tão alto e parecia mais irado do que dolorido, mas foi suficiente para me distrair por segundos. Senti minha garganta secar de desespero, meu corpo gelando e paralisando. É ela, só pode ser ela! Como pude tirar os olhos dela? Ela nunca enfrentou algo nessas proporções! Eu deveria estar perto, eu...

— SE ABAIXA, DI ANGELO!

Meu corpo reagiu à voz apesar da minha cabeça desgraçada estar definhando de pavor. Senti minhas pernas flexionarem, levando-me ao chão no momento que uma espada longa e afiada voou por sobre minha cabeça se fincando com perfeição no monstro que estava prestes a me atacar pelas costas. Respirei rápido, os arfares saindo curtos enquanto meus olhos se voltavam para meu salvador.

Ou melhor, salvadora.

Swan estava em pé a minha frente, o cabelo cacheado ondulando ao redor do rosto, o queixo erguido e o maxilar travado em ira enquanto os olhos verdes pareciam chamas verdes como fogo grego. Ela estava coberta de grama, sujeira e sangue, mas para mim ela era a própria personificação da beleza. Eu quase podia sentir a ira de Afrodite sobre mim pelos pensamentos espontâneos, mas nada importava a não ser a garota a minha frente que exalava uma áurea tão selvagem e imponente quanto uma Amazona. Ela desviou os olhos do local onde o monstro estava, a respiração profunda e entredentes, e sua feição apaziguou-se quando olhou para mim ainda sentado no chão com os olhos arregalados de surpresa. O sorriso dela me trouxe de volta para a realidade.

— É bom ficar de olho na sua retaguarda, di Angelo! Não vou tá sempre aqui pra salvar seu traseiro!

Ela esticou a mão e eu aceitei, me erguendo com um sorriso tranquilo em meus lábios apesar do pandemônio que se desenrolava. Ela está bem, isso é tudo que importa. Me firmei, mas não soltei sua mão, meus dedos acariciando levemente a pele quente e macia de sua palma. Ela me encarou com carinho e eu sabia que a encarava da mesma forma. Então senti a movimentação mais do que vi e puxei o corpo de Swan contra o meu usando minha espada para cortar a cabeça da harpia que voava em nossa direção, se aproximando pelas costas de Swan com as garras preparadas. A filha de Poseidon continuou com a cabeça apertada em meu peito por segundos, sua respiração forte e cansada fazendo meu corpo arrepiar. Suspirei de alívio, e baixei minha boca na direção de seu ouvido.

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— Digo o mesmo pra você, Swan. Que bom que eu amo salvar seu traseiro lindo.

Ela se afastou com um olhar indignado, as bochechas queimando de vergonha, e apesar de toda a loucura e do risco de morte iminente a cada segundo eu não consegui conter a risada. Ela bufou e logo pegou a pulseira, que tinha voltado ao seu pulso, tirando o pequeno tridente e transformando-o em espada mais uma vez. Antes que pudesse rebater com algum comentário atrevido um novo grupo de monstros avançaram em nossa direção e só tivemos tempo de colarmos nossas costas antes deles atacarem.

Apesar do cansaço que fazia meu corpo clamar por descanso, sentir as costas de Swan contra as minhas e ouvir seus xingamentos em português toda vez que um monstro demorava demais a morrer pareceu renovar minhas forças ou talvez saber que ela estava a um passo de distância e cuidando da minha retaguarda tenha deixado meu coração aliviado o suficiente para retornar a batalha com força total.

Não importava o motivo, o fato era que éramos perfeitos juntos. Nossos golpes pareciam sincronizados e eu reagia a ela como tivéssemos ensaiado, como se lutássemos juntos há anos. Quando ela curvava a coluna eu encolhia meu corpo para que ela me usasse de apoio para seu chute, quando eu cutucava de leve sua cintura ela se afastava fazendo minha lâmina escorrer entre nossos corpos e se cravar com perfeição no corpo do monstro. Era como uma dança e nós sentíamos mais do que sabíamos dos passos. E mesmo com a exaustão corroendo meu corpo aos poucos, meu sorriso parecia eterno nos lábios. Assim os minutos correram enquanto ondas de monstros surgiam, mas eram facilmente derrotados pelas nossas lâminas. Depois do que pareceram horas eu podia jurar que a quantidade de monstros diminuía e não contive um suspiro de alívio, minha mão já dolorida do punho da espada. Já conseguia ver facilmente meus amigos espalhados, Percy se apoiando em uma única perna enquanto Annie cuidava do monstro mais próximo, Leo tinha um talho feio no braço, mas Jason e Piper cuidavam de sua retaguarda enquanto ele se recuperava. Atravessei o corpo de uma manticora no momento que senti o corpo de Swan se afastar do meu. Tentei olhar para trás, mas um novo monstro surgiu na minha direção. A criatura parecia uma mistura de leão com rinoceronte e tinha espinhos grossos saindo de suas costas. Ergui a sobrancelha, uma sensação estranha de déjà vu se apossando de mim.

Esse é novo, mas parece familiar demais...

Não perdi tempo. Nenhum monstro saía mais da floresta, então esse porco espinho gigante era meu último obstáculo para um descanso merecido. Saltei, minha espada zunindo contra o vento, e cortei o ar onde segundos antes estava uma das pernas da criatura. Ele saltou para trás com um rosnado, a boca espumando e com os dentes a mostra. Estava prestes a atacar mais uma vez, em caráter definitivo, até perceber que o monstro não saía do lugar. Ele parecia rir de escárnio quando se encolheu, as costas arqueando levemente, os espinhos parecendo maiores e mais afiados a cada momento.

Então finalmente lembrei porque aquele desgraçado era tão familiar.

A visão que tive na missão na Itália voltou com tudo. A clareira, todos a postos enquanto um mar negro vinha em nossa direção, o sorriso de Swan ao meu lado, a batalha incessante.

O monstro de espinho.

Os espinhos sendo lançados de seu corpo.

E atingindo Swan diretamente no coração.

O flashback não durou mais que cinco segundos, mas foi o suficiente pra criatura urrar e liberar os espinhos como lâminas antes que eu pudesse gritar ou correr na direção de Swan.

Meu corpo traidor se lançou ao chão no momento que um espinho passou voando em minha direção. Graças aos deuses os outros estavam longe demais para serem atingidos e eu vi Jason se aproveitar da fraqueza momentânea do monstro para jogar sua lança com precisão no pescoço dele. A criatura explodiu com um grito sofrido e tudo ficou silencioso de repente.

Mas meu coração retumbava nos ouvidos, meu corpo tremendo enquanto eu me esforçava a olhar para trás apesar da minha mente já pintar toda a cena antes que meus olhos pudessem ver.

Tudo aconteceu como a visão, tudo! E agora...ela...não, não aceito!

Minhas lágrimas já borravam minha visão, meu corpo sofrendo espasmos pelos soluços contidos enquanto eu erguia meu corpo, pronto para correr na direção dela.

Eu não pude fazer nada na visão, mas agora vai ser diferente! Me recuso a perdê-la! Me recuso!

E, se não estivesse tão aflito e sentindo meu mundo desabar, teria percebido que a alma de Swan estava perfeitamente bem. Mas apenas quando meus olhos se fixaram nela e viram o grande espinho, que realmente teria atingido seu coração, preso no escudo que cobria metade de seu corpo foi que meu corpo relaxou e eu senti que poderia desabar com o tamanho do alívio que me invadiu. Arregalei os olhos e senti minhas pernas tomando controle, meu peito acelerado de felicidade quando Swan abaixou o escudo e encarou o espinho gigante com as sobrancelhas franzidas. Ela voltou os olhos pra mim e assobiou em surpresa.

— De todas as mortes que já imaginei, ser empalada por um espinho gigante nunca tinha entrado na lista! E olha que tinha até "ser estrangulada pela minha própria sombra a mando da sombra maligna que trabalha pro Mestre!" - Ela encarou o escudo mais uma vez, agora com uma expressa irritada. - Como diabos vou consertar o buraco do meu escudo? Esse Mestre desgraçado me paga!

Antes que ela pudesse encontrar novos adjetivos criativos para xingar, puxei sua cintura na minha direção e deixei meu rosto se perder nos cabelos macios que eu tanto adorava. Meu corpo ainda parecia em choque, ainda processando que ela se salvara e que a visão não se concretizara. Meus ombros saltavam entre soluços e risadas, as lágrimas de desespero e alegria se perdiam pelos cachos castanhos dela e sentia minhas costas serem apertadas pelos dedos incertos de Swan. Eu sabia que minha voz sairia embargada e rouca, mas eu precisava dizer as palavras em voz alta para saber que eram verdadeiras.

— V-você ta viva! Pelos deuses, você tá bem!

— Claro que sim, amor. - Ela murmurou com carinho, sua respiração fazendo cócegas em meu pescoço enquanto seus dedos se prendiam na minha camisa como se quisesse provar que estava mesmo ali. - Já disse que não vai se livrar de mim tão fácil!

Afastei meu rosto apenas o suficiente para encarar os olhos verdes dela que brilhavam com diversão. Apesar de sua tentativa de deixar o clima mais leve, meu peito ainda parecia em desespero e eu segurei seu rosto entre minhas mãos, meus olhos prescrutando cada mancha, cada linha, cada detalhe enquanto eu finalmente relaxava, as lágrimas, normalmente tão atípicas para mim, dessa vez saindo descontroladas. E eu não podia me importar menos.

— Eu tive uma visão na Itália e tudo aconteceu idêntico a ela. A clareira, o mar de monstros, aquele desgraçado lançando os espinhos. - Me engasguei, mas forcei minha voz a sair, meu corpo cada vez mais controlado enquanto Swan permanecia com o rosto descansando calmamente em minhas mãos. - E eu vi você sendo atingida por um dos espinhos bem no coração. Eu não pude fazer nada e você m-morreu bem nos meus braços. Eu não suportaria, Swan! Não suporto nem lembrar, não consigo pensar...

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E ela se soltou de minhas mãos e me puxou para seus braços, o abraço forte pareceu me deixar inteiro de novo enquanto ela sussurrava como um segredo que apenas nós poderíamos ouvir.

— Eu tô bem aqui e sempre vou estar. Sempre vou estar com você, Nico.

Apertei seu corpo contra o meu e ergui a cabeça para vislumbrar os olhos que eu tanto amava. Sorri.

— Eu também, mio amore. Sempre e para sempre.

Beijei seus lábios com calma, saboreando seu sabor viciante. Nunca era suficiente. E aquele seria o fim perfeito. Seguiríamos para a última etapa, chutaríamos a bunda do Mestre e eu finalmente teria um encontro de verdade com a mulher da minha vida.

Mas, como sempre, nada acontece como o planejado na vida de um semideus.

Terminei o beijo com selinhos rápidos quando senti meus amigos se aproximando com cautela então a voz de Leo, apreensiva e cansada foi a última coisa que ouvi.

— Odeio interromper, mas acho que só vencemos o primeiro round.

Ele apontou para o meio das árvores onde novas criaturas surgiam. Eu sabia que poderia desmaiar de exaustão a qualquer momento, mas engoli um pedaço de ambrosia e apertei o punho da espada vendo todos os outros fazerem o mesmo.

Me posicionei, mas senti um frio na espinha quando os monstros finalmente chegaram perto o suficiente para que pudéssemos reconhecer suas espécies.

O mais estranho? Não reconhecemos nenhum.

— Algum de vocês já viu essas coisas? - Annie, minha última esperança de saber o que estávamos prestes a enfrentar, questionou com a voz nervosa.

— Acho que todos esperávamos que você nos desse uma luz! - Percy trouxe à tona o pensamento de todos, sua espada firme apesar do corpo ainda parecer instável pela perna que se curava lentamente.

E a nova batalha estourou tão repentinamente quanto a primeira. Todos atacamos com ferocidade como se não estivéssemos mortos de cansados cinco segundos antes. Golpeamos com toda a habilidade e força que nos restava.

Mas dessa vez os monstros simplesmente não morriam!

Nossas armas pareciam estar empalando fumaça. Passavam inofensivas pelo corpo dos monstros, estes que pareciam ainda mais estranhos de perto. Misturas de crocodilo, escorpião, falcão e até gato. Venenos nas garras, dentes e rabo. Nenhum deles tinha qualquer semelhança com aqueles do "primeiro round".

Apesar da nova avalanche de monstros ser bem menor que a primeira, a invulnerabilidade destes dava uma vantagem incomparável. Lutar com uma dessas coisas é o mesmo que lutar com cinco dos outros! É ridículo como eles não sentem nem cócegas com meus golpes! Logo todos estavam espalhados mais uma vez, e agora eu não conseguia nem desviar o olhar. A cada golpe falho eu sentia minha perseverança diminuir enquanto a criatura parecia cada vez mais disposta. O máximo que podia fazer era desviar das garras de forma bem precária. Ódio começou a fervilhar em mim. Não é possível que passamos por tudo aquilo pra terminar assim! Tentei um novo golpe nas costas do crocodileão, mas totalmente inútil. Me afastei um segundo, tentando pensar, e me preparei. O monstro veio em minha direção com a boca de crocodilo aberta e eu esperei. Fiquei completamente imóvel até ele estar a pouco menos de um metro. Então saltei sobre o corpo dele e sua boca me seguiu e acabou se fechando sobre suas costas enquanto eu aterrissava do outro lado, cambaleando. Ouvi o monstro gritar de agonia e logo seu corpo se desintegrou.

Então eles podem sim morrer como os outros. Só é absurdamente difícil!

Senti meus joelhos falhando e apoiei minhas mãos sobre eles, a respiração vinda em golfadas entrecortadas. Ergui os olhos e percebi a minha sorte: eu pegara um dos mais idiotas pra combater!

Alguns eram como meu crocodileão, atacavam apenas pela necessidade de obter a presa como os monstros comuns. Mas uma parte era diferente. Vi um deles enfrentando Annie, parecia ter uma forma quase humanoide, asas se projetando das costas enquanto desviava dos golpes da loira com maestria. Ele pensava antes de agir, isso ficava claro nos movimentos calculados além dos golpes que dava com uma precisão assustadora. Pude ver Annie usar todas as forças, mas estava claro em sua expressão de espanto o quanto a capacidade de pensar daquela criatura tinha a desestruturado. Swan falara como os monstros estavam ficando inteligentes, mas ninguém nunca imaginou que tivessem chegado aquele ponto. Annie arregalou os olhos quando a boca da criatura de moveu.

Ela falou!

Trinquei os dentes. Então eu só tive a sorte de pegar a mais estúpida! Como vamos derrotar esses outros?

Mas minhas estratégias pareciam fumaça diante do meu esgotamento. Todos pareciam sentir o mesmo. Vi Percy cambalear, o rosto contorcido de dor. Piper foi jogada contra uma árvore e pareceu desmaiar de vez enquanto Jason, tomado pela ira, tentava destruir a criatura com cauda de escorpião, mas sem sucesso.

Mas o pior acontecia no centro da clareira. Swan combatia parcamente cinco monstros que a atacavam por todos os lados. Forcei minhas pernas a fazerem um último esforço, eu precisava ficar de pé! Rosnei com minha fraqueza e, usando minha espada de apoio, consegui me erguer a tempo de ver os monstros caindo sobre Swan como uma onda mortal de garras e dentes. O ar saiu de meus pulmões e percebi que corria mesmo meus músculos queimando por dentro.

Nada mais importava.

Ela está longe demais, merda! Por que está tão longe?

Eu tentava aumentar a velocidade enquanto via os monstros se contorcendo sobre ela, mas aquele era o máximo que meu corpo ainda aguentava.

Droga de corpo inútil! Droga de cansaço!

Tropecei, mas mantive o equilíbrio e não parei a corrida. Estava perto, já conseguia ver o brilho da espada no meio da horda negra.

Então o brilhou aumentou. E aumentou. Cada vez maior e mais dourado. Ele tomou o interior do espaço confinado formado pelos monstros e era tão forte que senti meus olhos lacrimejarem a medida que chegava mais perto. De repente um grito, mas não de terror. Era um comando bradado por uma voz que parecia composta por mil outras vozes, unidas e dispersas ao mesmo tempo. Era forte e tão autoritária que teria de obedecê-las a qualquer custo. A língua, desconhecida.

E assim o brilho se expandiu como uma supernova ultrapassando os monstros e tomando todo o ambiente como se o próprio sol tivesse caído na terra e expandisse sua luz pelos quatro cantos do mundo.

E quando a luz me atingiu foi como se tudo desaparecesse.

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POV DUDA

BIALNISBA!

A palavra ecoou pelo ambiente por um tempo, dominando cada espaço até quilômetros sem fim. Eu simplesmente sabia disso, era um fato. Como sempre, o poder veio carregado com mais do que apenas minha voz. Era uma carga de algo ancestral que se apossava de mim e ganhava forma, se libertando através dessa única palavra. Antes eu sentia receio, meu corpo lutava contra a invasão, negando aquele ser intruso.

Mas agora não mais.

Era como um velho amigo e aprendi que ele poderia ser bem-educado se eu cooperasse. Ele se arrastava por meu corpo, deixando uma sensação de arrepio e queimação onde tocava, mas não era ruim. Sentia o poder crescendo por meus membros como água contornando um caminho sinuoso: lenta e precisamente. E então ele era eu e eu era ele, tão parte do meu corpo quanto meus próprios órgãos, se acostumando com sua nova casca tão rápido quanto eu me acostumava com meu novo hospedeiro. Nossas mentes unidas em uma só, trabalhando juntas e em harmonia enquanto nosso poder brilhava mais forte, subindo e se concentrando até ser liberado pelas palavras estranhas e familiares ao mesmo tempo. Estranhas pra mim e familiares para ele, supus.

E tão rápido quanto ele veio, ele voltou a se encolher, escorrendo por meu corpo, se encolhendo e deixando um rastro de vazio e fraqueza. Então o brilho sumiu pelo anel mais uma vez e eu me vi aturdida e desamparada, meu corpo voltando a ser só meu, meu poder retornando à fagulha normal comparada a chama intensa de segundos antes.

Respirei fundo, os olhos bem fechados enquanto voltava a mim, o anel já esfriando em meu dedo. Depois do que pareceu séculos o eco de minha voz sumiu deixando apenas um silêncio sepulcral. Esperei que os monstros finalmente caíssem sobre mim, minha imaginação fértil criando todo tipo de cenas horrendas. E o pior: eu não ligava. Não tinha mais forças para me erguer, meus joelhos presos à grama como se eu tivesse criado raízes. O peso em meus ombros parecia tão extenuante quanto segurar o céu.

Eu só queria que tudo aquilo terminasse logo.

Senti o peito apertar ao imaginar como meus amigos sofreriam e se culpariam. Como Nico me odiaria por desistir e se odiaria por não ter conseguido me impedir. Principalmente por eu quebrar nossa promessa.

Desculpa, di Angelo. Eu juro que tentei, por você, mas...

Um vento mais forte assolou-me e eu me encolhi até perceber que nada acontecia. Trinquei o maxilar, odiando aquele suspense todo.

— O que diabos vocês estão esperando...?

Então abri meus olhos furiosamente. E paralisei com a cena.

A roda de monstros sobre mim como uma gaiola viva estava congelada. Os rostos deformados, dentes arreganhados e as garras erguidas para o golpe iminente estavam travadas no lugar, paradas no tempo no meio do movimento. Eles teriam desabado sobre mim se não estivessem apoiados uns sobre os outros como uma cabana bizarra. Superado o choque, me arrastei pela pequena abertura entre as pernas de um monstro e as asas de outro, a luz repentina do sol me fazendo cerrar os olhos. Engatinhei, meu braço escapando por pouco da garra exposta de uma das bestas, e quando me vi livre do “círculo monstruoso” o choque retornou como um tapa diante do que se desenrolava na clareira.

Ou, na verdade, o que não se desenrolava.

Todos, monstros e semideuses, estavam mortalmente imóveis. Tão congelados quanto os monstros que me rodeavam segundos antes.

Meus músculos ainda clamavam por um descanso, a adrenalina da batalha se extinguindo aos poucos e dando lugar a exaustão. Meu corpo só queria se jogar na grama e ficar tão inerte quanto todos os outros estavam, mas eu o forcei a frente, cambaleando um pouco antes de me aproximar de um monstro congelado no meio do voo, sua boca escancarada na direção de Piper que permanecia de pé, a adaga erguida e o olhar feroz na direção da besta, travada no meio de um golpe que teria afundado entre as costelas da coisa. Provavelmente não teria efeito algum, mas ainda assim...impressionante! Minhas pernas já se moviam com mais agilidade enquanto eu me aproximava da cena seguinte: Jason cravando sua lança no olho de uma criatura que lembrava um hipopótamo gigante. Ele tinha sido congelado no meio de um grito de guerra, o rosto contorcido em fúria. Era como admirar as estátuas de heróis antigos, mas cem vezes mais realista.

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E cenas assim se espalhavam por todo o local. Monstros congelados no meio de uma corrida, no meio de um salto, uivando, urrando. Semideuses congelados com as armas na iminência de um golpe, braços erguidos no meio de um movimento, corpos se lançando para frente em posições instáveis e simplesmente paralisando. Arregalei os olhos ao perceber Leo congelado no ar, o corpo contraído em um salto com o martelo erguido acima da cabeça como se uma corda invisível o mantivesse no ar.

Não, é pura magia...

Parei ao lado de Nico que estava paralisado no meio de uma corrida desesperada, os olhos arregalados em pânico e voltados para o círculo de monstros onde eu estava encarcerada antes. Ele tentava me alcançar, notei com um sorriso triste. Mas nunca chegaria a tempo. Espantei os pensamentos, mais preocupada em saber o que havia acontecido. Girei no lugar, o único movimento no meio de todas as “estátuas vivas”.

— Mas que mer...?

— Ora, ora! Eu suspeitava dos dons de persuasão intrínsecos a todas as mulheres, mas você os elevou a um nível totalmente absurdo. - Alguém assobiou exasperado às minhas costas, a voz chegando a mim como ondas quentes, tão envolvente como uma brisa de verão. - Você sabe como prender o público. Literalmente!

Me virei rápido já arrancando o tridente da pulseira e pronta para lançá-lo ao ar e trazer à tona minha espada, mas parei no meio do movimento, os olhos arregalados para o homem musculoso e seminu que me lançava um sorriso tão indecente que me fez corar. O brilho que o envolvia era suportável, apesar de fazerem meus olhos lacrimejarem.

— Apolo?

Seu sorriso devastador se alargou.

— O que me denunciou, docinho? – Ele inclinou a cabeça levemente, os cabelos dourados ondulando com um vento invisível. - Talvez a beleza arrebatadora?

— Mais o calor... você é mesmo quente! – Soltei num rompante de loucura e arregalei os olhos. A gargalhada de Apolo foi melodiosa. Minhas bochechas queimaram. – Digo, quente estilo febre ou insolação, não por causa do corpo escultural e os músculos e.... argh! Essa nem é a questão aqui! O que diabos aconteceu com todo mundo?

— Acho que é bem óbvio. – Apolo deu de ombros e apontou para mim com um floreio. – Você aconteceu.

Ergui as sobrancelhas, lívida.

— C-como assim, eu? Não li nada em voz alta. Não tenho... – Travei ao lembrar da palavra gritada no momento de total desespero, o poder maior como nunca senti antes me invadindo e se tornando um comigo, o eco de minhas palavras por minutos sem fim. - ...poder suficiente.

Ergui os olhos espantada, o impossível parecendo cada vez mais possível à medida que eu pensava a respeito. À medida que eu lembrava exatamente o que tinha gritado. Para! A palavra parecia simples, mas evocada naquela outra língua teve um efeito inacreditável. Apolo me encarava com seu sorriso sempre nos lábios, os olhos como pequenos sois irradiando um brilho calmo. Ele acenou levemente.

— Você tem sim, docinho. E por ser maior do que você imagina, a sua falta de controle sobre ele é preocupante. Quando liberado de forma inconsequente pode ter resultados...inesperados. – Ele girou o dedo indicando a clareira como se exemplificasse seu ponto.

Desviei meus olhos de Nico, meu peito apertando com as informações lançadas sobre mim como uma bomba. Encarei Apolo com descrença.

— M-mas como isso é possível? Nenhum Língua Encantada é capaz de dar vida a algo sem ler. Essa é exatamente a função da caneta idiota que foi roubada!

Apolo deu um passo em minha direção, seu calor fazendo meu corpo suar.

— Os Língua Encantadas comuns não eram capazes disso. – Ele segurou meu queixo com malícia. – Mas você não é uma Língua Encantada comum, não é?

Pisquei lembrando das palavras de Annie. Meio semideusa, meio Língua Encantada. Estava tão perplexa que nem me afastei do toque de Apolo, milhões de situações estranhas durante a missão finalmente tendo uma explicação. Apolo me soltou, percebendo que eu finalmente entendera, seu rosto ganhando uma expressão nostálgica enquanto ele sorria para o céu.

— É raro essa junção entre gregos e egípcios e só ocorreu uma única vez no passado. – Inclinei a cabeça em confusão e Apolo baixou os olhos para mim, as mãos se perdendo nos bolsos do short simples que ele usava. Sua única peça de roupa, por sinal. – Muitos não sabem e não é algo exposto nos livros, mas o primeiro Língua Encantada também era meu filho.

— O-o que?

— É, imaginei que nem sua amiga sabichona teria essa informação privilegiada. É tão antiga que acabou se perdendo no tempo e, depois de todas as guerras ligadas a semideuses e Línguas Encantada, o melhor foi manter esse anonimato. – Ele deu de ombros, casualmente. – Orion, o primeiro Língua Encantada, era um garoto curioso e inteligente. Um leitor ávido e que via nos livros bem mais do que apenas história. Foi assim que ele descobriu sozinho que era filho de um deus grego. Não dei minha benção a um humano comum como todos os livros relatam, Orion já tinha o dom da escrita e poesia como todos os meus filhos. Mas ele era ganancioso, não de uma forma ruim, mas como um desejo de sempre aprender mais. Assim, percebendo que deuses gregos eram reais, ele passou a procurar provas de que todas as outras “mitologias” também o eram e foi assim que ele conseguiu o poder de Língua Encantada com alguma divindade egípcia depois de anos de busca.

— Tot. – Falei e Apolo ergueu uma sobrancelha em minha direção. – Achamos que pode ter relação com o deus Tot. Ele é o mais ligado ao lado culto e normalmente é retratado em bibliotecas, então é um bom chute.

— Bem, não sei o que esse Tot tinha na cabeça para dar um poder tão perigoso para um semideus, mas foi o que aconteceu. Não consegui mais detalhes, deuses de culturas diferentes dominam locais diferentes e se mantém distantes por uma questão diplomática.

— Sério, talvez se vocês tivessem criado, sei lá, um clube do livro mensal já saberíamos a identidade do Mestre a séculos!

— Seu senso de humor é adorável, docinho, mas proximidade entre deuses de culturas tão distintas iria trazer mais catástrofe do que salvação, acredite. Basta lembrar da guerra entre os três grandes e aquilo foi dentro da nossa própria família!

Engoli em seco, ele tinha razão. Suspirei, minha cabeça já latejando com tudo que vinha acontecendo.

— Certo, mas o tal Orion também conseguia evocar seu poder sem precisar ler?

— Sim, e essa foi sua ruína. – Apolo suspirou, a cabeça baixa e a expressão séria, atípica naquele rosto sempre tão debochado e malicioso. Ele parecia cansado, deixando seus milhares de anos transparecerem claramente no corpo cabisbaixo. – Orion usou seus poderes para ajudar seu povo. Construiu uma cidade rica e próspera o que causou inveja em meus outros filhos. Eles acreditavam que aquele poder todo vinha apenas dos meus dons, mesmo Orion afirmando que tivera um encontro com um deus egípcio. Naquela época os povos de culturas diferentes eram ainda mais alheios aos outros do que hoje então meus filhos ficaram cegos e surdos para as explicações do rapaz. Eles queriam que Orion admitisse que era meu favorito e por isso tinha tanto poder e cada vez que o rapaz negava, contando sua verdade, a ira deles aumentava. Então a guerra explodiu e, sendo mais estudioso que guerreiro, Orion pereceu, mas não sem antes levar parte dos irmãos consigo. Eu...eu lembro tão claramente! – Apolo murmurou, o maxilar travado em decepção. - Eu queria, mas não podia interferir. O dia estava nublado como se previsse a tragédia. Orion e os irmãos estavam no topo de uma colina, o mar estava violento aquele dia. Orion gritou em uma língua estranha, a voz ecoando com tanto poder que senti em meu próprio corpo. Então o mar se ergueu como um gigante despertando e caiu sobre a colina com uma força absurda. A onda era monstruosa, tanto que o próprio Poseidon afirmou nunca ter sentido um distúrbio daquele em seu domínio, nem mesmo quando inundara Atlântida. Eu só pude olhar enquanto a terra era levada de volta para o oceano junto com todos os meus filhos. Poseidon, apesar de irado pela invasão de Orion em seus domínios, trouxe os corpos de todos eles para mim. Meus filhos que não estava na colina destruíram a cidade de Orion ao como vingança pelo que ele fizera. Os descendentes de Orion escaparam e continuaram a propagar os poderes de Língua Encantada, mas o sangue dos deuses diluído pelas gerações manteve os poderes menores do que o de Orion. Então nós, deuses, passamos a tomar cuidado com os mortais que nos envolvíamos, evitando qualquer Língua Encantada. Os poderes de Orion eram assustadores e poderiam tomar proporções ainda maiores com o tempo.

— Bem, parece que houve um deslize nesse pacto... – Apontei para mim mesma com ironia. – O que é bem comum entre vocês.

— Dessa vez, não fizemos um pacto em si. Foi mais uma decisão mútua para evitar nossa própria destruição iminente! E, sejamos sinceros, ainda durou bastante tempo. – Apolo ressaltou também apontando pra mim. Ele sorriu ladino, a expressão de tristeza sumindo aos poucos. – Talvez Poseidon só quisesse se vingar...

Bufei, o cenho franzido na direção do deus com indignação. Ele riu abertamente de mim, o que vinha se tornando irritantemente usual. Ignorei, olhando ao redor, tudo ainda tão parado quanto antes.

— E como eu desfaço isso? – Minha raiva se transformando em preocupação. Encarei Apolo com o maxilar travado. – Se não sei controlar esse novo poder, como vou trazê-los de volta?

O sorriso arteiro de Apolo suavizou diante do meu claro desespero.

— Infelizmente, não tenho essa resposta. Mas observei muito Orion e percebi que esse poder, que ele chamava de Alkalima, é concentrado em uma única palavra dita nessa outra língua. Quando ele usava o Alkalima era como se seu corpo fosse dominado por alguma entidade, ao mesmo tempo que ele permanecia ali. Dois se tornando um, concentrando tudo em um único ponto. Normalmente esse poder eclodia a partir de um colar que ele usava, bem parecido com esse seu belo anel. – Ele apontou para minha mão e suspirou, encolhendo os ombros parecendo envergonhado por possuir informações tão escassas, o que me surpreendeu. Nunca esperei ver um deus admitindo que não sabia de tudo! O sorriso grande de Apolo voltou como o nascer do sol. – Basta você tentar se concentrar no que o liberou antes. No início, Orion o liberava apenas com emoções muito intensas como medo ou raiva até que controlasse. Talvez você pudesse tentar.

Assenti, já me preparando para focar nisso, mas parei e encarei Apolo com desconfiança.

— Por que você tá me ajudando? Os deuses que apareceram durante a missão lançaram uns conselhos “super sábios” de uma frase só e sumiram. Por que está me contando tudo isso sem nenhum enigma no meio?

Apolo sorriu de lado.

— Então sua astúcia não é mera fama, não é docinho? – Ele me encarou e apenas cruzei os braços esperando uma resposta, além de que aquele apelido tosco estava começando a me irritar. Apolo revirou os olhos o que pareceu que mini sóis giravam em um céu branco. – Certo, meu trabalho era mesmo só dar um conselho qualquer e sumir, mas a verdade é que eu sou meio que responsável por todo esse desastre.

— Só meio? – Rebati com uma petulância que me faria ser incinerada com toda certeza.

Apolo me encarou com as sobrancelhas baixas, os olhos, meras linhas brilhantes.

— Apenas registrei fatos, o que está dentro da minha alçada de deus das artes! – Ele parecia indignado, a expressão sempre relaxada ganhando tons de uma raiva contida o que fazia o calor aumentar como ondas térmicas. Ele respirou fundo, vendo meu desconforto. – Mas, admito, poderia ter tomado mais cuidado com os livros apesar de nunca imaginar que ainda haveria Língua Encantada depois da Grande Guerra de Rashid. De qualquer forma, eu tentei aparecer durante a missão, mas Hera me manteve ocupado e só agora consegui escapar de seus trabalhos sem fim!

A expressão de desgosto de Apolo quase me fez rir, mas me mantive quieta, esperando. Ele piscou e suspirou.

— E quando percebi que você também tinha o Alkalima, não podia deixar que terminasse como Orion sem que ao menos deixasse o aviso. Posso ser duramente castigado por isso, mas não me arrependo.

Apolo se calou, os olhos intensos sobre mim e não contive o sorriso agradecido, talvez alguns deuses tivessem salvação afinal.

— Bom, eu...agradeço. – Acenei levemente e ele repetiu o ato, seu sorriso radiante. Voltei os olhos para a clareira respirando fundo e tentando fazer o que Apolo orientara. Então algo veio a minha mente o que me deixou ainda mais cansada. – Se eu conseguir descongelar, todos voltam ao normal...inclusive os monstros absurdamente indestrutíveis?

Afirmei mais como uma pergunta e Apolo acenou.

— Infelizmente, sim.

— Não tem nada que você possa fazer com esses monstros idiotas? Sei lá, você é o deus do sol. Que tal fritar todos eles?

Apolo riu da minha cara esperançosa, mas negou.

— Já interferi demais, docinho. Além disso, essas criaturas foram tocadas por magia egípcia, não acho que meus poderes seriam tão eficientes quanto suas armas. Mas nada me impede de dar algo que, talvez, possa ajudar, até porque ele já é o prêmio da missão mesmo...

Ele estendeu a mão e seu poder brilho sobre a palma como uma pequena supernova. Fechei os olhos por minutos, minhas retinas ardendo, e quando abri novamente um livro repousava entre os dedos grossos do deus. A capa era marrom e laranja, uma ponte com três pessoas correndo era retratada além do olho de um gigante. Sorri de nostalgia ao ler o título: O Mar de Monstros. Peguei o livro com cuidado e encarei Apolo com dúvida.

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— Eu disse que quero destruir os monstros que já estão aqui, não trazer mais a vida. Como o livro vai me ajudar?

Apolo bagunçou meus cabelos como se lidasse com uma criança.

— Mais uma dica, docinho, porque estou me sentindo caridoso: Você pode não ter controle o suficiente sobre Alkalima, mas acredito que consegue mudar uma palavra simples no meio de uma frase já escrita no livro, é mais uma faceta do seu poder. Isso poderia lidar com todos os monstros de uma vez sem precisar modificar as armas de todos os seus amigos como fez contra aquele escorpião. E bem menos desgastante...

Ele apontou para meu rosto que deveria ser o retrato da fadiga. Talvez usar a tal Alkalima finalmente estivesse cobrando seu preço, mas mantive o foco nas palavras de Apolo e folheei o livro com afinco. Mudar uma palavra? Mas qual? E em qual frase?

Apolo parecia impaciente com minha demora em desvendar seu enigma e eu estava prestes a gritar indignada quando ele soltou em um sussurro, como se assim sua transgressão fosse menor.

— Talvez transformá-los em algo mais inofensivo e...fofo?

E então eu lembrei de uma parte do livro que se encaixava perfeitamente nessa definição. As páginas voaram até meu dedo as interromper quando finalmente encontrei o trecho que suspeitava ser o correto. Percebi Apolo olhando para o livro por sobre meu ombro e logo sorrindo, o que era um indicativo esplêndido que tinha entendido sua ajuda enigmática. Ergui o livro, Apolo e seu calor queimando minhas costas enquanto eu permaneci de frente para meu público congelado. Limpei a garganta e respirei fundo, meu poder se agitando ao saber o que viria. Minha voz, como sempre, soou alta e clara, as palavras dançando em minha língua de forma familiar, como velhas amigas.

A cortina caiu, e os monstros viram suas mãos murchando, se encurvando, enquanto cresciam garras compridas e delicadas. Pelos brotaram em seus rostos e logo eram criaturas fofas, dentuças, de garras pequeninas e pelagem branca e laranja.

Meu poder fazia seu trabalho a cada palavra proferida. Uma névoa dourada tomava o ar, rodopiando pelos monstros e fazendo eles se transformarem pouco a pouco. Afinal, “monstros” foi exatamente a palavra que modifiquei do livro, onde, na história real, Percy é quem se transformava em porquinho da Índia na ilha de Circe. Aquela simples modificação parecia ter arrancado mais um pedaço da minha disposição que já não era lá essas coisas. Senti a mão de Apolo sobre meu ombro, o calor sendo mais tranquilizador do que abrasador. Ele provavelmente tentou sustentar meu corpo que deve ter oscilado sem que eu percebesse. Desviei os olhos por cima do ombro e forcei um sorriso, meus olhos piscando levemente como se me forçasse a manter acordada. Apolo também sorriu e tirou o braço quando viu eu me firmar. Encarei novamente a minha frente e arregalei os olhos ao perceber que todos os monstros permaneciam congelados nos mesmos lugares, mas com tamanho dez vezes menor, corpo gordinho e tão inofensivos quanto fofos. Apolo passou por mim, caminhando descontraído até um dos “monstrinhos da Índia”, pegando-o no colo e sorrindo satisfeito ao ver meu olhar confuso. Deu de ombros.

— Souvenir!

— Então os livros têm escrita original? Achei que fosse algo mais amador.

Apolo franziu o cenho, indignado

— Claro, eu sou o Autor Original. A escrita veio de mim, nada que faço é amador!

Revirei os olhos, mas não contive a risada diante de seus lábios apertados de raiva ao mesmo tempo que cuidava com carinho do bichinho imóvel em seu braço. Ele voltou a me encarar, sua expressão ganhando uma seriedade repentina.

— Agora, docinho, preciso que me entregue os livros. Já é hora deles serem trancados a sete chaves em um local seguro.

— Como da última vez? – Retruquei com a sobrancelha erguida. É, eu realmente tinha um desejo de morte irrefreável. Mas Apolo apenas revirou os olhos.

— Melhoramos a segurança, não precisa se preocupar.

Desconfiada, corri em direção a uma árvore no fim da clareira onde eu e os outros tínhamos deixado as mochilas de qualquer jeito dentro de um tronco de árvore. Apanhei os livros e parei, vendo algo negro encolhido perto da árvore e senti meu peito afundar ao perceber que era Totó paralisado como todos os outros. Eu mandara, pouco antes do mar de monstros estourar, que ele ficasse escondido para se proteger e o cãozinho, sempre obediente, ficara perto das mochilas. Acariciei seu pelo com carinho.

— Vou dar um jeito nisso, Totó. Não se preocupe.

Voltei a passos rápidos para perto de Apolo que alisava o seu novo animal de estimação despreocupadamente. Sua expressão se acendeu ao me ver e estendeu a mão para os livros. Afastei as mãos cheias de perto dele, o cenho franzido.

— Se você levar os livros como vamos seguir para a próxima parte da missão?

— Não sei se percebeu, docinho, mas não tem nenhuma frase milagrosa no fim do livro que te dei.

Surpresa, deixei o restante dos livros no chão, e abri O Mar de Monstros até o final. Realmente, não tinha nada ali. Encarei Apolo indignada.

— Então como nós...?

Apolo me interrompeu com um suspiro.

— Até agora mandamos vocês onde poderiam ter pistas sobre o local final onde o Mestre idiota se escondia. Sabemos o paradeiro dele tanto quanto no começo da missão, ou seja, não sabemos nada! Já disse como é complicado essa relação entre culturas tão diferentes como grega e egípcia. Ele consegue se manter fora do nosso radar facilmente.

— Mas também não temos ideia de onde ele está! Os locais que paramos só estavam infestados de monstros e nenhum deles teve a educação de nos entregar de bandeja quem os comanda!

Ele sorriu de lado, ladino, e prendeu meu queixo com um olhar sedutor. Apesar de irritada e indignada, não consegui controlar meu corpo e senti meu pescoço e bochechas quentes com a proximidade de um cara tão bonito.

— Acredito em vocês, vão dar um jeito. Sempre dão, docinho! – Ele me soltou e pegou os livros antes que eu pudesse me recuperar totalmente. – E, bem, ao menos o livro tem a última parte do quebra-cabeça.

Ele estava certo. Retirei um pedaço mínimo de pergaminho grudado na capa final do livro onde poucas letras estavam marcadas em egípcio. Guardei na bolsa onde Annie mantinha os outros pedaços e encarei Apolo com os braços cruzados.

— Então agora eu...

O deus se empertigou, os olhos arregalando de repente. Ele logo voltou ao normal me lançando seu típico sorriso arrebatador.

— Meu tempo acabou, docinho! Tenho que voltar antes que Hera resolva que os doze trabalhos de Hércules são fáceis demais pra mim e os multiplique por doze! Boa sorte, docinho. Espero que nos encontremos mais vezes.

Antes que eu pudesse falar ou fazer qualquer coisa, Apolo deixou um beijo rápido em meus lábios, sorriu esnobe e sumiu no meio de uma luz intensa. Só tive tempo de fechar os olhos e desviar o rosto, minha mente ainda processando a audácia daquele deus. Quando finalmente abri os olhos a clareira voltara a ser silenciosa, apenas eu e as estátuas. Resolvi xingar Apolo depois, precisava dar um jeito naquela confusão que eu mesma criara.

Fechei os olhos e inspirei. Expirei e me concentrei em tudo que senti quando estava prestes a ser despedaçada.

Medo.

Pavor.

Tristeza.

Ódio.

Apertei os olhos forçando minha mente a reviver aquilo e tentando sentir alguma coisa, qualquer coisa. Quando abri os olhos meu anel continuava frio e sem brilho. Tentei isso mais algumas vezes. Sentei-me na grama, me levantei, caminhei pelo lugar. Até encarei um dos porquinhos da Índia por uns bons cinco minutos, tentando lembrar da feição diabólica que ele possuira antes, mas era impossível me irritar com algo tão adorável.

— Isso é impossível, Apolo! – Gritei para o céu, frustrada. – Não sei como fazer isso.

Podia jurar que o sol pareceu piscar levemente como se risse de mim. Rosnei e caminhei a passos duros, xingando minha falta de habilidade e parei abruptamente quando me vi de frente para Nico. Engoli em seco diante de seus olhos que eram a expressão angustiante do desespero. Meu coração falhou uma batida e ergui as mãos para seu rosto com cuidado. Fechei os olhos sentindo lágrimas se acumulando por trás das pálpebras fechadas, e encostei minha testa no peito dele, abraçando seu corpo imóvel com força.

— Eu só queria você de volta, todos vocês. Nunca quis causar isso... por favor, volta pra mim!

Soluços irromperam de mim, meu corpo tremendo incontrolável enquanto meu rosto se encharcava com as lágrimas. Aquilo pareceu durar uma eternidade quando senti minha mão esquentar. Pisquei, espantada, ao ver meu anel de íbis brilhando em dourado, quente contra meu dedo.

— Mas como...?

E logo o poder grandioso, já familiar de certa forma, preencheu meu corpo como uma enchente. Senti o calor se espalhando, seguindo uma trilha invisível até que o brilho dourado irradiava de todas as minhas partes. Daquela vez eu não era um mero receptáculo, eu tinha consciência de onde estava e do que precisava fazer. O poder estava na minha mente ao mesmo tempo que contornava meu corpo por dentro e por fora, mas não tinha o controle total. Eu e ele éramos duas entidades independentes habitando o mesmo corpo de forma harmoniosa. E aquilo parecia certo de alguma forma, como uma peça de quebra-cabeça que finalmente se encaixa. Sorri, minhas mãos brilhantes ainda no rosto de Nico, e deixei que todo o poder que me invadia fosse expelido por minha voz em uma única palavra.

‘IIRJAE!

A palavra ondulou no ar como algo palpável. O eco foi ensurdecedor e o efeito, instantâneo. Senti a respiração de Nico contra meus cabelos no momento que o poder diminuía e se encolhia, voltando por meu corpo até sumir dentro do anel. Seu corpo, que antes estava em uma corrida frenética, parou abruptamente ao perceber que eu estava a sua frente, mas não sem antes me empurrar para trás devido a inércia. Eu estava esgotada e sabia que cairia de costas na grama com a força do impacto, mas nem ao menos me importava. Eu realmente só queria me deitar e dormir uns três dias seguidos.

Meu corpo parou no meio da queda, mãos fortes e dedos longos se prendendo em minha cintura e me puxando para frente de novo. Ergui os olhos e vi Nico me encarando com a expressão surpresa e tão aliviada que sorri, piscando lentamente. Ele me puxou de encontro ao seu peito com uma força que me tirou ao ar, mas me aconcheguei ali, finalmente relaxando.

— Eu...eu vi você...você tava presa entre aqueles monstros e... eu sabia que não daria tempo! – A voz grave e angustiada de Nico fazia seu peito retumbar contra minha bochecha e suspirei, feliz por tê-lo de volta. Ele me afastou lentamente, relutante, e encarou meu rosto procurando por ferimentos ou apenas constatando que eu realmente tinha sobrevivido. – C-como você...?

— Fiz igualzinho um pokemon e desbloqueei um novo poder! – Zombei com um sorriso cansado. Nico ergueu uma sobrancelha sem me soltar, ele parecia saber que sem seus braços me sustentando eu não aguentaria meu próprio peso.

— Se essa história de novo poder tem a ver com o sumiço dos monstros, você tá de parabéns, chica! — Leo surgiu ao nosso lado, o sorriso grande apesar da respiração descompassada e de estar manco, a perna direita apoiando precariamente no chão. Ele viu meu olhar triste e deu de ombros. – Apesar de que não entendi por que eu estava no ar quando voltei a mim. Mas sempre soube que era um anjo caído do céu.

Gemi ao lembrar que Leo estava mesmo no meio de um salto quando congelou. Entreguei um pouco de ambrosia para ele que agradeceu com um aceno enquanto os outros se reuniam próximo a nós. Um latido alto surgiu do canto mais distante da clareira e sorri quando minha bola de pelos favorita correu animado até nós. Totó parou aos meus pés, a cabeça inclinada e a língua de fora, mas apenas acariciei entre suas orelhas. Não confiava em minha própria disposição para colocá-lo no braço sem cair junto. Você, seu poder Alkalima, é bem traiçoeiro! Ergui os olhos novamente para encarar o círculo de semideuses ao meu redor. Confusão era o sentimento do momento. Eles me encaravam questionadores e eu suspirei me preparando para explicar que minha parte Língua Encantada sempre tinha uma surpresinha a mais pra revelar. Mas Annie me interrompeu, apontando para as criaturas pequeninas que corriam para o meio das árvores.

— Sei que a Duda tem muito a explicar e não faço ideia de onde surgiram esses porquinhos da Índia, mas acho que talvez ela possa nos contar enquanto a gente segue os bichinhos. Suspeito que eles tenham alguma relação com os monstros indestrutíveis...

Poucos porquinhos permaneciam na clareira quando decidimos segui-los. Assim como os monstros das outras missões, estes deveriam estar se dirigindo a algum portal e não sei se tinham condições de transformar mais daquelas criaturas horrendas em animais fofinhos. Eu mal me mantinha de pé, meu corpo sendo parcialmente sustentado por Nico enquanto Percy permanecia por perto, seus olhares preocupados se desviando pra mim com uma frequência irritante. Totó se mantinha a minha frente, farejando tudo e sumindo entre as árvores de tempos em tempos, logo retornando com um graveto ou pedra. Ri quando ele reapareceu com um porquinho da Índia que guincha indignado. Me sentindo um pouco melhor com as gracinhas de meu cachorro, iniciei meu relato sobre a visita de Apolo e tudo que ele me contou. Nenhum de meus amigos interrompeu e minha voz ecoava fácil por sobre o som dos pés sobre as folhas molhadas. Terminei de falar e, como esperado, Annie foi a primeira a declarar, prática.

— Então temos que achar uma passagem para o final da missão por conta própria... por que isso não me surpreende?

A pergunta retórica foi seguida de resmungos e risadas de escárnio. Agradeci por não focarem suas perguntas em meu mais novo poder, não sei se conseguira responder, minha voz perdida para o esforço de apenas caminhar. Eles passaram a discutir em busca de alguma solução para nossa saída dali enquanto eu apenas focava em manter um pé a frente do outro sem tropeçar, meus olhos fechando e eu lutando para mantê-los abertos. Senti Nico me apertar ainda mais contra si quando perdi o equilíbrio por segundos, mas voltei a ficar ereta e suspirei de alívio por ninguém mais ter visto.

— Você precisa descansar, cisne! – Ele murmurou em meu ouvido e, apesar de esgotada, não contive o sorriso que sua voz sempre causava em mim. – Mal se aguenta em pé.

— Eu vou descansar, anjo... – Afirmei, a voz arrastada, meus olhos se erguendo para os dele com ar maroto. - ...quando a gente terminar a profecia. Falta muito pouco! Não dá pra parar agora.

Nico trincou os dentes, o maxilar travado em indignação.

— Swan, você...!

Ele se calou de repente quando finalmente chegamos ao destino e percebemos que nada está tão ruim que não possa piorar.

É, ta decidido, esse é meu novo lema!

A floresta tropical terminava de forma abrupta em um penhasco. O penhasco terminava de forma abrupta em um portal. Ou melhor, em vários portais. Os círculos disformes e brilhantes pairavam a meros centímetros da beirada e os porquinhos saltavam felizes por eles, sumindo em luz dourada em segundos. Eram quase dez portais espalhados pela borda, brilhando como grandes estrelas no fim da tarde. Senti meu estômago afundar, mas firmei as pernas e me afastei lentamente de Nico, testando minha capacidade de me manter de pé. Eu sabia o que teria de fazer e não queria demonstrar tanta fraqueza, não queria que achassem que eu não conseguiria fazer aquilo pela exaustão.

Eu também acreditava que não conseguiria, meu corpo nunca estivera tão esgotado quanto naquele momento, mas desistir não era uma opção. Eu iria fazer aquilo nem que usasse minhas últimas forças. Nico percebeu o que fazia, podia jurar que ele sabia perfeitamente até meus pensamentos, mas não encarei de volta. Olhar para aqueles olhos preocupados faria minha determinação falhar.

— Agora tá explicado aquela porrada de monstros! – Leo assoviou admirado com os portais, seus olhos arregalados.

Seu olhar preocupado veio em minha direção enquanto ele finalmente percebia o que aquilo significava pra mim. Tentei sorrir, mas não conseguia forçar mais nada, toda minha concentração em fazer meu corpo agir como se estivesse perfeitamente bem. Olhei para os portais mais uma vez, seu brilho oscilante parecendo zombar de mim. Senti alguém tocar meu ombro e logo vi os cabelos negros de meu irmão, as sobrancelhas grossas cerradas sobre os olhos verdes que brilhavam de preocupação.

— Duda, você...tá bem pra fazer isso?

E meu coração se explodiu de carinho por ele não tentar me impedir, mas confiar em minha palavra. Por ele querer saber por mim e não impor sua vontade a mim. Abracei meu irmão tentando transmitir todo amor e felicidade que suas poucas palavras me causaram.

— Eu posso fazer isso, Percy. – Minha voz saiu com mais força do que eu realmente sentia. Me parabenizei por isso. – Não vou deixar esse desgraçado mandar mais nenhum monstro pra cá...

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— Espera! É isso!

O grito de Annie fez todos olharem para ela assustados. A loira sorria como se tivesse desvendado quem assassinou Kennedy. Ela me encarou com os olhos brilhando, apontando para os portais como se fosse óbvio. O que, claramente, não era. Inclinei a cabeça em confusão e ela revirou os olhos.

— O Mestre manda os monstros. Então eles provavelmente vêm de onde ele está!

— Claro! – Nico, o único que parecia sempre ter a mente tão rápida quanto a de Annie, ergueu as sobrancelhas em surpresa. – Se eles podem ser mandados para cá...

Ele deixou a frase no ar, a mão se movendo como se me incentivasse a falar e eu ri de sua expectativa quando finalmente entendi.

— Também podemos enviar algo para lá.

— Nesse caso, nos enviar, né? – Piper questionou lentamente, apreensiva. – O que é uma loucura completa. A gente não faz ideia do que tem por dentro dessa coisa! E se for como um buraco de minhoca?

— Piper tem razão. – Jason falou, pensativo. – Como podemos ter certeza de que chegaremos bem do outro lado?

— Porque eu já caí por um desses. – Anunciei, lembrando sobre nossa missão no México. Encarei os olhares desconfiados e nervosos. Dei de ombros. – Não sei o que encontraremos do outro lado, mas o caminho por dentro do portal é calmo. Na verdade, é como estar viajando pelo espaço, o tempo é lento e a sensação é de estar mergulhando num vazio espesso. É difícil explicar, mas sei que é seguro.

— Bem, se é nossa única saída, o que estamos esperando? – Leo esfregou as mãos e sorriu. – Tá na hora de acabar com isso de uma vez por todas! Então, quem vai primeiro?

Todos ficaram em silêncio, alguns assoviando e outros encarando tudo menos o filho de Hefesto. Leo revirou os olhos e bufou.

— Tá, entendi.

Todos os porquinhos da Índia já tinham sumido. Leo caminhou calmamente até o portal mais central, a pouco mais de um metro de onde estávamos reunidos. Ele parou na beirada do penhasco e deu pra ver seus ombros se erguendo e baixando em uma respiração funda apesar de suas costas tensas. Ele virou a cabeça em minha direção e sorriu. Retribui, o coração quente pela confiança dele. Ele acenou com dois dedos, seu sorriso maroto nos lábios, e saltou no portal, sumindo rápido em um brilho dourado. O silêncio permaneceu com sua partida. Logo todos se organizaram em fila como crianças se dirigindo para a sala de aula o que me fez rir apesar da criticidade da situação.

— Eu tenho que ficar por último. – Anunciei simplesmente.

Nico travou no meio da caminhada para se enfiar na fila. Ele me encarou confuso, já negando com a cabeça. Suspirei.

— Juro que não é uma de minhas tentativas de bancar a heroína. Tenho que ficar porque não posso deixar os portais abertos e só dá pra fechá-los depois que todos passarmos. É a lógica, anjo!

Nico bufou, cruzando os braços com uma infantilidade que me fez sorrir. Toquei seu nariz levemente e pisquei.

— Pensa pelo lado positivo: ao menos tenho experiência em saltar para portais prestes a sumir! Vai ser moleza!

— Swan!

Rindo, puxei-o novamente para fila. Piper e Jason já tinham sumido pelo portal e senti Percy me abraçar apertado e acenar firme antes de saltar também com a mão apertada contra a de Annie. Caminhei, meu corpo sustentado apenas pela minha força de vontade, piscando forte para manter a consciência. Não posso falhar agora, não posso!

— Se você não aparecer segundos depois de mim juro que volto para cá nem que seja a nado! – Nico declarou categórico, seus olhos negros fixos nos meus com seriedade. Então olhou ao redor parecendo confuso. – Onde quer que aqui seja...

— Não sei, mas algo nessa floresta me faz lembrar do filme Madagascar. – Respondi encolhendo os ombros. Encarei Nico tentando transmitir toda a confiança que duvidava possuir. Vinha fazendo muito isso. – Vai dar tudo certo. Estarei logo atrás de você.

Nico me olhou por poucos segundos antes de me puxar para perto e me beijar com necessidade e paixão. Seus lábios, apesar de secos, eram macios contra os meus. O beijo demonstrou toda a preocupação que eu via em seus olhos, todo o amor que eu lia facilmente em seu rosto. Apertei seus ombros aprofundando aquele contato que sempre me deixava nas nuvens. O beijo de Nico sempre era territorial, invasivo de uma forma que me fazia querer me entregar sem lutar. Baixava minhas defesas e eu adorava. Sua língua brincando com a minha de forma perversa e deliciosa. Gemi incontrolável no momento que ele se fastou deixando uma última mordida em meu lábio inferior, seu sorriso orgulhoso por me desestruturar com um único beijo estava estampado no rosto. Abri os olhos ainda puxando minha alma de volta para o corpo.

— Isso foi...uau!

— Isso foi uma promessa. – Nico finalizou, as mãos presas ao meu rosto com delicadeza, não me deixando opção se não encarar seu rosto. – Volte pra mim!

— Sempre – sussurrei vencida. Ele sorriu.

— E para sempre.

Então ele beijou minha testa, pegou Totó do chão e caminhou para o portal. O cãozinho me encarava por cima do ombro do filho de Hades, seus olhinhos negros parecendo confusos e ele soltou um uivo triste no momento que Nico saltou com precisão no centro do portal, sumindo num piscar de olhos. O silêncio na floresta era perturbador, apenas o vento batendo contras as folhas das árvores enormes. Suspirei e senti meus joelhos falhando, mas apoiei as mãos no chão e empurrei meu corpo de volta para cima. Ainda não, só mais um pouco, Duda! Caminhei lentamente, parando em frente ao portal por onde todos os meus amigos sumiram.

— Por favor, que todos estejam bem...

Trinquei os dentes e fechei os olhos, minha mente procurando o vazio que precedia o poder que sempre me ajudava a destruir os portais. Respirei. Inspirei. Forcei minha mente e corpo a esvaziarem, as sensações de quando o poder me invadia se apossando de mim como leves ondas em um mar calmo. Então senti meu anel esquentar e sorri. Acho que tô pegando o jeito dessa coisa. Finalmente! Espantei os pensamentos e franzi o cenho sentindo o calor crescer, se espalhando com a facilidade que apenas o hábito trazia. E se conectar com ela já estava se tornando mesmo banal. Sorri com a presença ardente daquele poder que parecia ter vida própria ao mesmo tempo que se submetia a mim. Eu estava no controle e a palavra veio fácil aos meus lábios. Prendi-a ali enquanto dava mais um passo, meu corpo agora a milímetros do portal, o brilho dourado de meu corpo se misturando ao brilho que emanava de minha passagem de ida para o desfecho misterioso daquela missão. Abri os olhos, ergui as mãos como se buscasse abranger todos os portais e liberei minha voz, o poder fluindo como algo sólido. Potente. Inevitável. Uma parte de mim se tornando letras e sons.

TADMIR!

Sem esperar nenhum segundo a mais saltei para frente no momento que as explosões começaram como fogos de artifício. Todos se destruíram ao mesmo tempo e o impacto me lançou para frente ainda mais rápido. Senti meu corpo girar sem parar, meu estômago embrulhando enquanto eu via o mesmo espaço da última vez, portais distantes enquanto meu corpo deslizava como se atravessasse um mar imenso. Fechei os olhos quando não consegui cessar o giro sem fim e percebi um brilho mais intenso por trás das pálpebras fechadas, logo sentindo meu corpo ser sugado por algo e voltando a cair. O impacto tirou meu ar e senti areia cobrindo minha língua e fazendo meus olhos pinicarem. Meus joelhos ardiam da queda, mas eu não conseguia me erguer. Assustada, percebi que aquele era meu limite. Eu me esgotara de vez e não conseguia me levantar nem que minha vida dependesse disso. Abri os olhos apenas o suficiente para ver meus braços tremendo, minhas mãos apoiadas na areia fina abaixo de mim. Eu estava patética e não conseguia fazer nada. Lágrimas começaram a escorrer por meu rosto enquanto eu percebia o vento quente fazendo meu corpo arder. O calor era infernal! Mas tudo isso não passou de segundos pois, logo quando eu pretendia erguer a cabeça para procurar meus amigos com o olhar, algo acertou minhas costas com força.

Aquilo foi a cartada final.

Meu corpo foi ao chão como uma boneca sem vida. Senti meu pulso deslocar e acredito que o som agudo que surgiu vinha de mim, mas nada fazia sentido. Ouvi meu nome ecoando de algum lugar. Eu queria me virar, me erguer, fazer qualquer coisa além de apenas ficar ali, totalmente derrotada. Mas minha mente estava completamente desconectada do corpo. Meu rosto arrastava na areia e meu peito se apertava contra ela enquanto um peso estranho era mantido nas minhas costas. Mas nada importava. Eu suplicava internamente por um descanso de horas, talvez dias. O chão nem parecia mais tão áspero, o clima quente me deixava cada vez mais sonolenta. Num último ato de determinação, abri os olhos que, apesar de desfocados, se fixaram teimosos em algo a frente. Uma estrutura estranha se erguia ao longe.

Uma pirâmide com uma nuvem negra pairando em seu topo, raios assolando a ponta já danificada.

Sorri grogue. Um pensamento desconexo.

Ladrão de raios. Que piada!

E finalmente perdi a luta contra mim mesma, minha mente colapsando e meu corpo aceitando aquilo que clamava há tempos: a inconsciência.