Radioactive.

It’s a revolution, I suppose


Abri os olhos, tentando enxergar, mas não havia luz.

Era estranho, você estar acordada, mas não conseguir ver nada. Mas eu estava em algum lugar confortável, tinha certeza. E estava deitada. Alguma coisa macia estava sobre mim, e eu queria fechar os olhos novamente e dormir.

Mas então lembrei. Suzan, Anthony, Madeline...Harry.

Levantei rapidamente, mesmo não enxergando nada.

E percebi que estava de vestido. Mas eu não estava usando vestido...Eu não uso vestido. Alguém teve que trocar a minha roupa. Alguém me colocou nesse lugar escuro. Alguém me sequestrou.

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A ideia me fez ficar desesperada. Aonde eu podia estar? Aonde estavam Anthony, Suzan e Madeline?

– Tem alguém aqui? – eu perguntei para o vazio. Não tive resposta. Dei um passo para frente, apalpando o ar com as mãos, para evitar esbarrar em algo.

– Me tirem daqui! – eu gritei, sentindo um frio subir na minha barriga. – Me soltem, covardes! Me tirem daqui ago-

Um barulho forte de uma porta pesada se abrindo me fez dar alguns passos para trás. A luz surgiu, cegando meus olhos. Eu coloquei as mãos na frente desses e tentei olhar para a porta.

Tinha sete pessoas paradas ali. Eu olhei em volta; era um quarto. Muito, muito luxuoso. Não parecia com nada que eu já tivesse visto. Paredes nude, moveis lustrados, uma cama imensa e macia.

– Parece que já acorda de mal humor, Rine – ouvi uma voz amarga dizer da porta. Olhei para Harry com um olhar de desprezo, mas ele não se abalou, apenas continuou com o sorriso doentio no rosto.

Tudo nele era doentio.

– Sempre que eu sou sequestrada, acordo assim – respondi no mesmo tom. – Talvez se fosse qualquer outro sequestrador, eu estaria um pouco mais agradável.

Ele não se mostrou ofendido, apenas sussurrou alguma coisa para os guardas e saiu do quarto. Simplesmente saiu.

– Senhorita Katherine Heymer, você precisa se trocar e vir conosco – disse um dos guardas, com uma voz que parecia eletrônica, e uma frase que parecia estar gravada. – Estaremos esperando do lado de fora. O prefeito está a sua espera.

Só então eu me lembrei: Harry trabalhava para o prefeito.

– Eu não vou me arrumar, não vou a lugar nenhum, e não vou fazer nada que ele queira – afirmei, decidida. Ou quase isso.

– Você não tem escolha, Srta. Heymer – respondeu o guarda com voz aguda.

– Claro que tenho. Me recuso a vê-lo. Hoje e para sempre. – Sabia que era bobagem, sabia que não tinha para aonde fugir. Eu já estava no labirinto, não havia escolha. Mas eu criei uma escolha. E a escolha era negar.

– Ou você obedece, ou obedece – rosnou outro guarda, mil vezes mais assustador do que o primeiro. – Ele é o marido da sua irmã, e ah, já mencionei que ela que quer encontra-la? – Prendi a respiração. – E já disse também que ela está doente? Muito doente. – Tentei, ao máximo, disfarçar a raiva e ansiedade que sentia.

– Vocês poderiam se retirar para eu me vestir? – Antes de todos saírem, vi um sorriso vencedor no rosto do guarda assustador.

Eu não sabia exatamente o que fazer. Eu precisava me vestir...Mas com que roupa? Percebi que o meu “vestido” era uma camisola. Olhei para o lado e encontrei um armário de madeira branca. Fui até ele, e com muito cuidado, abri a porta.

Tinha uma quantidade excessiva de vestidos. Muitos.

Na verdade, só tinha vestidos.

Eu passei a mão por eles, de um jeito nada sensível. Queria derrubar o armário no chão. Não queria estar ali, não queria que Simele estivesse ali, não queria usar uma droga de vestido.

Mas mesmo assim, decidi que usaria, não reclamaria e seguiria todas as regras que eram decretadas. Pelo menos por enquanto.

Tirei a camisola e coloquei um vestido vermelho. Não queria nenhuma cor. Queria aquela. Vermelho, a cor dos rebeldes. A cor de uma rebelde. A minha cor.

O vestido era solto, e ia até abaixo dos joelhos. Era de seda, e bem confortável, mas eu me sentia esquisita com ele.

Suspirei e abri a porta do quarto, sem nenhuma leveza, dando de cara com dois soldados a espreita na porta. Eu estufei o peito e passei na frente deles, como se estivesse guiando e não sendo guiada.

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Mas eles andavam do meu lado, então eu observava seus passos e fazia o mesmo caminho.

Eles me levaram até um quarto enorme e brilhante como ouro. Talvez fosse de ouro. Tinha pilastras enormes, janelas e vidraças gigantes, que seguiam do chão ao teto. O piso era tão brilhoso que podia cegar. Quadros , estantes, armas e animais empalhados se encontravam nas paredes. Não parecia um quarto. Era um lugar perfeito demais, tanto que dava nojo.

– Obrigada, podem sair agora – ordenou alguém. Eu olhei em direção a voz. Era ele...Ele.

Nojo era tudo que eu senti. Nojo era em o que tudo se resumia.

– Você – De todas as coisas que eu podia ter dito, foi só isso que eu falei.

– Sim, eu, querida – A voz dele era calma e um pouco melancólica. Seus olhos pareciam vermelhos e cansados. Ele parecia triste. Mas por quê? Ele conseguiu...Eu estava aqui.

– Kate? – Ouvi um sussurro atrás do prefeito. Eu o ignorei e contornei o quarto, encontrando uma cama grande e uma pessoa pequena deitada ali.

Minha irmã.

– Simele! – Eu corri até a ponta da cama, e ajoelhei na sua frente. Ela virou o rosto na minha direção, e eu vi. Ela estava branca, mas do que o normal. Branca como eu nunca imaginei que uma pessoa normal pudesse estar. E a respiração dela saia de uma forma cansativa, como se fosse difícil respirar.

– Simele, o que aconteceu? Você está com febre? Quer comer ou beber alguma coisa? – Eu fazia perguntas porque eu não sabia o que fazer.

– Não...Não...- Ela sussurrava fazendo esforço. Seus olhos estavam vermelhos...Ela queria chorar. Por que ela queria chorar?

– O que aconteceu? – Os olhos dela vacilaram por um momento. – Simele! Me conta, por favor! O que houve? O que ele fez com você? – eu questionei, me referindo ao prefeito, que observava a cena sem se pronunciar.

– Nada, Kate...Ele não fez nada – ela contou. – Foram os r-rebeldes.

Eu prendi a respiração por um momento. Não podiam ter sido os rebeldes...Por que diabos eles machucariam ela, sabendo que é minha irmã? Não, não foram eles. Eu conheço eles. Eu sou um deles.

– Não...Eles...Não podem ter feito isso...- Eu não sabia o que eu podia dizer com o prefeito bem ao meu lado. Como provaria que os rebeldes eram inocentes sem denunciar que eu acabei me tornando uma?

– Você não estava lá, Katherine – apontou o prefeito. – Eu estava. Vi quando eles atingiram o tronco da sua irmã com uma adaga.

Eu fitei Simele e seu rosto sem cor. Seus olhos tremiam, sua boca também. Eu costumava ficar muito doente quando era menor. Quando tinha sete, podia ser considerada uma pessoa bem fraca, que tinha uma imunidade de papel. Lembro que Simele sempre estava saudável, e cuidava de mim quando eu estava de cama.

Agora invertemos os papéis. Agora eu estou bem, e ela, não. Eu queria meu papel de volta. Queria estar deitada com uma adaga nas costas – outra vez – mas não queria vê-la ali.

Mãe, pai...Irmã, não. Por favor, ela também não.

– Tudo bem, Si, fechas os olhos, descanse – eu pedi. – Logo vamos conseguir curar você. Nós vamos conseguir...- eu perdi minha voz, e fiquei encarando sua palidez frágil com vontade de descontar a raiva em alguém.

Não tenho controle, não tenho controle, não tenho controle.

– Não...- Ela tossiu, fazendo um esforço imenso. – Eu pedi que você viesse para...para dizer adeus.

– O quê?! – Eu me levantei, tentando digerir o que ela disse. Dizer adeus...– Você não está...Você não vai morrer, Simele! – Eu protestei, tentando me convencer disso.

– Ah, Kate, você e eu sabemos que sim...- Ela fez uma careta de dor. – Eu não queria te deixar sozinha...Não quero...Mas, não se tem escolha quando se trata da morte.

– Mas você não pode! – eu gritei. – Você não pode me deixar sozinha. Eu não quero ficar sozinha. Por favor, não vai, por favor.

Eu mordi o lábio para não soltar as lágrimas. Não queria que ela me visse chorando antes de morrer, não queria que ela ficasse triste com a minha tristeza.

Eu sabia que era egoísta pedir para ela não me deixar sozinha quando ela não tinha escolha. Ela estava indo, eu sabia, eu sabia. Mas mentir para si mesmo as vezes parece tão mais fácil. Estava confusa e perdida, voltando a ser a criança frágil e assustada com apenas sete anos.

Estou com medo, estou com medo, estou com medo.

– Você poderia nos deixar sozinha...por favor? – ela pediu ao prefeito.

Ele assentiu, suspirando. E saiu do quarto com passos silenciosos, e com um ruído melancólico.

Não parecia ser uma falsa tristeza. Mas era. Ele não era o que parecia, não era o que demonstrava. Mas Simele tinha o poder de ver algo de bom até mesmo em pessoas como ele. Não entendia...Mas agora não importava. Eu nunca iria entender, porque ela não estaria mais aqui para me fazer entender.

– Katherine – ela sussurrou meu nome, para o vento. – Sei que você está com medo...Claro que eu não quero te deixar sozinha, claro que não quero morrer, mas vou. E eu te amo muito mesmo. Até mesmo quando você fugiu, até mesmo quando você gritou, ou quando treinava com facas e armas, e quando xingava os garotos...- Ela sorriu, e seu rosto suavizou. Por um momento, mesmo que pequeno, ela pareceu saudável, eu sorri junto com ela. – E eu quero que você prometa, que quando...quando eu morrer...você não vai sair daqui. Não vai sair do palácio do prefeito.

Eu parei de sorrir. Não podia prometer isso a ela. Eu iria fugir, nunca conseguiria ficar lá. Mas como negar a pessoa que você mais ama um favor? Ainda mais no momento em que você está vendo a vida se esvaziando dentro dela.

– Você tem que ficar longe...da floresta, dos rebeldes. Sem ideias de revolução, sem ideias loucas e insanas. Por mais que você seja assim, tente se segurar – ela suplicou. Eu olhei seus olhos, eles pareciam tão perto...e ao mesmo tempo tão longe. Eu não posso negar nada para ela. Eu tenho que negar. Eu não vou negar. – Por mim, Kate. Prometa.

Eu abri a boca, mas não consegui produzir nenhum som. Eu queria dizer que ficaria ali, queria prometer, queria que ela fosse em paz, sem se preocupar se eu estava ou não cumprindo aquilo. Mas eu sabia que eu nunca conseguiria cumprir essa promessa.

– Fique com o prefeito, fique aqui. Prometa...me prometa, Kate...- Eu vi que ela estava chorando. Lágrimas de cristal caiam na sua bochecha. Eu teria que prometer.

– Eu prometo. – Queria arrancar as palavras da minha boca, queima-las. Eu não conseguiria. Eu ia descumprir. Mas...eu tinha que tentar.

– Si, eu prometo que vou...que vou ficar aqui. - Eu não queria dizer, não queria prometer, não queria cumprir.

– Eu sabia que você não era teimosa o tempo todo – Seus olhos fecharam, e ela disse: - V-vou dizer a eles, Kate. Vou dizer que eles estavam errados...Você é capaz de obedecer, as vezes.

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Ela abriu os olhos, e eu vi que seus olhos podiam sorrir.

Então as pálpebras dela se fecharam, suas mãos caindo na cama, no mesmo momento em que eu desabei no chão.

“Vou dizer a eles, Kate”

Nossos pais. Eles eram nossos pais.

Eu fiquei encolhida no chão, sem chorar ou gritar. Meu olhar estava vidrado em seu rosto pálido e sem vida. Eu podia ver seus olhos sorrindo outra vez. Ela foi embora, ela foi encontrar nossos pais.

Agora eu estava sozinha. Agora eu precisa chorar. Agora eu precisava gritar.

Mas eu não fazia nada, além de respirar.

[...]

Eu acho que fiquei uns vinte minutos sentada no chão, parada. Eu olhava para o teto branco e para o rosto da minha irmã. Ela não estava ali, e parecia que eu não estava também. Eu não queria levantar, não queria sair dali.

Eu não sabia o que era estar em choque, até aquele momento.

A porta abriu, mas eu não quis olhar quem estava entrando. Quem diabos se importava com quem estava entrando? Simele tinha morrido. Ela morreu. Morreu. Morta.

– Eu sinto muito, ela era uma pessoa tão doce...Uma menina incrível, e minha futura noiva. Te entendo, Katherine. Você não foi a única a perde-la. – O prefeito falava como se a conhecesse bem. Como se eu não soubesse o que ele era.

Eu não pretendia me levantar, mas a raiva me fez voltar ao mundo. Minhas emoções voltaram. Mas só as ruins.

– Você não sabia NADA sobre ela! – Eu gritei, socando o seu braço. – Você é um monstro! Você deveria morrer...Por que ela morreu? Você deveria ter morrido, babaca! – Nesse momento, uma quantidade indeterminada de guardas entrou no cômodo. Eles me puxaram para longe do prefeito, que não tinha uma expressão normal no rosto.

– Levem ela para o quarto que a pertence – ordenou ele. – O enterro de Simele será amanhã mesmo. Que Deus esteja com ela.

E os guardas me puxaram para fora do quarto, a força, me tirando de perto do corpo de Simele. E a deixando com ele.

E que o inferno esteja com você, pensei, enquanto era levada para o “meu quarto”.

Eu não sabia dizer o que estava sentindo. Se Simele estivesse aqui, diria que as pessoas morrem por uma razão. Mas ela não estava, porque dessa vez, ela era a morta.

Eu poderia chorar, mas a raiva não permitia.

Eu iria cumprir a promessa de Simele, ficaria aqui, nesse exato território. Mas ficaria aqui sem esses guardas, sem esses nobres, sem o prefeito.

Porque eu iria mata-los. Iria matar todos eles.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.