Dois meses depois

German estava sentado no sofá da sala de espera do hospital. Seus cotovelos estavam apoiados nos joelhos e seu rosto escondido nas mãos. Era estranho estar ali esperando notícias da situação de seu pai, pois isto trazia de volta a dor que sentira quando sua mãe partira. Angeles entrou na sala de espera e caminhou lentamente até ele. Depois de tudo, vê-lo daquele jeito a deixava com o coração partido.

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Angeles e German não se viam desde o casamento dela. Era como se finalmente ambos conseguissem ficar longe sem procurarem um pelo outro. Ela estava bem em seu casamento, já não pensava em German com tanta frequência, mas isto porque não o via mais com frequência. Ele, por sua vez, mergulhara de cabeça no trabalho, afinal, era a única coisa capaz de distraí-lo. Agora, dois meses depois do casamento de Angeles, numa tarde fria de Novembro, os dois se reencontraram.

Angeles sentou-se ao lado de German e ele endireitou o corpo, para ver quem sentara ao lado dele. German respirou fundo ao perceber que era Angeles e abaixou a cabeça em seguida. Angeles suspirou e pegou a mão dele, passou a acariciá-la suavemente. Ele encarou-a seriamente e pressionou os dentes.

– Pensei que nunca mais ia querer me ver depois do seu casamento – German murmurou calmamente.

– Eu não queria – Angeles sussurrou.

Ele assentiu e abaixou a cabeça.

– O que está fazendo aqui?

– Eu posso ir embora, se qui... – Angeles tentou levantar-se.

– Não – German apertou a mão dela e colocou a mão direita em seu braço, para impedí-la de levantar – Desculpa – Disse baixo – Eu não quis que a pergunta soasse desse jeito. Eu não quero que você vá embora – Angeles assentiu e voltou a acariciar a mão dele.

– Eu estou aqui porque pensei que precisasse de mim.

– Eu preciso – German abaixou a cabeça – Mas eu não sei se é uma boa ideia sentir que você é a única pessoa capaz de me confortar – Ele olhou-a – Não me leve a mal, Angeles.

– Eu entendo.

– Obrigado por estar aqui.

Angeles sorriu sem mostrar os dentes e German abaixou a cabeça.

– Como ele está?

– Está mal – German balançou a cabeça – Parece que a qualquer momento vou perdê-lo também.

– E a Violetta?

– Está com a dona Margô.

– Que bom, a dona Margô fará bem a ela – Angeles disse calmamente e German assentiu.

– Senhor Castillo – German ergueu a cabeça. O médico estava parado na porta da sala de espera. German apertou a mão de Angeles, ambos levantaram e caminharam até o médico – O seu pai quer vê-lo – German acenou com a cabeça e olhou para Angeles.

Angeles passou a mão pelo rosto dele e deu um beijo carinhoso em sua bochecha.

– Fique calmo.

– Obrigado – Ele sussurrou e seguiu o médico.

German caminhou apreensivamente pelo corredor frio do hospital. Entrou no quarto receosamente e caminhou, da mesma forma, até a cama de seu pai. Parou ao lado dela e repousou as mãos nos bolsos. Miguel olhava fixamente para o teto e os olhos estavam cheios de lágrimas. Ao ver German, ele sorriu discretamente e deixou que uma lágrima escorresse.

– Oi, filho.

– Oi,... pai.

– É bom escutá-lo me chamando de pai, sabia? – Miguel sorriu – Parece que voltamos a ser como éramos na sua juventude. Você era tão cheio de vida – German engoliu em seco – Lembra?

– Sim – A voz de German saiu baixa.

– Eu sinto que você perdeu muita coisa por minha causa – Miguel sussurrou e German desviou o olhar.

– Não precisamos falar sobre isto agora – German murmurou.

– Nós não temos mais tempo, filho – Miguel disse calmamente e German olhou-o – Eu preciso que me escute – Ele fez uma pausa – Eu cometi muitos erros na vida, mas o pior deles foi ter escondido de você algo que teria mudado completamente a sua vida – German franziu o cenho.

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– Do que está falando?

– Eu queria morrer sabendo que você me perdoou, mas quando você descobrir a verdade, me odiará para sempre.

– Que verdade é essa? – German perguntou seriamente.

– Eu escrevi uma carta explicando tudo – Miguel iniciou um choro silencioso – Eu não tenho coragem de dizer, German, me perdoa? – German ficou calado – Por favor.

– Calma – Ele murmurou.

Miguel colocou a mão esquerda no rosto e ergueu a mão direita. German curvou o tronco e Miguel puxou a nuca dele lentamente, num abraço desajeitado.

– Eu te amo, filho – Ele sussurrou. German fechou os olhos e suspirou.

– Eu também te amo.

**

– Você conversou com seu pai? – Margarida perguntou enquanto sentava-se na frente de German, na lanchonete do hospital. Ele encarou-a e assentiu – Por que está pensativo?

– Ele me disse uma coisa estranha.

– O quê?

– Disse que me escondeu algo que teria mudado minha vida – Margarida assentiu.

– Ele falou sobre a carta que deixou? – German engoliu em seco e confirmou.

– Então, a senhora sabe de tudo?

– Sei.

– O que ele escondeu de mim?

– Eu não posso dizer, German.

– Eu preciso saber.

– Você já vai saber, mas não por mim – German pressionou os dentes – Seu pai deixou a carta comigo. Ele me pediu para entregá-lo depois que vocês conversassem, mas eu a deixei na casa dele.

– Onde?

– No quarto dele.

German levantou-se rapidamente e Margarida segurou seu braço.

– Promete que vai ficar calmo?

– Vocês esconderam algo que parece ser importante, então eu não posso prometer nada.

German puxou o braço com calma e partiu. Ao chegar na casa de seu pai, correu para o quarto dele e encontrou um envelope branco em cima de sua cama. Ele pegou a carta e ficou olhando-a por um tempo. Ficou pensando se aquele era o melhor momento para ler. A questão é que ele já estava com a carta em mãos, por que não lê-la naquele momento? Então, ele sentou na cama, abriu o envelope e retirou a folha que estava dentro. Abriu-a devagar e iniciou a leitura...

German,

o que você vai ler agora, provavelmente despertará uma dor forte em seu peito e o fará reviver toda a angústia do passado, mas, por favor, não deixe isto tomar conta de você. Saiba que você não está sozinho, que você tem pessoas ao seu lado que nunca te abandonaram e que jamais o abandonarão. Não permita que o ódio e a dor sejam maior que o amor.

Eu fiquei horas pensando na melhor forma de escrever algo que eu deveria ter dito. Juro que eu não queria que você descobrisse coisas sobre a sua vida através de uma carta, no entanto, eu não tive coragem suficiente para confessar certas coisas olhando nos seus olhos. Eu sabia que, se dissesse pessoalmente, você diria coisas horríveis a mim e eu morreria com a sensação de que o meu único filho me odeia, então eu preferi escrever, porque, no momento em que você está lendo esta carta, eu já estou a ponto de partir. Antes de mais nada, tente me perdoar um dia.

Há doze anos, alguns dias depois de sua mãe falecer e de Maria fugir, eu recebi uma encomenda, mas não era uma encomenda qualquer, era um bebê. Você sabe desta parte da história e já deve ter se tocado de que o bebê em questão era Violetta. O que você não sabe é que junto com ela, havia uma carta. Quando eu abri e li, eu não pude acreditar. Aquilo me pareceu horrível. Que tipo de mãe abandona uma criança na porta de uma pessoa desconhecida? Mas eu não era desconhecido e, por isto, eu fiquei com Violetta. Eu não aceitei cuidar dela por acaso, German.

A carta foi escrita por uma enfermeira do hospital, mas ela não disse o próprio nome e eu também não quis saber. Na carta, ela diz saber tudo sobre a sua história com Maria. Ela esteve ao lado de Maria até o dia em que Maria descobriu que estava grávida. Segundo essa moça, uma gravidez colocaria todo o plano de Maria a perder, então ela decidiu abortar, mas a tal moça foi contra e prometeu à Maria que daria um jeito de sumir com a criança no momento em que ela nascesse. A criança nasceu e foi parar na minha porta. A criança é fruto da sua relação com Maria. Violetta é sua filha, German.

Quando eu abri a porta e vi aquele bebê indefeso, dentro de um cesto, ali parado, eu decidi que não ficaria com ele, mas aí li a carta e descobri que aquela garotinha era minha neta e, então, voltei atrás na minha decisão e optei por cuidar dela pelo resto da minha vida, só que eu esqueci que ela tinha um pai. Eu esqueci que ela tinha como pai um homem bom que estava passando por um momento difícil, eu estava com ódio desse homem bom, eu fui orgulhoso e egoísta, eu cuidei da Violetta como se ela fosse minha apenas.

Eu não percebi, naquela época, o bem que uma criança faria para sua vida. Eu só fui perceber isto quando eu o vi com ela pela primeira vez ou em qualquer momento em que vocês estivessem juntos. Você passava a imagem de monstro ao mundo, mas com ela conseguia ser como é. Com ela você é cuidadoso e atencioso. Por ela, você deixa seu orgulho de lado e deixa transparecer o que há de melhor em você. Todos os dias eu me culpo por não ter te permitido ser pai, porque eu tenho certeza que você seria um pai maravilhoso, certamente melhor do que eu fui.

A raiva que eu sentia na época não justifica o que eu fiz, German. Eu tenho noção do quanto a convivência com Violetta faria bem para você. Eu errei e errei feio, mas eu peço que leve em consideração todo o amor que eu tenho por Violetta e por você. Também peço que leve em consideração toda a dor que sentimos naquela época e que se lembre que, às vezes, o ódio é capaz de cegar. O ódio me cegou e eu cometi um erro de proporções significativas por isto, mas eu reconheci este erro. A questão é que eu reconheci tarde demais e, quando o fiz, fui covarde. Eu queria o seu perdão e revelar isto a você, custaria o seu perdão. Eu tinha duas opções: ou eu contava a verdade e você jamais me perdoaria, ou eu me calaria e tentaria ganhar o seu perdão. Eu escolhi a segunda opção. Mais uma vez eu fui egoísta e agora não há como reparar este erro.

Eu não sei o que você deve fazer agora. Eu juro que gostaria de saber, mas eu não sei. Mas se você decidir contar a verdade à Violetta, por favor, faça de uma maneira que ela não me odeie. Eu sei que não tenho direito de te pedir algo, mas pense nela. Pense o quanto ela sofreria se soubesse que o avô dela foi um verdadeiro cretino com o próprio filho. Ela não merece passar pelo que você está passando, German. Você também não merece. Me perdoa por fazê-lo passar por isto, me perdoa por fazê-lo arcar com a consequência de um erro que eu cometi, me perdoa por todas as coisas ruins que eu fiz a você. Você nunca mereceu. Você nunca teve culpa de nada, filho. Seu único erro foi ter se apaixonado, mas se apaixonar nunca é um erro, se apaixonar é um aprendizado e todos nós aprendemos com o que aconteceu.

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Agora você tem a chance de mostrar o pai maravilhoso que eu sei que você pode ser. No começo será difícil, mas você vai saber lidar com tudo. Lembre-se de que não está sozinho. Eu olharei por você para sempre e o guiarei nesta caminhada, para que você nunca cometa os erros que eu cometi. Por fim, nunca esqueça que, acima de tudo, eu te amo e sempre te amei.

Miguel Castillo

Ao finalizar a leitura, German já chorava desesperadamente. Sentia-se traído pelo seu próprio pai e isto doía. Ele cerrou as mãos, amassando a carta, e abaixou a cabeça.

– O que eu fiz para merecer mais isto? – Balbuciou.

Chorou por horas. Parecia uma choro acumulado, todas aquelas lágrimas estavam esperando há anos para sair. Depois de tanto chorar, ele se acalmou, olhou ao redor, foi ao banheiro, lavou o rosto e saiu da casa. German não fazia ideia do que fazer com o que acabara de descobrir. Ele pegou o carro e decidiu voltar para o hospital. Ia tirar um tempo para si, mas antes precisava ver uma pessoa. Entrou no hospital e caminhou até a sala de espera, parando na porta da mesma. Todos pararam de conversar para olhá-lo e ele só conseguiu fixar os olhos em uma pessoa. Violetta estava sentada ao lado de Margarida. Os olhos de German voltaram a lacrimejar. Violetta levantou-se e caminhou até ele.

– Está tudo bem, tio German? – German engoliu em seco.

Ele nunca se importara com a forma como Violetta o chamava, ele até gostava de ser chamado de “tio German”, mas agora era diferente, porque agora ele sabia que poderia ter sido chamado de “pai” por ela. German nunca tivera uma vontade forte de ter filhos, mas quando viu Violetta pela primeira vez, foi como se algo despertasse dentro dele e ele aceitava isto, ele sabia que, por Violetta, faria qualquer coisa. Um filho muda tudo. As coisas seriam diferentes se ele não tivesse sido privado da chance de ser pai, mas as coisas aconteceram desta forma e ele não podia fazer nada.

German abaixou-se para ficar da altura da garota, ergueu a mão direita e acariciou o rosto dela. Ao fazê-lo, deixou algumas lágrimas escorrerem por seu rosto.

– Tio German... – Violetta disse baixo e enxugou as lágrimas dele.

German não aguentou e iniciou um choro silencioso e angustiado, ao mesmo tempo em que a abraçou o mais forte que pôde.

– Você está assim pelo vovô? – Violetta sussurrou após um tempo. German afastou-se para olhá-la e, ainda chorando, apenas assentiu – Eu não queria que você ficasse assim!

– Não se preocupe comigo, minha pequena – German engoliu em seco – Eu preciso ir – Ele deu um beijo demorado na testa de Violetta, levantou-se e saiu rapidamente.

Angeles levantou-se e Margarida se colocou no caminho dela.

– Angie... Não – A senhora disse calmamente – Ele precisa ficar sozinho.

– Ele não está bem – Angeles murmurou.

– Ele precisar pensar, Angie – Margarida olhou para Violetta – Ela precisa mais de você agora – Angeles olhou para Violetta.

– Eu ficarei ao lado dela.