Hipnotizado

- Realmente, muito mais que um simples barulhinho! – disse Ju, animada.

Ela desceu da caixa de som onde, horas atrás, Pierre estava sentado.

- Eu disse que a gente tocava musica de qualidade. – disse Chuck, levantando-se do banquinho atrás da bateria.

- Mas eu não duvidei. – ela se defendeu.

Há algumas horas estava escutando os meninos tocarem. Ela não tivera nem ao menos uma tarde para conhecê-los, mas já estava muito amiga de todos.

- Então, July, você gosta de atuar? – perguntou Dave. Seus olhos brilhavam como os de uma criança de cinco anos.

- Gosto, sim – ela respondeu sorrindo. – Eu já até me inscrevi no curso de teatro da escola, mas parece que só abre no mês que vem.

- Exatamente. – confirmou Seb, secamente.

Pierre lançou um olhar confuso ao amigo. Porque afinal ele estava sendo tão chato com a tal “intercambiaria” se a tal “intercambiaria” era tão legal?

Ela, por sinal, era mais legal que a própria namorada do rapaz. Logo, por uma questão de lógica – segundo Pierre –, essa garota deveria ser tratada melhor... Não deveria?

- É que como o curso de música dá mais lucro pra escola e, alem disso, a gente paga o um aluguelzinho pra usar a sala pra ensaiar todo mês, sai mais lucrativo adiar o curso de teatro e colocar o de música aqui. – explicou Jeff.

- Bom, faz sentido... – ela disse, pegando sua mochila em cima da outra caixa de som. – Meninos, eu combinei de sair com uma amiga minha... Sabe, ir ao shopping comprar umas coisas que eu não pude trazer do Brasil... Você querem ir junto?

- Não dá! – disse Seb, parecendo furioso com alguém ou alguma coisa, mas pela primeira vez Ju sentiu que não era com ela. – Temos que ensaiar muito.

- Mas eu quero ir! – disse David, virando-se para os companheiros. – Vamos, por favor. Diz que vamos. Eu imploro. Vamos?

Eles se entreolharam, confusos. David, ás vezes, não parecia uma pessoa normal.

- Vocês já ensaiaram bastante. – pronunciou-se Pat. – Eu acho que não teria o menor problema encerrarmos por hoje.

- Tem razão... Não vai ter problema alongar as pernas um pouco. – disse Pierre.

- Então vamos, oras! O que estamos esperando?

Ju sorriu e deu um pulinho, animada.

Ela acabou combinando de encontrar eles no shopping, já que ainda teria que achar Karol.

Ju saiu em disparada pela escola, procurando pela amiga. Como previra, Karol estava assistindo o treino de Tony.

- Então você conheceu os melhores amigos dele e nem assim ele te tratou com educação? – perguntou Karol, sem tirar os olhos de Tony que corria pra lá e pra cá, tentando alcançar a bola.

- Nem assim... Não que eu me importe, claro, mas admito que tinha esperanças de que ele gostasse mais de mim se os amigos dele me conhecessem.

- Mas você não sabia que o Chuck ia te levar pra ver eles, né?

- Sabia, ele me abordou no fim da aula perguntando se eu queria conhece-los, daí eu fui, crente que ele ia mudar o jeito dele comigo depois disso, mas ele não é gente o suficiente pra isso.

- Ui, essa doeu!

- Era pra doer, bastante e nele. Quem afinal ele acha que ele é? Eu posso não ser as “gostosinhas” dele, mas sou gente e quero ser tratada como tal.

- Filho da puta! – gritou Karol, furiosa, ao ver um rapaz do time de futebol da escola dar uma violenta rasteira em Tony.

Ele, por outro lado, apenas levantou e sorriu amarelo pra ela, fazendo sinal de estar tudo bem e voltou a jogar.

- Como eu estava falando. – ela tornou a dizer, agora mais calma e finalmente olhando para Ju. – Se ele levar a Annie junto no shopping, posso dar vários e inúmeros coices nela?

- Você pode matar ela que eu não ligaria.

- Ótimo... – ela disse, com os olhos brilhando. – Nem acredito que vou realizar seu sonho!

- Seu sonho é xingar e ser irônica com ela?

- Não, na verdade eu queria mesmo é cavar um buraco bem fundo e, depois de torturá-la com chicotes e gás hilariante, enterra-la viva.

- Bom, a vantagem disso é que você iria se tornar uma heroína para o resto do mundo!

- O melhor é que eu ia me tornar minha própria heroína!

Ju deu os ombros, rindo da amiga.

- Se você diz, eu acredito. Mas, vamos logo, eles já devem estar chegando no shopping.

- Posso chamar o Tony? – perguntou Karol, vendo o treinador apitar o término do treino.

- Claro, vai lá. – respondeu, se levantando e jogando a mochila sobre os ombros enquanto via, no meio da quadra, Karol conversar com Tony, animada como sempre.

- Então, Juliana, esta gostando de Montreal? – perguntou Jeff.

- Bom, eu definitivamente sinto falta do calor do Rio, mas o frio daqui também é ótimo. – ela respondeu, desviando rapidamente o olhar de um colar de discretas pedrinhas azuis claras de uma vitrine, para encarar o rapaz.

Todos ali estavam no shopping. Desde os que se gostavam, aos que se odiavam.

Ju, Karol, Tony, Seb, Annie, Pierre, David, Jeff, Chuck e Pat, todos andando juntos, um amontoado de adolescentes sem nenhuma ordem.

Tirando Seb e Annie, que estavam de mãos dadas, e Ka e Tony, que não saiam um de perto do outro (lê-se: Karol não saia de perto de Tony), todos estavam andando desalinhados, trocando de lugar um com os outros sucessivamente.

E, novamente com exceção de Annie e Seb, todos estavam interagindo muitíssimo bem. Conversavam animados, sobre os assuntos mais interessantes e os mais idiotas também.

- Ei, eu já disse que to com fome? – reclamou David, como se já houvesse repitido a frase milhares de vezes.

- Já, Dave, mas como você costuma dizer isso a cada dez minutos, não achamos que era sério. – disse Pierre, displicente.

- Mas eu to com fome e eu quero comer. Dá pra ser ou ta difícil?

- Vamos ent... – dizia Seb, antes de ser interrompido pela namorada.

- Na verdade, eu preferia dar mais uma olhada na vitrine da Coucci, tem umas roupinhas lindas lá. Só mais uns dez minutos e você já come, David.

- Dez minutos nada. – ele protestou, indo na direção contraria as lojas, à placa de alimentação. – Eu vou comer, quem quiser me siga, quem não quiser, fica olhando vitrines com você!

Todos ali se entreolharam, como se analisassem cuidadosamente cada uma das duas alternativas.

Eles olharam para Annie, que tinha um sorriso – que Ju julgaria nojentinho demais – no rosto, e depois voltaram a encarar David.

- Pensando bem. – começou Tony. – Eu também estou com fome!

- Grande Tony! – concordou Pierre. – Eu também... Vou com o David, a gente encontra vocês depois.

Eles não tiveram tempo de dar um passo, antes que todos os outros, com exceção de Ju, dessem a mesma desculpa, fingindo morrerem de fome.

Ela, contudo, se limitou a observar a expressão de Seb, que não era das melhores. Ele tinha a sobrancelha curvada, como se implorasse por alguma coisa, e sua mão direita tentava desesperadamente se separar da de Annie.

Ju finalmente encontrou o olhar do rapaz. Os seus olhos pareciam mais azuis do que nunca, dando a Ju a certeza de que ele não queria ficar sozinho com Annie. Por mais estranho que aquilo parecesse pra ela, ele não queria ficar a sós com a namorada.

Ju se permitiu mergulhar no azul daqueles olhos tão... Lindos? Talvez, mas em geral ela se sentia hipnotizada demais por ele, para chegar a uma conclusão. Por que os olhos dele têm esse efeito sobre mim? Por que olho pra ele e sinto meus pés fora do chão?

Era como se fosse um pedido para que não o deixassem sozinho com ela, um pedido que os amigos não demoraram a ignorar ou simplesmente não perceber.

A questão era: como ajuda-lo?

Ela olhou para o sorvete que tomava e uma idéia lhe ocorreu.

- Bom, eu também vou comer. – ela disse, indo em direção ao amigos, mas fingindo um desequilíbrio.

Todos olharam preocupados para ela, fazendo-a perceber que ninguém havia notado que estava apenas atuando.

- Ai, meu tênis está desamarrado. – ela disse, se ajoelhando sobre o pé direito, antes que pudessem ver que era mentira. – Seb, segura o sorvete pra mim.

O rapaz, que agora estava a frente da menina, desenlaçou a mão da namorada para pegar o sorvete de Ju e ficou segurando o mesmo com as duas mãos.

Ela rapidamente desamarrou e tornou a amarrar o tênis e, quando levantou, bateu propositalmente nas mãos de Seb, fazendo o copo de sorvete virar e sujar toda a blusa do rapaz.

- Ai! Desculpa, eu juro que foi sem querer. – disse no seu melhor tom de arrependimento, enquanto piscava diretamente para o rapaz, antes mesmo que ele tivesse tempo de se enfurecer. – Vá correndo no banheiro e lava isso pra não manchar!

Ele apenas se limitou a encará-la, sacando a intenção dela, mas não acreditando que ela o estava ajudando.

Um pequeno sorriso formou-se em seus lábios e Ju teve a impressão de, junto ao sorriso, ter visto aqueles olhos azuis brilharem pra ela por um rápido instante.

- Claro... Eu... Eu vou lavar... – ele disse, ainda meio confuso, enquanto se virava para Annie. – Amor, fica ai olhando suas vitrines, ta? Eu vou lavar isso e já volto.

A ruiva suspirou derrotada, mas não deixou de lançar um olhar mortal a Ju. A morena apenas sorriu travessa, se pondo ao lado de Karol e seguindo com ela, Tony e os outros à área de alimentação.