Sufocada.

Era essa a melhor palavra para me descrever naquele instante. Talvez não estaria tão ruim se Ashley tivesse agarrado-me pela garganta e me tirado do chão. Mas isto... bom, isto é quase inaceitável.

Alucinógenos.

Até mesmo a pronúncia das sílabas me soa como algo absurdo e fora de nexo. Associá-las com Ashley então me parece absurdamente errado. Tão errado quanto o próprio Evans que aqui habita.

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Ou pelo menos habitava há duas horas.

Não seja boba Erin, a única a deixar de habitar este chalé será você, e logo, para o bem da sua segurança e sanidade.

Me joguei na cama e respirei fundo. Controle. Eu precisava manter o controle. Isso basicamente me dizia que era para eu deixar de pensar no quanto Ashley estava jogando sua vida pela janela e ir até meu roupeiro para pôr todas as minhas roupas dentro de uma mala e mendigar um sofá qualquer no chalé dos meus amigos.

E o que você dirá a eles Erin? Oi, descobri que meu parceiro de teto é um grande viciado em drogas, posso usar o seu sofá por um tempo? Claro, meu irmão com certeza entenderia isso e de modo algum partiria para a grosseria... ou pior, violência.

Não que ele tivesse algo a ver com Evans e suas drogas.

Fecho os meus olhos e é inevitável reviver os minutos anteriores, me ver como expectadora do momento em que me coloquei a arrumar a bagunça que Ashley havia feito em nossa cozinha. Estava tudo aparentemente bem, até eu achar o envelope amarelo no qual não tive oportunidade de abrir e ao lado dele, aquela maldita seringa.

Sinto um calafrio na espinha apenas com a lembrança.

Eu havia sido estupidamente grosseira com Evans. Havia lhe tocado em suas feridas sem nem sequer imaginar a dor que ele deveria sentir em seu corpo naquele momento. A única coisa que me fez seguir com a mesma firmeza era a ideia de que ele merecia aquela dor. Pessoas como Evans merecem aquilo...

Mas eu havia deixado de pensar deste modo há uma hora, quando por trás de seus olhos dourados vi a culpa e desespero acenarem para mim em um pedido de ajuda. Um pedido pelo qual nada eu poderia fazer. Não que eu estivesse me recusando a ajudá-lo, claro que não, mas Deus, eu sou apenas a Erin, não tenho superpoderes nem experiência psicóloga ou qualquer coisa do tipo que me faça capaz de entrar na cabeça de Ash e lhe tirar o vicio. O máximo que eu podia fazer para contribuir, era afastar-me e deixar que ele lutasse contra as suas próprias guerras, sem que eu estivesse lá para atrapalhar.

Mas e o resto? Quero dizer, todo o resto.

Nosso serviço, nosso chalé, e qualquer outra coisa que compartilhamos? Ashley me expulsaria? Não, não acho que ele faria isso. Mas ele não estava aqui no chalé neste momento. E já havia passado uma hora do nosso horário de serviço. Ele havia começado sem mim? Eu devia deixá-lo sozinho?

Suspirei. Não, eu não devia. Tínhamos que esclarecer todos os assuntos que haviam ficado em pendente e talvez eu devesse me desculpar. Era uma questão de ética, não remorso.

Sai do chalé em direção à recepção e reparei que uma briza mais fria circulava pelos ares do local. Em uma semana neste lugar, eu já havia aprendido que isto era sinal de chuva. Não que algum turista ligasse realmente para isso, pois era fácil notar nas suas roupas de banho que a maior parte deles seguiam para as praias.

A sra. Fell já estava de frente para seu computador quando entrei na recepção, e ao seu lado a garota ruiva, na qual Danny e meu irmão passaram a se referir como a 'secretária gostosa', conversava com um dos hóspedes e fazia anotações em um caderno.

Aproximei-me e os olhos da senhora Fell se levantaram na altura dos meus, e seu sorriso cansado e um tanto trêmulo para quem está acostumado a sempre vê-la radiante, se abriu para mim.

— Erin, bom dia. Como está? – Perguntou variando o olhar entre meus olhos e a tela do computador.

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O que diabos eu deveria dizer a ela? 'Estou ótima, obrigada. E o seu sobrinho se drogando muito por ai?' Não, com certeza não. Pensei cuidadosamente em cada palavra, mas quando tentei emitir qualquer som, apenas um suspiro saiu dos meus lábios. A senhora Fell deixou sua atenção sair completamente da tela do computador e seus olhos me avaliaram. Seu sorriso dessa vez era natural, curto e cheio de pesares, mas, ainda assim, era um sorriso digno daquela mulher.

— Você está aflita querida, é sobre meu sobrinho, certo? – Eu pisquei. Evans havia falado com ela? Será que ela na verdade já sabia sobre os problemas dele? Por que diabos ela me colocaria no mesmo chalé que um cara dependente de narcóticos?

— Bom, sim. – Confessei. – Ele conversou com a senhora? – Ela me lançou um sorriso triste.

— Na verdade ele não falou nada, mas deixou o chalé há quase uma hora e as expressões dele estavam bastante desoladas. Achei que era algum problema no centro, mas vejo no seu rosto que os problemas na verdade estavam bem aqui. Algo grave, querida? – Sim, com certeza. Mas não tive coragem de lhe falar a verdade.

— Não... – Dei um meio sorriso – Nós só... acordamos com o pé esquerdo. Diga a ele para vir falar comigo quando chegar, acho melhor esclarecermos logo isso. – E ao contrário do que parece, eu não estava nada confiante em dizer esta última frase.

— Tudo bem, eu o aviso. Pode tirar o dia de folga, já que Ashley não está para ajudar. Peço para os empregados cobrirem os postos de vocês. – Concordei e com um aceno rápido dei as costas aquela mulher. Ela parecia saber que eu estava mentindo... – Seja paciente com meu sobrinho Erin, sei que pode parecer difícil as vezes, mas Ashley precisa de pessoas ao seu redor. Pessoas que o mantenham nos eixos. – Na verdade, ela parecia saber muito mais do que eu.

**

— Então vocês simplesmente se desentenderam, sem ter motivos? – Megan perguntou com sua voz esganiçada. Ela havia me arrastado até seu chalé, e agora ela e Noah me exigiam explicações do porquê não me viram trabalhar o dia todo e nem mesmo meu colega de teto.

Claro que quando eu disse 'nós só discutimos hoje de manhã e ele saiu' não consegui convencer nem mesmo a Noah, o que em outras palavras significava que Megan parecia muito mais longe de acreditar naquilo.

O ruivo estava sentado no sofá, com os joelhos entreabertos e os cotovelos apoiados na perna, arqueando suas costas para poder apoiar o queixo nas mãos grandes. Megan estava sentada ao seu lado totalmente relaxada no encosto do sofá, com os braços entrelaçados na frente do peito e as pernas cruzadas. Uma expressão superior para tentar me intimidar e me fazer contar a verdade.

— Exatamente isso. – Repeti, mesmo sabendo que ainda não soava confiável o suficiente. Era o melhor que eu podia fazer. – Acho que só estamos em um dia ruim. Só isso. – Ela serrou os olhos e seu noivo soltou uma risada abafada me lançando um olhar que dizia 'palavras erradas, pequena Erin'... e eu sabia que eram. Dias ruins não começam do nada.

— E por que exatamente hoje é um dia ruim para vocês? – Ela perguntou desconfiada e eu respirei fundo. Estava deitada sobre o tapete floral tendo um ângulo estranho para olhar meus amigos, mas mesmo assim, seus rostos emitiam a mesma expressão de cumplicidade quando trocaram um olhar curto demais para preencher todos os milésimos de um segundo.

Eu pensei. Talvez isso tenha me entregado um pouco, mas não é como se eu andasse com um kit de mentiras a disposição no meu cérebro. Tudo que me veio em mente - e que me parecia uma desculpa boa o suficiente para dar a Meg - era algo que eu não falaria a menos que realmente precisasse inventar para me salvar de uma situação como estas. Ou salvar Ashley, já que no meu ponto de vista, ele parece o maior envolvido nesta história.

— Briguei com o Gabriel. – Mordi o lado de dentro da bochecha, porque uma vez Megan me contou que sempre que estou chateada com meu namorado e tenho que falar com ou sobre ele eu faço isso. Ela diz que esta é a minha forma de não perder o controle e sair gritando ou cair em lágrimas. Acho um exagero na verdade, é apenas um hábito estranho, nada demais.

— E por isso você tem que descontar no Ashley? – Noah dessa vez foi quem questionou. Eu podia ver no fundo de seus olhos que na verdade ele estava se divertindo com aquilo. Noah sabia o quanto eu era uma péssima mentirosa e agora estava me torturando a criar mais mentiras até eu cansar do maldito joguinho e falar a verdade.

— Não descontei no Evans! – Disse rápido. Rápido o suficiente para entregar minha culpa. Não por descontar minha briga com Gabriel em Ashley, até porque faz quase vinte e quatro horas que eu não falo com meu namorado, então tecnicamente não existe uma briga, mas me sentindo culpada por ter agido com Ashley de maneira tão estúpida quanto eu agi. Senti meu rosto corar e então tentei consertar as coisas. – Como disse, só estávamos de mau humor.

— Certo... – Megan disse em um suspiro derrotado por saber que eu não mudaria minha história tão cedo. – Por que você e o seu exemplo de namorado estão brigados? – Perfeito. Mais uma mentira a ser formulada. Gabriel está longe de ser um exemplo de namorado nos conceitos de Megan, e eu sabia que inventar mentiras sobre ele, para proteger o segredo do meu colega de chalé, não seria algo que melhoraria sua imagem, mas não era como se eu tivesse uma segunda opção. Dedurar Ashley não era uma possibilidade, eu tinha princípios acima de tudo.

— Ele vai visitar os pais nesse final de semana e queria que eu estivesse em Miami para vê-lo. – Dei de ombros e outra vez mordi a parte interna de minha bochecha. – Disse que não podia simplesmente abandonar a viagem e voltar para vê-lo, falei que você ficaria chateada comigo e ele acabou se irritando por eu me preocupar mais com o relacionamento entre nós duas do que com nosso namoro. – Terminei desviando meus olhos e soltando um suspiro, imaginando que eu provavelmente faria isso caso fosse de fato verdade toda essa história.

Megan me estudou por longos segundos, quase se podia ouvir as engrenagens em sua mente rodando em busca de uma falha em minha história. Ela não encontraria. Noah talvez, mas Megan deixaria seus sentimentos de raiva por Gabriel e emoção por eu ter preferido ela ao invés de Gabriel entrarem em conflito. Um conflito grande o suficiente para ela deixar passar o fato de que na minha pequena história eu havia relatado que joguei minha única oportunidade de sair desse grande inferno terrestre voar pela janela. Algo que não aconteceria tão fácil.

Noah, no entanto, parecia muito mais consciente da minha mentira que sua noiva. Sua expressão debochada havia sido substituída por outa mais séria e de feições curiosas. Não que eu esperasse outra reação, sou Erin Hagen Samcler uma péssima mentirosa. Não inventaria uma mentira como essa e cuidaria para mantê-la, a menos que realmente precisasse fazer.

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Limpei a garganta e me levantei do chão. Precisava sair daquele lugar antes que o ruivo passasse a me interrogar de todas as maneiras possível até eu cometer um deslize e deixar que minha mentira fosse pelo ralo.

— Eu tenho que ir. – Disse acenando para os meus amigos. – Vou tentar falar com Ashley e... resolver algumas coisas. – Megan se levantou e então pulou em minha direção passando seus braços ao meu redor.

— Você sabe que pode confiar em mim certo? – Sussurrou e eu engoli em seco. Talvez eu estivesse tão errada em relação a Megan não reconhecer minhas mentiras quanto a senhora Fell não saber sobre os segredos dos sobrinhos.

Eu era uma tola. Melhores amigas sempre reconheceriam uma mentira.

— Confio em você Megan. Mais do que deveria. – Disse me afastando e sorrindo. Não importa se eu confiava ou não em Megan, os segredos não eram meus, então a confiança também não devia ser minha. – Estou indo antes que escureça e o meu vizinho boliviano maluco resolva me fazer companhia. – Megan sorriu e Noah foi até a porta liberando minha passagem com um gesto exageradamente cordial que fez tanto a mim quanto sua noiva gargalharem.

Despedi-me uma segunda vez e rumei para o chalé.

O tempo estava começando a tornar-se chuvoso, e as nuvens cinzas tornavam-se barreiras contra os raios de sol. Não que existisse muitos nesse horário, mas qualquer claridade se tornava bem-vinda em meio a tantos estranhos que não falam direito meu idioma.

A passos rápidos cheguei quase imediatamente no chalé com entalhes marinhos, minha mão roçou a maçaneta por vários segundos, mas fui incapaz de realmente tocá-la.

E se Ashley estivesse lá? O que falaríamos, ou como começaríamos a conversar? Eu havia passado a tarde ensaiando um discurso diplomático sobre Evans, e o que ele está fazendo com sua vida, um discurso que terminaria comigo e minhas malas fora daquele chalé. Eu estava confiante enquanto me dirigia ao espelho do banheiro. E no entanto, agora me sinto incapaz de simplesmente respirar ao lado de Ashley, falar me parece algo impossível.

Observo por tanto tempo aquela porta, que o fato dela estar abrindo sozinha não me surpreende. Pelo menos não mais do que o rosto pálido com hematomas roxos disposto do outro lado.

Eu era definitivamente incapaz de enfrentar Ashley Evans. Estava comprovado.

Ashley abriu mais a porta sem desviar seus olhos dos meus e sem retirar seu corpo que bloqueava minha passagem. O corte em seu rosto estava mais suave agora, e ele já não se vestia da mesma forma como o vi na última vez. Seu lábio ainda apresentava um leve inchaço e o dourado de seus olhos estavam ofuscados por algo mais intenso.

Incapaz de dizer qualquer coisa, deixei que minhas mãos caíssem ao lado do meu corpo e meus olhos desceram para o chão. Eu daria meus rins para poder evitar este confronto visual.

Ouvi a respiração sonora de Ashley e meus olhos levantaram a tempo de ver seu peito inflando sob a camiseta cinza com colarinho V. Seus pés descalços se afastaram lentamente da porta e sem perder nem um segundo, observei Ashley me dar as costas e ir para o sofá da sala onde sua atenção voltou a ser completamente da televisão sem som.

A passos hesitantes entrei no chalé. Eu tinha mesmo que passar por isso? E se eu simplesmente tivesse ignorado o fato do meu colega de teto ser um drogado? Não, não daria certo. Eu não conseguiria simplesmente dormir e imaginar as mil coisas diferentes que Evans poderia fazer em seu quarto.

Desacelerei meus passos quando estava passando por trás do sofá. Metade da minha atenção foi parar em Ashley, que apesar de estar de frente para uma televisão muda, eu podia nitidamente perceber que era para o chão que ele olhava com sua cabeça inclinada para baixo e os cotovelos apoiados sobre as pernas. Outra parte da minha atenção parou na mesa de centro, para ser mais exata no mesmo envelope amarelo que eu havia visto hoje cedo, aquele que por muito pouco não violei e que agora me arrependo por não ter olhado.

Qual era seu conteúdo? Qual o direito que eu tinha de saber?

Vamos lá Erin, vá para o seu quarto e fique lá! Não se meta mais aonde não deve.

Suspirei e optei por seguir meu próprio conselho deixando Ashley sozinho na sala. Encostei a porta de leve e meus olhos vagaram por todos os cantos, eu definitivamente não sabia o que fazer em uma situação como essas. Ou melhor, eu sabia, mas como?

Eu acima de tudo precisava falar com Ashley, mas dizer o que? "Pare de se drogar por favor?" Ele com certeza me escutaria. Eu também não podia esperar que ele viesse falar comigo, não depois do modo como o tratei hoje cedo. Mas o que faríamos agora? Nos ignoraríamos do mesmo modo que havíamos acabado de fazer? Isso não me parecia a melhor maneira de se lidar com a situação.

Meus pensamentos saíram de linha quando no meu bolso o vibrar familiar do celular começou a aumentar junto com o toque de Gabriel. Uma distração, era exatamente isto que eu precisava.

Tirei o celular do bolso e deslizei meu dedo pela tela enquanto caminhava em direção a janela de vidros fechados. A chuva havia engrossado e agora relâmpagos acendiam o céu com cortes assustadores em meio a escuridão. Levei o celular até meu ouvido e pela primeira vez neste dia me senti completamente confortável em conversar com alguém.

— Alô. – Disse com a voz abafada por um trovão, ouve um chiado na linha e logo depois a voz agradável de Gabriel se pronunciou.

— Ah, então você ainda está viva? – Ele mantinha a acusação leve em um tom de brincadeira, mas mesmo assim não deixava de ser uma acusação. Eu deveria ter ligado para Gabriel ontem à noite, mas essa foi uma das únicas coisas que não vieram em minha mente no dia anterior. Eu não estava me saindo a melhor namorada dos últimos tempos, mas havia um Evans desolado em minha cozinha, então esquecer de ligar para Gabriel era algo justificável. Não que eu fosse dizer isso a ele. – É emocionante descobrir que minha namora anda esquecendo de me ligar... E por favor, diga que aconteceu algo muito importante por aí a ponto de você me deixar esperando sua ligação por uma hora inteira, Erin, estou atingindo um nível extremo de carência, você não pode simplesmente me esquecer. – Eu gargalhei com o modo teatral que ele falava e ainda ri mais com sua risada no fim da frase, Gabriel não levava aquilo a sério, mesmo que de certa forma, aquela era basicamente a verdade.

— Não esqueci de você. – Falei. – Megan me levou as compras e eu cheguei extremamente cansada, simplesmente apaguei. – Ouvi uma risada abafada – Então, como anda a sua vida de universitário?

— Uma droga cansativa. – Ele reclamou. – Você acredita que meu professor de microbiologia avançada me descontou um ponto do trabalho porque errei a droga do sobrenome alemão de quinze sílabas dele? – Eu gargalhei, era algo típico de Gabriel deixar esse tipo de detalhe passar despercebido. – E a senhora Jakson que mora um andar acima do meu instalou um home theater no apartamento dela... desconfio que agora eu e a outra metade do prédio já estamos virando o tipo de expert em cookies e Brownies, por causa do maldito volume do programa de culinárias dela.

Gabriel preencheu meus pensamentos por longos minutos. Falamos sobre tudo, claro que eu tive que editar algumas partes do meu tudo, mas, ainda assim, me sentia feliz por ter algo bom o bastante para preencher minha mente. Mas todas as vezes que um assunto se encerrava e fazíamos silencio, um ruido em outro cômodo do chalé trazia a tona todos os pensamentos no qual estava tentando manter afastados.

— Erin tem certeza que está tudo bem? – Ouvi a voz de Gabriel e não tive certeza se era exatamente a primeira vez que ele tentava falar comigo. Estava ocupada demais ouvindo os passos do meu colega de teto caminhado o corredor e parando próximo a minha porta. Por vários segundos esperei que ele rodasse minha maçaneta, mas não aconteceu. Tudo o que pude ouvir foram as dobradiças da porta em frente à minha rangerem quando Ashley se fechou em seu quarto.

— Sim... – Disse baixo. Estava mesmo tudo bem? Eu havia mentido para meu namorado, para minha melhor amiga e para seu noivo, isso não me parecia nada bem. E no entanto, me sentia incapaz de evitar tantas mentiras, de falar pelo menos um pouco da verdade para meu namorado, falar sobre como estou passando minhas férias com um cara psicologicamente questionável e com picos de humor bastante distintos.

Isto não era certo, não deveria acontecer.

Então finalmente me dei conta de que era hora de agir. Se eu me sentia incapaz de abrir um diálogo com Ashley, pularia logo para a segunda etapa. Aquela onde faço minhas malas e saio a procura de um lugar onde dormir. Assim, deixando Ashley sozinho com seus problemas e dando um jeito de também diminuir os meus. Sem Ashley por perto, as coisas me pareciam simplesmente mais certas.

— Gabriel, preciso tomar um banho e arrumar alguma coisa para comer. Prometo te ligar amanhã sem falta... – E antes mesmo que ele pudesse responder, desliguei o celular e saí da frente da janela. Não havia tempo, tinha que fazer minhas malas e sair enquanto Ashley ainda estava trancado em seu quarto. Talvez eu lhe deixasse um recado, ou quem sabe falaria com ele amanhã, caso nos encontremos por aí. Duvidava que a senhora Fell continuasse nos obrigando a trabalhar juntos depois disso. Talvez eu possa trocar de lugar com Danny, aposto que ele adoraria se mudar para um chalé de luxo.

Puxo minha mala escondida em baixo da cama e pela primeira vez no dia vejo o felino de Daniel. Listrado reclama quando puxo uma das malas que agora lhe servia de cama e como protesto se deita sobre meu colchão. Meu ex-colchão.

Pergunto-me porque diabos eu havia trazido três malas tão grandes para esse lugar e decido que o mais esperto nesse instante seria fazer apenas uma delas e deixar as outras para amanhã, ou quem sabe outro dia.

Sem nem mesmo dobrar, jogo as roupas de dentro do roupeiro direto para a mala e alguns dos itens mais importantes da penteadeira também.

Estou pronta. Estou decidida. Vou esquecer esta primeira semana de férias e vou começar outra vez, desta vez do modo certo. Sem Ashley ou coisas potencialmente perigosas para a minha saúde. Pela primeira vez nesta semana eu me sentia segura e no entanto, nunca havia me sentido mais assustada.

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Fecho o zíper da mala e coloco suas rodas no chão. Assim que abro a porta Listrado sai em rumo a cozinha como um borrão faminto. Tenho certeza de que Ashley poderia cuidar das necessidades do felino por apenas um dia. Era muito provável que eu perdesse ele no meio do caminho se me arriscasse a levá-lo em minha fuga em meio a um temporal.

Meus olhos travam por alguns segundos na porta em frente. Meu coração acelera, parte diz que eu deveria me despedir, outra grita para que eu saia de fininho como uma covarde. E bom... é exatamente isso que faço. Arrasto a mala comigo durante o extenso corredor e meus passos são acompanhados pelo meu ritmo cardíaco, quanto mais acelero meu passo, mais sangue é bombeado em meu corpo.

O corredor termina. Estou a apenas alguns poucos metros da porta, basta seguir em frente e então estarei livre. Nada pode me impedir. Nada além de um som.

Um clique baixo, e um ruido seco de dobradiças, meus passos diminuem, mas dessa vez meu coração está muito rápido. Fui pega. Fui pega em flagrante em um ato covarde. Ashley agora sabe que eu estava fugindo, não dele, mas de uma conversa que nenhum de nós dois parecia querer ter.

Sinto meu rosto corar, porque de certa forma isto é humilhante. Não importa se ele é o único errado nesta história, porque era eu a idiota que estava fugindo.

— O que você está fazendo? – A voz ele é rouca e distante, mas chega em meus ouvidos sem dificuldade alguma. Para falar a verdade ela ecoa algumas vezes em meu cérebro. Então não era óbvio o que eu estava fazendo? Não era óbvio que eu estava saindo de fininho e deixando Ashley ali, sem nem sequer me despedir?

Ouço os pés dele descalços no chão frio, e pouco a pouco eles se aproximam. Ele desacelera perto das minhas costas e tenho a impressão de que ele tocara meu ombro, mas ao invés disso seu corpo contorna o meu e seus olhos se focam eu meu rosto. Sou obrigada a encarar meus pés.

— Estou indo embora. – Disse da forma mais automática que podia dizer aquelas palavras. Não tinha emoção, porque naquele momento eu já havia bloqueado todas. Não tinha culpa nem pesar, era como falar sobre o tempo.

Ashley ficou em silencio e tive vontade de contornar seu corpo e seguir em frente, mas quando tentei fazer isso ele me impediu.

— Você não pode sair. – Ele diz tão sério que soa como uma ordem. Dessa vez olho séria em direção a seus olhos dourados e ele se encolhe entre os ombros, como se também tivesse notado seu tom abusivo. – Está chovendo e você não está vestindo roupas quentes. Está tarde e seu irmão viria aqui para me matar se encontrasse você nesse estado e com uma mala pedindo abrigo. – Não pude deixar de abrir um meio sorriso. Duvidava que Oliver fosse mesmo se preocupar o suficiente para vir até aqui e xingar Ashley, pelo menos não durante o temporal. Meu irmão era o tipo de pessoa que preferia odiar a distância. Um tipo de ódio platônico, se é que me entende.

— Vai ficar tudo bem. – Disse com o sorriso mais amigável que eu podia lhe dar naquele momento. – Boa noite, Ash. – Então contornei seu corpo até ouvir o curto e desafiador sussurro de Evans.

— Não! – E antes que eu pudesse reagir a mão de Ashley segurou um dos lados da alça da mala, fazendo suas rodas saírem do chão por breves instantes e meu braço solavancar para trás de meu corpo, fazendo-me imediatamente parar onde eu estava.

Esta não era uma boa hora para as trocas de humor repentinas de Evans.

Me virei em sua direção e Ashley avançou dois passos enquanto eu retrocedia o mesmo número sentindo meu calcanhar direito bater contra a porta. Antes que meus dedos encostassem na maçaneta a mão grande de Evans a cobriu. Seu olhos se mantinham no mesmo tom. E no entanto sua expressão parecia mais dura. Nada de autoconfiança ou aquele ar de problemas. Era algo mais real, como se pela primeira vez eu estivesse olhando para alguém que por muito tempo só via a máscara.

— O-oi? – Gaguejei nervosa. Eu não achava exatamente agradável conhecer aquele lado de Ashley, não naquele momento. Nem em qualquer outro, para ser mais exata.

— Fique. – Ele sussurrou, como se junto com a palavra uma facada lhe fosse enfiada entre o peito. Como se a palavra lhe doesse para sair. – Eu preciso de ajuda, Erin. E no momento, você é a única pessoa que pode me ajudar. Se você estiver longe, então não resta ninguém.

— Eu não sei do que você está falando Ashley. – Falei entregando meu nervosismo. – Você tem seus primos e sua tia. Eu mal conheço você. Não há nada que eu possa fazer para ajudar. – Ele me olhou profundamente por diversos segundos. Se eu ainda fosse uma garota do colegial, teria fechado os olhos e feito biquinho para que Ashley me beijasse. No entanto soltei um suspiro de alívio quando ele não o fez. Ao invés disso, Ashley apoiou sua testa em meu ombro e soltou um suspiro ruidoso antes de levantá-la novamente.

— É exatamente por isso, Erin. Não me conhecer é uma vantagem, vamos sentir menos quando precisarmos nos afastar. – Não posso dizer que entendi, porque estava absolutamente inerte ao assunto de Ashley. Sua aproximação, seus olhos, seu cheiro. Eu podia ser comprometida, mas ainda me restava reconhecimento. E sem dúvidas eu podia reconhecer o quanto Ashley parecia desejável em diversos pontos errados de ser.

Ele se afastou de mim lentamente até me dar as costas e ir livremente arrastando minha mala pelo corredor. Eu relaxei. Relaxei por quatro longos segundos antes de abrir a porta e abandonar o chalé.