Problem Temptation

Body Fluids


Talvez ter forçado Ashley a comer aquele prato de sopa tenha sido precipitado demais, eu deveria tê-lo ouvido ao invés disso, mas era tarde demais. Muito tarde...

Liguei para Noah na esperança de descobrir alguma comida apropriada para alguém que aparentemente estava a ponto de colocar as tripas para fora e descobri que a única coisa que poderia ser feita – a tradicional e clichê sopa – exigia de mim um nível mais elevado em matéria de experiência em cozinha, mesmo que a atividade consistisse apenas em cortar alguns legumes – que, aliás, alguns minutos depois de olhar na geladeira e despensa do chalé eu descobri estarem escassos (na verdade, não tínhamos nada além de frango e água) – e colocá-los em uma panela de água fervente. Então depois de poucos minutos tentando convencer o noivo da minha melhor amiga a vir ao chalé e preparar a bendita sopa para mim – não era preciso muito esforço para fazer Noah cozinhar, na verdade, a parte difícil era convencer Megan a deixá-lo vir ao chalé e "abandoná-la" por míseros quarenta minutos.

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Noah trouxe os ingredientes de seu chalé, e também os pratos e copos que eu havia pedido. Ele me perguntou o porquê das louças, mas eu me limitei a dizer que havíamos tido um pequeno problema com as nossas. Não era a melhor hora para dizer que a pessoa com quem eu dividia o teto era aparentemente um drogado, descontrolado emocionalmente que tem um senso de destruição alheia mais que apurado.

A sopa não demorou a ficar pronta. Queria poder dizer que ajudei em algo, mas, na verdade, tudo o que eu fiz foi observar Noah trabalhar duro picando, socando e descascando os ingredientes enquanto eu fazia um grande e belo trabalho em encher o tempo com meu absoluto silêncio. Sim, nem para distrai-lo com conversas eu servia. De qualquer forma ele não pareceu se incomodar com a minha total inutilidade e quando o cheiro que preencheu a cozinha fez meu estômago dar voltas ansiosas, decidi que estava completamente disposta a fazer o sacrifício de me juntar a Ashley na missão de dar um fim em toda aquela comida.

Noah foi embora logo em seguida. Não quis levar nem um pouco de sua própria comida, porque Megan havia lhe ordenado ir a uma pizzaria para uma noite romântica. Não questionei, sabia como minha melhor amiga era, e também sabia o quanto Noah era devoto em realizar qualquer desejo de sua noiva (ou apenas tinha medo do que poderia acontecer caso ele dissesse não. Megan não era exatamente o tipo carinhoso e paciente de ser humano).

Assim que ele saiu servi a sopa em dois pratos e me direcionei ao quarto de Ashley que permaneceu silencioso desde que chegamos. A porta estava entreaberta, e bastou que eu a empurrasse para que se abrisse por completo. Ashley estava deitado em sua cama, ainda com as mesmas roupas e mexia em seu celular.

—Se sente bem? – Perguntei baixo não só para saber sobre sua saúde, mas também para que ele notasse minha presença. Seus olhos se desviaram do celular e vieram até mim. Depois caíram nos pratos de sopa e outra vez voltaram para o celular.

Ele parecia terminar uma mensagem de texto e quando o fez largou o objeto sobe o peito. Ash estava menos pálido, mas seus lábios rachados e suas olheiras denunciavam que ainda havia algo de errado. Sua respiração não era mais tão curta e eu sabia disso porque a cada vez que ele inspirava o celular em seu peito se movia minimamente.

—Eu espero que os dois pratos sejam pra você. – Ele disse sem me olhar. Bufei e me aproximei mais, largando um dos pratos sobre o seu criado-mudo de madeira escura e me sentando em um canto de sua cama.

—Você tem que comer, Ashley. – Eu o repreendi. – Seus remédios são para daqui quarenta minutos e está expressamente dito na bula que não se pode ingeri-los de estômago vazio. – E então seus olhos dourados outra vez caíram sobre mim, agora com um vinco entre suas sobrancelhas, deixando-o com uma expressão confusa e levemente espantada, como se talvez eu houvesse lhe dito o maior absurdo.

—Você leu as bulas do meu remédio? – Não entendi o que era tão espantoso, mas, ainda assim, dei de ombros sem saber exatamente o que ele desejava ouvir. Em resposta ele deu um sorriso de canto e balançou a cabeça em negação. – Não acredito! Sete bilhões de pessoas no mundo e eu moro com uma garota que lê bulas de remédio. – Ele deu uma risada fraca, mas eu continuava sem entender o motivo do espanto. – Erin, ninguém lê bulas!

Isso não era verdade! Muitas pessoas liam bulas. Pelo menos as instruções de uso, certo?

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—Tanto faz Ashley, você ainda tem que comer. – Ele bufou incomodado.

—Não estou com fome. E acredite, você não vai gostar de me forçar a tomar esses remédios enquanto existir comida no meu estômago. – Ele sentou apoiando suas costas contra a cabeceira. Dizia aquilo de uma maneira que me fazia supor que os efeitos do remédio já eram conhecidos por ele. Ou então, queria apenas me convencer disso. – Eu já estou bem, juro. - o esboço de um sorriso apareceu em seus lábios, mas logo sumariam quando ele arfou.

—Ashley, não perguntei se você está com fome, eu disse: você tem que comer! – Me mantive firme, firme como mamãe falava comigo ou Oliver quando éramos menores (e até hoje em algumas ocasiões). Ashley me encarou com uma das sobrancelhas levemente arqueada e um sorriso diferente. Um que obviamente não era engraçado.

—E se eu disser que não? – Sua voz era fria e eu vacilei. Quando eu ou Oliver ouvíamos mamãe falar conosco da maneira como eu falei com Ashley, abaixávamos a cabeça e a obedecíamos sem questionar. Mas era óbvio que eu deixei passar o detalhe de que Ashley não era uma criança – bem, não em idade, e definitivamente também não em físico – e de que eu, graças aos céus, não era sua mãe.

Respirei fundo e fechei os olhos contando até três para restabelecer o controle e minha não tão extensa paciência.

Para um cara que me pediu ajuda há apenas um dia, Ashley parecia estupidamente cheio de si hoje.

—Faça como preferir... – Disse seca, jogando uma colher também no criado-mudo, que fez um barulho metálico circular pelo quarto. – Mas não peça ajuda outra vez, a não ser que esteja completamente disposto a recebê-la, Ashley. – Então lhe dei as costas antes de permitir que ele pensasse em uma resposta. Planejei sair marchando em passos firmes, determinados e cheio de dignidade, mas quando sua voz ressoou no quarto, questionei se isso seria mesmo possível.

—Droga Erin... – Ele reclamou baixo, mas eu fui perfeitamente capaz de escutá-lo. – Certo, eu como. – disse contrariado, me fazendo virar em sua direção para encará-lo enquanto ele pegava o prato e a colher em sua mesinha. – Será que você me daria a honra da sua adorável companhia, ou estou de castigo em relação a isso também? – A pergunta foi irônica, é claro. Ele estava tirando sarro da situação e isso era quase o suficiente para me fazer ir embora e deixá-lo comendo sozinho, mas, ainda assim, seus olhos denunciavam que o convite era sincero. Até que ponto seus olhos trairiam suas expressões frias e calculistas eu não sabia, mas sabia que naquele momento ele não queria comer sozinho e eu ainda tinha um segundo prato de sopa nas mãos. E estava com fome, o que não ajudava na hora de tomar decisões.

Jantamos a sopa de Noah em quase absoluto silêncio, a não ser por uma única vez quando Ashley questionou minha capacidade de cozinhar, lembrando-se de que no primeiro dia em que trabalhamos juntos eu havia confessado a ele que não fazia nada além de macarrão muito queimado ou muito cru e aquela sopa era definitivamente boa demais para alguém com uma capacidade culinária tão limitada quanto a minha.

Quando terminamos eu levei os pratos até a cozinha e voltei minutos depois com os dois compridos coloridos que Ashley deveria tomar. Ele me olhou irritado e bufou quando eu retribui o mesmo olhar. Pegou os dois comprimidos na minha mão direita e o copo de água na outra e os empurrou pela garganta.

Eu permaneci lá, encarando-o mesmo depois de ter certeza que os remédios não estavam mais em sua boca. Ele me fitou de volta por vários segundos antes de sorrir. Estava ficando casada de seus sorrisos irônicos.

—Não vai me dizer que vou ter que abrir a boca pra você conferir se eu engoli... – A ideia era válida e eu até poderia considerá-la, mas não via o porquê. Ashley não parecia o tipo de pessoa que escondia os remédios embaixo da língua. Ele havia se mostrado perfeitamente capaz de dizer que não os tomaria se não desejasse tomá-los.

Mas, ainda assim, talvez devido a minha demora para respondê-lo, Ashley abriu a boca o suficiente para que eu visse que não havia nenhuma cápsula esperando para ser cuspida assim que eu desse as costas. Revirei os olhos rindo e ele fechou a boca outra vez. Pelo menos seu senso de humor havia melhorado.

—Ashley...? – O chamei baixo deixando que meu sorriso sumisse assim como o dele. Lentamente. Evans me encarou com as sobrancelhas erguidas e uma linha fina fechando sua boca, esperando o que viria a seguir. – o que você tem? – Procurei parecer casual e indiferente, como se a resposta realmente não fizesse diferença para mim, pois era visível que todos naquele lugar faziam sigilo sobre o assunto, mas mesmo me sentido um pouco intrometida ao fazer aquela pergunta, ainda me achava com certo direito de saber o que a pessoa da qual eu estava supostamente cuidando tinha. Ashley sorriu outra vez para mim, mas agora de maneira leve, despreocupada.

—Nada além de um estômago ruim, uma enxaqueca terrível e outros presentes divinos tão confortáveis quanto esses. – Ele deu de ombros. – Acho que posso sobreviver.

Então tudo aquilo de repente foi um alívio. Não que um estômago fraco e enxaqueca não fossem ruins o suficiente, mas como ele mesmo havia dito, poderia sobreviver.

Aquele curto momento foi sem duvidas a parte boa da longa noite que estava por vir. Eu já havia tomado banho e Ashley também, já estávamos deitados e eu já havia dedicado trinta e sete minutos do meu maravilhoso e merecido sono antes de dormir em uma ligação com Gabriel.

Tudo estava perfeitamente bem. Eu dormia como uma criancinha, e também supunha que meu colega de chalé fazia o mesmo.

Eu nunca estive tão errada.

Acordo-me sem saber direito o porquê. A escuridão me proíbe de ver qualquer coisa em meu quarto. Passo minha mão sobre a mesinha de cabeceira até sentir o formato conhecido do meu celular. Pego-o e olho as horas no visor. Ainda nem sequer são cinco da manhã.

Fecho meus olhos outra vez e me concentro em dormir novamente, se eu der sorte isso acontecerá rápido. Mas eu raramente posso tratar de sorte da mesma forma em que trato de minha vida. Meus olhos se abrem rápido ao identificarem um barulho estranho. Concentro-me mais. São gemidos. Gemidos sofríveis.

Pulo da cama o mais rápido que posso e saio do meu quarto na mesma velocidade. A porta de Ashley está escancarada e quando acendo a luz vejo que ele não está lá.

Droga, ele pode não estar ali, mas seus restos estomacais estão espalhados pelo chão.

Saio correndo pelo corredor até parar de frente a porta do banheiro, também aberta, e entro. Ashley está ali, posso ver sua silhueta no escuro abaixada de frente para a privada, e curvando-se de modo que possa apertar sua barriga. Reparo no solavanco de seu corpo e posso perceber que mais uma dose de seu jantar será colocado pra fora. Agradeço as luzes estarem apagadas me privando de maiores detalhes.

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—Ash... – O chamo baixo, mas ele está ocupado demais enfiando sua cabeça na privada para me ouvir. Cristo, o que eu farei.

Respiro fundo e acendo a luz. O cheiro de vômito parece intensificar-se agora que posso vê-lo. Ashley definitivamente não conseguiu chegar até a privada em tempo. Meu estômago se embrulha logo nos primeiros segundos e eu quase estou me juntando a Ashley, mas quando sua cabeça se ergue e seus olhos se fecham sem me encarar tudo o que sinto em meu estômago passa, literalmente tudo. Não resta nada além de um vazio. Passa pelo simples fato de que me preocupar com qualquer coisa além de Ashley naquele instante parecia supérfluo demais, desnecessário até.

Sua roupa está suja e outra vez as cores de seu rosto sumiram. Seu cabelo está desarrumado e sua respiração ofegante. Seus lábios estavam rachados e eu podia ver a camada de suor em seu corpo. Ashley estava horrível.

—Apague a luz. – Saiu rouco e baixo, quase ininteligível. E eu ainda não sabia o que fazer, por isso corri.

Corri para fora do banheiro e entrei em meu quarto pegando meu celular tão depressa quanto pude. Revirei a lista de contatos e liguei para Oliver o mais rápido que meus dedos e meus pensamentos turbulentos permitiram.

Atende Ollie... Atende, droga!

Voltei para o banheiro ainda segurando o celular em minha orelha. Ashley permanecia lá da mesma forma em que deixei. Vi seu corpo se contrair outra vez, mas sequer desvivei o olhar. Na verdade não fiz nada além de me aproximar mais, cuidando para não pisar em nada indevido, e me ajoelhar em seu lado.

A ligação caiu sem que Oliver me atendesse, tentei o número de Danny, sabia que ambos deveriam estar dormindo agora e só Deus sabe o quanto seria difícil acordá-los, mas não desisti.

Segurei uma das mãos de Ashley, mas assim que ele sentiu meu toque afastou sua mão de mim. Não insisti.

Seu corpo estava nitidamente fraco e só então notei que na verdade Ashley já não colocava mais nada para fora. Seu estômago se encontrava vazio, mas a necessidade de vomitar continuava lá. E continuou por algum tempo até o próprio Ashley dar-se conta de que não havia lhe restado mais nada para que pudesse despejar na privada.

Ele abaixou a tampa da privada e apoiou seus antebraços nela, criando um esconderijo para seu rosto.Ele estava envergonhado.Era por isso que desejava ter a luz apagada. Não queria que eu o visse desta maneira e eu lhe entendia perfeitamente. Eu desejaria o mesmo se estivéssemos em papéis invertidos.

Respeitando sua vontade me levantei e deslizei minha mão para o interruptor apagando a luz logo em seguida. Meus olhos levaram um tempo para se adaptar, mas a luz do corredor com a luz da rua que entrava pela pequena janela do banheiro eram suficientes para me fazer enxergar. Abaixei-me outra vez em seu lado e minha mão direita instintivamente foi até seus cabelos, acariciando-o. Ashley não reagiu.

Meu telefone começou a vibrar em minhas mãos e eu o atendi o mais depressa que pude quando identifiquei o número de Daniel no visor.

—Diga que é algo importante, pequena Erin, diga que não é nada menos que o apocalipse ou algo assim... – Sua voz era sonolenta, mas, ainda assim, brincalhona, Daniel sabia que eu não ligaria para ele a essa hora a menos que realmente tivesse algo importante para dizer.

—Preciso falar com Oliver. Pode chamá-lo? – Perguntei rápido e Daniel pareceu levar uns segundo para entender.

—Oliver não está... Ele achou uma asiática hoje de manhã e os dois marcaram um serviço extra no chalé dela esta noite... – Eu teria rido se isto não fosse tão estúpido. – Posso ajudar em alguma coisa? – Não acreditava nisso, mas, ainda assim, Daniel era minha última opção antes de ligar para o doutor Koester.

—É Ashley, ele está passando mal... Eu não sei o que eu faço. – Minha voz saiu quase histérica e Ashley gemeu. Tenho certeza de que se ele não estivesse tão fraco aquilo teria sido um “Eu estou ótimo, Erin”. Mas até mesmo para falar frases compridas Evans parecia incapacitado.

—Ok, eu não sou um perito, mas se ele está passando mal do tipo colocando as tripas para fora, empurre-o para baixo de um chuveiro. Se ele estiver com febre, use água fria. Não deixe ele dormir durante o banho. Não deixe ele dormir com roupas molhadas. – Eu levei alguns segundos para absorver tudo, e então corei. Corei com a ideia estranha do meu melhor amigo.

—Danny, não acho que ele esteja bem o suficiente para tomar um banho sozinho. Você... você não pode vir até aqui? – Ouvi sua risada sonolenta do outro lado da linha.

—Boa noite, pequena Erin. Boa sorte. – Então segundos suficiente passaram-se para eu pensar que ele já havia desligado, mas sua voz rouca rompeu outra vez. – Não vou falar nada a ninguém sobre você e meu primo, juntos, tomando um banho a essa hora, nem para Gabriel. Prometo. –Idiota.Tive vontade de dizer, mas era tarde demais, Danny já havia desligado.

Precisei juntar toda a minha força -psicológica e física – para levantar, equilibrar e convencer Ashley a ficar embaixo do chuveiro. Ele estava parado de costas para mim, suas mãos se apoiavam na parede em sua frente fazendo suas costas arquearem e sua cabeça estava baixa. Podíamos não estar no ambiente mais claro, no entanto ali ainda existia luz o suficiente para eu ver cada traço muito bem definido de Ashley.

Liguei o chuveiro na água fria, e assim que o primeiro jato de água entrou em contato com Evans ele sobressaltou-se, perdendo o equilíbrio. Aprecei-me em segurá-lo antes que fosse ao chão.

—O que está fazendo? – Perguntou quando lhe ofereci apoio e ele se aproveitou da nossa mínima diferença de altura – se é que existia mesmo alguma – para segurar-se em meus ombros da mesma maneira como fazia com a parede instantes antes. Tive que aguentar para que meus joelhos não dobrassem com o peso que Ashley depositava em mim.

Não demorou para que a água gelda passasse a me molhar tanto quanto a ele.

— Cuidando de você. – sussurrei fingindo ser algo óbvio, observando seus olhos se fecharem enquanto o peso da água fazia seu cabelo cair sobre a testa. Estava terrivelmente frio. Mas para Ashley terrivelmente poderia ser substituído por uma palavra ainda mais forte devido sua febre.

Sua musculatura inteira tremia e eu sentia, vez ou outra, suas mãos apartarem meus ombros devido a contração involuntária dos músculos à procura de calor. Era bom que Daniel estivesse certo sobre o efeito positivo de um banho frio, caso contrário seria ele o próximo a ficar em um estado deplorável.

—Você não tem que fazer isso. – Ele sussurrou com a respiração cortada devido ao frio. – você não tem que ver isso. – Disse referindo a si próprio. Eu sabia que na verdade não tinha obrigação nenhuma com a vida de Ashley, mas, ainda assim, tinha obrigações como ser humano, e cuidar de pessoas próximas a mim era uma delas. Pelo menos era isso o que eu repetia incessantemente em minha mente, para fazer com que eu continuasse ali com ele.

—Consegue levantar os braços? – Perguntei e ele me olhou por vários segundos antes de fechar seus olhos de vez e aos poucos se soltar de mim. Devagar subi sua camiseta branca de algodão com mangas curtas e colarinho aparentemente gasto pelo tempo que existia. Ashley me ajudou a tirar seu braços, um de cada vez para que não caísse, e quando finalmente o tecido não estava mais em seu corpo o larguei em um canto. Senti meu rosto esquentar quando encarei seu troco torneado e nú, eu estava despindo o Evans. Não importam as circunstâncias da situação, a ideia de estar despindo-o não era nem de longe confortável. Talvez vendo a forma como meu sangue magicamente foi parar em minhas bochechas ao jogar sua camiseta no chão, Ashley voltou para a posição anterior de costas para mim, como se talvez isso fosse me deixar menos envergonhada. Talvez ajudasse mesmo.

Meus olhos começaram a estudar suas costas, onde a água caia e escorria para o resto do corpo. Não tiraria sua calça de moletom e muito menos o que vinha depois dela. Eu tinha princípios acima de tudo. Ashley tossiu e logo depois largou da parde ficando reto em baixo do chuveiro.

—Nunca mais me obrigue a comer e tomar aqueles remédios... – Reclamou rouco. –Tenho que ficar aqui por quanto tempo? – Eu não fazia ideia, não havia perguntado para Daniel quanto tempo era necessário no banho, mas tenho certeza que apenas os três minutos que haviam se passado (uma aparente eternidade para ele e para mim) ainda não eram o suficiente.

—Só mais um pouco. – Respondi com cautela. Ashley cruzou os braços em frente ao peito para impedir o frio e eu pude ver os músculos de suas costas se contraírem. Os hematomas que haviam surgido nele durante o final de semana ainda estavam vivos por lá, não tão fortes quanto antes, mas visíveis o suficiente para que eu notasse mesmo com a pouca luz no ambiente e criasse teorias de como Ashley poderia tê-los arranjado.

Tive vontade de tocá-los. De ser capaz de curá-los de alguma forma mágica. Não importa como Ashley havia arrumado as marcas, tenho certeza de que ele não as merecia.

Logo mais acima, em seu ombro esquerdo as letras pequenas e garrafais se faziam visíveis, as estudei com atenção e só então tive consciência da minha mão em seu tronco. Soube disso porque quando direcionei meu dedos com leveza até sua tatuagem, Ashley contraiu-se novamente. Não tenho certeza se era o frio ou o incomodo de meu toque.

A região em que a pele dele era marcada pela tinta negra era tão lisa quanto toda a superfície de suas costas, e durante todos os instantes antes de constatar isso, imaginei que se talvez eu escorregasse meus dedos pelo comprimento dos traços, sentiria seu altorelevo.

—O que quer dizer? – Perguntei passando meu dedo por cima das letras. Eu queria saber o significado dela a tempo suficiente para ganhar um prêmio de autocontrole e ter perguntado apenas agora.

Ashley deu um passo para frente afastando suas costas do meu alcance e lentamente se virou em minha direção. O jato de água passou a cair entre nós ao invés de cair sobre ele e devido ao mesmo motivo eu pouco podia vê-lo.

Ouvi sua voz me responder. Ele falou exatamente o que estava escrito na sua pele como quem faz uma leitura. No entanto eu ainda permanecia na ignorância sem entender sequer uma palavra.

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Somos consequências dos nossos atos. -Explicou. – Em latim.

Eu queria perguntar mais, queria saber qual o real sentido da frase e o porquê de estar em latim, mas não acreditava que Ashley estava mesmo feliz e disposto a responder. Então me calei. Ashley deu um passo para frente. Um passo pequeno o suficiente para apenas voltar outra vez para debaixo da água fria. E eu no entanto permaneci imóvel, encarando-o. Seus olhos dourados estavam quase negros agora devido a pouca iluminação, seu rosto tinha traços duros, resquícios de um humor afetado e também de um orgulho ferido. Características que eu havia aprendido a reconhecer em pouco tempo de convivência com Ash.

—Acho que já está bom. – Sussurrei. Seja lá quanto tempo havíamos passado ali dentro daquele pequeno espaço, parecia um tempo longo e ao mesmo tempo curto o suficiente para me fazer desejar apenas mais um segundo.

Era um desejo ridículo. E ao mesmo tempo sua veracidade e intensidade me assustavam.

Desliguei o chuveiro e ambos saímos de dentro do box molhando completamente os tapetes do banheiro. Eu precisava ir até o quarto de Ashley buscar roupas para ele e também precisava das minhas. Mas caminhar molhada até os quartos enquanto deixo um rastro de água pelo piso artesanal não me parecia uma ideia das mais brilhante.

Mandei Ashley sentar-se na privada já que parte do chão do banheiro estava sujo de fluidos corporais nos quais nenhum de nós dois iríamos gostar de pisar. Peguei uma das toalhas brancas penduradas no suporte e passei-a pelas costas de Evans na tentativa de aquecê-lo pelo menos um pouco.

Pedi para que ele permanecesse naquele mesmo jeito até eu voltar e saí rumo aos quartos. Minha visão demorou a adaptar-se a toda aquela claridade, mas, mesmo assim, tentei não escorrer meus pés molhados no piso liso.

Fui até meu quarto primeiro e tirei rápido o pijama molhado. Usei uma de minhas toalhas limpas para tirar toda a água fria do meu corpo e enrolar meus cabelos. Vesti as primeiras peças de roupas que me apareceram e corri até o quarto de Ashley. Lá o cheiro nada agradável de comida rejeitada me atingiu.

O guarda-roupas da Ashley não era exatamente o que eu podia chamar de organizado, mas nem de longe era comparado a bagunça do guarda-roupas de Oliver no qual eu estava mais habituada.

Peguei a primeira calça de moletom que me surgiu e uma blusa de mangas. Abri as gavetas em busca de uma peça de baixo para Ashley e torci para que ele seguisse o padrão universal masculino de enfiar meias e cuecas dentro das gavetas. Eu estava certa. Ashley seguia esse padrão tão bem quanto seguia um outro. Esconder coisas secretas na gaveta das meias e cuecas. No caso de Oliver, era sempre possível encontrar uma revista masculina por lá com uma modelo pornô na capa e coisas do gênero que mamãe jamais aprovaria que ficassem a mostra. Mas ao contrário de meu irmão, o que Ashley escondia não se tratava de uma revista pornô. Eu já havia visto aquele objeto uma vez, e no entanto sensação repulsiva que aquilo me causava era tão intensa, ou ainda maior, do que antes.

Eu esperava nunca mais encontrar aquela seringa.