Mesmo chateado com o pai por estragar a "fantasia" em que ele acreditava, ele sempre tentou procurar a estrela cadente a qualquer hora que fosse. Após ver uma constelação no fascinante céu à noite, Wendel soltou uma risada. A estrela a partir dali era o seu símbolo, era algo que o representava.

Ele 2008 ela havia ganhado um quadro pintado por um artista desconhecido. Esse artista era conhecido apenas por “K”. O presente foi de sua tia. O quadro avaliado em R$ 180 mil trazia uma imagem fascinante: Um homem, segurando uma lança, num fundo vermelho turvo e uma estrela que brilhava sobre sua cabeça.

XXX

Nina, Ícaro e Kris caminhavam lentamente pela praia, olhando espantados a destruição.

— Por quê? — Nina questionou para si mesma, parando e olhando uma massa enegrecida no solo.

Haviam ruínas. A vegetação tinha sido destruída e passava um grande sentimento de desolamento para os sobreviventes. Eles voltaram para a ilha assim que tiveram certeza que o vulcão não iria entrar em erupção mais uma vez. Não só eles. Havia mais pessoas que ficaram para trás.

Nina ficara lá por causa do Animal Rescue Institute e então recebeu a ajuda de Kris, que também se dispôs a auxiliar com suas habilidades veterinárias, em qualquer coisa que fosse.

Kris andou pelos escombros do hotel. Havia uma pilastra que estava de pé, incrivelmente, mesmo após toda a lava. Ele passou a mão pela pilastra e viu uma estrela pintada nela. Ele sorriu inevitavelmente. Aquela parte do hotel havia sido completamente destruída pela lava, mas era apenas uma das alas inocupadas da instituição biológica. Por sorte e golpe do destino, representava a perda de vinte por cento da construção. Não haviam animais instalados nela.

— Kris, você não vem? — Nina perguntou, já longe com os outros dois rapazes.

— Eu já acompanho vocês. Vão na frente.

Ele continuou admirando a estrela. Uma lágrima deslizou pelo seu rosto.

— É bonita, não é? — Wendel disse, fazendo Kris pular. — Você gosta?

— Eu passava aqui a todo minuto só pra ver ela.

— Eu fiz pensando em você.

— Fez bem.

— Eu iria colocar os nossos nomes, mas caso vissem, nos meteríamos em boas confusões.

— Qualquer confusão ao seu lado vira diversão.

Kris passou a mão pelo rosto do jovem gentilmente, o beijando em seguida. Wendel passou a mão por debaixo da camisa do veterinário, querendo mais. Ícaro chegou e viu a cena, indeciso entre ter de parar aquilo ou deixa-los ter um momento íntimo. Finalmente, ele tomou uma ação.

— Opa, vocês vão querer mesmo fazer isso aqui e agora, rapazes?

Kris pensou em responder que qualquer momento era apto para um ato desse. Ter tesão e vontade de tirar a roupa já é o suficiente. Porém, se conteve e corou.

— Desculpa. Wendel quer vir com a gente?

— Eu tenho que voltar para ajudar a Valentina, sabe? Ela vai levar os outros para o vilarejo, já que lá não foi muito afetado.

— Certo. Pode ir.

XXX

Valentina ofereceu a sua casa no vilarejo para os sobreviventes. Ela estava se sentindo como estivesse trabalhando novamente como a guia, embora esse não fosse o caso. Durante o caminho, Mônica avistou flores. Eram perfeitas e rosadas. Ela estava quase tocando uma quando Valentina a alertou:

— Não toque nelas! — Ela suspirou. — São venenosas, vocês podem apenas olhá-las. Vocês esqueceram? “Proibido tocar nas plantas. Apenas olhe”.

Mônica sentiu alguém lhe tocar discretamente. Quando ela olhou, viu Eduardo segurando uma flor para ela.

— Você não costuma fazer isso. — Ela disse bem baixo.

— Ué, não posso ser agradável com a minha irmã?

— Eu sei o que você pretende.

— Sabe?

Ela não respondeu. Apenas continuou andando, deixando Eduardo para trás sem palavras. Ele não estava chocado. Estava apenas pensando em algumas coisas.

XXX

A tarde chegou e o sol ainda não havia aparecido. O dia estava triste, frio. Kris estava sentado na areia, perto da água. Os outros estavam em algum lugar seguro, guiados por Valentina.

Ele gostava de ficar sozinho. Gostava do silêncio. Ele olhava para o horizonte e se perguntava se iria conseguir sair dali. Não se arrependera da decisão de ficar na ilha. Sabia que aquilo era seu dever, mesmo morrendo de vontade de voltar para casa.

Wendel também era um dos grandes motivos pelo qual ficou. Wendel se importava com ele. Ele nunca tinha se envolvido com alguém daquela forma. Nem com Veronica, a sua “colega”. Nunca tinha contado um segredo a ela. Nada. Só tinha contado a Wendel. Ele sentia que tinha achado a pessoa certa.

Uma balsa se aproximava da ilha. Ele se levantou, sem se importar em limpar a roupa suja de areia. Uma garota estava no veículo. Logo ele reconheceu. Veronica.

— Veronica!!!

Ela sorriu assim que ouviu o jovem gritando seu nome. Assim que a balsa chegou perto da praia, Veronica saltou e correu até Kris. Eles se abraçaram.

— Kris, graças a Deus você está bem! Se algo tivesse acontecido a você, eu me mataria!

— Não exagere.

Ela puxou um iPhone e entregou a ele.

— Meu... Roni, você...

— Aqui o sinal não funciona, mas pelo menos você vai ter algo para se distrair. Está 100% carregado e tem suas 50 músicas favoritas! Sei que você perdeu o seu no acidente, então...

— Às vezes você parece ler meus pensamentos. Obrigado!

— Onde estão os outros?

— Estão no vilarejo. E, ah... Alguns voltaram para a cidade. Eu fiquei aqui por causa do Animal Rescue.

— Eu precisava vir aqui... Eu...

— Kris!

Do nada, Wendel apareceu e deu um beijo na boca do rapaz. Veronica apenas olhou para eles chocada. Kris olhou para ela e sentiu o que ela sentiu.

— Oi, meu nome é Wendel. — O rapaz disse, apertando a mão da loira amigavelmente. — Eu vim chamá-lo para irmos ao vilarejo, mas... Tá tudo bem?

— Sim, está. Não é? — Kris disse, sorrindo forçadamente.

— Sim, claro. Meu nome é Veronica. Eu sou amiga dele.

— Então... Vamos? Eu mostro o caminho.

Wendel passou o braço pela cintura de Kris, que por sua vez, queira sumir naquele momento. Ele tinha ficado absurdamente vermelho de vergonha, pois cada gesto de Wendel fazia Veronica lançar um olhar de ciúme para o veterinário. Ele apenas suspirou e assim fizeram o caminho desconfortavelmente até o vilarejo.

Quando chegaram lá, viram que o pessoal havia se instalado nas cabanas e pareciam até ter esquecido o acidente. Ou quase.

— O que houve com sua perna, Murilo? — Wendel perguntou.

— Eu torci meu tornozelo.

— Isso passa com um bom repouso. — Eduardo afirmou. — Não se mexa.

Com um aceno de mão, Kris chamou a atenção da maioria que ali estava.

— Gente, eu queria apresentar a vocês. Minha... amiga Veronica.

A loira foi recebida com vários “oi” e “como vai?”. Ela sorriu e agradeceu a todos pela gentileza. Ela cochichou para o veterinário:

— Kris, posso falar com você?

Ambos se afastaram.

— Eu não acredito! — Ela continuou.

— Em quê?

— Nele! — A jovem apontou para Wendel, que naquele momento estava falando com Nina e Ícaro.

— Ah, por favor, Veronica...

Ele percebeu que ela fazia uma cara como se quisesse dizer algo.

— Você tem algo a me dizer?

Na verdade, ela queria falar muitas coisas. Porém, ela iria parecer uma louca ciumenta. Eles não tinham nenhum compromisso, então não faria sentido Veronica querer dar ordens e mandar Kris se afastar de Wendel. Veronica estava se sentindo meio bipolar. Quando o amigo decidiu ir até a ilha, ela queria que ele fizesse amigos. Mas ao mesmo tempo, ela não queria e sentia ciúmes quando alguém se aproximava dele.

— Eu tenho que voltar para a cidade.

— Mas, você não pode ficar mais um pouco?

— Entenda. Eu amaria ficar aqui, mas não posso. Assim como você, também tenho meus compromissos.

— Talvez já esteja indo embora por causa do Wendel.

Ela apenas virou o rosto.

— Vai ficar emburrada? Bom, então por que não vai logo? — Ele só percebeu o que tinha falado após Veronica olhar espantada para ele. — Oh, não...

— É incrível como você sempre pensa depois de falar. Não dá pra ser um pouco menos... Bom, ser sincero demais sempre acaba te ferrando algum dia. Ah, esquece.

— Opa, não venha me dar broncas, docinho. Você não é minha mãe.

— Bom, às vezes eu tenho que agir como se fosse ela, porque ela te abandonou! — Kris agiu em um impulso e deu um tapa na cara de Veronica.

Ele estava começando a ficar irritado, e quando ficava não importava quem era a pessoa com quem ele estava falando. Ele mandava na lata. E em alguns mínimos casos, se arrependia depois. Mas ali, depois daquela tapa, ele não iria se arrepender.

— Bom final-de-ano com o Wendel. — Foram as últimas palavras dela, antes de partir.

XXX

Kris voltou para a cabana sem a companhia de Veronica e todos olharam para ele. Quando chegou lá, viu todos reunidos e Eva estava terminando de contar alguma história. Quase todos estavam com lágrimas nos olhos.

— Gente, tá todo mundo emotivo hoje?

Nina virou-se para o jovem.

— Eva estava contando a história. Sente-se com a gente.

Eles abriram mais espaço para que Kris pudesse sentar junto a eles.

— Sobre o quê estavam falando?

Eva tomou a vez para responder.

— Bom, do nada Wendel começou a contar a história de vida dele para nós, então... Achei que... Por que não nos juntarmos e aproveitarmos para conhecer uns aos outros já que iremos ficar por um tempo?

— Ótima ideia.

— Aliás, onde está a sua amiga Veronica?

— Ele já teve que ir.

— Não parece muito animado. Aconteceu algo?

Ele apenas fez “não” com a cabeça.

— Bom... É minha vez, não é? — Valentina disse, enquanto a maioria acenava com a cabeça em afirmação.

Ela esperou que todos olhassem para ela. Dessa vez não estava nem um pouco nervosa, como aconteceu no dia em que estava trabalhando como guia. Ela mal tinha começado a falar, quando do nada, a vontade de sair correndo para esconder o choro cresceu.

— Eu nasci na Argentina e vim para o Brasil aos quatro anos de idade. Eu... Nossa gente... Não sei se vou conseguir falar... Meus pais já faleceram e eu nem mesmo conheço minha irmã. Eu...

No mesmo momento, Valentina se levantou e saiu depressa. Ninguém entendeu. Ela nunca tinha tido tanta vontade de sumir como naquele momento. Havia vezes em que ela tentava ser forte, mas nem sempre tudo ocorria como ela pensava. Nina se levantou e foi atrás dela. Ela estava escondida atrás de uma cabana, chorando e segurando um crucifixo, lembrança do seu pai. Aquilo conseguiu preocupar Nina.

— Val, por que correu? Não há problema em expor sua história para nós.

— Eu queria parecer forte, mas... Eu não consigo, quando eu penso no meu pai, na minha irmã... Ver todo mundo se abrindo assim.

— E você não é? Não pode deixar que essas lembranças façam isso. Olha, eu vou estar aqui com você.

Nina sentou-se ao lado de Valentina. Ela sabia como ajudar quando alguém precisava. Um sorriso imediatamente se formou no rosto das duas.

— Muito obrigada, senhorita.

— Nina. Sempre que precisar pode me chamar. E se não for demais dizer... Pode me considerar sua irmã, pois estarei aqui caso tenha algum problema.

Elas se abraçaram.

XXX

Faltava apenas um dia para o ano novo, mas as “comemorações” já haviam começado para eles. Naquela noite, as mulheres haviam enfeitado as cabanas com o pouco de plantas não venenosas que acharam e os homens havia cuidado de colocar algumas mesas no lado de fora. Eles acenderam uma fogueira, graças às incríveis habilidades de Valentina.

— Alguém sabe onde está Nina?

Ícaro perguntou ao mesmo tempo em que carregava uma mesa de madeira com Murilo para fora da cabana. Quando ele perguntou isso, Nina apareceu num passe de mágica. Ela carregava a chinchila Sidney de um lado para o outro.

— Estou preocupada. A Sidney não está se alimentando.

— Me dê ela. Eu darei a comida. Vai ver você não está dando a comida certa a ela.

— Engraçadinho.

Ícaro soltou a mesa, que fez um baque ao atingir o chão. Murilo protestou.

— Ai, seu... Hoje não é mesmo o meu dia.

Ícaro pegou a chinchila e saiu. Wendel surgiu.

— E quanto a essa fogueira? Qual é o propósito dela?

— Ué, vamos ter um final-de-ano diferente. Colocamos as mesas aqui e a fogueira é só um... Detalhe. — Eva falou bem devagar. — E se tudo der certo, acenderemos outra fogueira amanhã. Pouco antes da meia-noite, começaremos o luau em homenagem às vítimas. Será uma cerimônia simples, mas que tem um significado bastante importante para todos que perderam parentes e amigos no desastre.

— Ah... Ótimo. Hm, Kris achou um bichinho ferido enquanto vínhamos para cá. — Disse ao virar-se para Nina.

— Um bichinho? Que bichinho?

— Um mico. Ele estava abandonado perto de uma das árvores caídas.

— Chame o Kris e diga a ele que traga o mico.

Wendel apenas assentiu e foi procurar o parceiro. Nina virou-se, apenas para encontrar Murilo ainda parado esperando alguém ajuda-lo com a mesa.

XXX

Wendel decidira se afastar um pouco dos outros. Ele tirou a camisa e colocou no chão, deitando logo em seguida. Estava olhando as constelações e pensando em ver estrelas com Kris. Ele sorriu. A lua estava cheia e o brilho dela encantava o rapaz todas as vezes que ele a olhava. Ele nunca se cansava.

— Você vai ficar aí isolado?

Ele virou-se para encontrar Kris de pé.

— Sente-se aqui comigo.

Ele fez o que Wendel pediu. Deram um breve beijo.

— Entregou o pobre bichinho para a Nina?

— Sim.

— Já decidiram qual nome vão dar a ele?

— Bom, eu pensei em Dewey Riley, mas... Só serviria caso achássemos outra chinchila.

Eles riram e pararam por um momento.

— Bom, eu nunca imaginei que fossemos passar o ano novo em uma ilha parcialmente devastada.

— Nem eu.

O veterinário riu.

— Bom, mas eu estou ao seu lado, então vale a pena.

Wendel sorriu e então desviou o olhar. Kris começou a ouvir soluços e viu o parceiro chorando.

— Por que está chorando?

— Obrigado.

— Obrigado por quê?

— Você é a única pessoa que me entende.

— Oh, Dell... Você vai me fazer chorar assim. Eu sei como você se sente. Ficar sozinho sem ter alguém para compartilhar seus medos e alegrias. É torturante.

— Mas você tem a Veronica.

— Ela nunca poderá me entender como você faz. Às vezes ela age como... Se ela não se importasse comigo, sabe?

— Sei. Sei bastante.

— Agora me diga, o que te faz pensar que eu sou a única pessoa que te entende?

— É que eu sofri uma “desilusão” quando eu era mais jovem e desde então passei a estudar astronomia. Eu só gostava de falar das estrelas e da via láctea e de constelações. E ninguém ao meu redor queria saber disso, então na maioria das vezes eu acabava sozinho, porque ninguém queria falar comigo desse assunto.

— Eu amo o jeito como você fala das estrelas. Você fala com uma paixão. Eu admiro muito isso. Quem sabe você possa ser o próximo astrônomo famoso da história humana.

— Oh, quem dera.

Ambos ficaram admirando a constelação por alguns minutos. Após esse momento de silêncio, Kris decidiu quebrar o gelo.

— Hm, deixe-me ver. Suas melhoras amigas são as estrelas?

— É. Mas não só elas. — Eles se olharam. — Te amo.

— Eu também te amo.

— Agora tira a camisa.

— O quê? Mas aqui?

— Ora, estão todos muito ocupados lá no vilarejo. Qual é?

Kris olhou em volta para ver se havia alguém além deles. No fundo, adorava fazer sexo correndo o risco de alguém o pegar em flagrante. Ao pensar na ideia de transar com Dell ali, logo o seu corpo reagiu liberando os hormônios e seu coração acelerou. Era a sua primeira vez com Wendel e esperava que fosse inesquecível.

— Vou fazer isso por você. — Ele falou, recebendo olhares gulosos do parceiro.

Tirou a camisa e logo Wendel passou a mão pelo peitoral e pela barriga dele. Ambos trocaram olhares ousados. Como se estivessem tentando adivinhar o que um iria fazer ao outro naquele momento.

Kris agarrou o jovem e beijou-o com vontade. O estudante de astronomia mal teve tempo de pensar, pois quando percebeu já estava apenas de cueca. Cueca esta que Kris já estava tirando. Quando o membro de Wendel saltou pra fora da cueca, o outro jovem abriu um enorme sorriso.

Ah, naquela noite eles veriam estrelas.

XXX

Por sua vez, Mônica estava sentada no que havia sobrado do cais, vendo a lua se refletir na água. O vento soprou leve, mas foi o suficiente para carregar um pouco de areia até os olhos dela. Ela esfregou os olhos, piscando para ver se havia mais algum grão incômodo.

Sabia que não deve esfregar os olhos?

Aquela voz era de Eduardo. O homem estava parado bem atrás dela, formando um sorriso misterioso no rosto.

— O que houve?

— Nada. E só vi você aqui e achei que pudéssemos conversar.

— Sobre o quê? Sobre os nossos sentimentos um pelo outro?

— Sim.

Mônica andou pelo cais em reformas de volta até o vilarejo. Ela não queria falar daquilo. Não ali. Eduardo a seguiu, e para a sua surpresa, ela começou a dar uma volta perto da água e fez um gesto com o dedo para que Edu a acompanhasse.

XXX

So what are you gonna do
When the world don't orbit around you?

Ain't it fun living in the real world?
Ain't it good being all alone?

— Eu amo essa música.

Eles ainda estavam deitados na areia, sem roupa, olhando para o céu e ouvindo “Ain’t It Fun” da banda Paramore, no iPhone de Kris.

Don't go cryin' to your mama
'Cause you're on your own in the real world

— Eu nem acredito que a Veronica trouxe isso. Agora a gente pode ouvir música!!!

Kris pegou o objeto e procurou outra música. Ele colocou uma música qualquer e então procurou a câmera. Ao olhar de volta para Wendel, enquanto o parceiro olhava para algum ponto fixo, viu em sua nuca uma pequena cicatriz, que ele não tinha notado antes do acidente. Talvez tivesse sido no dia do mesmo.

— Vamos tirar uma foto?

— Se você estiver usando Retrica com aqueles efeitos podres pode parar por aí!

— Não, claro que não!

Eles fizeram caras e bocas para a câmera e então o flash iluminou seus rostos. Wendel logo cobriu a cara com o braço.

Uma estrela cadente riscava o céu no momento. Dell apontou para ela.

— Kris, faça um pedido!

— Hã?

A estrela já havia sumido.

— Oh, que pena. Ela já sumiu. Eu fiz meu pedido. Quer ouvir?

— Não. Contar dá azar, sabia?

— Ué.

Quando Kris virou o celular para olhar a imagem, viu a seguinte mensagem “imagem corrompida”. Mas foi ao apertar “OK”, que o susto veio: A imagem, com um borrão cinza no meio da imagem para baixo, mostrava uma aparição próxima a cabeça de Wendel. Ele largou o celular na areia. A música que tocava no mesmo momento dizia:

My lightning's flashing across the sky
You're only young, but you're gonna die

— Que música é essa? — Wendel perguntou sem se mover.

— “Hells Bells”, do AC/DC...

Uma ventania passou pelos dois, fazendo-os tremer. Kris estava sentindo algo ruim e o que acontecera nos últimos minutos só aumentara ainda mais sua tensão.

I'll give you black sensations up and down your spine
If you're into evil, you're a friend of mine

Kris se levantou, vestindo-se rapidamente. Wendel também se levantou, confuso devido a essa ação repentina do jovem veterinário. Naquele momento, a correntinha dourada amarrada no tornozelo de Wendel se soltou, mas ele nem percebeu por causa da reação inesperada que o seu parceiro teve.

— Wendel, por favor, se vista. Vamos voltar para o vilarejo.

— O que houve?

— Eu… não sei bem. Apenas, vamos voltar.

I got my bell, I'm gonna take you to hell
I'm gonna get ya, Satan get ya

— Espera, não vai olhar a nossa estrela na pilastra pela última vez?

— Não, vamos.

Kris seguiu na frente enquanto Wendel se vestiu e foi ver a pilastra, aquela que ainda estava de pé, para admirar a estrela pintada nela. Ele passou o dedo e sorriu. Lembrou-se do pedido que havia feito quando aquela estrela-cadente passou. “Eu quero ficar com ele para sempre”. Ele saiu para acompanhar o parceiro.

— Kris!

No momento em que o veterinário virou-se, ele pôde ver a pilastra caindo. E caindo em direção a Wendel.

— Nããããão!!!

O jovem correu para que pudesse salvar o seu amado. Mas no meio do caminho, ele tropeçou e caiu com força no chão, levantando a cabeça apenas a tempo de ver a pilastra esmagando Wendel. A cabeça do jovem foi a primeira atingida, jorrando sangue imediatamente.

Kris ficou no chão, desolado, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto. O corpo de Wendel estava lá, debaixo daquela pilastra maldita. A cabeça, então, estava em condições que chocariam até os mais fortes. As centenas de sonhos que ele tinha com Wendel foram despedaçadas em questões de segundos.

O jovem estendeu a mão para Wendel, que ainda pôde mexer um dedo antes de fechar os olhos. A última coisa que ele viu antes de morrer foi a silhueta de seu amado. Sua visão começou a ficar borrada. Ele não estava pensando em mais nada. Quando finalmente pôde se levantar, Kris correu até o vilarejo, justo quando a música que tocava no celular terminava:

Hells bells, they're taking you down
Hells bells, they're dragging you down
Hells bells, gonna split the night
Hells bells, there's no way to fight

Quando chegou lá, Kris parou, ofegou e soluçou. Eduardo saltou do lugar onde estava sentado e preocupado, perguntou:

— O que houve? Me diz o que houve.

Kris nem mesmo conseguia falar. Ele agarrou o braço de Eduardo e o guiou até a horrível cena. Nina, Valentina, Mônica, Ícaro e Murilo também se levantaram e acompanharam.

A primeira reação de todos foi um “Oh!” seguido de gritos de horror das mulheres. Eduardo chegou perto do corpo sem vida de Wendel. Ele olhou bem. A cabeça do pobre jovem não estava nada legal. Essa era uma cena que não chocava Edu nem um pouco. Quando ele voltou para perto dos demais, recebeu olhares mistos, como se alguns estivessem esperando alguma notícia boa.

Ele apenas negou com a cabeça.

XXX

Mesmo depois de toda a tragédia, como por um milagre, a cabana de Abigail não havia sido destruída para erupção. A lava nem chegou a tocar os arredores do terreno. A velha estava nos fundos da cabana, de frente para uma fogueira, enquanto de olhos fechados, sussurrava para o vento. Ao seu lado, alguns bonecos feitos de forma artesanal, por ela mesma. Ela pegou um deles e uma pequena lasca de carvão, passando a escrever no boneco. Quando assim o fez, largou o carvão e analisou o rabisco.

“Guerreiro”.

E jogou o boneco nas chamas, ouvindo-o estalar. Encarou as labaredas e disse:

— O segundo. O Guerreiro já foi, oh, senhor da supremacia das sombras! O Atleta não irá demorar muito para chegar.

A risada diabólica que seguiu espantou algumas aves que se escondiam nos galhos da árvore ao lado.

XXX

O dia amanheceu tão ruim como o dia anterior. Todos estavam calados, ainda impactados pela morte de Wendel. Uma hora ou outra alguém soltava um suspiro.

Kris, então... nem se falava. Ele se trancara na cabana de Valentina e não saíra de lá desde a última noite. Não havia pregado os olhos um minuto, encarando o vazio. Todos que passavam ficavam espantados, porque o garoto nem sequer piscava, apenas fazia uns ruídos algumas vezes e expirava o ar que enchia seus pulmões. Não esboçava nenhuma reação, não estava feliz nem triste, estava apenas parado.

Eduardo aproximou-se dele. Foi o primeiro a ter alguma atitude. Quando sentou-se na cama, recebeu um olhar desanimador de Kris.

— Sabe que não deve ficar aí para sempre não é?

O rapaz nem sequer respondeu.

— Olha, sei que o que aconteceu ao seu namorado foi horrível e chocante, mas...

— Não me trate como uma criancinha. Sabe pelo menos o que é sofrer por amor? — O veterinário respondeu friamente sem tirar o olhar de Edu. — Sai daqui. Saia daqui antes que machuque a você ou a mim.

Eduardo pensou em responder algo, mas só pioraria a situação. Não era hora de brigar. Hesitou por alguns segundos antes de finalmente sair.

XXX

Do lado de fora, Eduardo encontrou Nina, que estava alimentando a Sidney e o mico.

— Como ele está?

— Do mesmo jeito.

— Acho que ele vai superar.

— Acho que não. Eles eram muito próximos, você não via?

Ela assentiu.

— Que coisa horrível. E o pior é que aconteceu do nada. Tipo, nós sobrevivemos aquele acidente horrível e alguns dias depois o Wendel morre. Será que vai acontecer a mesma coisa com a gente?

— Ora, não pense nisso. Acho que foi apenas uma coincidência.

— É que foi meio perturbador. Bom, e quanto ao corpo do Wendel? O que vão fazer?

— Ainda estamos decidindo. Vou encontrar os outros para decidirmos o que fazer com o corpo. Você pode ficar aí e garantir que o Kris não se mate?

Ela riu.

— Que horror. Tudo bem, eu vou ficar.

Eduardo levantou o polegar num “ok”. Assim que ele saiu, Kris deixou a cabana.

— Oh, decidiu sair do seu esconderijo?

— Acho que já chorei o que tinha que chorar e já pensei tudo o que já tinha que pensar.

— E em quê você pensou?

— Problemas. Deixa pra lá.

— Ora, você pode me contar.

— Prefiro não contar.

Ela não insistiu. Kris pegou o mico das mãos dela e começou a alisá-lo.

— É uma fêmea.

— O quê?

— O mico que você achou. É uma fêmea. Eu consegui alimentar ela graças a umas frutas que a Valentina tinha achado. E já que foi você que achou, não há nada mais justo do que você dar um nome para ela.

Ele sorriu e pensou. Então olhou para Nina. E olhou de volta para o mico. Já havia decidido qual seria o nome dela.

— Acho que vou chama-la de Wendy.