Precisamos Falar Sobre James

10. Precisamos falar sobre quatervois


[Quinta de manhã]

A professora Aurora falava sobre respiração celular, e Lily não parava de mover o lápis de um lado para o outro, mas ela não copiava a matéria. Não mesmo. Era um pequeno caderno escondido por trás do caderno com o emblema de Hogwarts, os dois apoiados às suas pernas. Certamente, as cadeiras do auditório eram bem mais agradáveis que as carteiras da sala de aula, a mesa grudada à cadeira, sem quase espaço para acomodar-se com mais conforto.

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Assim que chegou ao colégio, Marlene quis saber como foi o jantar, mas ela não abriu a boca. Afinal, não tinha o que dizer. Nada tinha acontecido. De qualquer forma, o fato de a amiga, depois de certo tempo, ter se acalmado só podia significar que tinha recorrido à Petúnia, o que ela não duvidava. Desde que não começasse com suas insinuações...

Como tinha chegado atrasada, ela não estava lá.

Podia sentir o celular vibrar algumas vezes dentro de seu bolso, mas permaneceu com os olhos fixos à folha, até que pensou que não era normal que recebesse tantas mensagens em um curto período de tempo.

Levantando o olhar, tirou o celular do bolso traseiro da calça e colocou-o à frente dos dois cadernos.

Hogwarts ⃣

Sirius está digitando...

[127 mensagens não lidas]

Sirius Black

[Áudio 1:03] (09:17)

Marlene McKinnon

Não escutem esse áudio, a menos que queiram ficar traumatizados (09:17)

Sirius Black

Eu escrevo, então (09:18)

HOGWARTS, HOGWARTS, HOGGY WARTS, HOGWARTS (09:18)

TEACH US SOMETHING PLEASE (09:19)

Emmeline Vance

Eu morria sem saber que era “Hoggy Warts” (09:20)

Achava que era “Hogwarts” três vezes e só (09:20)

Alice Piperwood

Ainda bem que você não cantava perto da McGonagall (09:21)

Sirius Black

Está vendo, Lenita? (09:21)

É importante saber o hino de Hogwarts (09:21)

Marlene McKinnon

[Áudio 0:29] (09:22)

Era para isso que incomodavam a sua aula?

Lily bufou, frustrada, antes de mudar de grupo, tentando encontrar algum motivo para estar perdendo tempo ali.

Nas quartas, usamos rosa

Alice, Lily, Marlene e Tonks.

[25 mensagens não lidas]

Tonks

Lily deve estar escrevendo os RPG’s da vida (09:15)

Da última vez que eu vi, a Dorcas era a Regina George (09:15)

Marlene

Dorcas Meadowes é um insulto a Regina George (09:15)

Tonks

Ela jogou fora o rascunho (09:16)

Vai que os traumas da minha vida me dão uma boa história (09:29) ✓✓

Estava tentando escrever uma versão Sky High, mas não lembro do filme direito (09:29) ✓✓

Marlene

Nunca mais ouse usar o nome de Regina George em vão (09:30)

Ela mostra desde sempre que é uma vadia, e nós a respeitamos por isso (09:31)

Tonks

Gwendolyn Grayson? (09:31)

Gostei (09:31)

Não quis prolongar a conversa.

Estava colocando bastante pressão em si para ver se conseguia escrever algo decente, mas tudo acabava envolvendo ela, James e Dorcas. E era sempre um enredo baseado em um filme. Claro que ela não daria continuidade a qualquer um desses rascunhos. Iguais demais.

Mãe

Online há um minuto

Preste atenção na aula, Mary (09:30)

Sai desse WhatsApp (09:30)

Envergonhada por ter sido pega em flagrante, ela fechou o aplicativo e voltou a colocá-lo em seu bolso, os olhos fixando-se novamente ao caderno. As palavras escritas cuidadosamente à lápis para que não precisasse arrancar a página inteira, só passar a borracha.

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— ...e então ocorre a fosforilação oxidativa — dizia Aurora.

Pegou a borracha de dentro do estojo e começou a esfregá-la com força na folha, tentando ocupar mais um pouco de seu tempo. Sua mente estava vazia de ideias, e ela nunca odiou isso mais do que naquele momento.

[Quinta à tarde]

— Ai! — reclamou Lily.

Naquele dia, Dorcas não fez o menor esforço para ser falsamente gentil com ela, esbarrando propositalmente em seu ombro para passar à sua frente na fila. Lily quase derrubou a bandeja que estava em suas mãos, mas tinha que contentar-se com o fato de não estar tão cheia, ou era certeza de que cairia.

— Alguém acordou de mau humor hoje — comentou Tonks, atrás dela, tentando decidir-se entre frango e peixe.

— Pegue os dois de uma vez! — reclamou Marlene, atrás de Tonks, tão impaciente como sempre.

Lily apenas ignorou esse fato, pegando uma lata de cima da mesa refrigerada.

Saiu da fila o mais rápido possível, indo até a mesa a qual costumavam almoçar. Sentou-se à frente de Alice e Frank, que tinha decidido juntar-se a elas. De longe, viu Ian correr para perto de Marlene, pegando algo de sua mão, e sair correndo para o outro lado do refeitório, antes Petúnia fazia cara feia para o prato que tinha à sua frente.

Ela comia que nem passarinho, não tinha ideia de como conseguia manter-se de pé durante o dia.

— Eu avisaria à sua mãe, se fosse você — disse Marlene, sentando-se ao seu lado.

— Eu não.

O fato de que Dorcas resolveu sentar-se na mesa atrás da delas não passou despercebido para nenhuma, talvez para Tonks, já que ela chegou depois.

— ...o meu namorado é maravilhoso mesmo — dizia Dorcas às suas amigas.

Marlene apontou o dedo para a língua exposta, fingindo vomitar. Tonks precisou afogar as risadas dentro de um gole de água.

— E onde ele está? — perguntou uma das garotas.

— Ah! Deve estar por aí! — disse Dorcas, sem dar importância.

Tonks olhou estranhada para Marlene, já que James não desgrudava da líder de torcida desde o começo do namoro. Ela apenas deu de ombros.

— Está tendo tantos filmes bons no cinema nesses últimos tempos — comentou Alice, parecendo dar continuidade a um assunto que já estava tendo com Frank.

— Verdade! É tão raro isso! — concordou Tonks — Normalmente, só depois de Junho.

— Eu queria ver “Negação” — disse Marlene, olhando para a direção em que Ian estava, ainda rancorosa por sejá lá o que o irmão pegou de si — Ele também está me perturbando para irmos ver juntos.

— Menos uma oportunidade para dar uns beijos? — provocou Tonks.

A garota mirou um pedaço de pão em sua direção, mas acabou acertando a uma das líderes da torcida da mesa da frente.

Lily, que estava sentada de costas para o grupo, precisou tampar a boca com a mão, ou começaria a gargalhar ali mesmo, e isso não seria muito cortês de sua parte. Por um momento, imaginou se fosse com Dorcas e um pedaço de comida bem mais grudento e nojento que um simples pedaço de pão.

— Foi mal — disse Marlene, sem parecer envergonhar-se por ter errado o alvo.

A culpa, de certa forma, era de Tonks, que tinha desviado.

— Da próxima vez, é só abrir a boca para evitar problemas — brincou Frank.

— Acho que pioraria a situação — disse Tonks.

Não se podia duvidar da capacidade dela de transformar as coisas mais simples em um grande problema a se resolver.

Os olhos de Lily mecanicamente dirigiram-se em direção à porta do refeitório, de onde James entrava apressado. Não prestou mais atenção a isso, mas, por sua pressa, sabia que ele escolheria o mínimo de comida possível, apenas para dizer que comeu algo. Provavelmente, comeria escondido durante a aula. Não era como se ele se importasse com as regras.

Esperava que ele sentasse na mesa de trás. Talvez, acabassem encostando as costas, pois o único lugar vago era bem atrás dela. Contudo, ele não fez isso.

— Posso sentar aqui?

A mesa de trás, que estava rindo de alguma piada maldosa de Dorcas, calou-se, e ela sabia que a garota estaria encarando incredulamente o próprio namorado.

— Claro — disse Marlene.

Lily olhou-a, desconfiada, tentando entender em qual momento a amizade entre eles tinha se restabelecido. Tinha perdido alguma palavra de alguma conversa de WhatsApp?

— Onde estão Remus e Sirius? — perguntou Frank, parecendo um dos mais confortáveis com a presença de James ali na mesa.

Tonks e Alice apenas olhavam assustadas para Lily, que parecia tão perdida quanto elas. Marlene parecia não se importar, mas ela apenas não se importava com as coisas mesmo. Preocupação não estava em seu vocabulário.

— Recuperando matéria atrasada, eu acho — disse James.

Lily quase podia sentir o cérebro de Dorcas derretendo com a indecisão sobre o que faria, assim como pela raiva de seus planos não seguirem como queria. Se ela fosse falar com James, seria a namorada ciumenta. Se deixasse do jeito que estava, estaria facilitando para Lily.

Movida por essa conclusão, Lily abriu um sorriso para James, fingindo tê-lo percebido somente agora.

— Eu nem tinha te visto! Como está? — ela perguntou, simpática, tocando o seu braço.

— Bem — respondeu James, também sorrindo, depois de um momento de hesitação — Você sabe... As aulas não são das melhores.

— Podia ser pior. Podia ser aula do Kettleburn.

Marlene sorriu maliciosa para a amiga, aprovando o seu comportamento, e sentindo o veneno que saiu em sua voz ao pronunciar o nome do professor, lembrando-se de com quem compartilhava aquela aula.

— Isso é verdade — concordou James, sem parecer ver as coisas do mesmo ponto de vista que elas.

A cadeira de Dorcas colidiu com a de Tonks, ao afastar-se com rapidez. Ela saiu da mesa, dizendo às amigas que não se sentia bem, e quase correu para fora do refeitório.

— James, você deveria ir atrás dela — disse Emmeline, ingênua.

— Ela vai ficar bem — ele disse para a surpresa de todos.

Marlene olhou alerta para Lily, impedindo-a de abrir a boca. Ela a conhecia muito bem. A verdade é que a morena era especialista em reconhecer uma farsa, enquanto que a amiga ainda acreditava que Dorcas podia estar realmente passando mal. Contudo, com o olhar recebido, ela forçou-se a agir normalmente, e acreditar que era apenas mais uma artimanha por parte da outra.

James tomava as suas próprias decisões, certo?

[Quinta de noite]

Como não conseguiu prestar a devida atenção às aulas de biologia, e a professora Aurora gostava de dar testes surpresa quando notava que algum aluno estava distraído, Lily resolveu reservar a noite para ver algumas vídeo aulas no TeacherTube, embora a sua vontade mesmo fosse começar a ver uma nova série do Netflix. Era a desvantagem de não prestar atenção às aulas.

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Algumas batidas na porta foram o suficiente para o recado de Doralice ser dado: Lily estava trancada no quarto desde que chegou em casa, e ela não permitiria isso mais. Era hora do jantar e era o dever da filha reunir-se à família.

Quase que rindo, a ruiva tirou o headphone de seus ouvidos e fechou o notebook. Foi tal como estava até o andar de baixo, fechando a porta. Se pudesse, passava a chave, mas sua mãe tinha confiscado a chave do quarto dela e de Petúnia quando elas começaram a trancar-se demais. Lily só gostaria de ter a mesma coragem que a irmã teve, já que ela pegou a chave de volta sem sua mãe sequer perceber.

Naquela noite, contudo, Lily percebeu que tinha algo de errado. Seus pais trocavam olhares preocupados, mal tocando em seus pratos. Petúnia estava mexendo nada discretamente no celular e nada de sua mãe mandá-la guardar.

— Está tudo bem? — perguntou Lily.

Só então Petúnia levantou o olhar, parecendo perceber o mesmo que a irmã mais velha.

— Claro que está, filha — respondeu Doralice, mas seu sorriso estava forçado e ela evitava olhá-la.

— Tem algo que querem me dizer? — ela insistiu.

Então, o seu pai deixou os talheres no prato, olhando seriamente para a esposa.

— Na verdade, há — ele respondeu — É sobre o caso Mary MacDonald.

Lily também largou os seus talheres com um pouco mais de força que o pai.

— O que tem ela?

Mesmo Petúnia teve a consideração de bloquear a tela do celular. Talvez para mostrar o apoio à irmã, ou para não irritar a mãe. Ou porque era curiosa, mas Lily preferia pensar que ela se importava mais com a família do que aparentava.

— Na verdade, ela está ótima — disse Doralice — O problema é Severus Snape.

Lily caminhava quase que correndo pelos corredores de Hogwarts High. Ela tinha escutado gritos e sentia medo. Um pouco por si, já que era uma das únicas alunas a permanecer no prédio, que só estava iluminado pelas luzes acesas, já que a noite já havia caído. E também por quem tinha proferido aquele grito.

Deveria chamar a polícia? Apertava o celular em suas mãos com força.

Por fim, levou o celular ao ouvido, escutando-se a uma parede qualquer. Sua mão estava escorregadia, e precisou levar a outra para o celular não escorregar.

— 911. Qual é a emergência?

— Eu estou dentro da Hogwarts High — Lily sussurrou — E escutei um grito. Acho que alguém foi morto.

— O que tem Snape? — perguntou Lily, sentindo ódio por seu nome ser mencionado.

— Graças a Deus! Minha filha, como você está? — sua mãe veio abraçá-la.

Lily não respondeu, estava sentada em cima de uma maca da ambulância, ainda em estado de choque. Levantou o olhar somente quando viu Snape, Malfoy e outros idiotas de gangue saíram algemados. Do outro lado, uma outra maca era levada com pressa para uma das ambulâncias, era Mary MacDonald.

— Se não fosse por sua filha, aquela aluna já estaria morta — disse o enfermeiro à Doralice, que olhava na mesma direção.

— Ele foi solto — quem respondeu foi o seu pai.

— Como puderam fazer isso? Aquele racista tentou matar a Mary! — exclamou Lily, sentindo que ia chorar de raiva a qualquer momento — Ele tentou me sequestrar!

— Nós sabemos, mas não podemos fazer nada — sua mãe disse, parecendo tão impotente quanto ela — Ele tem ordem de afastamento, mas Hogwarts é a única instituição do município que aceita estudantes presidiários.

— Mesmo quando esses presidiários tentaram matar uma estudante dentro das instalações? — ela perguntou, sem querer aceitar que aquilo era realidade.

— Eles temem que, mandando-o para mais longe, haja possibilidade de fuga.

Lily escondeu o rosto entre as suas mãos, tentando acalmar-se.

— Ele não vai chegar perto de você — Carver colocou uma das mãos em seu ombro — Dois policiais o acompanharão por todo o campus, a ordem de afastamento segue de pé. Se ele fizer qualquer coisa, será mandado de volta para a cadeia.

— De onde nunca deveria ter saído — Lily levantou-se de sua cadeira, saindo da cozinha, o prato quase intacto.

Nas quartas, usamos rosa

Marlene está digitando...

Você sabia disso, Marlene? (20:50) ✓✓

Que Snape vai voltar? (20:50) ✓✓

Marlene

Eu não podia te contar (20:51)

Os meus pais proibiram (20:51)

Disseram que seria melhor se você soubesse pelos seus (20:51)

Lily jogou o celular em cima da cama com raiva. Puxou os fios de cabelo com raiva, tentando entender o porquê de tudo aquilo resolver vir à tona agora. Fechou os olhos, tentando afastar as memórias de si.

— Sabia que você não é de se jogar fora, MacDonald? Claro, se você não fosse tão escura e lésbica...

— Olhe só o que temos aqui! Evans! Quer entrar na brincadeira também?

— Lily, por favor, me deixe explicar!

— Não me chame de Lily! Você é um nojento e asqueroso racista, homofóbico e perseguidor. Me deixe em paz, Snape! Fique bem longe de mim!

Ela encolheu-se ao lado da cama.

Por um momento, imaginou James ali do lado dela, abraçando-a, mas ele não estava ali.

Aquele era o ponto de virada da sua vida, que estava tão calma desde então.

Quatervois.

Arg!

Como Lily odiava francês.