Quando acordei havia uma pessoa de pé ao meu lado.

Antes de fazer uma série de perguntas que eu tinha em mente, sentei-me e passei a observar melhor em volta. Não demorou muito para eu me dar conta de que estava em uma cama de hospital. Mas não fazia ideia de como tinha ido parar ali.

— Não se preocupe. – disse a mulher, olhando para mim com um sorrisinho. — Você está bem.

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Ela não parece ser muito mais alta que eu, apenas um pouquinho mais velha. Talvez uns 35 anos ou algo assim. Seu cabelo castanho é curto e ondulado. Ela tem uma pele branca e lisinha. Olhos pretos. E um sorriso bonito.

Provavelmente deve ser a médica, deduzo. Pois ela está usando um jaleco branco com o nome e o brasão do hospital, além de um estetoscópio pendurado no pescoço. Aquele aparelho que os médicos usam para ouvir o coração.

— O que aconteceu? – pergunto, ainda meio desorientada. Um bom sinal é de que não estou ligada a nenhum aparelho barulhento e nem vestida a aquelas roupinhas ridículas de hospital para pacientes.

— Você desmaiou de uma hora outra. Mas seu marido fez um ótimo trabalho e te trouxe as pressas para cá.

Eu estava prestes a explicar para ela que o Felipe não era meu marido nem nada. Não mais. Mas eu tinha muitas outras perguntas para me importar com isso agora.

— E porque isso aconteceu comigo? Por quanto tempo estive apagada? O que eu tenho? E onde está o Felipe? – pergunto tudo de uma vez, apavorada. Mas a médica, a qual eu nem sei o nome, continua olhando pra mim com aquele sorriso bonito e ao mesmo tempo tão irritante.

Qual é o problema dela, afinal?

— Antes de responder as suas tantas perguntas, eu preciso ter certeza se os resultados dos exames que fizemos em você estão corretos. Tudo bem? Então não se importaria que eu faça algumas perguntas agora, se importaria?

Balanço a cabeça, meio sem opções.

— Você tem sentido muitos inchaços pelo corpo nas ultimas semanas?

— Sim, tenho. Principalmente na região das mamas e da barriga. – respondo, com o cenho franzido.

Não estou entendendo nada.

— Muitas dores, enjoos ou cólica?

— Enjoos sim, mas eles não são muito frequentes. Algumas dores nas pernas, mas deve ser só o cansaço do dia-a-dia. E cólicas? Bom, não.

— Tontura? Azia? Ou sonolência?

— Um pouco de tontura, sim.

— E a sua menstruação como está?

Aquela pergunta foi um choque e tanto pra mim. Porque se ela nunca tivesse perguntado, eu nunca teria me dado conta – pelos não por um bom tempo – que a minha menstruação está um tanto atrasada. E ela sempre foi tão controlada, devido aos anticoncepcionais que comecei a tomar ainda na adolescência.

E por falar em anticoncepcionais... Faz um tempo que a cartela dos meus comprimidos estava chegando ao fim. O que só pode significar que faz algumas semanas que não tomo meu remédio regularmente, como deveria ser.

— Acho que o seu silencio já diz tudo. – ela sorri ainda mais, sem tirar os olhos de mim. Eu, pelo contrário, estou em choque, sem qualquer tipo de reação, mesmo sem ela nem ter precisado me dizer o que os exames afirmaram. — Quer que eu chame seu marido aqui para compartilharem o resultado?

Meu Deus, acho que nunca tive tanta vontade de socar a cara de alguém como eu gostaria de socar a cara dessa médica agora. Será que ela não percebe que eu estou apavorada? Olha só para o meu estado! Por acaso eu pareço feliz?

— Pelo jeito que ele estava preocupado com você lá fora, percebi que vocês são muito unidos e apaixonados. Sei que essa noticia só vai fazer com que as coisas entre vocês melhorem ainda mais.

Não, não vai.

Quero dizer isso a ela, mas não posso. Porque ela não entenderia. Ninguém entenderia

Sei que para muitos casais a chegada de um filho é a coisa mais valiosa e importante do mundo. O problema aqui, na minha situação, é que eu nem sei se o Felipe é mesmo o pai dessa criança.

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Sem eu nem ter dado uma resposta, a médica vai em direção a porta do quarto. Eu sei exatamente o que ela está prestes a fazer. Mas eu preciso ser mais rápida, eu preciso impedi-la. O Felipe não pode saber dessa criança.

Não agora.

Não enquanto eu não souber o que fazer com a minha vida.

— Não, não, não, não. – praticamente imploro, já com lágrimas nos olhos. — Por favor, não faça isso. Ele nem mesmo é o pai. – essa informação faz com que ela pare no meio do caminho e vire-se de volta para mim.

— Desculpe... Mas eu pensei que vocês dois fossem um casal. – diz ela, agora sem sorrisinhos irritantes. — Bom, então eu vou chamar a sua amiga para te ajudar. Não saia daqui. Espere só um segundinho e eu já venho.

E então ela sai, deixando-me sozinha.

O que é o bastante para eu me desabar em lágrimas.

— Bianca! – Luiza corre em minha direção, praticamente se lançando contra mim. — Nós estávamos tão preocupados com você. O que aconteceu? Porque você está assim?

A médica volta apenas para me entregar os exames com a confirmação da minha gravidez, me desejar sorte e me dar alta. Depois disso ela não volta mais, deixando eu e a Luiza mais a vontade.

— Luiza, eu estou grávida. – digo quando as lágrimas já estão mais controladas e entrego os exames a ela.

— Bianca! – ela alterna o olhar entre mim e os exames aberto em suas mãos. — Isso é maravilhoso!

Luiza volta a me abraçar.

— Não, não é. – seco as lágrimas. Meu mundo parece estar de cabeça para baixo. E eu que já tanto quis um filho me vejo agora mais ferrada do que nunca.

— Claro que é! Temos que contar isso a todo mundo. – continua ela, toda sorridente e feliz. Mais animada do que qualquer um poderia estar. — Agora! Vem. – ela me puxa pela mão. — Vamos sair daqui logo.

— Luiza, não! – puxo minha mão de volta. — Você não entende.

— Quem não está entendendo é você! Você não queria tanto um bebê? Olha só pra você agora, Bia! Você vai ter um bebê. Se anima, mulher. Você já imaginou qual será a reação do Felipe quando souber? Meu Deus, ele vai surtar! E eu vou ver a cena de camarote. Nem acredito!

Luiza estava falando tão alto que tive medo que o hospital todo escutasse ela surtando com a minha gravidez.

— Esse é o problema. O Felipe não pode saber. Não só porque não estamos mais juntos. Mas você se lembra de quando eu te contei que o Danilo e eu passamos uma noite juntos e eu não sei até hoje o que rolou? Então. E se ele for o pai...

— Para de bobagem, Bia. O Felipe te ama mais que tudo no mundo. E claro que esse filho é dele. Tem que ser! Depois de todas aquelas reconciliações entre vocês... – ela sorria de forma maliciosa. — Desencana! E mesmo se esse filho for do Danilo, coisa que você não pode ter certeza agora, você acha mesmo que Felipe não o amaria como se fosse filho dele? Ninguém precisaria saber que não é!

— Ficou louca? Como você pode pensar numa coisa dessas? O Felipe nunca me traiu! Eu jamais faria uma coisa assim com ele. Se esse filho não for dele, ele não tem porque se responsabilizar. Ele não terá porque continuar me amando. Não depois de tudo que fiz com ele e esse será de vez o nosso fim.

Só de pensar nessas coisas recomeço a chorar.

Luiza me abraça.

Depois de alguns minutos as lágrimas dão uma trégua, assim já posso sair desse lugar sufocante.

Luiza vai abraçada comigo até a sala de espera, onde a Nati e o Felipe estão me esperando. A Nati é a primeira a se aproximar, me abraçando forte e perguntando se eu estou bem. Atrás dela está o Felipe com uma carinha fofa de dar pena.

Pode ser que não sejamos o casal mais feliz do mundo e que nem sempre as coisas entre os funcionem como gostaríamos, mas eu o conheço bem e seu olhar me diz tudo. Sei que naquele momento não há nada no mundo que ele gostaria mais do que poder ficar sozinho comigo.

Eu também queria muito isso, se fosse em outras circunstâncias. Se ainda tivéssemos juntos, felizes, bem, ou se soubéssemos exatamente o que há entre nós. Esse era pra ser o dia mais importante das nossas vidas, quando juntos descobriríamos que iríamos ter um bebê, ter uma família.

Mas na real não é bem assim.

Depois que a Nati se afasta, é a vez dele se aproximar. Primeiro me abraça e sussurra no meu ouvido que está feliz que eu esteja bem e que nada de grave tenha acontecido. Mas ele não faz nenhuma pergunta, pra minha sorte. Não sei se saberia explicar essa situação sem contar a verdade. Coisa que eu não posso fazer agora. Depois de me abraçar ele segura as minhas mãos, dá um meio sorriso daqueles que tiram o fôlego e beija a ponta do meu nariz como nos velhos tempos.

— Temos que leva-la pra casa agora. – Luiza toma a frente da situação, me livrando da pior. Afinal, não se sabe até quando o Felipe vai conter a curiosidade e começar com as perguntas as quais não posso responder agora de jeito nenhum.

Sinto vontade chorar mais uma vez. Infeliz por isso não ser como num sonho. Onde há abraços demorados, trocas de olhares, beijos apaixonados, confissões que poderia mudar pra sempre a nossa vida. E muito pra melhor.

Tento me conter. Não posso chorar ali, ou só irá aguçar a curiosidade dele. Então me seguro. E deixo pra chorar quando eu tiver sozinha. Se é que vão me deixar sozinha depois do que aconteceu.

— Foi só um susto, mas a Bianca precisa descansar. – Luiza entrelaça seu braço no meu e juntas caminhamos até a saída mais próxima do hospital.

Natália e Felipe vêm atrás.

Lá fora, já no estacionamento, Luiza faz questão de me levar para casa em seu carro, apesar do Felipe garantir que pode cuidar de mim. Eles têm uma pequena discussão sobre isso. O que o Felipe não sabe é que a Luiza só está tentando me proteger, me tirar de uma fria. Não é como se ela não confiasse nele ou quisesse me arrancar dele. É só que eu não posso ir sozinha com ele em seu carro, não posso correr o risco dele perguntar o que realmente aconteceu, porque eu apaguei, porque pareço tão estranha ultimamente.

De verdade, eu tenho a melhor amiga do mundo. Ela pode não ser perfeita, mas eu também não sou. E ela me apoia mesmo quando eu estou errada, porque nesse caso é realmente necessário. E ela sabe disso. Mas sabe também me dar um bom conselho ou uma bronca quando estou errada, mesmo quando ela não concorda com as minhas atitudes.

— Tudo bem. Que seja. – diz o Felipe, parecendo bem bravo. — Eu só quero que ela vá segura pra casa, seja comigo ou com você. De qualquer forma eu encontro com vocês por lá. Nem você – ele diz isso olhando diretamente nos olhos dela – e nem ninguém vai me fazer sair de perto da Bianca essa noite.

Dito isso, ele sai pisando duro em direção ao seu carro, estacionado a alguns metros ali.

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Eu, Luiza e Natália entramos em seu carro. Ela dá partida.

— Ah, ele não é fofo? – brinca ela, sorrindo a toa. Claro que ela não está chateada, pois não fez nada disso de propósito, apesar do Felipe ter sido bem duro com ela.

Rapidamente chegamos em minha casa, onde elas se despedem de mim na porta e vão para casa.

Felipe chega cinco minutos depois. Acho até que ele enrolou de propósito só pra não dá de cara com a Luiza.

— Você não precisa ficar tão chateado com ela. – digo, sorrindo enquanto abro a porta de casa.

Nós entramos juntos e o Toddy nos recebe com alegria.

Felipe tranca a porta.

— Eu não estou chateado com ela, só não queria brigar mais e deixar você mal com isso. Apesar de ela ser bem chata quando quer. Não larga você por nada! E acho que faz de propósito. – esse ciúme bobo dele me faz rir.

— Ela não faz por mal. Só estava preocupada comigo. – digo, já me sentando no sofá e o Toddy subindo no meu colo.

— Sim, eu entendo. – ele senta-se ao lado e passa os dedos nos belos do Toddy. — Mas eu também estava e tinha o direito de saber o que estava acontecendo com você.

De repente me sinto ainda pior por não poder dizer a verdade.

Fico imaginando qual seria a reação dele com a descoberta.

Ficaria espantando demais para dizer alguma coisa?

Ficaria empolgado demais e me encheria de abraços e beijos?

Perguntaria como isso aconteceu mesmo se já não fosse óbvio demais?

Ou começaria imediatamente a fazer planos para o futuro. Quanto a escolher nomes, móveis para o quartinho e comprar roupinhas?

— Não quero deixar você sozinha essa noite. – disse ele, tirando-me daquele transe. — Posso dormir aqui com você essa noite? Posso dormir no outro quarto se você quiser e...

— Claro que pode.

Já é muito tarde então trancamos a casa e subimos para os quartos.

Enquanto troco de roupa no banheiro, o Felipe pega cobertor novo, travesseiros limpos para se acomodar melhor no quarto de hospedes. Mas quando o vejo levando aquelas tantas coisas para o outro quarto, me sinto tão mal por saber que ele estará aqui, de baixo do mesmo teto que eu, mas tão distante.

— Quer saber? Porque você não fica aqui comigo? – digo, assim, como não quer nada. Mesmo assim fico extremamente envergonhada por propor isso. — Acho que não tem problema.

— Tem certeza?

— Claro, claro. Pode ficar.

Acomodo-me no meu lugar de sempre na cama e ele do outro lado. Apagamos as luzes e enfim estamos prontos para dormir. Foi um longo dia. Mas acontece que apesar de estar cansada tanto fisicamente quanto emocionalmente, não consigo tirar da cabeça que agora, nesse exato momento, eu carrego um bebê no ventre. Um bebê que eu nem sei quem é o pai e isso é tão irônico, porque nesse exato momento, eu estou deitada na mesma cama com o homem que eu amo e com quem eu fiz muito construir uma família.

Fico pensando nessas coisas por um bom tempo e não consigo dormir de imediato.

— Você está bem? – pergunta ele em meio à escuridão do quanto com uma voz rouca e baixa.

Surpreende-me que ele também esteja acordado ainda.

— Não consegue dormir?

Viro-me de frente para ele e mesmo que a escuridão me impeça de vê-lo, posso ver o brilho de seus olhos diretamente nos meus.

— Estou bem. E sim, não consigo dormir.

— Quer me contar o que aconteceu? – ele finalmente faz a pergunta que tanto temi. — O que o médico te disse?

— Não, acho melhor não. Mas não se preocupe. Não é nada de mais. Só estou com a pressão um pouco baixa. – minto descaradamente. — Mas vou me cuidar.

— Assim espero. – ele procura por minhas mãos. E quando sinto ele me tocar é como se uma corrente elétrica percorre todo meu corpo. E isso é tão bom! — Nem consigo imaginar o que seria de mim se algo acontecesse a você.

Suspiro, maravilhada com o dom que ele tem de me tranquilizar mesmo nas piores horas.

Aproximo-me para ficar mais pertinho dele, então ele pousa sua mão em minha cintura e me aperta carinhosamente.

— Você sabe que pode contar comigo para o que for, não sabe? – ele continua sussurrando, mesmo estando só nós dois naquela imensa casa escura.

— Obrigada. – sinto novamente as lágrimas invadirem meus olhos. Meu Deus, eu queria tanto poder conta pra ele o que venho escondendo nas ultimas horas. Mas não posso. Não posso! Fecho meus olhos antes que meus olhos transbordem.

De repente sinto sua mão que até então estava na minha cintura tocar de leve o meu rosto. Ele me faz um carinho. E só alguns segundos depois posso sentir sua respiração mais próxima, indicando que seu rosto está a centímetros do meu.

Meus olhos ainda estão fechados e minha respiração está presa quando seus lábios molhados tocam os meus lentamente.

Ele me beija de um jeito doce, de um jeito leve, carinhoso e suave que me faz flutuar no escuro.

— Eu espero que você encontre um jeito de voltar pra mim.

Felipe cita um trecho da música Come Back Down da Banda Lifehouse. Uma música que eu ouvia muito, muito mesmo quando ele partiu para estudar em outro país.

Por fim ele me abraça, me trazendo para mais perto. E com a cabeça colada em seu peito e o rosto banhado de lágrimas difíceis de controlar, eu rapidamente adormeço.