Perdida em Seoul

Cartografia Abstrata


Com um mês e meio para as audições da YG, eu e Chloe -resolvemos esquecer o ocorrido, depois que a menina mostrou-me um atestado que explicitava os seus problemas em relação à bótons e milkshake de banana com canela. Ela tinha um atestado médico, cara. Essa mina tem problemas- estamos muito mais mobilizadas quanto aos treinos.

Sendo assim, cá estamos nós num cruzamento de rua qualquer. Não no meio dele, obviamente. Ontem, pouco depois de descobrir que minha vizinha… eh... não bate muito bem da bola, por assim dizer, decidimos elevar um pouco o nível do treinamento. Esse é o motivo de estarmos arrumando o áudio para uma apresentação de rua nesse exato momento.

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Quando Chloe apresentou a ideia, na minha cabeça, as coisas pareciam muito longe de possíveis, mas aparentemente, Chloe tinha uma carta na manga.

Ela descolou todo o equipamento necessário com uns amigos -porque sim, até ela, com sua personalidade para muitos excêntrica, tem amigos, enquanto eu… bom, deixa no ar- que não só nos emprestaram o equipamento como nos ajudaram com toda a preparação. Acho que eles são de um desses grupos de cover de rua, bem comuns por aqui, mas não sei de muito, afinal não sou o tipo de pessoa que sai perguntando tudo. Acredite, o fato de eu os ter comprimentado antes que eles o fizessem já foi um enorme avanço.

Após os vários incidentes envolvendo a minha pessoa, resolvi não apresentar-me ao mundo exterior por tempo indeterminado, mas as audições- somadas à falta de papel higiênico- fizeram-me voltar atrás. Logo, aqui estou eu batalhando, novamente, na vida.

—Tudo pronto? -pergunta Chloe.

—Parece que sim.

Ela começa a falar no microfone:

—Boa tarde a todos. Hoje, apresentaremos algumas músicas, então espero que aproveitem.

Decidimos revezar como vocais principais e de apoio nas músicas, além de dividir a letra de algumas. Ela começa cantando ROSE do ELO. Depois, eu canto Eyes, Nose, Lips do Taeyang. Cantamos, ainda, outras como Walkin' in the Rain do Block B e 1004 do B.A.P e fizemos duetos usando, por exemplo, Butterfly do BTS.

Resolvemos ficar só com k-pops dessa vez, o que cantamos por umas duas horas com apenas um pequeno intervalo. Estávamos prestes a ir para casa quando Chloe recebe uma ligação do chefe JJ -como gostava de ser chamado, não me pergunte o porquê- perguntando onde ela estava. Aparentemente, ela não entendera o horário certo do trabalho, devido a seu péssimo coreano que melhorava com a mesma frequência que a roda da bicicleta de um sedentário gira, ou seja, bem lentamente.

—Não suporto mais essa língua! Quantos salgadinhos doces vou ter que comprar até saber identificar a palavra mel na embalagem?! -fala com os olhos ardendo em puro ódio dirigido não só a ligação quanto ao pacote em mãos.

O fato é que, agora, encontro-me sozinha na capital. Só isso já está me dando pânico. E não é à toa depois do que passei. Tudo não melhora, quando leva-se em conta o fato de que meus óculos encontram-se quebrados. Ou seja, essa saída às ruas de Seul tem tudo para dar errado.

Ando seguindo o mapa que de Chloe deixou para mim, pois escolhemos tocar num lugar que nunca tinha ido, apesar de ser ponto frequente para a menina.

Sigo andando, observando -ou tentando- a população padronizada pelos olhos puxados e sentindo-me uma formiga num cupinzeiro. Sigo o mapa, analisando minuciosamente cada rua, o que nem era difícil, já que ele foi feito em menos de dois minutos por alguém que já ocupa o sexto lugar no meu top de pessoas estranhas. As linhas são traços que mais parecem leitura de frequência de terremoto.

Apesar dos pesares, cá estou eu, até então, segura. Viro uma rua e chego a um lugar inesperado. Segundo o mapinha, era para eu estar chegando à avenida que fica a um quarteirão do meu apartamento. Ao invés disso, encontro-me, agora, numa ruazinha minúscula, espremida entre prédios residenciais. God, estou perdida.

Depois de vinte minutos me revezando entre decifrar o mapa e pedir perdão pelos meus pecados, resolvo sentar no meio-fio e, simplesmente, admitir derrota e aceitar a vida. É nesse momento que sinto que não há esperança para mim.

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—Licença, você precisa de ajuda?

Ergo a cabeça e vejo um cara no banco do carona de uma vã, parada no sinal, acenar para mim com preocupação.

—Eh... eu... sim, preciso. Acho que estou perdida...-digo, levantando.

Nesse momento, uma bicicleta passa, atropelando-me e fazendo com que eu vá de cara no asfalto.

—Meu deus! Aqui, eu te ajudo a levantar.- diz o cara simpático da vã, saindo do veículo.

Enquanto eu, gentilmente, aceito a sua mão, ainda sou obrigada a encarar o moleque da bike com sua cara de "dane-se" para mim. Ainda bem que não por muito tempo, já que ele só pega a bicicleta e continua o percurso, como se absolutamente nada tivesse acontecido. Se não fizesse isso, minha mão já estaria na cara do infeliz. Juro.

—A senhorita está bem? - pergunta, preocupado.

—Sim... já estou acostumada. -digo baixo.

—Como?

Resolvo não dividir as derrotas da minha vida. Não quero virar piada.

—Nada não, senhor. Eu estou bem.

—Posso fazer algo por você? -pergunta, rapidamente, pois o motorista da van começou a fazer um sinal para que se apressasse. O senhor olha para mim e para o veículo parecendo avaliar algo.

—Só me diga onde estou e como que eu faço para chegar…

—Entre... eu te darei uma carona- fala de forma ainda receosa, cortando-me.

Com tanto receio quanto ele, aceito a oferta. Sei que confiar em estranhos não é algo que se recomende, mas, convenhamos, está começando a escurecer e não será eu a pessoa a permanecer ali.

Entro no veículo escuro e percebo que está cheio. Tem tanta pessoa que eu poderia até pensar que estava sendo sequestrada para o tráfico de escravos imigrantes, mas, devido a um fator bem curioso, só fiquei estática de surpresa à porta do veículo.

Era impressão minha ou todo mundo estava fantasiado de animal?