Perdida em Seoul

A Chinela Verde-amarela


Ok, ok. Talvez, eu tenha mentido sobre estar 100% sozinha. Logo assim que desço do avião, já trato de ligar para Samir, o mais próximo de um amigo que tio Khalan tinha e, além disso, mais uma das pessoas ajudadas por meu pai. Esse último fator faz com que Samir seja muito, muito, muito disposto a fazer tudo o que eu pedir, então, quando falei que precisava de ajuda com passaporte, entre outras coisas que envolviam tanto a viagem para quanto a estadia na Coreia, ele logo começou a ajeitar tudo para mim. Ele é tão rápido quanto as sasaengs perseguindo seus idols na rua, cara. Chega a assustar.

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Bom, como estou chegando ao final do ano, no meado de dezembro, já terminei o ano letivo no Brasil e estou de férias. Aqui na Coreia, as férias de inverno são de dezembro a fevereiro e o início do ano letivo será em março. Analisando, ainda, o fato de que as audições para a YG Entertainment, a empresa para a qual quero entrar, serão no final de fevereiro, tenho uns... 3 meses para arrumar um dinheiro para me sustentar.

Não é como se eu não tivesse nenhuma grana. Obviamente, ainda tenho a herança de meus pais e de tio Khalan, que continuou os negócios de meu pai, que, agora, passaram para Samir, temporariamente, já que se espera que, um dia, eu o assuma. Além do mais, eu recebo uma parte dos dividendos da empresa. Pra resumir, tenho dinheiro, mas minha educação ala tio Khalan/tailandesa impede-me de usar desse recurso não inteiramente conquistado por mim. Logo, iniciarei, o quanto antes um part-time em alguma cafeteria.

Saindo do aeroporto, resolvo tomar um táxi para o endereço que Samir passou para mim. Achei melhor evitar um primeiro contato com o metrô, já que já estava desconfortável com as pessoas. Não que eu não fique geralmente desconfortável com elas, mas é diferente. É muito olho puxado para onde quer que eu olhe. Claro que já estou acostumada com olhos orientais, entretanto o ponto é que eles andam como se fossem robozinhos por todos os lados. Sei lá.

Vejo um táxi e aceno. Enquanto o taxista guiava o carro em minha direção, bruscamente, uma van preta joga-se em sua frente, deixando todo mundo assustado. Utilizando-me de minhas capacidades ninjas, arremesso-me para o lado, buscando 1. Não ser atropelada e 2. Ver melhor a placa para denúncias posteriores. O problema é que nada saiu como planejado, visto que 1. Trombei em alguém e 2. Não consegui enxergar a placa, pois sou aquele tipo de míope revoltada que acha que pode enganar os problemas de visão apenas deixando de usar os óculos. Rapidamente, começo a caçar o trambolho em minha mochila.

—Eh... dá para sair de cima de mim?

Nessa hora, percebo que estou tombada no chão, com a barriga em cima das pernas de um cara que nem me dou ao trabalho de olhar no rosto, porque 1. Não conseguirei enxergar e 2. A vergonha não permite. Logo, apenas saio de cima dele murmurando um pedido de desculpas.

—Tudo bem, não foi nada.

Devo estar com cara de gringa, pois essa última frase foi em inglês. Para aliviar um pouco o peso da situação, resolvo manter um diálogo, ainda sem para seu rosto.

—Como sabe que não sou daqui, Sherlock?

Ele aponta para o meu calçado, ou melhor, o meu projeto de um, visto que estava usando um chinelo, daqueles de edição de Olimpíadas que você compra só porque era a única que tinha com um preço que não precisaria vender meu rim.

—Ah... –abro a boca para questionar o quanto aquilo, ainda assim, não fazia sentido.

Olho para ele. Péssimo momento. Como esperado não consigo enxergá-lo direito, mas o seu sorriso... era impossível não vê-lo. Uma sensação de familiaridade tomou conta de mim. Onde já vi um sorriso como aquele?

Naquele momento, comecei a refletir sobre a existência de anjos.

Um grupo de garotos entrando na van captura a minha atenção, retirando-me do transe em que havia entrado. Os meninos começam a chamar o tal boy-smile, que segue para dentro da mesma, dando-me uma leve acenada antes de ir. Ai, meu coração. “Migs, cê é bunitu, ein?”.

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Finalmente, pego um táxi e sigo para o endereço. O motorista para e eu desço -obviamente, depois de pagá-lo-. Era um prédio normal como eu pedi. Adentro o hall, cumprimentando o porteiro e fazendo a minha apresentação, para, depois, rumar o elevador.

Chegando ao andar, procuro pelo número 721. Pode me julgar o que for, mas esse número ainda me irrita, desde a hora que descobri que seria o número do meu apartamento- ou seja, desde o momento que desci no aeroporto de Seul, a uns 40 minutos . Detesto números ímpares e, toda a vez que olho para ele, dá um tique nervoso inexplicável. Espero um dia acostumar-me a essa praga do demônio.

Na minha procura exaustiva pelo tal número, passo pelo 925, 369 e 547, até notar que, man, (isso não fazia o menor sentido). Admiro a capacidade do ser humano responsável por essa "cagada" chamada de forma de organização, pois essa pessoa 1. Conseguiu pensar em vários números ímpares totalmente aleatórios e 2. Quebrou o recorde de tempo de entrada na minha lista negra, já que nem a conheço e já estou pensando no quão bem ela ficaria ao lado do tio Lúcifer no inferno.

Resolvo apenas ignorar o fato e seguir adiante, no famoso "fluxo da vida". Passo pelo 149 e algo faz com que pare. A porta de tal apartamento era pintada a spray de preto com uns cartazes de "NÃO INCOMODE" em diferentes línguas colados na porta. Fiquei extremamente feliz ao ver que meu quarto era o último locação ao lado desse. Espero que, devido a esse ser punk antissocial aspirante a poliglota que temos aqui, não seja atormentada.

Chegando, finalmente, ao meu cômodo, vem a mim um imenso sentimento de alívio e satisfação. Afinal, há pelo menos um lugar nesse mundo que posso chamar de meu.

Tomo um banho e me jogo na cama, pensando no que será do dia de amanhã.