34 — Missão à Dois

A fissura na montanha era estreita demais, os semideuses se esgueiravam com dificuldade enquanto as rochas desmoronavam logo atrás deles. As rachaduras no chão os seguiam como raízes de erva daninha, tentando engoli-los a qualquer custo.

Nico foi na frente, Thalia estava logo atrás. Percy e Annabeth continuavam de mãos dadas, nenhum dos dois fez menção de interromper o toque, como se um fortalecesse o outro. Percy ainda estava tentando se acostumar com todas as memórias que agora eram de fato dele.

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Apesar disso o garoto não era mais o mesmo, não era o Percy de antes da guerra, tampouco o Percy após o treinamento no Michigan ou aquele que foi treinar na cidadela do Caos e retornou com a mente apagada. Percy estava exausto, não de corpo, mas de alma.

Após tudo que ele havia passado desde a derrota de Cronos, Percy queria descansar, desativar o lado semideus e se concentrar apenas no lado mortal, se ele pudesse escolher entre viver uma vida normal ou ser um semideus, escolheria ser mortal sem pensar duas vezes. Infelizmente não tinha tanta sorte assim, nem escolha.

O brilho no luar estava aumentando, será que aquela era realmente a saída? Pelo pouco que todos ali conheciam da geografia do Olimpo, eles poderiam muito bem brotar no meio da praça de Zeus, só para serem devorados pelo Senhor dos Abismos.

As Moiras não o mandariam para suas mortes, não é? Percy tentava se convencer, afinal as avós demoníacas não controlavam o Destino, elas apenas cumpriam seu papel.

A passagem estava ficando estreita demais, estava difícil até mesmo para respirar. À frente de Percy e Annabeth, Nico tentava se contorcia com muito esforço tentando se soltar das paredes que o espremia. Se nem o filho de Hades, franzino como era, estava conseguindo passar, Beckendorf jamais sairia do monte Olimpo, Percy já estava surpreso que o brutamontes de 100kg de músculos tinha conseguido chegar até ali, sem ficar preso nas pedras.

Nico se debatia e se contorcia sem sucesso ao tentar se desvencilhar das rochas molhadas.

Ele urrou e se deu por vencido, ele ficou preso pelo abdome. Percy já tinha aceitado a derrota, eles seriam engolidos pelo colapso na montanha, ele quase conseguiu ouvir a risada estrondosa de Hades ecoar nos portões de Cérbero no momento em que sua alma chegasse ao mundo inferior. Derrotado por uma montanha? Ele diria.

Percy sorriu da própria sorte.

—Ei, Nico — Percy ergueu a cabeça e conseguiu ver o filho de Hades se debater.

"Talvez seja uma boa ideia parar com o Mc Donald’s”

Annabeth deixou escapar uma risada espontânea, assim como os outros semideuses. Perseu continuou sério.

—Só você para achar graça em uma hora dessas, garoto — ele bufou indignado.

—Rir pra não chorar — ele balançou os ombros — E não temos escolha, também, a não ser que alguém tenha uma britadeira aí na mochila.

Perseu deixou escapar um pequeno sorriso, mas logo fechou a cara em desaprovação.

—Ei, Nico… — Percy desfez o sorriso sarcástico, Nico murmurou um xingamento em grego — Agora é sério — Percy se defendeu.

“Você consegue criar terremotos, não é? Já li em algum lugar que os filhos de Hades tem esse poder… se der errado pelo menos a montanha já está desmoronando, mesmo”

Nico não respondeu. Todos trocaram olhares significativos. As rachaduras estavam se alargando aos pés deles, logo logo não haveria chão para se pisar.

Annabeth apertou com força a mão de Percy. Ela estava logo atrás dele, na expectativa.

O chão já não passava de uma pequena saliência na montanha. Um brilho avermelhado iluminou os cabelos de Annabeth.

Lava vulcânica.

Ela pensou em como seria morrer derretida, talvez a resposta sobre a biblioteca de Alexandria não tivesse agradado as Moiras, afinal o fuso e os novelos com os fios da vida havia se tornado cinzas, e logo ela também se tornaria. E todos os seus amigos também.

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—Pessoal, não olhem pra baixo — Annabeth advertiu, sem sucesso.

Thalia olhava para baixo com os olhos arregalados. Ela prendeu a respiração, a lava estava pouco abaixo deles, e parecia estar subindo.

Percy engoliu em seco, o brilho do magma iluminou seus olhos verdes.

—Nico! — ele gritou — Sem pressão. No seu tempo, amigo.

O filho de Hades tentava se concentrar, ele tocou a rocha molhada e franziu a testa de olhos fechados. A lava já estava a poucos metros de distância abaixo.

A temperatura fervente já estava castigando os rostos dos semideuses. O ar carregado como o do tártaro.

Nico sentiu um tremor de terra balançar a rocha basáltica, ele sentiu um frio na barriga logo antes de soltar um estrondoso urro de ódio.

Percy não conseguiu distinguir entre os tremores vindos do centro da terra e o grito de Nico. Ele sentiu um repuxo no âmago, ele era filho do senhor das profundezas, jamais deixaria Percy e os outros sucumbirem a algo que ele dominava.

A passagem começou a se alargar novamente, o soltando por fim.

—Corram! — ele esbravejou enquanto a montanha desmoronava ainda mais.

Percy puxou Annabeth pela mão e juntos os semideuses conseguiram se esgueirar para fora da montanha Olimpiana.

Nico foi o primeiro a conseguir sair, ele respirava com dificuldade, o coração estava a mil. As pernas do garoto fraquearam e ele caiu de bruços no chão, seu rosto tocou a grama seca e ele soube que haviam conseguido emergir do coração do Olimpo.

Thalia se jogou de costas no chão gramado, ela conseguiu ver o céu da noite brilhar com a lua cheia lá no alto, iluminando seus rostos como um alento de esperança. Estrelas belas e brilhantes salpicavam o céu grego. Ela fez uma prece em agradecimento a Zeus.

Percy e Annabeth também se jogaram na grama. Os corações deles batiam sincronizados, ofegantes.

Todos estavam deitados lado a lado, encarando as estrelas. O brilho da lua revelou as expressões cansadas e apavoradas, sempre havia um quê de sorte nas missões deles. Desta vez não havia sido diferente.

—Não há tempo para descanso — era a voz de Perseu, ele estava de pé, olhava para a montanha, a fissura havia se fechado, porém os tremores de terra continuavam a fazer o chão balançar — Talvez o filho de Hades tenha condenado a casa dos deuses.

Perseu sorriu sarcástico, um pequeno templo se erguia na beirada da montanha, com vista para o Egeu. Ele estava ruindo diante de seus olhos, as colunas dóricas de mármore adornado se partiam e o teto caía, os braseiros derramavam o óleo e alastravam chamas por toda a extensão da construção. O Olimpo estava prestes a implodir.

—O senhor dos abismos não deve ter gostado nada disso — Perseu desviou a atenção para os semideuses deitados — Andem, levantem-se crianças. Estou impressionado, filho de Hades, jamais havia presenciado tamanho poder.

Nico assentiu com a cabeça e se levantou, ele ofereceu a mão para Thalia. Os outros também se levantaram.

Percy correu os olhos pela paisagem mediterrânea, a lua iluminava toda a extensão da montanha em chamas, lava já vertia de alguns gêiseres acima, escorrendo e espirrando em bolhas escaldantes.

—Não sabia que o Olimpo era em cima de um vulcão — Percy indagou.

—E não é — Annabeth seguiu o olhar dele até o magma ardente — Nico deve ter feito alguma coisa, ou as Moiras. De qualquer forma, precisamos ir, Tártaro não é do tipo que perdoa fácil, com certeza já deve estar sondando a montanha atrás de nós.

—Eu vou voltar para o Acampamento, o Livro de Gaia está lá — Percy observou o céu, ele soltou a mão de Annabeth.

Perseu se mexeu incomodado.

—Não, meu pupilo — ele disse — Eu vou buscá-lo, você deve acompanhar a filha de Atena até a biblioteca. As Moiras disseram “tudo deve acontecer como antes”, e eu acompanhei Dora até Alexandria quando buscávamos orientação para entender o senhor da escuridão.

Percy não retrucou, eles trocaram um olhar significativo. O garoto também queria ficar de olho em Annabeth, ele ainda desconfiava-se dela.

—Eu também irei — Percy se surpreendeu, ele não imaginou que Thalia iria se voluntariar para ficar longe de Annabeth após quase perdê-la para sempre.

A filha de Zeus pediu permissão com o olhar à Annabeth — Preciso retornar para minha senhora, ela está no Acampamento junto das outras Caçadoras, e Luke… eu preciso saber como ele está.

Beckendorf e Nico também se separariam do resto do grupo — O Acampamento precisa de toda ajuda que puder, eu irei defendê-los, Percy. Quem sabe consigo convencer meu pai a fazer o mesmo, como em Nova York.

—Está decidido, então — Perseu estendeu a mão para seu pupilo — Não é um adeus, garoto — eles trocaram um soco.

“Eu retornarei com o Livro, e na pior das hipóteses o grandalhão aqui completará essa missão caso eu caia em batalha.”

O rio de lava se aproximava vagarosamente, escorrendo e derretendo a rocha da montanha.

—Não nos demoremos.

Percy escutou um bater de asas ao longe, ele ergueu o olhar. Quatro figuras aladas se destacaram no céu estrelado, elas mergulhavam em fúria na direção dos semideuses.

“Ei, chefe. Tem um torrão ou dois pra mim?”

Percy sorriu. Rever um velho amigo faria bem para seu espírito, ultimamente estava sendo só inimigos e prisões. Explosões e profecias.

O alazão negro estava mais belo que nunca, os pelos negros brilhavam iluminados pela lua, Blackjack estava protegido por uma armadura de bronze que cobria todo o tronco e as costas, além de uma espécie de elmo para cavalos, alforjes de couro lustroso pendiam em ambos os lados do pégaso.

“Essa armadura está me incomodando, chefe. Tira ela de mim, e cadê meus torrões?”

Percy sorriu, algumas coisas jamais mudariam.

Blackjack voou graciosamente e descreveu círculos enquanto galopava no ar. Outros três pégasos amistosos seguiam o amigo de Percy. Eles pousaram a alguns metros de distância.

“A armadura é pra te proteger, amigo. Afinal não queremos que você morra, não é?”

Percy dirigiu os pensamentos ao alazão negro.

“Morrer? Nem pensar. Quero meu torreões antes.”

“Vou ficar te devendo essa.” Percy se desculpou com o olhar, Blackjack relinchou ultrajado.

“Você já está me devendo umas três, chefe. Sua namorada gata voltou, que ótimo.”

Percy sorriu genuinamente. Ela havia retornado, afinal. Assim como ele.

Perseu se aproximou de um dos pégasos brancos que vieram junto com Blackjack. Ele retirou uma mochila camuflada de um dos alforjes e retornou até Percy.

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—Suprimentos para a viagem — ele a estendeu para Percy — Tem algum dinheiro mortal, também. Nunca se sabe.

Percy passou as alças pelos braços e a prendeu nas costas. Ele murmurou um obrigado a seu mestre.

—Infelizmente não trouxemos pégasos a mais, desculpe — Perseu se virou de costas e montou num dos cavalos alados, ele prendeu os pés no estribo e puxou as rédeas. O pégaso relinchou.

“Uma última coisa, Percy. Não confie em César, e não o desafie. Eu falo sério.”

Percy não fez perguntas.

Os outros semideuses se despediram dele, Beckendorf deu um abraço de urso em Percy, Nico se limitou a acenar de cabeça.

Thalia estava abraçando Annabeth, as duas trocaram palavras silenciosas com o olhar e riram, ela olhou para Percy.

—Até mais, Cabeça de alga — ela jamais mudaria aquele tom sarcástico, Percy estendeu a mão.

Thalia o interrompeu com um abraço, eles eram irmãos, apesar de tudo.

—Proteja a Annabeth, vocês são minha família — ela pronunciou as últimas palavras verdadeiramente — E vê se não morre ou é capturado de novo. Talvez o deixemos apodrecer em alguma masmorra por aí na próxima.

Ela deu um choque em Percy. A amizade deles era assim, entre abraços e tapas. Ela se foi até um dos cavalos brancos.

—Tem a minha palavra, Cara de Pinheiro — Thalia mostrou dedo de costas. Percy sorriu.

Ele trocou um último olhar com seu mestre. Perseu olhou para Annabeth e franziu a testa, tal mestre, tal pupilo.

Em poucos segundos os quatro pégasos se misturaram à escuridão da noite, até que não passavam de pontos nos céus da Grécia.

Percy os acompanhou com olhar até que não foi mais possível vê-los. Ele olhou para o Egeu. O grande braço do Mediterrâneo.

Um pequeno vilarejo se erguia próximo ao quebra mar, algumas centenas de metros montanha abaixo. Ele escutou sirenes e viu luzes piscantes de ambulâncias correrem pela cidadezinha, a montanha estava explodindo, afinal. Os mortais deveriam estar desesperados, talvez ele também, ainda que tentasse disfarçar com o olhar destemido.

—Então… — ele olhou para Annabeth. Ela também olhava para a pequena cidade, esta que se limitava a algumas poucas casas e fazendas com pomares de tangerina, além de um longo píer de madeira em um modesto atracadouro.

—Parece que somos só nós dois, quem diria.

As coisas realmente jamais mudariam entre eles. O vínculo transcendia guerras, profecias e deuses.

Era um vínculo de éons. Isso jamais mudaria.