Cantiga de Ninar

Aquela imagem não saia de minha mente. Aquele cheiro de sangue, aqueles membros dilacerados e espalhados pela grama verde, que se tornava vermelho e adormecia. Os gritos ainda eram ouvidos, talvez apenas por mim ou por outra pessoa corajosa o suficiente para olhar. Meus banhos era seguidos de muita água e uma pele vermelha de tão esfolada pela vontade indescritível de me sentir limpa novamente.

–Talvez seja a hora de visitar a vovó!

Queria poder tocar seus lábios frios, apenas para mostrar que me corpo quente nunca poderia ser seu objeto de desejo em outro lugar. Mas aquele olhar para mim, um olhar de poucas palavras e um sombrio segredo. Meu coração disparou naquele instante em que notou minha presença. Preciso encontra-lo novamente. Mesmo que isso custe meus dias aqui na Terra, preciso de seu olhar novamente a mim.

Após meus banhos, tratei logo de me vestir e me deitar. Ao adormecer, senti como se o mundo todo girasse a minha volta e ele, com uma expressão demoníaca, tenta-se a todo custo me devorar, rasgando minhas vestes e me encarando novamente como aquele dia, me fazendo desejar a morte repentina.

Meu desejo por saber o que poderia acontecer, acabou se esvaindo quando um uivar tocou minha espinha, tornando-me sua refém. Levantei, ainda acordando aos poucos, coloquei minha capa e saí com um lampião, a procura daquele som. Ventava um pouco, fazendo o frio tomar conta de meu ser. Decidi que aquele sentimento seria medo e me afastaria de tudo, procurando o destino que já estava traçado a mim.

Ouvi passos em meio a meus pensamentos, me fazendo olhar diretamente para a floresta e ali, diante de meus olhos, passos pesados e ensanguentados, estava quem eu mais queria ver. Sua boca, aparentemente limpa de toda aquela sujeira imoral, carregava uma cesta. Minha cesta que havia ficado na floresta, retornou para casa, trazendo o animal que me tornaria ligeiramente uma pessoa totalmente morta para o destino que me reservaram e renascida para suas ideologias e desejos mais sombrios.

Pensei em tudo o que passei em minha infância, o que senti em nosso primeiro encontro. Me aproximei. Assim que pus me a andar a seu encontro, notei passos recuando. Estiquei minha mão, me aproximando cada vez mais, olhos fixos aos seus e um sorriso inocente. Minha cesta ao chão e sua partida, partiram meu coração. Por que foges de mim? Sou o monstro que todos imaginam ou você apenas quer me proteger? Toquei a cesta, levando-a para casa. Sentindo uma calor em meu coração a transcender meus desejos mais humanos e lágrimas a tocar a pele, trocando o sorriso por lágrimas.