reflexo

ex-CALLIE (?), 9 ANOS. LUKE, 8 ANOS.

Não era a primeira vez que ex-Callie observava sua irmã e certamente não seria a última. Ele gostava de observá-la, de ver tudo aquilo que tinha certo nela, que parecia certo nela, apesar de serem espelho um do outro, reflexos.

Seu corpo não era errado, sua irmã era prova disso; seu corpo era apenas errado para ele.

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Os cabelos de Malia eram pretos, lisos e compridos – era seu xodó e sempre tinha todas aquelas coisas que ex-Callie não gostava, como laços, fitas, pedras brilhantes, rosa, porque Malia gostava.

(O cabelo dele era curto. Ou tão curto quanto possível para uma garota sem ser errado.)

(Ex-Callie tinha cortado-o no banheiro, com a tesoura cega que usava na escola. As pontas do cabelo estavam cheias de pontas duplas como prova de que aquela tesoura não era para cortar cabelo, apenas papel.)

A pele de Malia era branca – um pouco mais branco e pareceria que ela estava doente.

(Um pouco mais no sol e ex-Callie pareceria um camarão tostado.)

Os olhos de Malia eram escuros. Talvez castanho escuro, talvez preto escuro, ele não sabia. Os olhos de sua irmã eram escuros.

(Os dele também.)

(Ex-Callie gostava disso.)

Observando-a movimentar as mãos com exagero enquanto falava com Julie, ele sentiu o desejo de pegar as mãos da sua irmã e segurá-las, fazê-la parar e respirar fundo como ela sempre pedia que ele fizesse quando pensava demais, quando tudo era demais.

Respire, ele diria, inspirando devagar e expirando devagar. Respire.

Mas como mandar Malia fazer algo se ele mesmo não fazia?

Respire.

Ele respirou e exalou devagar, sentindo seu corpo tremer de ansiedade, nervosismo, medo... Julie falava com sua irmã. Sobre ele. Sobre ele ser ele. Ex-Callie sabia que era dele que Julie falava e queria ter coragem de andar até elas e dizer – dizer a sua irmã tudo que não disse, mas ele também sentia culpa. Ele não tinha dito a ela, não era ele que dizia a ela naquele instante. Ele tinha dito a Luke primeiro que nem era seu amigo amigo amigo, mas não a sua irmã.

—Você deveria ir falar com ela – disse Luke ao seu lado. – Ela está com raiva. Eu estaria se Julie não dissesse uma coisa importante para mim primeiro.

—Eu estou com medo – confessou ex-Callie, sentindo-se tremer. Não era que seu corpo tremeu por causa da respiração, sua respiração saiu tremida por causa do seu corpo tremendo.

—Por quê? – questionou Luke, sinceramente confuso.

Medo era o que ele sentia ao ver baratas, ou sua irmã machucada, ou chorando. Medo não era o que sentia sobre falar com irmãs. Falar era fácil, falar com sua irmã era mais fácil ainda porque ela sempre sabia o que ele diria mesmo que ele não soubesse. Luke sempre sabia como sua irmã reagiria mesmo se ela não soubesse.

—E se... – Era tantos se que ex-Callie não sabia por onde começar. – E se ela não gostar mais de mim? – murmurou ele, baixando os olhos para os seus pés descalços.

—Por quê? – repetiu Luke. – Você é idiota? Eu não te entendo. É claro que ela vai continuar gostando de você, você é a... o irmão...

Antes que Luke pudesse terminar de dizer o que queria, Malia estava perto. Um pouco mais perto e ex-Callie pode ver Malia na sua frente, a mão dela no seu rosto, os olhos cheios de lágrimas, a expressão de raiva.

—Como você pode? – questionou Malia.

Um pouco mais perto, ex-Callie pode sentir sua bochecha queimando, sua própria raiva – por que Malia o bateu? – e então seu corpo estava sendo abraçado por Malia e suas próprias lágrimas deslizavam pelo seu rosto enquanto a abraçava de volta.

—Ah, o amor – suspirou Julie, balançando a cabeça.

—Do que você está falando? Malia deu um tapa nela... nele – corrigiu Luke rapidamente, deixando a exclamação que faria pela metade. – Nele, nele, nele... – repetiu tentando decorar. – Vai demorar um pouco – disse em tom de desculpas.

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—Eu não me importo – disse ex-Callie, surpreso. Era assim tão fácil? Foi assim tão fácil?

—Temos coisas mais urgentes para nos preocupar – disse Julie, tentando ser séria, mas falhando miseravelmente. Todos podiam ver o quanto ela estava animada. – Precisamos arrumar um nome para você, porque, urg – ela tremeu – Callie é nome de menina.

—Alguma sugestão? – perguntou Malia, levantando a sobrancelha.

Ex-Callie não iria reclamar do fato de estarem escolhendo um novo nome para ele, pois elas estavam certas: seu antigo nome era nome de menina e ele era um menino. Ele não se importava qual nome escolhessem – desde que não fosse ela, desde que não tivesse um nome feminino, ele não se importaria. Qualquer nome era melhor do que um nome de menina enquanto era um menino.