RAFAEL

— Você está bem, Rafael?

A voz de Roberto era irritante, ou eu estava irritado, não saberia dizer. Quando ele berrou em meu ouvido, fazendo com que eu praticamente caísse da cadeira, quis dar um soco naquela cara de arrogância bem no meio de todo mundo. Claro que minha mãe teria um ataque cardíaco e provavelmente eu seria contido por algum segurança truculento. Não valia a pena, não por causa de Roberto.

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— Acho que você esqueceu alguma coisa, não para de olhar para trás.

— Não esqueci nada. Estou morrendo de fome, na expectativa que alguém entre e sirva o café da manhã. E pensei que tivesse visto alguém conhecido.

Menti, já que não queria estar naquele hotel, não queria ter que falar a verdade, não queria ter que dar explicações. A família estava aos pedaços e não dava para aguentar papai e mamãe fingindo de casal perfeito. Não ia dar certo porque eles não tinham nada em comum e não se suportavam mais. Por que insistir naquele casamento falido? Éramos todos grandinhos o suficiente para entender um divórcio, e Mercedes não poderia ficar mais metida a rebelde do que ela já era.

Eu estava extremamente intolerante com tudo e todos, naqueles dias, mas era apenas um reflexo da tensão no trabalho e da necessidade de fingir um personagem até na vida real. Não bastava fingir na televisão, eu também tinha que interpretar o filho perfeito.

Meu mal humor recebeu uma súbita rajada de vento fresco quando entrei no salão e vi aquela mulher, mas ainda não sabia quem ela era. O tal do Keller explicou alguma coisa para mamãe, mas não ouvi nada.

— Espero que não tenha visto ninguém conhecido! — Mamãe ergueu as mãos para cima. — Se souberem quem você é, não teremos mais paz.

— Todos sabem quem ele é, mãe. Acha mesmo que Rafael passará despercebido? A cara dele está em todas as revistas.

Roberto tinha razão. Ele era meu irmão gêmeo, mas não éramos idênticos. Tínhamos feições bem parecidas, mas personalidades totalmente opostas. E eu era a parte famosa da família, o menino que conquistou Hollywood. Todo mundo acabava orbitando ao meu redor e isso era igualmente entediante e assustador.

— Só quero saber o que estamos fazendo aqui. Não podemos sair para comer?

Antes que alguém me respondesse, pegaram o microfone e começaram a falar. Não prestei atenção no blá-blá-bla do gerente do hotel, que era amigo dos meus pais, e continuei olhando para trás, involuntariamente, na expectativa de vê-la. Ela estava lá em algum lugar, mas não conseguia encontrá-la. De repente, o palco foi preenchido por pessoas - inclusive a mulher que me fez perder a cabeça logo no primeiro dia.

Ela era mais velha que eu, não havia dúvidas quanto a isso. Um pouco mais velha, talvez uns cinco anos apenas, o que não fazia a menor diferença. Eu já tinha beijado mulheres mais velhas, não que isso significasse que eu tentaria beijá-la. Foi engraçado quando a vi no palco, meus ouvidos ficaram surdos e tudo perdeu a forma. Frances, foi o nome anunciado, e essa foi a única coisa que ouvi. Olhei ao redor e todo mundo aplaudia encantado com os artistas, enquanto eu pensava todo tipo de baboseira.

— Mercedes, largue esse telefone. — Mamãe rosnou ao meu lado, distraindo-me momentaneamente. — Você não veio aqui para ficar o tempo todo agarrada nessa coisa. Se insistir, arremesso esse negócio no meio do lago.

— Você não se atreveria.

— Ah, você não tem noção do quanto eu me atreveria. Vamos, depois de comer eu vou te levar para aprender dança com a tal de Frances. Quem sabe manter o corpo ocupado não seja o que você está precisando?

— Não quero dançar.

— Eu dançaria, a professora é gostosa.

— Roberto!

Mamãe bateu sobre a mesa, indicando que aquele era um pensamento inapropriado. Bem, era mesmo, mas apenas porque ele o disse. Eu estava pensando a mesmíssima coisa e não fui repreendido porque sabia ficar de boca fechada.

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— O que foi? Ela é bonita mesmo, não achou, Rafa?

Pronto, lá estava Roberto me metendo no meio da confusão.

— Não sei de quem estão falando.

— Como não sabe? A dançarina, de saia nos joelhos… linda! Você quase babou quando nós a encontramos!

— Ah, claro, agora me lembro. Sim, muito bonita, mas eu não preciso de aulas de dança.

Já estava virando um mentiroso contumaz, mas parte daquela frase era verdade. Grande parte dela; a dançarina era linda e eu realmente não precisava de aula de dança. Eu sabia dançar, fazia parte dos meus dotes artísticos para filmes e seriados de televisão.

— Faça, pelo menos para incentivar sua irmã. — Mamãe insistiu. — Vocês três poderiam fazer, há outros professores. É uma atividade que a família pode participar.

— Tudo bem, eu topo.

— Me erre, Roberto. Não quero dançar.

— Você nunca quer nada, maninha. Mas vamos fazer umas aulinhas de mambo, tango, qualquer rebolação latina que estiverem ensinando esse ano.

— E eu preciso compactuar com isso?

Resmunguei, querendo manter a pose de difícil. Não saberia como me posicionar sobre o fato de que minha família problemática estava interessada em participar das aulas dela, da professora que me fazia continuar olhando muito fixamente para o palco. Eu juro que não me importaria de ter aulas com ela todos os dias durante o verão, mas poderia deixar Roberto e Mercedes fora disso. Não, claro que mamãe daria um jeito de nos enfiar em alguma atividade conjunta para contar a todos que somos unidos e perfeitos.

As apresentações acabaram e fomos direcionados para outro ambiente, um restaurante. Estava mesmo com fome, mas lamentei que minha musa desapareceu. Frances. Aproveitaria as tais aulas de dança, precisava conhecer aquela mulher.