Natalie: “... Não somos tão informais quanto a família do seu pai.”
Gwen (censurando): “Mamãe.”

Natalie: “Não estou julgando eles, mas admita: gente educada não brilha.”
Gwen: “Eu brilho”.
Natalie: “Não na minha frente.”

Não é Fácil Ser a Gwen, Ben 10 Supremacia Alienígena

Capítulo 4

— Nem uma palavra, senão pode dar adeus às edições perdidas do Samurai Sumô ._Kevin ameaçou, enquanto ele e Ben se encaminhavam para a porta de saída da sala de controle.

“Somewhere over the rainbooww... “

A musiquinha caiu entre eles como um raio. Quando Ben percebeu do que se tratava, deu uma risada:

— E você pega no meu pé porque eu uso a música-tema de Samurai Sumô!

— Acha que eu ia botar ISSO no meu celular? _Kevin remexeu os bolsos, envergonhado _Ontem quando fui ver a Gwen e aquelas primas dela se meteram entre a gente, eu senti alguém passando a mão na minha bunda. Alguma daquelas bruxas deve ter mexido no meu celular.

Percebeu que estava falando sozinho: Ben já havia corrido para o hangar. De qualquer jeito, era mentira. Quer dizer, Kevin havia realmente sido bolinado, mas qualquer um que fosse bobo de mexer no celular dele sem saber a senha levaria um belo choque. Fora ele mesmo quem baixara a musiquinha, num momento de total tédio e um início de depressão. O Mágico de Oz fora um dos filmes de sua infância, muito antes de ele fugir de casa para viver nas ruas. Com a chegada de Ben, havia esquecido de botar de volta o rock que era sua chamada habitual. Quando Kevin finalmente achou a droga do aparelho, sua carranca aumentou: era Frank Tennyson que estava na linha.

— Deve tá querendo que a gente leve outro moleque chato pra passear. Vai sonhando _encerrou a chamada, botou o celular no silencioso e correu para a garagem.

Era difícil ele e Gwen conseguirem sair sem que aparecesse algum parente que supostamente queria conhecer Bellwood. E eram sempre o tipo de gente que todo mundo quer ver longe; Kevin tinha quase certeza de que eles faziam de propósito, porque era coincidência demais TODOS serem tão chatos:

"Qualquer shopping da minha cidade tem mais lojas que esta baiuca. Agora entendo porque é que vocês se vestem assim.”

“Quando o Ben não tá batendo num monstro, não tem nada pra se ver aqui. Aceitem que dói menos.”

"Gwen, nunca me disseram que você era tão bonita. Por que não esquece esse noivado idiota e a gente... iiih, não precisa fazer essa cara, Melvin. Tô só brincando."

Tudo o que os Wilkes diziam era camuflado como piada: trocar seu nome, cantar Gwen na sua frente, dar alfinetadas a torto e a direito. Kevin não podia nem se aborrecer, ou seria visto como grosso e sem senso de humor. A cereja do bolo foi quando a famosa tia Joyce fez o casal perder um jogo de futebol porque ela queria muito visitar um antigo monumento no outro lado da cidade. Mesmo Gwen, com todas as suas habilidades, teve dificuldade em localizar a porcaria, que ainda por cima ficava no alto de uma escadaria de pedra que obrigou Kevin a usar as rodas especiais de seu carro para subir. Quando enfim chegaram ao topo, a velha calmamente pediu pra ir pra casa: “Conheço isto aqui muito bem, Dustin. Só queria ver se você seria capaz de chegar aqui em cima.Se saiu melhor que o Frank, quando ele namorava a Lily: o coitadinho me carregou metade do percurso e precisou de um balão de oxigênio.” Mais tarde, Frank confirmou que fora vítima dessa pegadinha; era tradição dos Wilkes testar os pretendentes com brincadeiras de mau gosto, pra ver se as intenções deles eram sérias. O certo era levar na esportiva. Kevin teve que sair correndo para não dizer o que Frank, tia Joyce e todo o resto mereciam ouvir. Foi só por causa de Gwen, claro, que ele não desistiu de tudo; a garota foi procurá-lo no dia seguinte, morrendo de vergonha. Não pudera fazer nada, porque até sua mãe, que normalmente não tinha senso de humor, havia achado graça na “pegadinha”. Pelo menos ele se saíra melhor que o esperado – isso significava que era parte da família agora, certo?

Kevin não teve coragem de desiludi-la. Seria mais provável Argit fazer caridade do que ele, o ex-marginal mestiço de alienígena que vivia à sombra do famoso Ben Tennyson e cuja mãe ainda vivia no subúrbio, ser aceito por aqueles metidos. Mas não era isso que realmente o perturbava. Ele estava acostumado a lidar com o preconceito de gente que mal conhecia, ou com quem não se importava muito, mas aquelas pessoas, especificamente, eram próximas a Gwen: eram os parentes de sua mãe, que a tinham visto crescer e que esperavam grandes coisas dela. E se ela acabasse dando razão a eles? E se o plano daquela gente desse certo e Gwen percebesse que estava cometendo um erro?

— Até que enfim! — reclamou Ben, vendo a prima sair do carro — Já achava que você tinha esquecido o caminho pra fora da cidade.

Kevin abanou a cabeça. Os anos podiam ter passado, mas Ben ainda tinha seus momentos de sem-noção. Provavelmente sempre seria assim; depois não sabia por que Julie o havia largado de vez. Ao olhar para Gwen, apressou o passo; mesmo da distância em que estava, podia ver que sua noiva não estava bem.

— Desculpe, é que aconteceram... alguns problemas — ela começou.

— Não liga pra ele — Kevin alcançou-os com algumas passadas — O Ben também me veio com o papo de que era urgente, e... uf! — Gwen jogou-se contra ele com tanta violência que lhe tirou o ar.

Fazia tempo que os dois não se tocavam. Kevin inicialmente não reagiu, mas depois de alguns segundos ela sentiu suas mãos calosas acariciando-lhe as costas, passando os dedos por seu cabelo. Ergueu o rosto para ele e pela primeira vez notou, chocada, o quanto Kevin parecia abatido. Tinha olheiras fundas e o queijo estava azulado de barba. Até o cabelo, do qual ele se orgulhava tanto, tinha um aspecto opaco, com fios escapando desgrenhados do rabo de cavalo. Kevin, por sua vez, também não estava satisfeito com o aspecto da sua companheira; se à primeira vista a aparência dela parecia impecável (também, com aquele montão de galinhas chocas cacarejando em volta o tempo todo, ela não podia ficar desarrumada nem quando dormia), Gwen estava pálida e parecia que ia desabar a qualquer momento.

— Aconteceram alguns problemas bem sérios, pelo jeito — a voz de Ben quebrou o encanto, como sempre fazia —Desculpe se o meu telefonema aborreceu a tia Natalie...

De má vontade, a prima olhou para ele:

—Não tem que se desculpar de nada. Você me fez um grande favor—deixou cair os braços —Mas prefiro conversar sobre isso mais tarde, se não se importam. Alguém ligou pra vocês?

— Não — Kevin mentiu com o ar mais inocente que conseguiu fazer.

Ben olhou para ele, mas respondeu:

—Tio Frank me ligou pouco antes de eu chegar aqui, mas só perguntou se você já tinha chegado e pediu pra ligar assim que pudesse.

"Eles devem estar tentando abafar o escândalo... como se fosse possível. Aposto que vovó está dizendo pro bairro inteiro que vocês me sequestraram." Sua atenção foi distraída por uma leve pressão em seu ombro – a mão de Kevin. Olhou para cima e viu o rosto dele perto do seu, preocupado:

—Aí gata, o que você precisa agora é de comida e descanso. Esse assunto “urgente” do Ben pode esperar, não pode? —olhou de soslaio para o amigo, que deu de ombros e mostrou as palmas das mãos —Imagine que seu primo também me deu um susto com o papo de que era uma emergência. Eu vim pra cá, fiquei esperando... e ele me chega bem tranquilo e começa a jogar Samurai Sumô!

—Você não mudou nada, não é? — Gwen caçoou do primo, agradecida pela distração.

— Kevin não parecia morto de preocupação, quando cheguei. Na verdade... —Ben sorriu malicioso e Kevin rapidamente mudou de assunto:

—Ih, lembrei que não tenho mais hambúrguer. Pode ser sanduíche de presunto?

Foi nesse clima descontraído que chegaram à cozinha - de acordo com Kevin, a parte mais importante da nave depois da sala de controle. Apesar de minúscula, tinha espaço suficiente para que os dois primos aguardassem sentados a uma espécie de mesa presa ao chão, enquanto o anfitrião inspecionava o frigobar. O espaço também tinha engenhocas para cortar e processar alimentos e uma espécie de substituto do forno de micro-ondas. Em poucos minutos, Kevin aprontou uma pilha de sanduíches variados. Ofereceu-se para preparar um suco para Gwen, mas ela preferiu um refrigerante:

—Chega de regime! Se eu perder mais um quilo, minhas calças vão cair!

—Oba! Então não vou deixar você comer isto! —de brincadeira, Kevin começou a empurrar o prato para longe dela, mas Gwen segurou-lhe a mão e pegou um sanduíche de frango, com ar de desafio.

Foi um gesto impensado, mais para reagir à provocação, pois ela não acreditava que realmente conseguiria comer. Sentia uma bola no estômago. Mas, assim que deu uma mordida, teve que se esforçar para não empurrar o sanduíche boca adentro. Num instante o pão e todos os seus recheios desapareceram e ela já estava apanhando o segundo.

—Aí, Gwen! É assim que se faz! — riu Ben, e abocanhou o próprio sanduíche, espirrando metade do conteúdo sobre a mesa.

—Qualé, Tennyson! Quem você acha que vai limpar essa sujeira? — Kevin reclamou.

Ben abriu a boca, mas antes que se desculpasse, o meio-osmosiano continuou:

—Você está comendo do jeito errado! É assim! — com uma mão só, empurrou um sanduíche inteiro para dentro da boca, sem perder mais que alguns fragmentos de verdura. Os dois primos quase se engasgaram de tanto rir. Gwen explicou que Kevin era o campeão de maus modos no refeitório do campus.

—Bom... quase —ele sorriu modestamente (depois que engoliu o sanduíche) —Eu te disse que perdi pra uma boca aberta cheia de comida... conseguiu ser mais nojento que o Gosma — ergueu o dedo para Ben, que estava com as bochechas estufadas e um olhar malicioso —E nem pense em fazer isso aqui!

Foi o tiro de partida para uma festa de malcriação, com direito a canudinhos no nariz e competição de arrotos. Era um desafogo, depois de semanas de refeições formais na casa de Frank e Natalie. No início, amigos convidavam os jovens noivos para comer fora, porém os implacáveis acompanhantes Wilkes logo acabaram com os convites. Sempre ia alguém junto, supostamente preocupado com o regime de Gwen, embora isso não o/a impedisse de se encher de coisas calóricas – e caras - às custas do trouxa que estivesse pagando. A única vez que o casal conseguiu jantar a sós foi um desastre. Kevin havia planejado levar a noiva para uma pizzaria, porém sua mãe lhe encheu tanto os ouvidos sobre a necessidade de “ser um adulto responsável” que ele acabou mudando o programa para um sofisticado restaurante natural. Gwen não disfarçou a decepção e o casal passou a noite brincando com pedaços de brócolis e beterraba, sob os olhares reprovadores dos garçons.

Em total contraste, o lanche na cozinha da nave lembrava os velhos tempos, quando o trio se reunia no estacionamento da Casa do Hambúrguer ou do Senhor Sorvete. Mas havia uma diferença vital: no passado, os três se abriam durante esses encontros, encontrando apoio mútuo tanto para as missões perigosas que cumpriam quanto para os problemas comuns de adolescentes. Agora, o empenho em parecerem alegres e despreocupados camuflava o conflito interno de cada um. Ben encerrou sua refeição com um arroto de Enormossauro:

—Nossa, Kevin... O Subway tem sorte que seu negócio seja máquinas e não sandubas. É sério, você ganharia bem mais nessa área.

—Nem pensar. Já tô meio fora de forma; se eu abrisse uma cadeia de lanchonetes, ficaria mais gordo que o Max. —bateu de leve na barriga sarada — Chega de suspense, Tennyson. O que é tão importante?

— Houve um roubo num laboratório, na constelação de Cassiopéia. Em...

Por questão de sigilo, não mencionaremos o nome do planeta em questão. O fato é que ladrões haviam invadidos um laboratório importante, matando e ferindo vários cientistas e seguranças. Entre outras coisas, haviam levado um bloqueador de sinais. O aparelho era um protótipo, mas poderia fazer qualquer nave se aproximar de um planeta sem ser detectada por seus radares, ou qualquer outro sistema.

— Pensei que os galvanianos tivessem proibido a construção desse tipo de aparelho, depois que Galvan I foi destruída pelos Soberanos — Gwen observou.

—Alguns países da Terra também assinaram acordos para não produzirem armas nucleares e continuam fabricando na encolha — Kevin lembrou, cínico — Eu ficaria surpreso se o universo inteiro respeitasse um acordo como esse. E você quer que a gente ajude a descobrir para onde foram esses ladrões?

— Na verdade, eu mais ou menos já sei onde eles estão. As últimas pistas do roubo chegaram até uma das luas de Ohr — Ben tirou um holovisão do bolso. O aparelho mostrava o que aparentemente se tratava de uma cadeia de montanhas; mas, tocando no holograma, essas montanhas revelaram ter um sistema intrincado de labirintos em seu interior. Mesmo Gwen chegou a esquecer seus problemas familiares por um momento:

— Cada caminho é ligado em vários outros! Parece até uma renda! — inclinou-se para observar melhor o holograma, fascinada.

— É apenas a entrada — Ben explicou, servindo-se de um vidro de pepinos em conserva esquecido na mesa — A maior parte do labirinto nunca foi mapeada. Os encanadores que se arriscaram a entrar tiveram de ser resgatados com a ajuda de guias locais, depois de seis dias. Nem mesmo o povo que mora ali perto se arrisca a ir muito longe.

— Então esses ladrões podem estar perdidos aí dentro... se é que ainda estão vivos — Gwen concluiu com um arrepio.

— Talvez não — Kevin retrucou — Esses caras que salvaram os encanadores devem ser guias turísticos; é claro que eles só entram onde é seguro. Pra chegar ao fundo do labirinto, tem que contratar alguém do contrabando, e não é nada fácil. O segredo do labirinto é passado de pais para filhos nas famílias dos contrabandistas, há mais de mil anos.

Os dois primos olharam para ele.

—Só estive lá uma vez, com o Argit, porque era o melhor lugar pra esconder umas paradas ilegais. — Kevin estava meio sem graça, mas sorria —Ele conhecia uns contrabandistas e a gente tinha que ficar grudado neles o tempo todo pra não se perder. Por via das dúvidas, eu grudei um rastreador no Argit, pra ter certeza que ele não ia me “esquecer” por lá. Quase não precisei. — terminou, com uma risadinha.

Gwen ficou chocada que ele falasse de uma coisa tão horrível como se fosse uma molecagem de garotos:

— Nunca vou entender como você continuou sendo amigo daquele rato, depois de todas as vezes que ele te traiu.

O sorriso dele se apagou:

— Quando você leva uma vida como a que eu levei, não pode ficar por conta própria o tempo todo. E nem sempre a gente pode escolher em quem se escorar.

Poderia ser impressão de Gwen, mas alguma coisa no tom triste dele e no seu olhar soou como uma bofetada. Ela murmurou um pedido de desculpas e desviou os olhos; ele não respondeu e ficou olhando-a, em silêncio. Ben não tirava os olhos do casal. Quando ele ativou o holograma, parecia que os dois haviam voltado à vida, depois de muito tempo: era evidente a curiosidade de Gwen pelo labirinto cavado nas rochas e mesmo Kevin, apesar das apreensões, parecia animado contando de sua experiência no lugar. Agora, um simples comentário gerara aquele clima pesado. O que estava acontecendo com aqueles dois?

— Kevin, você acha que o Argit ainda tem contato com algum desses contrabandistas? — perguntou, como se não notasse nada.

O mecânico “acordou” imediatamente:

—Posso ver com ele... mas já aviso que não vai sair barato. — lembrou-se de algo importante que o fez murchar, como um balão soltando o ar aos poucos — A gente não vai poder ir com você. O ensaio de casamento é daqui a dois dias, e essa não é uma daquelas missões que a gente resolvia numa tarde e voltava na hora do jantar.

Para disfarçar a frustração, virou de costas para os dois e apanhou uma lata de refrigerante no frigobar:

—Olha só, achei que não tinha mais essa aqui! — disse com falsa animação.

Aquilo era mais do que Gwen podia aguentar. Decididamente, não podia adiar mais.

—Não vai haver ensaio nenhum — declarou com firmeza —Vamos suspender o casamento.

PLUF! A mão de Kevin esmagou a lata, produzindo um geiser de refrigerante que atingiu seu rosto em cheio. Gaguejando e cuspindo, ele esfregou o rosto, desesperado para se livrar do líquido que ardia em seus olhos e no nariz. Ben alcançou-lhe uns guardanapos.

—Kevin, eu... sinto muito, não devia ter abordado o assunto dessa maneira. Mas aconteceram algumas...coisas...— Gwen mostrou as palmas das mãos, sem saber como começar.

—...na loja de noivas. — Ben completou, muito sério.

Grata pela deixa, Gwen deixou-se cair pesadamente sobre um dos bancos e fez que sim:

—Enquanto eu provava os vestidos, mamãe e vovó conversavam em voz alta. Aproveitavam que eu não podia entender o que diziam por causa do barulho na rua, mas eu percebi que estavam falando no Kevin e...

—Você usou magia pra escutar e descobriu que elas não me achavam exatamente um partidão —seu noivo terminou, ainda meio engasgado.

Gwen voltou o rosto na direção dele: nos olhos agora vermelhos, não havia censura pela sua indiscrição, apenas tristeza por ele não ter conseguido poupá-la da verdade.

—Kevin não te contou nada porque você já tinha problemas demais — Ben apressou-se a defender o amigo —Mas todo aquele pessoal da tia Natalie trata ele muito mal quando você não está por perto... quer dizer, pior. A Rachel chegou a chamá-lo de bicha porque ele deu um toco nela.

Gwen franziu a testa, à menção da prima (por que será que, de todos os seus primos, ela só conseguia se dar com o Ben?):

—Então foi pra se vingar que ela começou a espalhar boatos sobre Kevin com a Emily! — tarde demais, percebeu, pelos olhares dos homens, que havia dito o que não devia. Não houve jeito senão contar as acusações da avó - e que não acreditara nelas, bem entendido! Ben no início chegou a rir: até o Mago Hex com a Mãe Vreedle seria um casal mais provável - Emily estava praticamente noiva de um colega músico, inclusive! Quando o herói entendeu que era sério, ficou furioso. Já Kevin, o prejudicado na história toda, recebeu a notícia em silêncio.

—Pelo menos mamãe não acredita — Gwen acrescentou, tentando confortar a si mesma — Insistia que Rachel inventou isso de raiva porque Emily e eu não deixamos que a banda do namorado dela tocasse na cerimônia. Assim mesmo, eu esperava que mamãe te defendesse, Kevin! Se lembra como ela nos ajudou com papai, quando a gente começou a namorar? Mas ela disse coisas... horríveis — baixou a cabeça, tentando inutilmente não reviver o que sentira naquele momento na loja. Pelo menos não magoaria Kevin mais ainda, contando o que haviam falado da mãe dele —Ela... e papai... todos esses anos, eu realmente acreditei que estavam começando a gostar de você. Mas eles só estavam te tolerando, enquanto aguardavam que eu te trocasse por algum colega de faculdade!

—Normal—Kevin concordou amargamente —Com todos aqueles estudantes cheios de futuro, por que você ia continuar com seu namoradinho mecânico? Era o curso natural da vida...

Parou de falar porque percebeu que estava dizendo as coisas erradas. Gwen fitava o chão, os braços apoiados nas coxas, lágrimas correndo-lhe pelo rosto. Kevin ajoelhou-se na frente dela e segurou-lhe os ombros:

—Aí, não foi só você: eu também esperava que desse certo. — mentiu — Não tava lá muito otimista, mas... quando a gente visitava seus pais nas férias, eles pareciam satisfeitos de nos ver juntos. E o Ken, se te faz sentir melhor, não participou da palhaçada; ele até que tentava me defender deles, mas ning...

Gwen praticamente saltou em cima dele. Abraçou-o apertado, abafando os soluços no peito molhado de refrigerante. Kevin acomodou-a em seu colo, agradecido por Ben ter saído discretamente da sala enquanto os dois “rasgavam sedas”. Depois que ela se acalmou, ele a ajudou a levantar e permaneceram abraçados, consolando um ao outro. Relutante, ela ergueu os olhos para olhar pela sala:

—Cadê o Ben?

—Quem liga? — ele resmungou com a voz abafada, esfregando seu rosto no cabelo ruivo —Que saudades desse cheirinho de xampu...—gemeu baixinho.

Apesar de tudo, Gwen não conseguiu deixar de sorrir.

—Também sentia falta de você... mas não de ser arranhada por uma lixa. — acariciou o queixo azulado e reparou mais uma vez nas olheiras dele. “Minha culpa”, pensou.

— Eu sinto tanto... não era pra ser assim. Pra você e pro Ben, deve parecer que fui uma idiota esse tempo todo, sem ver nada do que acontecia em volta. Mas é que... — suspirou, tentando encontrar as palavras — sei lá, nestas últimas semanas não tenho me sentido mais eu mesma. Sempre que eu reclamava de alguma coisa, mamãe jogava na minha cara a paciência que ela e papai tiveram comigo quando eu passava o tempo fora ajudando vocês, e que não custava nada eu dar um pouco de atenção para a família dela.Perdi a conta de quantas vezes ouvi a história de como eu ajudei mamãe a se reconciliar com Vovó!

Kevin cerrou os dentes. Quando Frank e Natalie eram jovens, tinham vivido uma situação típica de novelão: os pais da moça não aprovavam o namoro, depois o velho dela mudou de ideia quando Frank começou a brilhar nos tribunais, mas a “doce” mamãe Grace nunca disfarçou seu desgosto por ter o filho de um simples encanador como genro. Infelizmente, o pai de Natalie morreu um ano depois do casamento e a mãe aproveitou para brigar com Frank por uma bobagem qualquer. Ficou “profundamente magoada” porque a filha se recusou a pedir o divórcio. Como resultado, por quase dois anos a família Wilkes afastou-se da ovelha desgarrada; mesmo Joyce, famosa por sua ousadia, teve medo de desafiar a irmã mais velha. Somando isso à descoberta de Natalie de que a maior parte dos parentes de Frank eram extraterrestres luminosos ou gosmentos, Kevin podia entender que os primeiros anos de vida conjugal da sua sogra não tinham sido fáceis. Depois do nascimento de Ken, os Wilkes se reaproximaram aos poucos, mas foi (segundo Natalie) quando a pequena Gwendolyne mostrou uma inteligência fora do comum que sua mãe finalmente “perdoou” a ela e a Frank e, como resultado, a garota tinha que arcar com o peso de ser o cachimbo da paz da família. Para a novela ser completa, só faltava alguém descobrir que Gwen na verdade era a princesa de um planeta distante trazida para a Terra para não ser assassinada por rebeldes, mas Kevin não era bobo de brincar sobre isso com sua noiva.

—Mamãe Gothel “sabe mais” —ele ironizou —E não é verdade. Você quase se matava pra dar conta dos estudos e das nossas missões e seus pais ainda arrumavam mais carga pra botar nas suas costas. Lembra daquela vez que a gente teve que servir de babá pra Sunny? Nunca vou esquecer a maluca gritando “Antoooonioo”! — fez uma voz esganiçada, torcendo as mãos.

Ela abanou a cabeça, com energia:

—Eu sei, eu sei! É que não é só isso. Eu também... como é que eu vou dizer? —suspirou —Não posso. Você vai rir...

—Rir de quê?

Gwen não respondeu. Kevin começou a fazer-lhe cócegas, até que ela o empurrou:

—Está bem! Ufa, tinha esquecido esse seu lado chato! Achei que essa pressão toda fosse outro teste Wilkes. Não me olha assim, sei que é ridículo, mas foi isso mesmo... Eu acreditava que, se a gente aguentasse tudo o que nos jogavam em cima, te achariam digno de entrar no clã. Não digo que todo mundo fosse te aceitar – certamente não a Vovó Grace – mas eu esperava que você ficasse amigo de alguns dos meus primos.

“Então foi por isso mesmo que ela me convenceu a concordar com tudo? Não estava me testando? Eu deveria saber... sou mesmo um mané. Como deixei de confiar dela?”

—Gwen — segurou gentilmente a mão dela e levou-a até seu rosto —Não se pode obrigar ninguém a amar. Olha só o meu padrasto: minha mãe casou com ele porque achou que eu precisava de um novo pai. Nem se deu ao trabalho de me perguntar o que eu achava.

—Você só tinha quatro anos.

— Idade suficiente pra ficar magoado. Os dois acharam que era birra minha e que com o tempo eu e o Harvey íamos nos tornar os maiores amigos. Mas tudo o que eu pensava era que aquele mala-sem-alça tinha tomado o lugar do meu pai. Nada do que o Harvey fazia tava bom: se ele era legal comigo, eu achava que ele tava tentando me comprar; se me botava de castigo...

—Você o achava um carrasco. — Gwen balançou a cabeça, compreendendo aonde Kevin queria chegar — Mas você respeita seu ex- padrasto agora, mesmo que não sejam os “maiores amigos”. E, mesmo que alguns membros da minha família não gostem de você, eles tem que aprender a te respeitar.

—Só alguns? — ele ironizou.

A voz irritada de Ben cortou o clima:

—Desculpa se tô sendo mal-educado! Mas como a senhora chama arrancar o celular da mão dos outros e desligar na cara de quem tá falando? Etiqueta?

—Ele gosta de você — Gwen deu um breve sorriso para o noivo, enquanto os dois se dirigiam à sala de comando.

A voz irada de Natalie atingiu-os como um bafo de ar quente. Ben havia usado o computador da nave para contatar os tios pela internet e agora estava visivelmente arrependido de tê-lo feito.

—Você anda muito abusado, sabia? _ Kevin censurou-o.

—A bateria do celular acabou! Eu só queria avisar o tio Frank que a Gwen ia ficar aqui com você, mas a titia entrou no escritório... — o herói gritou, para se fazer ouvir acima do furacão.

Gwen respirou fundo e deu um passo para dentro da sala, mas Kevin postou-se na sua frente:

—Chega —sussurrou — Você já sofreu demais por causa deles.

—”Eles” são meus pais...

— Por isso mesmo —ele insistiu, num tom mais suave —Você nunca vai conseguir dizer o que eles merecem ouvir.

Ela franziu a testa, com uma boa resposta na ponta da língua... e deu de ombros. Realmente, a última coisa que desejava agora era outra discussão desgastante e inútil com seus pais.

—Está bem. Mas não exagere, tá? — e afastou-se, a passos rápidos.

Por sorte, o ângulo em que a tela do terminal estava não permitia ver a entrada da sala de comando. Assim, Natalie continuou “tranquilamente” a descompor Ben, sem perceber a aparição e fuga da filha querida:
—...sempre atrapalhou a vida dela! Eu nunca deveria ter deixado Gwen viajar com você e o Max naquele verão...

—Porque assim ela nunca teria se interessado por magia, não descobriria que é anodita e passaria o resto da vida sem entender por que se sente deslocada em toda a parte? — Kevin largou, aproximando-se — Isso é bem a sua cara!

Ele nunca havia sido (intencionalmente) grosseiro antes com os pais de sua amada. Foi igualzinho a desligar um rádio: Natalie silenciou de um jeito tão brusco que causou um choque nos ouvidos dos presentes. O casal fitou ansioso o recém-chegado, embora nenhum dos dois estivesse feliz em vê-lo. De passagem, Kevin notou que eles estavam no escritório de Frank, onde ele perdera uma tarde tentando escrever seus votos de casamento - e onde, há muito tempo, o velho o proibira de dar um carro a Gwen, sob ameaça de acabar permanentemente com o namoro deles. Não havia mais ninguém ali, além do casal. "Esquisito..." pensou" será que a parentada foi embora por causa do escândalo? Não... Aposto que Frank trancou a porta e os Wilkes tão ouvindo pela fechadura."

A surpresa de Natalie durou apenas alguns segundos:

—Onde está Gwen? — inquiriu — Por que você não respondeu às nossas chamadas?

— Em resposta à primeira pergunta: ela tá descansando, depois que comeu a sua primeira refeição decente do mês — Kevin respondeu, ácido — E em segundo, não respondi porque a agência de turismo Levin tá fechada pra sempre.

— Ótimo! — Frank soltou, inesperadamente. Sua esposa lançou-lhe um olhar assassino e ele emendou — Digo, é um alívio saber que Gwen finalmente se alimentou direito. Estava com medo de que ela tivesse que ser hospitalizada com desnutrição. — terminou, devolvendo o olhar de Natalie.

Se cara feia queimasse, o escritório estaria em chamas, porém ele a ignorou, focando sua atenção no genro:

—Eu disse para minha sogra que você cuidaria bem dela.

Kevin estreitou uma sobrancelha. “Deve tá muito desesperado, pra me elogiar desse jeito. Até ontem, eu podia cair morto que ele não tava nem aí.”

Respondeu, em tom amargo:

—Como sempre fiz. Pra ser babá da sua filha, Kevin Levin é o cara; pra ser pai dos filhos dela, eca! Ben já disse pra vocês que Gwen me pediu pra adiar o casamento, não foi?

Frank fechou a boca. Natalie, mais calma, retomou a palavra.

— Disse, sim. E disse que é porque vocês vão sair em outra missão(se alguém de fora a ouvisse falando, pensaria que essa “missão” se tratava de limpar um esgoto, ou coisa pior). Nem quando estão pra se casar, são capazes...

— Deixa de ser hipócrita — Kevin lascou, implacável — Você nunca me quis como genro. Devia tá comemorando o adiamento com a sua querida família, em vez de passar sermão. O que eu acho engraçado é que, sempre que você fala em família, se refere à sua mãe, irmãs, tios e sobrinhos pelo lado Wilkes. Como se seus filhos e seu marido não contassem.

O dardo feriu bem fundo. Natalie já tinha ouvido muitas indiretas de Frank, dos filhos e mesmo tia Joyce observara que ela deveria se preocupar mais com seu “lado Tennyson”. Mas era a primeira vez que alguém esfregava isso na sua cara, sem sutilezas.

—É claro que eles contam! Por que acha que não deixei Gwen fazer a cerimônia sem graça que ela queria? Porque ela é especial para todos nós! Desde que Gwen era pequena, minha mãe, minhas tias e eu sonhamos em dar a ela um casamento perfeito... não importa quem seja o noivo. — terminou, com o máximo de desprezo que conseguiu juntar naquelas palavras.

— Que bom pra mim. — Kevin retribuiu a cara feia dela —Se eu fosse especial, ninguém ia ligar pro que eu quero.

Ben cutucou-o para que ele saísse da frente e se inclinou sobre o painel:

— É verdade. Vocês deixaram bem claro que não dão a mínima para os desejos do Kevin e da Gwen. Só que, para seus parentes, o noivo dela importa muito e você e tio Frank sabiam disso. Assim, fingiram que concordavam com o casamento, com a condição de que seu lado da família fosse convidado para ajudar nos preparativos, sabendo muito bem que eles fariam de tudo pra afugentar o Kevin. Vocês só tinham que fazer vista grossa, ou botar panos quentes, se alguém fosse longe demais. Se, mesmo assim, os noivos não desistissem, paciência, os gastos já tinham sido feitos! Pelo menos sua mãe e suas tias teriam a celebração com que sempre sonharam, “não importava quem fosse o noivo”!

Frank fechou a cara:

—Ben, não me interessa se você é o grande protetor do universo. Ainda somos seus tios e você nos deve respeito!

— RESPEITO? Por pais que enfiam uma faca nas costas da própria filha?!

—Ben... — Kevin tentou chamar a atenção dele, porém o herói estava furioso demais para notar:

—Gwen caiu no choro quando nos contou o que aconteceu na loja! Quantas vezes já viram ela chorar? Me d...

—TENNYSON! — Kevin berrou no ouvido dele. Até o casal na tela deu um pulo; teria sido cômico se o ambiente não estivesse tão pesado. Ben recuou, esfregando o ouvido lesado.

— Eles não tem culpa do que os Wilkes fizeram comigo! — explicou o mecânico — Quer dizer, tem, mas não do jeito que você tá pensando.

Toda a atenção agora estava concentrada nele. Ben só repetia “não tem?” ao mesmo tempo que o casal queria saber como Kevin tinha adivinhado. Demorou até que o deixassem explicar:

— Gwen contou que a avó dela tava me acusando de pular cerca com a Emily, mas que a mãe ficou insistindo que não podia ser verdade. É uma atitude bem estranha pra alguém que diz amém pra tudo o que a mãe dela faz, não? Aposto que a senhora Ten... que a Natalie convidou os parentes pensando que Gwen ia ficar com vergonha de me apresentar pra eles – ou que eu ia vazar com a pressão dos preparativos, o que viesse primeiro. Mas a senhora Wilkes achou o plano sutil demais e deu uma incrementada. E como a Natalie e o Frank aí é que começaram a bagunça, tiveram que ficar quietinhos deixando a bola rolar.

—Pelo menos um de vocês usa a cabeça — Frank concordou, aliviado — Foi Rachel quem começou essa intriga – e, diga-se de passagem, ninguém acreditou nas mentiras dela. Nem mesmo Grace, embora ela tenha adorado. Emily é praticamente outra filha para nós; um escândalo desses poderia arruinar a vida dela.

— E a minha, valeu a preocupação! — Kevin acrescentou, irritado.

— De qualquer jeito, é terrível — dizer que Ben estava chocado era dourar a pílula; repugnado seria o mais próximo do que ele sentia — Vocês não são obrigados a gostar do Kevin (sei que não é fácil conviver com ele), mas não dão a mínima pros sentimentos da Gwen? Ela concordou com todas as suas exigências para o casamento porque ama vocês! Queria que vocês recebessem o Kevin na família! Como puderam destruir o sonho dela desse jeito?

— Destruir... — Natalie murmurou, entredentes. Em sua defesa, ela estava sob tensão há dias, pressionada pelos familiares e preocupada com o crescente desânimo da filha. A fuga de Gwen, como se pode imaginar, havia causado um tumulto em sua casa; sua mãe e tios a acusavam de não educar direito seus filhos, enquanto Ken lhe dera uma bela bronca por ser tão insensível com a irmãzinha. Todo o ressentimento acumulado em seis anos explodiu:

— Você não é ninguém pra nos acusar de destruir os sonhos dos outros, Benjamin Kirby Tennyson! Especialmente os da Gwen! A vida dela teria sido completamente diferente, se não fosse por você e esse relógio horrível!

Uma acusação impactante... se Ben não a tivesse ouvido antes há poucos minutos. Sem falar nas “suaves” indiretas que recebera da tia, ao longo dos anos.

— De novo isso, tia? Pra começar que vocês nunca deveriam ter escondido dela a sua descendência anodita! Entendo que quisessem que Gwen e o Ken tivessem uma vida normal, mas se ela soubesse de tudo desde o início, nunca teria se sentido obrigada a estudar magia escondida! Se ela se afastou de vocês, a culpa é SUA, não minha!

Acrescentar combustível ao fogo é sempre uma péssima ideia. Se Natalie ainda hesitava em dizer o que a roía por dentro, perdeu qualquer escrúpulo de vez:

— Sempre esqueço que você não é capaz de entender que nem todo mundo fica maravilhado com truques estranhos; algumas pessoas valorizam um dia-a-dia monótono e sem sobressaltos. Você nunca parou para pensar que seus pais, por trás de todo o orgulho que eles DIZEM sentir, já devem ter desejado várias vezes que seu aparelho se quebrasse para sempre? Por que temos que ficar felizes cada vez que Gwen se arrisca a ser morta em outra galáxia ou flutua no ar com os olhos brilhando, igualzinho à minha sogra?! — sua voz se quebrou num tom choroso — Ela nem parece minha filha quando fica assim! Quando Gwen estava no ensino médio, passava o tempo todo com vocês dois, em vez de se divertir como uma adolescente normal! E tivemos que aguentar de boca fechada, porque vocês estavam “salvando o mundo!”

— Ela também se divertia com a gente... — Ben argumentou, mesmo sabendo que era inútil. Natalie nem ouvia. Por mais de uma vez, Frank tentou interromper e ela o ignorou, decidida a ir até o fim:

— Eu tinha que inventar todo o tipo de desculpa para minha mãe e meus tios, pra explicar porque Gwen nunca estava em casa quando eles apareciam, ou porque não podia visitá-los! E então a sua identidade foi exposta e o mundo ficou sabendo o que vocês eram... eu queria morrer! Felizmente, minha família achou interessante ter super-heróis na família, mas...

CALA A BOCA, SUA VACA!!!!