Sebastian estava de volta ao seu quarto na antiga mansão Morgenstern, onde ele havia crescido. Era um cômodo espaçoso e, ao mesmo tempo, vazio. Ele olhou ao redor e observou cada pedaço de sua antiga vida; as prateleiras lotadas de livros que ele era obrigado a ler e as diversas armas penduradas nas paredes como se fossem troféus — não havia brinquedos ou aparelhos tecnológicos já que sua infância não havia sido igual a das outras crianças. Apesar de o vidro da janela estar fechado, um vento frio invadiu o quarto.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ali ele não se sentia como Sebastian Verlac. Naquele lugar, ele era Jonathan Christopher Morgenstern.

Hesitante, ele se aproximou da cama bagunçada e procurou algo que costumava ficar embaixo do travesseiro branco. Era uma antiga foto de Clary que Jonathan havia pegado nas coisas do pai, enquanto ele não olhava, quando tinha sete anos. Desde então, ele guardava a foto embaixo do travesseiro e sempre ficava olhando-a antes de dormir. Sempre sonhando em conhecer a irmã e talvez, apenas talvez, deixar de ser tão sozinho.

— Eu sempre soube que você havia pegado essa foto — murmurou uma voz conhecida atrás de Jonathan — Só nunca entendi o porquê disso.

— E nunca vai entender — rebateu Jonathan, antes de se virar para encarar o pai.

Valentim estava encostado na porta entreaberta do quarto, sorrindo com um ar de diversão. Seus cabelos brancos brilhavam na pouca luz que entrava pela janela e seus olhos brilhantes estavam cheios de vida. Jonathan sabia que aquilo era um sonho, porque seu pai estava morto.

Pensando bem, aquilo estava mais para um pesadelo.

— O que está fazendo aqui? — perguntou Jonathan, ainda com a foto na mão.

— Não sentiu a minha falta? — Valentim fingiu estar magoado.

Jonathan forçou uma risada fraca.

— Nem um pouco.

Valentim assumiu um ar pensativo, com a mão direita apoiando o queixo. Em seguida, deu de ombros.

— Ah, é claro — disse ele, revirando os olhos — Jace é o sentimental da família, não você.

Jonathan fechou os punhos com força. Ele não conseguia conter a raiva que sentia toda vez que alguém mencionava o nome daquele Caçador de Sombras irritante, principalmente se fosse seu pai ou sua irmã a pronunciá-lo.

— É claro, Jace é o garotinho dos sonhos de todo pai — retrucou Jonathan, cuspindo as palavras frias — E eu sou apenas o seu guerreiro.

Valentim avançou alguns passos, subitamente interessado na conversa.

— Eu te criei para ser um guerreiro invencível, Jonathan. Nenhum Caçador de Sombras seria páreo perto de você — murmurou ele, cuidadosamente —, mas é uma pena que você esteja sendo derrotado pelo amor.

Jonathan abriu a boca para responder, mas não saiu som algum. Valentim sorria, sabendo que estava certo.

— Não seja ridículo — a voz de Jonathan falhou — Eu não sinto amor.

— Não sente? — indagou Valentim, cruzando os braços — Então por que está tão fraco?

Antes que Valentim pudesse dizer mais alguma coisa, foi surpreendido quando Jonathan voou, em uma velocidade quase que inumana, para cima dele. Seria um golpe perfeito, se Jonathan não tivesse atravessado o corpo do pai, como se ele fosse um fantasma.

Valentim girou até estar em frente ao filho e gargalhou.

— Não adianta me atacar, eu já estou morto — disse Valentim — E você também estará, se continuar assim.

— Eu não estou fraco! — berrou Jonathan.

— Você quase perdeu uma luta para um inimigo sem importância, Jonathan. E, além disso, você passa mais tempo pensando na própria irmã do que no seu maldito plano.

Jonathan fechou os olhos com força e cobriu os ouvidos com as mãos. Ele não queria ouvir aquilo, não queria ouvir mais nada que viesse daquele homem.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Valentim se aproximou do filho e ergueu a mão direita, como se quisesse tocá-lo.

— Não foi para isso que eu te criei — ele sussurrou.

— Não — Jonathan balançou a cabeça — Você me criou para ser um monstro.

E, de repente, o quarto girou. As rachaduras nas paredes sumiram, a luz refletida na janela se intensificou e o ar ficou mais puro. O tempo pareceu voltar tão depressa que Jonathan enxergou pontos brilhantes antes de tudo voltar ao normal.

Ele recuou um passo quando percebeu a presença de duas pessoas ali; um homem alto com expressão séria, cabelos quase brancos e olhos escuros. Ele estava com os braços cruzados, parecendo impaciente, em frente a um garoto de uns 8 anos.

Jonathan arregalou os olhos ao perceber que estava olhando para si mesmo. O garoto estava com os cabelos prateados caindo nos olhos escuros, as maçãs do rosto avermelhadas e sangue escuro nas mãos pequenas. Ele encarava o chão e o teto, como se estivesse evitando olhar para o pai.

Nenhum dos dois pareceu perceber a presença de outras pessoas ali, assim Jonathan concluiu que era apenas uma lembrança dentro de seu sonho.

— Você foi muito bem hoje, Jonathan — o Valentim mais novo murmurou, ainda com impaciência na voz — Matou tantos demônios com uma velocidade incrível que eu fiquei realmente impressionado.

O garoto não sorriu e nem levantou a cabeça para falar.

— Obrigado, pai.

Valentim se aproximou mais da criança e se abaixou, até que estivessem quase da mesma altura. Ele ergueu a mão direta e a aproximou da cabeça do filho, como se quisesse tocá-lo, mas pensou melhor e recuou. Valentim pigarreou.

— Talvez amanhã podemos começar a te treinar com pessoas de verdade. O que acha?

O garoto juntou as duas pequenas mãos, fazendo o sangue escuro escorrer até ao chão, manchando o tapete. Ele respirou fundo e ergueu a cabeça, pronto para encarar o pai.

— Por que eu tenho que matar, pai? — ele perguntou, juntando as sobrancelhas.

Valentim pareceu ainda mais impaciente e arrogante ao responder.

— Porque você foi criado para isso, Jonathan.

— A Clarissa também foi criada para isso? — ele perguntou, fazendo Valentim se desequilibrar por um segundo. Ele colocou as mãos no chão para se apoiar e se levantou.

— Do que você está falando? — Valentim perguntou, elevando a voz — Como sabe sobre Clarissa?

O garoto se encolheu contra a parede e tirou os cabelos de cima dos olhos com impaciência.

— Eu escutei você falando sobre a minha irmã e que ela se chama Clarissa, pai.

— Não quero você escutando minhas conversas novamente, entendeu? — ele gritou e Jonathan estremeceu — Clarissa não foi criada para isso porque ela é diferente de você. Ela não é um monstro.

Lágrimas arderam nos pequenos olhos do Jonathan mais novo. Ele ergueu a mão direita e passou embaixo dos olhos, secando as lágrimas e sujando seu rosto de sangue.

— Eu sou um monstro — sussurrou ele para si mesmo.

Valentim voltou a se aproximar com passos pesados e, em seguida, levantou a mão e bateu no rosto do menino. Ele se desequilibrou com a força do tapa e caiu no chão, colocando as mãos para cobrir o rosto e as lágrimas que caíam descontroladamente.

— Não chore — Valentim ordenou e caminhou para a porta — Você também não foi criado para isso.

E bateu a porta fazendo as paredes tremerem. O pequeno Jonathan tirou as mãos do rosto e limpou as lágrimas na própria camiseta suja de sangue. E então, ele se levantou e sentou na cama, pegando algo que se encontrava embaixo de seu travesseiro.

— Então era assim que você fugia da dor — o Valentim do sonho murmurou — Com Clary.

Jonathan desviou o olhar da lembrança e balançou a cabeça negativamente.

— Nunca consegui fugir da dor.

E então, tudo começou a girar novamente e Jonathan soube que estava finalmente acordando. As rachaduras nas paredes reapareceram, o quarto ficou mais escuro e Valentim foi puxado para as sombras tão rápido que ele não pôde se despedir. Não que quisesse fazer isso.

Porém, antes de ser arrastado de volta para a realidade, Jonathan olhou, mais uma vez, para o garotinho que abraçava a foto da irmã enquanto mais lágrimas ainda lutavam para cair.