– Gale será padrinho dessa...criança - Ela se forçou a dizer. Ele sentiu o queixo cair.

Ela não podia estar fazendo aquilo com ele.

Peeta continuava a fitar a mulher a sua frente, esperando-a mudar de ideia. Parecia um estranho jogo do ciso, onde uma pequena vida se remexia para saber seu destino. Sempre assim. Um Jogo.

Os minutos se passaram até que o ar tenso se tornasse irrespirável. Peeta olhou uma última vez nos olhos elétricos de Katniss, e suspirou. Acenou odiosamente a cabeça, com um sorriso sarcástico no rosto. Virou-se, e quando Katniss se vangloriava por ter conseguido a vitória sobre o marido, ele gritou:

– Ligue para Gale. - Sem mais um única palavra, ele subiu as escadas e aconchegou-se na grande cama do casal, mergulhando em um sono profundo e sem sonhos.

Katniss, enquanto ouvia a batida dos sapatos do marido no assoalho, sentava-se e cobria com as mãos o rosto macio. Quando as batidas cessaram, e ela imaginou que o marido houvesse dormido, ela deixou, mais uma vez, as lágrimas rolarem. Dessa vez, por muito tempo, até que seu rosto se tornasse rubro e a respiração fosse entrecortada por soluços ritmados. Ela não estava nem de longe preparada para ter a droga de um filho.

Seu torpor foi interrompido pelo som agudo que vinha do telefone á sua direita. Em um sobressalto, ela atendeu-o. Era Haymitch.

– Katniss? - Ele perguntou, com a voz arrastada. Era quase possível sentir seu hálito de bebida.

– Haymitch. O que foi? - Ela olhou pela janela, e o rosto magro do homem com quem ela falava tornou-se visível. Ele a observava da janela da própria casa.

– Onde está Peeta? Vocês brigaram, foi isso? - Ele perguntou, fitando de longe os olhos vermelhos e inchados da garota.

– Sim...De certo modo, sim. - Ela respondeu, se perdendo por um segundo em devaneios. - Mas está tudo bem agora, Haymitch. Não se preocupe.

Ao dizer isso, a outra linha foi desligada. Ela, então, olhou pela janela. Haymitch não estava mais lá. Antes que pudesse se perguntar onde aquele maldito bêbado fora, ouviu três batidas ritmadas na porta e a voz de seu antigo mentor a gritar por seu nome.

– Shhh! Por Deus, Haymitch, Peeta está dormindo. - Ela sussurrou, abrindo a porta e deixando- o entrar.

– Então, queridinha - ele voltara a usar o antigo apelido - o que foi?

– Não foi nada, Haymitch. Volte para casa.

– Está me expulsando, Katniss?

– Claro que não, Haymitch, é só que...

– É só que ela está grávida, Haymitch. Grávida. E não quer o bebê. - Peeta disse, descendo as escadas e esfregando os olhos. Haymitch então, levantou-se de sua poltrona. Em uma admirável pirueta, sentou-se ao meu lado e fitou a minha barriga.

– Um...um bebê, Katniss? - Ele olhou-me, e por um segundo imaginei ter visto lágrimas peroladas brilhando em seus olhos. Ele olhou bem fundo nos olhos de Katniss e disse, com raiva.

– Katniss. Já foram perdidas vidas além da conta. Não perca essa. Você sabe que é o certo. Além disso, que mal pode ter um bebê? - A última frase foi dita suavemente, enquanto ele alisava a barriga ainda reta de Katniss. Peeta permanecia ereto no fim da escada.

– Bem, crianças, vou deixar vocês sozinhos. Espero que façam a escolha certa. - Dito isso, Haymitch saiu.

Peeta caminhou até a esposa, beijou-lhe a testa e entregou-lhe o pequeno telefone negro.

– Você precisa fazer isso.

Katniss, então, discou o número decorado e uma voz conhecida atendeu.

– Gale?

– Katniss - Ele disse, com frieza.

– Gale... - Ela não sabia o que dizer. O silencio perdurou até que Peeta, impaciente, pegou o gancho das mãos da garota.

– Gale, aqui é o Peeta - Peeta disse, a voz firme e controlada.

– Ah. Olá, Peeta.

– Certo. Vou direto ao assunto, Gale.

– Pois sim

– Katniss está...bem, ela está grávida. E nós..bom, na verdade ela queria que você aceitasse ser o padrinho de nosso filho.

– Estou indo pra aí.

Dito e feito. Dois dias depois, Gale chegou. Uma imensidão de malas, e um rosto que não condizia com o que Katniss se lembrava. Ele estava mais magro, e parecia maior. Parecia, de algum modo, mais selvagem, também.

O visitante foi recebido com todas as honras e um beijo estalado em sua bochecha, dado por Katniss, seguido de um aperto de mão furioso dado por Peeta. Peeta, após um olhar de fúria de Katniss, ajudou-o a carregar as malas.

Ele pegava a última, uma pequena mochila, que não parecia conter nada de especial. O zíper estava ligeiramente aberto, e após ele tropeçar e deixar a bolsa cair, uma faca, longa e afiada escorregou da bolsa. Os três se entreolharam, e Katniss, em um sussurro, perguntou:

– Gale? Por que tem uma faca em sua mochila?